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A DISTENSÃO AMERICANA E O "SHOW" SOVIÉTICO

ARNÓBIO GLAVAM

Causaram surpresa as primeiras atitudes e declarações com as quais o presidente Carter parece ter indicado as linhas gerais de sua administração.

Chamou especialmente a atenção o que parece ser um novo estilo de governo, entrevisto em múltiplos aspectos, que vão desde a bonomia invulgar do novo presidente, passando pelo abandono de tradições norte-americanas — por exemplo o uso dos trajes de gala por ocasião da cerimônia de posse — até a forma de trabalho adotada em certos setores da Casa Branca. Os jornais vêm dizendo que um clima mais "descontraído" e "espontâneo" introduziu-se no palácio presidencial: a um canto de seu gabinete, em completa desordem, Jordan, jovem secretário do novo presidente, escreve febrilmente a máquina. Se lhe perguntam o que está fazendo, responde não saber muito bem. Mas acrescenta ter muito que fazer...

O tratamento cerimonioso tende a desaparecer: "Senhor Presidente" já não é bem aceito. "Presidente Jimmy" parece prevalecer, enquanto não se adota simplesmente "Jimmy".

A distensão com o Vietnã, Cuba e Rússia

Não é apenas a "fisionomia" do novo governo o que causa preocupação. O público ocidental considera, apreensivo, a orientação "distensionista" — mais "kissingeriana" do que a do próprio Kissinger — em relação a Cuba, ao Vietnã, ao Panamá, e as relações com o bloco comunista em geral, bem como a questão do desarmamento.

Transcorridos dois meses de governo, podemos discernir o rumo que a política do novo governo parece ir tomando.

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O presidente Carter anunciou a intenção de enviar uma delegação ao Vietnã para obter a lista completa dos norte-americanos desaparecidos durante a guerra, condição — quão leve! —imposta pelos EUA para o reatamento de relações diplomáticas e comerciais com Hanói; ou seja, para abrir as comportas do ouro norte-americano ao governo comunista do Vietnã.

Como se sabe, Hanói exige polpudas verbas dos Estados Unidos a título de "ajuda para a reconstrução do Vietnã” Essa ajuda era prevista nos acordos de Paris, ao fim da guerra. Na ocasião, os norte-americanos observaram escrupulosamente o acordo, retirando-se da região. A Rússia e a China, contudo, não cessaram de auxiliar o regime de Hanói, e mediante este auxílio, os comunistas conquistaram o Vietnã do Sul. Agora o governo comunista do Vietnã exige cinicamente o pagamento da "ajuda" de 3,25 bilhões de dólares, e os norte-americanos, "fiéis" observadores do "acordo", parecem propensos a conceder...

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Entretanto, o que vai despertando maior apreensão em círculos norte-americanos é o desenvolvimento do rumo assumido pelas negociações com o Panamá sobre o controle da zona do canal, posição de primeira importância, estratégica e vital para a segurança de todo o continente americano. Entregue à administração do governo panamenho, ficará sujeita às oscilações, tão frequentes, dos países da região. A situação se agrava com o fato de a Jamaica e a Guiana terem estreitado relações com Cuba, com o que passarão a girar na esfera econômica da Comecon, comunidade econômica do bloco comunista. Ninguém ignora como a economia é um poderoso instrumento da Rússia para aumentar sua influência política e militar.

Os tentáculos do monstro vermelho vão assim envolvendo a América Latina.

Mas se Cuba é o pivô dessa manobra, ela própria é largamente favorecida pela política distensionista do governo dos EUA.

O secretário de Estado Cyrus Vance anunciou a disposição norte-americana de estabelecer relações diplomáticas e comerciais também com a ilha de Fidel Castro. Vance parece derrubar com um piparote um grande obstáculo que nem sequer Kissinger ousou eliminar: a escandalosa presença de tropas cubanas .na África. "não quero estabelecer nenhuma condição prévia para a normalização das relações entre Washington e Havana", disse ele. E ressaltou que seu governo espera "um gesto de boa vontade" pôr parte de Cuba.

