RENATO VASCONCELOS
“Para a minha fuga só havia uma possibilidade: a parada no Castelo de Charlottenburg (em Berlim Ocidental). Meu plano era afastar-me do grupo, fugir para o parque contíguo ao palácio e aí esconder minha capa de serviço. Usando uma capa de chuva eu passaria por um civil comum. Depois disto, tudo o que teria a fazer seria pegar um taxi e me entregar aos americanos. Mas nem sempre as coisas funcionam como as planejamos. Chegamos ao palácio. Os oficiais saíram do ônibus e começaram a tirar fotografias. Eu levava minha valise. A situação era tal que não seria possível entrar no parque sem ser visto. Por esta razão desisti do meu plano original e procurei outra alternativa. Decidi entrar no palácio e sair pela porta de trás, rumo ao parque. Olhei em redor. Os oficiais ainda tiravam fotos e ninguém prestava atenção em mim. Aproveitando a oportunidade, entrei no edifício; ninguém percebeu. Como diz o ditado, a fortuna favorece o corajoso e desta vez tive sorte.”.
Assim Aleksei Myagkov, capitão da KGB (a terrível polícia secreta soviética) descreve no livro "Inside the KGB" — ("Dentro da KGB"), publicado em Londres pela Foreign Affairs Publishing Co. Ltd., 1976, como conseguiu escapar do "paraíso" russo.
Dentro do palácio Charlottenburg, Myagkov conseguiu tomar contato com a Polícia Militar Britânica de Berlim Ocidental. Tendo o governo inglês lhe concedido asilo político, no mesmo dia voou para a liberdade, na Alemanha Federal.
Os oficiais russos faziam parte de um regimento acantonado na Alemanha comunista, que na ocasião fazia uma "excursão" por Berlim Ocidental. Na realidade, conforme afirma Myagkov, o objetivo do "turismo" — passatempo desconhecido pelos povos da cortina de ferro — era estudar as instalações militares norte-americanas, britânicas e francesas. Myagkov fora destacado para "salvaguardar a segurança do regimento contra os inimigos internos da URSS", isto é, impedir eventuais fugas de seus compatriotas.
Este não é um fato isolado. Relatos de fugas dramáticas dos países da cortina de ferro ocupam frequentemente as páginas dos jornais do mundo inteiro. Tais fatos são amostra da insatisfação geral existente no interior das nações esmagadas pela bota soviética.
Desde a publicação do Manifesto comunista de 1848, redigido por Karl Marx, o comunismo nunca conseguiu vencer honestamente uma eleição livre. Por outro lado, nos países onde o comunismo impôs seu jugo ele o fez usando a violência, a astúcia e a traição. Nessas nações a opinião pública não foi convencida. Como resultado, o império vermelho atrás da cortina de ferro constitui hoje um imenso campo de concentração, em cujo centro um vulcão parece prestes a explodir de um momento para outro.
Para esmagar os descontentes, perseguir os adversários do regime e evitar uma possível contrarrevolução, os dirigentes do Cremlin construíram o Estado policialesco, o mais despótico que a História já viu. Desempenhando importante papel no esquema repressivo soviético, atua uma organização famosa: "Comitê de Segurança do Estado" ou KGB.
São bastante sucintos os esclarecimentos de Myagkov sobre a KGB. Entretanto, pelo pouco que descreve, somado ao que já se tem divulgado, pode-se entrever a face atual da organização.
Como surgiu a KGB no cenário sangrento da dominação comunista sobre a Rússia?
Informa Myagkov que com a queda do Tzar, em outubro de 1917, os bolchevistas criaram uma "Comissão Especial", a Tcheka, para combater os "contra-revolucionários e outros elementos criminosos". Dirigida por Dzerzjinski, tornou-se a polícia secreta do regime bolchevista. A ferocidade da Tcheka ficou conhecida do mundo inteiro. Seus membros, os tchekistas, tinham campo aberto para lutar contra os anticomunistas como bem quisessem. A vida humana para eles nada valia. Terminada a guerra civil com a consolidação dos bolchevistas, a Tcheka transformou-se numa imensa organização, responsável pela chacina de mais de vinte milhões de russos efetuada nas prisões e campos de trabalhos forçados.
Esta verdadeira rede do terror teve nos últimos sessenta anos vários rótulos: Tcheka, GPU, NKVD, MGB e, o mais recente, KGB.
A ação da KGB não se restringe apenas à repressão interna. Desenvolve ela, nos países ocidentais, intenso trabalho de espionagem e infiltração através de agentes frequentemente disfarçados de diplomatas. Há poucos anos — num caso muito comentado na ocasião — foram expulsos da Inglaterra 105 espiões que se abrigavam na embaixada russa.
Espionagem, contraespionagem, policiamento político e repressão interna, eis o campo de ação da KGB, braço armado do Partido Comunista soviético.
