Continuação
grande parte, responsável pelo progresso da apostasia na sociedade de hoje.
O princípio que enunciamos, amados filhos, é válido, embora nossa ação apostólica se restrinja ao meio em que vivemos e ao campo que nos é facultado atingir, porquanto é sempre a mesma doutrina que fecunda todo o apostolado, desde o plano mais modesto até o mais amplo e profundo.
Por isso, antes de ponderar as consequências pastorais do ensinamento exposto, amados filhos, vamos resumi-lo para que se fixe melhor em vossas mentes.
1.Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e Homem verdadeiro, foi, como Mediador entre o Céu e a terra e Redentor do Gênero Humano, constituído pelo Padre Eterno Rei Universal, no sentido pleno da palavra. É mediante a implantação de seu Reino de Verdade, Justiça e Paz, que se realiza sua missão, orientada para a glória de Deus e a salvação das almas. Embora, de direito, seja Jesus também Rei temporal, de fato, Ele se reservou apenas a soberania sobre as coisas que relacionam o Homem com Deus e dizem respeito à salvação eterna.
2. Como a implantação desse Reino na terra é a razão de ser da Igreja de Cristo, a Igreja Católica, Apostólica, Romana, a Realeza de Jesus Cristo, de si, pede que a sociedade política se constitua de acordo com a única Igreja de Cristo.
3. Todavia, a realeza de Jesus Cristo não deve ser imposta pela força, pela violência. Pois, é mediante um ato livre da vontade que o homem adere à Fé e ingressa no Reino de Cristo. Esta condição — a saber, que é pelo exercício de um ato livre que o homem entra no Reino de Cristo — não cria para o erro ou o vício, direito algum à pacífica existência no Estado; menos ainda à propaganda e à ação. Pois, feito para a Verdade e o Bem, nada há no homem que lhe dê direito de impunemente aderir ao erro ou consentir no vício.
4. Se não cria direito, justifica, no entanto, a tolerância, por parte do Estado, em relação às confissões religiosas falsas, desde que circunstâncias concretas a peçam, em vista de um grande bem a obter, ou de um mal que se deve evitar.
A tolerância de religiões falsas, bem como de certos procedimentos contrários à norma de moralidade, é, pois, sempre um mal menor, que por isso não pode ser considerada uma situação definitiva. Erraria quem pretendesse ver alçada à categoria de princípio a condição de mistura de bem e mal figurada na parábola da cizânia e do trigo. Pois, a parábola prediz um fato, não estabelece um direito. Prediz o fato da situação dos bons no mundo que, segundo os desígnios da Providência, terão sempre em torno, pessoas más que, na explanação de Santo Agostinho, os exercitem na prática da virtude e os firmem na Fé. Em absoluto, não pretende a parábola indicar o direito do erro ou do mal à existência, como se, por princípio, a situação normal do Estado comportasse ou exigisse a liberdade de existência e propaganda a todos os credos religiosos.
5. Não se pode, aliás, eximir o Estado de seus deveres para com a verdadeira Religião, a pretexto de que deve cuidar apenas das coisas da terra; pois, ao tratar de seu fim específico, não deve nem pode o Estado esquecer a subordinação dos bens terrenos ao destino último, ultraterreno dos seus cidadãos. Só o fará convenientemente, se ele mesmo se subordinar à verdadeira Religião que é a Católica, Apostólica, Romana, dotada de características claramente manifestas. De maneira que, de modo geral, ninguém pode excusar-se de não conhecê-lA ou de não viver segundo seus mandamentos.