Não foi preciso esperar muito...

Fidel Castro apressou-se em atender ao pedido: derramou uma prolixa sequela de elogios ao primeiro mandatário dos Estados Unidos; enalteceu o "sentido de autocrítica" de Carter, "seu sentido moral", suas convicções e seus sentimentos religiosos (sic) e declarou-se disposto a discutir pessoalmente com o presidente norte-americano o reatamento das relações. É também Castro que ambiciona um canal de acesso ao ouro norte-americano...

As declarações do secretário Vance, não foram formalmente desmentidas, mas posteriormente o próprio presidente Carter admitiu a manutenção de algumas condições para o reatamento com Cuba, o que deixa pairando sobre o caso uma perigosa confusão.

Não menos preocupante ainda é a posição norte-americana com relação à política sobre armas atômicas. A "ofensiva" desarmamentista levada a efeito pelo governo e anunciada na Europa ocidental pelo vice-presidente Walter Mondale, e as medidas que já estão sendo tomadas para propiciar o desenvolvimento dos acordos SALT têm despertado temor em muitos círculos europeus da NATO. Admite-se ali que tal política levará os Estados Unidos a negociarem com os soviéticos em posição ainda mais desfavorável do que em ocasiões anteriores, especialmente em Vladivostok.

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Desapareceu do vocabulário político internacional a palavra "détente". Kissinger parece politicamente proscrito, entretanto, nunca o "distensionismo" kissingeriano foi levado tão longe. A Rússia já auferiu inapreciáveis vantagens com ele, e, tudo indica, continuará a auferi-las ainda mais copiosamente.

Exagero do articulista, dirá algum leitor... Convido-o então a considerar as seguintes palavras de Brejnev:

"Nossa economia será melhorada [...] e por volta de 1985 seremos capazes de impor nossa vontade onde quer que seja necessário. Em pouco tempo conseguimos azuis com a distensão do que em muitos anos com a política de confrontação com a NATO". Estas informações foram publicadas pelo jornal Boston Globe, citando relatório do serviço secreto britânico.

A chantagem dos argumentos

Um inveterado otimista poderia sustentar que a política norte-americana seria explicável se os EUA, solidamente apoiados numa superioridade militar incontestável, imprimisse segurança e tranquilidade a todo o mundo livre.

A realidade, porém, é bem outra.

Numerosos estrategistas e especialistas civis e militares têm proclamado ultimamente a supremacia da Rússia em armas nucleares sobre os Estados Unidos, ou a iminência disso, e a intenção soviética de desencadear uma pressão militar contra o Ocidente.

Os principais pronunciamentos surgiram a propósito da publicação, há alguns meses, do livro do general belga Robert Close, comandante da 16ª. Divisão belga da NATO, e professor no "NATO Defense College", em Roma, intitulado "Europa indefesa". Nele o militar sustenta que as tropas do Pacto de Varsóvia poderiam, com um ataque de surpresa, atravessar a Alemanha em 48 horas.

Seguiram-se declarações dos senadores norte-americanos San Nunn e Dewey Bartlett, e do general James Hollingsworth no mesmo sentido.

Também o general Alexander Haig, comandante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) em entrevista ao jornal alemão Deutsche Zeitung, chamou atenção para o perigo da ameaça militar comunista à Europa.

Numerosos especialistas têm salientado a absoluta superioridade russa sobre os Estados Unidos em armamentos nucleares. Os comandantes da Marinha norte-americana, almirantes David McDonald e James Holloway acreditam que a armada dos Estados Unidos ainda é superior à equivalente russa mas, que, em vista do crescimento do poderio naval soviético, deixará de sê-lo em 10 anos.

Superioridade militar russa: assunto discutível

É inegável que a Rússia se fortalece rapidamente, favorecida com largueza pela política de "détente" iniciada pelo governo Nixon. É igualmente inegável a penetração soviética em zonas altamente estratégicas como o Oceano Indico e o Atlântico Sul.

Entretanto alguns aspectos da publicidade que se faz em torno da superioridade militar russa são de molde a causar estranheza:

1. Muitas vezes os números apresentados parecem exagerados ao observador comum, e estariam a pedir provas concludente, que nem sempre lhes são fornecidas.

2. Por outro lado, alguns fatos falam em sentido contrário. O famoso Mig-25, considerado um dos mais sofisticados aviões russos, apreendido no Ocidente depois que seu piloto se evadiu com ele da cortina de ferro, segundo parece, revelou-se um aparelho ultrapassado altamente falho do ponto de vista técnico.

3. Sabe-se que os produtos industriais do bloco socialista são de muito baixa qualidade. Prova-o à saciedade a atual "onda" de comércio com os países comunistas. A razão é simples: a completa falta de estímulo para a criatividade inerente aos regimes socialistas, impede o aprimoramento industrial e a melhoria dos padrões. Não há KGB nem processos de tortura que possam modificar essa disposição da alma humana.

Como poderia então a Rússia apresentar tão surpreendente surto de progresso tecnológico militar se sua indústria básica sofre de um mal congênito?

4. A propalada superioridade bélica russa é afirmada em muitos casos de maneira absoluta. Ora, nunca uma nação, por mais forte que seja, supera outra absolutamente em todos os pontos. Ainda que seja por exemplo, em valor pessoal dos soldados, ou em organização logística. A mais forte globalmente falando, haverá de ser inferior em algum ou alguns aspectos. A maioria dos relatórios divulgados na imprensa apresentam simplistamente a superioridade russa em toda a linha.

Supremo lance da guerra psicológica revolucionária

As considerações acima desenvolvidas pareceriam mitigar o perigo da ameaça russa. Mas, pelo contrário, paradoxalmente, o agravam. Isso porque elas são de molde a despertar uma sólida suspeita.

Com efeito, certamente conviria muito aos dirigentes do comunismo internacional "deixar escapar" discretamente falsas informações sobre o poderio militar russo na certeza de que elas correriam largamente pela imprensa do Ocidente. Desta forma criariam condições para o desencadeamento de uma eventual chantagem russa contra o ocidente: um possível "show" com ameaça de guerra atômica por parte dos soviéticos ante o qual, a opinião pública ocidental assustada com a ideia de um poderio gigantesco irresistível, estaria propensa a capitular, aceitando os soviéticos, com um suspiro de alívio, por exemplo, um eurocomunismo qualquer, apresentado como "mal menor". Seria um supremo lance da guerra psicológica revolucionária, o mais poderoso e moderno instrumento de agressão de que dispõe o comunismo internacional. E estariam assim alcançados plenamente os objetivos aos quais se referiu Brejnev no pronunciamento que acima citamos.

A política distensionista do novo governo norte-americano, nessa situação, ter-se-á revelado a maior catástrofe de todos os tempos. Teria favorecido poderosamente a capitulação, ante o comunismo internacional, do Ocidente, vítima da maior chantagem da História: chantagem que acenaria com a ameaça de um apocalipse nuclear.


O ACONTECIMENTO DO SÉCULO

Gregório Vivanco Lopez

Curvado ao peso de numerosos acontecimentos importantes, frequentemente catastróficos, nosso infeliz século XX enceta já o último quartel de sua penosa caminhada. Será possível discernir, a esta altura, em meio à sucessão caótica dos fatos, um que se possa chamar o acontecimento do século? Parece-nos que sim.

Esse acontecimento, importante entre todos, é a espetacular reviravolta operada no seio da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana. Vastos e prestigiosos setores da estrutura eclesiástica mundial transformaram-se, em poucos anos, no elemento mais ativo e mais decisivo em prol do comunismo, depois de terem sido a muralha inexpugnável contra a qual em vão se lançavam os adeptos da seita marxista, em sua tentativa de conquistar o Ocidente cristão.