A implantação do Reinado de Jesus Cristo na sociedade é meta apostólica que incumbe a todos os fiéis. Deve, porém, ser propulsada sempre de maneira ordeira e pacífica, à imitação de Jesus Cristo e dos Apóstolos, que obedeceram e mandaram obedecer aos poderes públicos constituídos, excetuando-se apenas os casos em que o poder impunha leis ou ordenava algo contra a Vontade de Deus. Dos primeiros cristãos afirma Leão XIII que "eram exemplares na lealdade aos imperadores e obedientes às leis enquanto era lícito. Entretanto, espalhavam um resplendor magnifico de santidade, procurando outrossim ser úteis aos seus irmãos e atrair os demais à Sabedoria de Cristo: dispostos, porém, sempre a retirar-se e a morrer valentemente se não podiam reter as honras, dignidades e cargos públicos sem faltar à consciência" ("Immortale Dei').
A obrigação que diz respeito a cada um de nós, caríssimos filhos, no sentido da implantação do Reinado de Jesus Cristo, começa pela própria conversão. Antes de mais nada, é preciso que Jesus Cristo reine em nosso ser, pela conformidade da própria vontade, dos atos e do proceder em relação à Vontade Santíssima de Deus, expressa em Seus Mandamentos e na orientação de Sua Santa Igreja, e sobretudo pela assimilação de seu espírito. Semelhante vassalagem nos obriga a fugir das solicitações do mundo.
Foi assim que os primeiros cristãos reformaram completamente a sociedade pagã, convertendo-a e construindo, sobre suas ruínas, a cidade de Deus, a civilização cristã. Ouçamos Leão XIII: "Desse modo, as instituições cristãs penetraram rapidamente não somente nas casas particulares, senão também nas casernas, nos tribunais e na mesma corte imperial... Até o ponto que, quando se deu liberdade de professar publicamente o Evangelho, a Fé cristã apareceu não dando vagidos como uma criança de berço, mas sim adulta e vigorosa, na maioria das cidades" ("Immortale Dei").
A ação pessoal desdobra-se na família. Quando há, no seio da família, a austeridade da vida cristã e o ambiente do lar se impregna de Fé e convida à prática da virtude, sentem as pessoas maior facilidade de vencer os aliciamentos para a impiedade e o vício, suscitados pelas paixões, pelo demônio, pelo espírito do mundo.
Importa aqui, amados filhos, sublinhar a responsabilidade enorme dos pais na formação católica dos filhos; pois de sua vigilância e positiva ação educadora depende o espírito que irá animar mais tarde todo o procedimento de sua prole. Sem uma ação decisiva dos pais, é impossível implantar-se na sociedade o Reinado de Jesus Cristo. Acenemos, amados filhos, neste ponto, à nefasta influência que desempenha no ambiente do lar a televisão, as revistas e os livros maus ou simplesmente levianos.
Compreendeis, amados filhos, que boas famílias relacionam-se em grupos sociais maiores, dos quais é formada a sociedade civil. E eis como, por uma ação firme embora paciente, podemos nós contribuir para a renovação do Estado, de modo a cristianizá-lo: Segundo predisse o Divino Salvador, na parábola do fermento (Mt. 13, 33), é através de uma irradiação contínua do bom odor de Cristo Jesus que o fervor dos fiéis reconquistará o mundo para a vassalagem do Rei da glória.
Eis a razão, pois, amados filhos, porque tece o demônio insídias de todo gênero à integridade da família cristã, quer na sua constituição, em seus deveres ou no teor normal de sua vida.
Vedes, portanto, que, embora de importância capital e imprescindível, nosso empenho para que Jesus Cristo seja Senhor Soberano da sociedade não pode limitar-se às ações particulares, pessoais ou em família. Temos que agir também na vida pública, tanto de modo positivo como para impedir que as famílias sejam asfixiadas pelas desordens de toda espécie, toleradas segundo a mal compreendida liberdade moderna.
Como adverte Leão XIII ao sublinhar esta obrigação dos fiéis, a ação na vida pública há de se fazer de modo ordeiro e pacífico. Sem provocar lutas de classes, sem excitar os espíritos contra a ordem estabelecida. Mas, agindo, além do bom exemplo, arma absolutamente indispensável, mediante todos os meios legais — escritos, manifestos, representações coletivas, etc. — no sentido de impedir a aprovação de leis ou costumes contrários à Fé e à Moral cristãs, como o divórcio, o aborto provocado sob qualquer pretexto, a permissão da venda de anticoncepcionais, seu uso em hospitais e maternidades, a educação sexual nas escolas, a licenciosidade pública, a difusão da pornografia, a liberação de filmes injuriosos a Jesus Cristo, ofensivos ao Dogma, desagregadores da família, etc.
Idêntica atividade se faça no sentido positivo, com o fito de obter uma ordem pública inspirada no espírito cristão que prepara as almas dos cidadãos a aderirem à verdadeira Fé em Jesus Cristo, como a proclama sua Igreja, a Católica, Apostólica, Romana.
Está dentro deste apostolado, amados filhos, e dos direitos dos pais uma ação concertada contra o monopólio escolar que, a pretexto de eficiência educacional, vai se delineando em nossa Pátria.
Primeiramente, porque, na situação real do povo brasileiro, o ensino oficial será leigo. Ora, numa escola de ensino oficialmente leigo, não é possível dar aos alunos uma formação católica. Esta pede, com efeito, que todas as disciplinas sejam concebidas num todo harmônico, de maneira que se integrem, animadas do mesmo espírito, o espírito de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Sabedoria de Deus, a cuja glória deve orientar-se toda ciência. Dizia com razão o saudoso Carlos de Laet que o ensino leigo é por essência faccioso. E dava o exemplo da caligrafia, matéria na aparência indiferente, mas em cujo ensino o professor perdia necessariamente sua neutralidade ao ter que explicar, por exemplo, porque Deus se escreve com letra maiúscula.
E semelhante mal não é sanado com o ensino religioso nos estabelecimentos oficiais. Antes de mais nada, porque a condição mais de favor do ensino religioso em tais estabelecimentos, ou, em qualquer caso, sua presença numa concepção que não o coloca no lugar que lhe cabe, já deforma o desabrochar da mentalidade católica. Depois, como observa Pio XI, uma instrução religiosa no ambiente de uma escola na qual, em outras disciplinas, ignora-se ou trabalha-se contra a Religião, é absolutamente insuficiente para dar formação católica a qualquer pessoa.
Aceitando, pois, a introdução do ensino religioso no currículo das matérias escolares, como afirmação de um princípio — que a educação não pode prescindir da Religião — devem os pais católicos cuidar diligentemente da formação religiosa de seus filhos fora da escola, de tal forma que esta corrija os males a que aludimos acima. E devem, de modo especial, empenhar-se contra o monopólio escolar, para que sejam, deveras, em toda a plenitude, reconhecidos e respeitados seus direitos a educação dos filhos, pleiteando o favorecimento e o auxílio à escola particular, cujo controle podem assumir, ou ao menos, em cujas atividades têm a possibilidade de influir.
É oportuno lembrar aqui as observações que fazia Pio XI aos pais a propósito das escolas nazistas: "Os pais, conscientes e conhecedores de sua missão educadora, têm, antes de ninguém, um direito essencial à educação dos filhos que Deus lhes deu, segundo o espírito da verdadeira Fé e coerente com seus princípios e prescrições. As leis e disposições semelhantes que não levem em consideração a vontade dos pais em matéria escolar, ou a tornem ineficaz com ameaças ou com violência, estão em contradição com o direito natural e são íntima e essencialmente imorais". "Nenhum poder terreno pode eximir-vos do vínculo de responsabilidade, imposto por Deus, com relação a vossos filhos". "Diante do Juiz supremo, ninguém em vosso lugar poderá responder quando Ele vos dirigir esta pergunta: Onde estão os que eu vos dei? Que cada um de vós possa responder: Não perdi nenhum dos que me destes (Jo. 18, 9)". (Encíclica "Mit brennender Sorge", de 4-3-1937).