A reviravolta é notória. Já sobre ela nos estendemos em Catolicismo (1), quando mostramos que não se trata mais deste ou daquele "Padre de passeata", desta ou daquela "Freira de minissaia", mas são Episcopados inteiros, de vários países, que se lançam no afã de consolidar ou propagar os ditames de Moscou em suas respectivas nações. Analisamos então o lamentável papel da Hierarquia vietnamita promovendo, nos templos sagrados, cursos de "reeducação" para comunistizar os fiéis. Estarrecidos, vimos o Cardeal Silva Henriquez e os Bispos chilenos, tendo servido de propulsão e sustentáculo ao marxismo allendista, procurarem agora fazer recair seu país nas malhas do comunismo. Falamos do juramento de fidelidade que o Episcopado húngaro prestou ao regime títere dos soviéticos que subjuga a gloriosa nação magiar. Nos três continentes, pois, Europa, América, Ásia, se faz sentir a ação deletéria de Episcopados pró-comunistas.

Mas, e no Brasil, perguntará alguém?

Para onde vai a CNBB?

Em nosso país, uma obra documentada, profunda em sua análise, lúcida em suas conclusões, irrefutável em sua argumentação, veio mostrar o triste papel representado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em favor da subversão eclesiástica entre nós. Referimo-nos ao livro A Igreja ante a escalada da ameaça comunista, do ilustre pensador e homem de ação católico, Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.

Não nos aprofundaremos no comentário a esse magnífico livro, pois já o conhecem os leitores de Catolicismo. Entretanto, não podemos furtar-nos a referir um dos pontos de maior gravidade nele abordados: um documento da Regional Sul II da CNBB, que congrega dois Arcebispos e dezessete Bispos do Estado do Paraná. Os citados Prelados, ao elogiar a atitude de conivência tomada por seus colegas vietnamitas em face do comunismo, propõem-na como exemplo e diretriz para o Clero e para os fiéis brasileiros. Ou seja, preparam o povo católico de nosso país para a capitulação diante do regime vermelho.

Diz o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: "O documento da Regional Sul II da CNBB — um verdadeiro manifesto — explica que o resultado (da implantação do comunismo) será a chibata e a perseguição religiosa, o dever consistirá na passividade colaboradora e benévola [...] A colaboração com o comunismo não terá, aliás, somente o caráter de pregação da submissão passiva. Importará, como vimos, na exortação ao trabalho quotidiano em prol da Pátria que, a Igreja espera, será Justa e sadia... sob regime comunista" (2).

O que fêz a cúpula da CNBB após a publicação desse documento escandaloso? Recolheu-se a um silêncio cúmplice. Sim. Por incrível que possa parecer a quem não esteja atento às deploráveis transformações por que passa o Clero nacional, o documento da Regional Sul II — tão favorecedor da subversão em meios católicos — não sofreu o mínimo reparo por parte dos dirigentes da CNBB; mas o livro que o denunciou e especialmente a entidade que difunde a obra — a TFP — sofreram críticas de dois membros da cúpula episcopal: o Cardeal Arns, acompanhado de seus oito Bispos Auxiliares, e D. Ivo Lorscheiter, secretário-geral da CNBB. Além disso, a Cúria de Recife, através do Boletim Arquidiocesano, também lançou um pronunciamento, vazio de conteúdo como as outras duas manifestações, contra o livro do Presidente do Conselho Nacional da TFP.

Por que "acontecimento do século"?

Há pouco chegou-nos às mãos uma "Carta Circular dos Bispos de Cuba aos seus Sacerdotes e Fiéis", publicada em L'Osservatore Romano, edição em língua portuguesa, de 25-4-76. Mais uma vez, a mesma cacofonia nos fere os ouvidos: a voz dos Pastores assemelha-se ao uivo dos lobos que tentam devorar o rebanho.

Antes, porém, de analisarmos alguns tópicos mais característicos dessa "Carta Circular", detenhamo-nos um instante a responder a objeção que, para além das páginas deste jornal, algum leitor poderia fazer.

Não são de nosso século, por exemplo — perguntaria alguém — as duas guerras mundiais, com seu cortejo macabro de mortes e catástrofes inenarráveis? Como então dar o nome de "acontecimento do século" a um fato, pacífico e restrito aos círculos eclesiásticos? Não haverá aqui um exagero? Não consistirá essa afirmação numa visão unilateral e distorcida de Catolicismo?