Quando fazemos convosco, amados filhos, estas considerações, aperta-se-nos o coração diante da indiferença com que muitos católicos encaram o problema da educação das novas gerações. Boa parte deles se limita, quando muito, a buscar um colégio que tenha o rótulo de católico. Dispensam informações mais exatas e se eximem de qualquer outra responsabilidade no caso. De onde vem tamanha falta de Fé?
Em boa parte ela se origina do comodismo de quem foi picado pelo liberalismo da civilização moderna, feita do gozo imoderado, próprio da sociedade de consumo. Mas, também ela procede de uma desconfiança na Graça, mais grave em certo sentido.
Na realidade, muitos de nós pensamos que a graça de Deus se tornou insuficiente para vencer a malícia em que está hoje imerso o mundo. Ainda que não se enuncie claramente, de fato julgamos que a apostasia da sociedade e consequentemente dos Estados é tão profunda, que já não é mais possível falar em Reinado social de Nosso Senhor. Seria preciso contentar-nos com um modus vivendi, no qual procurássemos salvar o maior número possível de almas, desistindo, porém, de propugnar, mesmo a longo prazo, por um Estado católico. Daí a acomodação de muitos que fazem profissão de fé católica à crescente paganização da sociedade. O naturalismo levou-os a confiar em suas forças e a desconfiar da Graça. Cuidam eles que têm de realizar tudo e, constatando sua incapacidade de vencer o monstro do laicismo, julgam que o único caminho viável é o das concessões.
O raciocínio que caberia a eles fazer deveria ser outro. Sentindo de sua parte fraqueza e impossibilidade de vencer o espírito moderno, deveriam tais pessoas retornar à Graça, certos da sua onipotência contra todos os inimigos de Deus.
Por ocasião do 13º. centenário da morte de São Gregório Magno, destacou São Pio X que seu admirável predecessor salientou-se precisamente porque desconheceu a prudência da carne, "quer na pregação do Evangelho, quer nas obras admiráveis que realizou para aliviar as misérias humanas". "Ele se apegou — declara São Pio X — ao exemplo dos Apóstolos que pregavam a Jesus Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios. E isso — sublinha o Papa —, num tempo em que o socorro da prudência humana parecia certamente oportuno; pois os espíritos não estavam de nenhum modo preparados para acolher a nova doutrina que repugnava tão vivamente às paixões que por toda parte reinavam, e chocava-se frontalmente com a brilhante civilização dos gregos e romanos" (Encíclica "Jucunda sane" de 12 de março de 1904).
Amados filhos. Esta desconfiança na eficácia da Graça e excessiva confiança na própria capacidade, delineava-se já nos tempos do Divino Mestre. Que outra coisa, de fato, indica a atitude dos discípulos do Salvador que julgaram duras suas palavras e impossíveis de serem seguidas? "Duros est hic sermo et quis potest eum audire?" (Jo. 6, 61). Que pretendiam esses discípulos senão uma mensagem cristã que eles, por si mesmos, seriam capazes de executar? Que recusavam eles senão uma graça tão poderosa que os fizesse superar suas próprias misérias?
No fundo, pois, tratava-se de encontrar um compromisso entre a austeridade do Evangelho pregado por Jesus Cristo e as máximas do mundo; uma religião, enfim, que "compreendesse" as condições humanas e se "ajustasse" às suas fraquezas.
Entretanto, nem sempre tiveram esses discípulos imitadores, em todas suas atitudes. Eles, não desejando alinhar-se segundo as normas traçadas pelo Salvador, O abandonaram. No futuro, nem todos os que iriam participar de seu orgulho e consequente desconfiança da Graça, os imitariam nesse abandono claro. Muitos ficariam no seio da Igreja, para deformà-1A e criar uma Nova Igreja, mais próxima do século, mais acessível às paixões, e pôr isso mesmo inautêntica, falsa. Assim apareceram as heresias.
Com efeito, segundo um processo normal da psicologia humana, procura o homem uma razão que legitime seu modo de proceder. Por falta de confiança na Graça e pelo entibiamento da Fé, acomoda-se a uma convivência normal e pacífica com o erro e o mal existentes na sociedade, e busca um princípio que caucione seu procedimento e lhe dê uma espécie de coerência entre o que faz e o que pensa.
Tal fenômeno, que está na base das heresias do passado, encontra-se também hoje em vários movimentos surgidos no seio da Igreja, na aparência generosos, porquanto votados à conversão daqueles que estão do lado de fora do redil de. Cristo. Sua generosidade, porém, é comodista. Para aplainar o caminho, recorrem a uma apresentação da moral e da doutrina reveladas menos arestosa, se assim nos podemos exprimir, e, por isso, mais acessível aos espíritos habituados a viver mais ou menos ao sabor das máximas do mundo. Na realidade, tais movimentos tiram à Revelação a nitidez de seus Dogmas, e, assim, a falseiam, pois, na palavra de Nosso Senhor, o sim deve ser sim, e o não deve ser não. O que dilui tais precisões vem do maligno (cfr. Mt. 5, 37).
Esses movimentos são conhecidos, precisamente, pela ação apostólica mediante o compromisso que atenua a austeridade tradicional. Com isso, enfraquecem eles os preceitos da Moral, evitando a insistência sobre uma vida habitualmente séria e austera, e permitindo-se liberdades que chocam as almas, acostumadas com a imagem do fiel, dócil seguidor da Escritura e da Tradição. Imagem feita de confiança, sem dúvida, mas também de santo e reverente temor de Deus.
Mais pela maneira de proceder, do que propriamente por ensinamentos claros, inculcam os referidos movimentos um cristianismo no qual sejam consideradas inteiramente normais e sem importância relevante, a leviandade de costumes e a liberdade de palavras, comuns no mundo paganizado de hoje. Tivemos oportunidade de alertar-vos, amados filhos, contra os "palavrões", o nivelamento social, a vulgaridade de maneiras, a irreverência no trato com Nosso Senhor, verificados nos ambientes criados pela ideologia ou espírito oriundos da literatura cursilhista. Consta-nos que outros movimentos semelhantes padecem dos mesmos defeitos.
Seriam semelhantes movimentos a ponte entre o Cristianismo e a vida ao sabor da sensualidade, a capitulação diante das tendências más da natureza herdadas do pecado original. Seria a importação de uma Igreja nova que, ao mesmo tempo, não confia na onipotência da Graça — que pôde tombar e levantar um São Paulo — e avilta a sublimidade da Religião de Cristo, para colocâ-1A ao nível das deficiências humanas.
Uma segunda característica desses movimentos, ligada esta ao orgulho — a outra tendência fundamental da natureza decaída — é o espírito de independência com respeito à Tradição. Os corifeus dos mencionados movimentos não ocultam sua pretensão a um cristianismo renovado; procuram, porém, convencer seus semelhantes de que com segurança descobriram, enfim, o fundo verdadeiro da mensagem cristã, que os exageros tradicionais teriam ocultado. Por isso mesmo são contumazes. Pois eles é que têm o segredo da aplicação da palavra do Evangelho aos tempos presentes.
Idêntica autonomia mantêm em face da Hierarquia. Externamente, muito respeitosos, procuram — como era comum ouvir-se anos atrás — uns assistentes eclesiásticos que os "compreendam", isto é que aceitem sua posição.
Como gente superiormente convencida de possuírem mentalidade genuinamente cristã, nada respondem aos argumentos que, com base na Sagrada Escritura e na Tradição, lhes são opostos. E... continuam aferrados a suas ideias e a seu proselitismo. Como sentem que somente conservando ligação com a Igreja são ouvidos, apelam para alguma aprovação eclesiástica, cuja existência nem sempre provam, cujo teor, quando existente, cuidadosamente não aprofundam. Alguns, como os chamados pentecostalistas "católicos", vão mais longe: confiam numa influência direta, e mais ou menos sensível, do "Espirito", sem interferência da Hierarquia.