A objeção, aparentemente de peso, não resiste, entretanto, a uma análise cuidadosa.

Nem sempre são cruentos os acontecimentos de maior alcance na História da humanidade. Via de regra, a guerra como a revolução armada, são apenas a consequência final de um processo cujas causas residem na dissenção muito mais importante, por estar na origem não só dos conflitos violentos, como de inúmeras outras consequências de vulto, espargidas por todos os campos da atividade humana.

Assim, muito mais grave do que as batalhas levadas a cabo na Segunda. Guerra mundial, foi o desejo obstinado de Hitler e seus sequazes de impor ao mundo uma filosofia de vida neopagã e profundamente imoral. A luta armada foi apenas um episódio — felizmente o último — na tentativa frustrada de socializar gradativamente o mundo através do nazismo ou nacional-socialismo.

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Para medir bem o alcance da ação pró-comunista de certos Hierarcas católicos, é preciso considerar que ela se insere no ponto capital da estratégia marxista.

Tendo fracassado em sua tentativa de convencer as multidões, os comunistas veem-se obrigado a fazer das nações que subjugam imensos cárceres, para evitar fugas em massa. Os atletas da delegação soviética que escaparam das olimpíadas realizadas no Canadá, apesar da cerrada vigilância da KGB, e os pilotos russos que fugiram, respectivamente para o Japão — num moderníssimo avião de guerra soviético — e para o Irã, são apenas exemplos mais recentes de um fenômeno constante. Para não falar das metralhadoras automáticas instaladas ao longo da fronteira entre as duas Alemanhas a fim de assassinar mais facilmente os que buscam a liberdade.

Essa impossibilidade de convencer, faz do comunismo um gigante com pés de barro. Fortíssimo na aparência, fragílimo na realidade, uma vez que seu poderio é sustentado pelo exercício da opressão brutal sobre os que domina e pelo imenso auxílio externo que lhe vem do Ocidente, especialmente dos Estados Unidos. E suas conquistas, seja no passado, seja no presente, como Angola, baseiam-se na força das armas, como também, de alguma forma, na cumplicidade do mundo livre, nunca na persuasão.

Ora, convencer as pessoas, e dessa forma exercer um domínio efetivo sobre as mentalidades, é exatamente o que busca aquela influente e numerosa parcela da Hierarquia Eclesiástica, que favorece ativamente a expansão e consolidação do credo vermelho. E é um fato espetacular e sem precedentes que altos dignitários das hostes de Cristo, sem sair da cidadela, passam a lutar em favor do adversário, tornando-se o instrumento mais perigoso e mais dinâmico de seu avanço. Visando, assim, pela modificação da mentalidade dos católicos, não só consolidar as conquistas do inimigo — como no caso da Hungria — mas obter-lhe ainda novos domínios, como é exemplo o Chile.

Traindo seus deveres religiosos, esses Bispos empurram também a sociedade temporal para o abismo vermelho. Dada a influência decisiva que os católicos exercem no mundo ocidental, considerando-se que a rotação da estrutura eclesiástica tende, como é natural, a arrastar os católicos, é praticamente todo o Ocidente que vai sendo atraído pela voragem do abismo comunista.

Este é o drama de um século repleto de tragédias. Após dois milênios de História da Igreja, amplos setores da estrutura eclesiástica empreendem uma tal guinada! É verdadeiramente o acontecimento do século. E esta constatação parece-nos corresponder estritamente à objetividade dos fatos.

Cuba: o Episcopado trabalha para a comunistização dos fiéis

É dentro desse doloroso contexto que se explica a "Carta Circular" do Episcopado cubano a que nos referimos. Dirigida aos Sacerdotes e fiéis, ela ignora os crimes do regime castrista, o estado de virtual ocupação soviética em que se encontra a ilha e as intervenções russo-cubanas, fracassadas até o momento na América Latina, mas vitoriosas na África. Mais grave ainda, o documento episcopal se esforça em conseguir dos católicos a adesão ao regime comunista que os escraviza.