Todos esses movimentos, sem julgar as intenções de seus fautores, inspiram-se, de fato, na mentalidade modernista, cujas normas de ação eram: permanecer dentro da Igreja, para renová-lA em seu íntimo; na Igreja, superar os limites da Hierarquia para atingir a essência do Cristianismo, existente no subconsciente de todo homem. Como tática, empregavam o silêncio sobre as publicações e os argumentos que lhes eram contrários, e tentavam desacreditar seus opositores. (Cfr. Fogazzaro, "Il Santo", e São Pio X, Encíclica "Pascendi dominici gregis", de 8-9-1907).
Vedes, amados filhos, que, com semelhante mentalidade, é inadmissível cogitar-se na implantação da Realeza do Divino Crucificado. Esta se volta contra o ambiente social, causado pelo predomínio das paixões suscitadas pelo pecado original. A referida mentalidade está toda empenhada em um compromisso que resguarde a Fé, sem romper com as "conquistas" do homem, em virtude da autonomia que indiretamente lhe teria proporcionado a ausência da Graça, quando o pecado o reduziu a suas condições naturais.
Como defesa contra a assimilação de tão nefasto espírito, irradiado por movimentos deste tipo, é mister, amados filhos, que aviveis o espírito de Fé.
Fixando, antes de mais nada, nas vossas inteligências o conceito exato da Fé indispensável para a salvação, aquela sem a qual, diz São Paulo, "é impossível agradar a Deus" (Heb. 11, 6). Esta Fé é uma virtude sobrenatural, infundida por Deus, cujo objeto são as verdades reveladas.
Assim, a conceitua o 1º. Concilio do Vaticano: "Esta Fé que é o inicio da salvação humana, a Igreja a define como uma virtude sobrenatural, pela qual, sob o impulso e o auxilio da graça de Deus, cremos que é verdade o que Ele revelou, não em virtude da evidência intrínseca percebida pela luz da razão natural, mas em virtude da autoridade de Deus que revela e que não pode nem enganar-se, nem enganar" (Ses. III, cap. III).
Assim, a condição fundamental, para pertencer ao redil de Cristo é aceitar as verdades reveladas, no seu conceito exato, como no-las propõe a Santa Igreja. Pensar de outra maneira, reduzir a Fé a um ato de confiança ou a mero sentimento é resvalar para a heresia. De maneira que todo movimento, associação ou núcleo de fiéis que se pretende católico, especialmente se ele estiver dirigido ao apostolado, à irradiação do espírito de Jesus Cristo no ambiente social em que se encontra, deve, acima de tudo, ter em vista dar uma adesão firme e meticulosa à Doutrina Revelada; e, além disso, aceitar com humildade e gratidão as verdades que a Bondade Divina se dignou manifestar ao homem, como as expõe a Santa Igreja, única Mestra infalível a quem confiou Deus Nosso Senhor o depósito da sua Revelação.
Sem uma dócil submissão da inteligência a essa verdade revelada, cuidadosa antes de tudo em não deformar de modo algum o que Deus se dignou manifestar através de sua Igreja, não há Catolicismo autêntico. Há apenas aparência, que pode iludir o próximo e, por isso mesmo, oferece o perigo de transviá-lo para uma concepção igualmente errônea da Fé.
Semelhante atitude, repitamos, fundamental para o católico, envolve a sujeição da pessoa a uma dupla autoridade externa: à verdade que é proposta pela Revelação, e à Igreja, que a transmite.
Por isso, porque exige a confissão de nossa inferioridade, de nossa limitação, rebela-se contra ela o espírito moderno, em nome da razão e dos direitos do homem. É tal espírito de rebeldia que anima — ainda que talvez subconscientemente — os movimentos aqui lembrados. O antídoto à contaminação desse espírito encontra-se na obediência humilde e amorosa ao Magistério autêntico, aceitando o Dogma revelado no sentido em que sempre o ensinou a Igreja. Sem esta Fé, pura, sem reservas, não se está imunizado contra o vírus da acomodação ao século, censurada por São Paulo.
Com a mesma docilidade, sem envolvê-las nas sinuosidades de nosso amor próprio, é que devemos entender e praticar as normas apresentadas pelo Divino Mestre, para que Ele reine em nós, e para que sejamos elementos eficazes na difusão de seu reinado nas almas.
"Quem quiser vir apôs mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz, todos os dias, e siga-me" (Lc. 9, 23). Essa a regra áurea, insubstituível. Sem o "renuncie a si mesmo", sem a abnegação do próprio egoísmo, de nossos gostos, nossos desejos, para só fazer a Vontade de Deus, a santificação é ilusória, o apostolado, na realidade, estéril e exposto ao perigo de desviar-se no sentido de um compromisso com o mundo.
Tal renúncia pede a mortificação de todos os dias, porquanto, quotidianamente, devemos tomar a cruz que Nosso Senhor nos envia, a cruz no cumprimento exato de nossos deveres de estado, na paciência com o próximo, no domínio do respeito humano.
Semelhante preceito, entendido na dimensão de sua verdade objetiva, é incompatível com as máximas do mundo. Somente um espírito de Fé, que vive da esperança das realidades futuras que se vão revelar apenas na Eternidade, é capaz de aceitá-lo e propor-se lealmente a vivê-lo. Bem assimilado, ele nos faz ver como todos os movimentos que almejam instaurar uma Nova Igreja, mais atualizada com as maneiras de ser e comportar-se da sociedade moderna, marcam um perigoso desvio no caminho que conduz à glória de Deus e à salvação eterna.
Convenhamos, amados filhos, que a tentação de buscar uma concordância entre a doutrina da salvação e o espírito do século é aliciante. Para ela nos impele, além do pendor próprio de nossa natureza pecadora, uma falsa caridade, fruto de uma consideração naturalista da existência.
Por isso mesmo, o Divino Mestre não se cansa de alertar seus discípulos contra uma vida segundo os preceitos do mundo. Na grande oração sacerdotal, apôs a última ceia, pede Jesus ao Padre Eterno especialmente que preserve os seus do contágio do século (Jo. 17, 9-15). E a razão desse pedido é porque o mundo está todo ele sob o influxo do maligno (1 Jo. 5, 19), constituído que é de atrativos da sensualidade, da vaidade e do orgulho (1 Jo. 2, 16). No mesmo teor, São Paulo é insistente na exortação a que fujamos da solicitação para nos conformarmos com o espírito deste século (Rom. 12, 2).
Se, auxiliados pela oração confiante e fervorosa, nos mantivermos fiéis a esta vigilância que aqui salientamos, Deus Nosso Senhor se apiedará de nós e conceder-nos-á a graça de não nos envolvermos nas malhas de um aparente, mas falso apostolado. Ação apostólica que, se não renuncia simplesmente ao Reinado social de Jesus Cristo no mundo de hoje, conforma-se com um meio cristianismo, concebido à maneira de um conúbio entre dois espíritos opostos: a austeridade cristã e os devaneios da vida moderna. O resultado de semelhante amalgama só poderá ser a náusea de que fala o Apocalipse (3, 16), e que provoca a reprovação do Senhor.
Amados filhos, na Encíclica "Immortale Dei" Leão XIII faz eco às advertências de Jesus Cristo, chamando a atenção dos que se dedicam ao apostolado da difusão do Reino de Deus na sociedade, sobre dois perigos que os rondam: a conivência com as opiniões falsas e uma resistência menos enérgica do que aquela exigida pela verdade.
Evitemos, pois, amados filhos, que nossa caridade degenere em apoio ao erro ou ao vício. E nossa paciência jamais seja um incentivo à perseverança no mal.
"Sine me nihil potestis facere" — "Sem mim, nada podeis fazer" (Jo. 15, 5). A união com Jesus Cristo, amados filhos, para que Ele reine em nós e para que nós sejamos cruzados ao serviço de sua Realeza, é absolutamente necessária.