Usando eufemismos e linguagem velada, o sentido da "Carta Circular" é, entretanto, absolutamente inequívoco, como veremos. Os pudicos véus com que os Bispos cobrem suas formulações têm o efeito de melhor fazer passar o veneno que elas contêm.

O documento é centrado na ideia de que é preciso evangelizar. Nada mais santo quanto evangelizar significa pregar o Evangelho. Outro, porém, e bem diferente, é o sentido que os Bispos cubanos involucram nesse termo, como ficará claro adiante. Os destaques são sempre nossos.

Diz o texto episcopal, que, em Cuba, os cristãos "sentir-se-ão capazes de dar as respostas exigidas pela nova cultura que aqui vai abrindo caminho". Note-se o eufemismo "nova cultura" para designar o comunismo.

"Nossa Igreja — continua a "Carta Circular" — procurou superar na fé e na esperança, as angústias que o drama moderno da ruptura entre Evangelho e cultura produz por toda parte". Ou seja, a implantação do comunismo, como é natural, produziu nos católicos cubanos forte angústia, proveniente da dilaceração das consciências frente ao regime anticristão. Que fazem os Bispos nessa conjuntura? Procuram, como lhes incumbe por mandato divino, defender a fé de seu rebanho nesse momento crucial? Não. Procuraram "superar" essa angústia. No que consiste essa "superação"? Em apresentar um novo conceito de evangelização que, deixando de lado elementos secundários, abra caminho para o "conteúdo essencial". A esse conteúdo foi possível chegar ajudados "pelo nosso concreto dever histórico". Em outros termos, a sociedade comunista ajudou os Prelados a entender no que consistia a essência da evangelização. É bastante singular. Mas prossigamos.

Essa compreensão se dá quando os cristãos "descobrem a razão profunda de sua fraternidade com todos os homens". No contexto da sociedade cubana, o significado é claro: trata-se de considerar irmãos os comunistas, e viver fraternalmente com eles. Pois os homens devem ser "abertos para as realidades do mundo em que vivem".

Explicitando melhor seu pensamento, os Bispos afirmam que o nexo entre evangelização e promoção humana "serve de inspiração à Igreja, em Cuba, para que os cristãos participem conscientemente em todos os esforços realizados no sentido de promover o homem, concretizando deste modo o seu amor pelos irmãos". Deixando de lado o farisaísmo da linguagem, cabe perguntar: em que consiste essa "promoção humana" em Cuba? Será cortar cana como escravo em dia de Natal? Ou será viver na pobreza mais completa, fruto do regime? Ou ainda servir de ponto de apoio para que o imperialismo soviético possa expandir-se na América e especialmente na África? É a isto que os Bispos cubanos impelem seus fiéis?

O documento incute uma verdadeira mentalidade de capitulação ante o amordaçamento da Igreja: "A nossa experiência recente demonstrou-nos que a comunidade cristã, tomada no seu conjunto, deve suprir a falta de outros meios de comunicações" dando "importância primordial ao testemunho de vida". Não se poderia ser mais submisso ao comunismo. Os Prelados perdem todos os "meios de comunicação" — jornais, rádio, TV, etc. — mas ficam contentes porque um restou: "o testemunho de vida"... Enquanto Fidel Castro não resolver matar todos os católicos, e com isso tirar-lhes o último "meio de comunicação", esses Pastores ficarão contentes! Compare-se essa atitude com certo tipo de reivindicações de muitos Bispos em países não-comunistas e aí compreenderemos qual está sendo o sentido da ação de setores do Episcopado em nossos dias.

A mensagem de Cristo, para esses Pastores, "não pretende impor opções ou recomendar estruturas". Como essa linguagem é diferente da usada pelos Bispos chilenos, por exemplo, em que a reforma de estruturas é o ponto capital da "evangelização". Quando as estruturas não são marxistas, precisam ser reformadas; quando são marxistas, e levaram o país à miséria — como é o caso da ilha do Caribe — então lembra-se que Cristo não quis "recomendar estruturas". Afinal, a quem servem tais Pastores?

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Faz parte da "evangelização" a catequese que "deve abranger as

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