Esta vinculação com o Redentor da humanidade, fruto da Graça, é alimentada e intensificada pela recepção dos santos Sacramentos e pelo exercício das virtudes cristãs, especialmente da caridade, que nos induz a evitar, em nossa vida, tudo quanto desagrade a Deus Nosso Senhor, e aviva em nós o interesse real por nosso próximo, sobretudo por sua santificação.
Meio indispensável para conservar a união com Jesus Cristo e o zelo pela glória de Deus e salvação das almas, bem como a eficácia em nosso apostolado, é a oração, instrumento soberano que o Salvador divino nos legou para obtermos todos os favores do Céu.
Exortamo-vos, pois, amados filhos a que empregueis sempre esta eficacíssima arma, para a implantação do Reino de Jesus Cristo na terra, primeiro em vós mesmos, depois na sociedade em que viveis. "Pedi e recebereis" (Jo. 16,24), disse a palavra infalível, que pode cumprir e cumpre o que promete. Se nosso País, portanto, não é inteiramente católico como deveria ser, a culpa, em ponderável parte, é nossa. Se rezássemos com fé e confiança, certamente ter-nos-íamos santificado e sido atendidos. Orai, pois, amados filhos, rezai com vontade ardente de receber o que pedis.
Tão necessária é a oração, que Jesus, Ele mesmo, nos ensinou a rezar. Compôs para nós a mais bela e mais completa das orações: o Padre-Nosso. É a prece que devemos dizer todos os dias. Pois nela pedimos precisamente a graça de que chegue até nós o Reino de Deus. — Que outra coisa suplicamos, com efeito, na segunda petição do Padre-Nosso, senão que venha a nós o Reino de Deus — "Venha a nós o Vosso Reino"? (Mt. 6, 10). Eia, recitemos o Padre-Nosso com fervor, considerando bem o que pedimos, e implorando com vontade ardente de vê-lo realizado: "Venha a nós o Vosso Reino!" Podem nos faltar todos os outros meios para difundir o Reinado de Jesus Cristo — ciência, saúde, atrativo pessoal, capacidade de empolgar multidões, enfim, tudo. O meio da oração não nos falta. No entanto, é o indispensável. Os outros sem este, são ineficazes. Ao passo que, por meio da prece, obtemos também a capacidade para o apostolado que, segundo os desígnios da Providência, cumpre-nos realizar. Ora, a prece encontra-se a nosso alcance. Utilizemo-la com desejo ardente de sermos atendidos. Deus leva muito em consideração o fervor de nosso desejo quando Lhe pedimos alguma graça. Roguemos, pois, com todas as veras de nossa alma, e a obteremos.
Especialmente se interpusermos a intercessão dAquela que é a Medianeira de todas as graças, a Rainha dos Céus e da Terra, Maria Santíssima, Senhora nossa. Entreguemos a seus cuidados nossos anseios e preocupações. E Ela, contra toda a esperança humana — "in spem contra spem" (Rom. 4,18) — fará reinar seu Divino Filho no mundo de hoje, cumprindo a amável e suave promessa que proclamou em Fátima: "Por fim o meu Imaculado Coração triunfará!"
Com Nossa cordial bênção em Nome do Pa†dre e do Fi†lho e do Espírito † Santo, pedimos à Virgem Santíssima, Mãe de Deus, conceda a Nossos caríssimos cooperadores e amados filhos a perseverança no amor de Jesus Cristo para glória de Deus e bem das almas.
Dada e passada em Nossa Episcopal Cidade de Campos, aos oito dias do mês de dezembro de mil e novecentos e setenta e seis, solenidade da Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria.
† Antonio, Bispo de Campos
Mandamento
Nomine Domini invocato,
Mandamos que esta Nossa Carta Pastoral seja lida e explanada aos fiéis, e um exemplar da mesma arquivado na Paróquia.
Campos, 8 de dezembro de 1976
† Antonio, Bispo de Campos