Valendo-se de 110.000 homens, o poder da KGB estende-se não só sobre os russos mas também sobre os cidadãos de outros países comunistas. Na Alemanha Oriental, por exemplo, operam 1:500 agentes, desfrutando de todos os direitos que têm no território soviético exceção feita de não poderem prender alemães orientais.
É do conhecimento comum que a doutrina comunista nega qualquer princípio moral. Para a implantação de um regime antinatural como é o comunista em povos do mundo livre, o Cremlin usa de qualquer arma a seu alcance, sem escrúpulos, pois na concepção materialista os fins justificam os meios. Para a KGB, tudo é lícito. Suas táticas mais requintadas são empregadas na guerra revolucionária psicológica total.
Neste comentário não nos ocuparemos desse aspecto central da luta de morte entre o comunismo e o mundo livre. Trataremos apenas de alguns aspectos da máquina de aliciamento através de subornos, ameaças e corrupção, manejada pela KGB.
Segundo um membro da KGB da Alemanha Oriental, major Boychenko, a sigla do "Comitê de Segurança do Estado" significa também "Escritório de Bandidos Rudes" (Kontora Grubykh Banditov). Esse "Escritório de Bandidos" mantém no Ocidente milhares de agentes recrutadores de informantes e colaboradores (só na Alemanha Oriental eles são cerca de 8 mil). Nesta tarefa, os espiões russos usam dos mais variados métodos. Parte dos elementos aliciados são "idealistas", ou seja, comunistas convictos, simpatizantes ou amigos da União Soviética. Onde, porém, a verdadeira face da KGB aparece é no recrutamento pela força. Recorre-se a tudo: chantagem, suborno e ameaças para exercer pressão.
Explica o ex-agente da KGB Myagkov:
"Neste processo é dada grande atenção ao trabalho psicológico: os lados fracos e fortes da personalidade da vítima são determinados e explorados mais tarde. Por exemplo: se a vítima é covarde, será intimidada; se tem amigos, ameaças são feitas contra eles, se tem uma carreira pela frente, esta é posta em perigo".
Além disso, há os processos brutais que nunca deixam de ser usados. Curiosamente, Myagkov refere-se a eles de passagem, em seu livro, não entrando em maiores detalhes. E fato notório, entretanto, atestado pela imprensa diária e por relatos de ex-prisioneiros do regime soviético que fugiram para o ocidente, a KGB possuir um "know how" de torturas físicas e psicológicas (capaz de causar inveja aos Neros e Hitlers surgidos ao longo dos séculos) a fim de obter "confissões", informações ou denúncias.
Entre as diversas atividades da KGB está a vigilância sobre os russos residentes no Exterior. E esta ação de vigilância se exerce não apenas sobre oficiais e personalidades graduadas do Partido, mas até em relação aos soldados dos regimentos russos acantonados nos países da cortina de ferro.
Ao descrever a atividade da KGB na Alemanha Oriental, onde serviu de 1969 a 1974, o autor enumera algumas privações que os soldados russos sofrem. Amontoados em número exorbitante nos antigos quartéis da Wermacht, mal alimentados, sujos e padecendo privações de toda ordem, esses milhares de infelizes não raras vezes chegam ao desespero... e ao suicídio. Apenas no 20º. Exército de Guardas suicidaram-se 16 soldados em 1971; 24 em 1972; e 33 em 1973. Esses são os resultados da vida "espartana" do soldado soviético. Seu dia é cheio com os exercícios militares, treinamento e limpeza de armas sem faltar a assim chamada "doutrinação política". Para os recalcitrantes, que teimam em protestar contra semelhante "paraíso" existe o conhecido diagnóstico médico: "loucura" e o opositor é enviado para uma das "clínicas psiquiátricas" dirigidas pela KGB. Outros mais felizes, porém muito raros, conseguem fugir varando a barreira de 1350 km que separa as duas Alemanhas.
A Rússia não tem cessado de tirar proveito da política de distensão inaugurada por Nixon em 1972, com suas viagens a Pequim e Moscou. Beneficiou-se o imperialismo vermelho com os polpudos créditos ocidentais que lhe foram oferecidos, e com a demolição gradual da "barreira do horror", que existia em relação ao comunismo. Esse lento suicídio do Ocidente veio de encontro à política soviética na Europa, que visa entre outros fins enfraquecer a Organização do Tratado do Atlântico Norte — OTAN — através de divisões internas e do agravamento de contradições entre os países membros da Aliança. Para atingir tais objetivos, Moscou empenhou-se a fundo na saída da França da OTAN. O Cremlin utiliza-se de duas vias de pressão. Uma, é a política oficial (assinatura de acordos econômicos e de cooperação técnica, melhoria das relações etc.). A outra é a pressão clandestina dos agentes da KGB infiltrados entre jornalistas e funcionários russos em serviço. Foi por esse meio que Moscou obteve sucessos na França e viu com satisfação a nota oficial que De Gaulle, em março de 1966, dirigiu aos países membros da OTAN, comunicando a retirada de seu país da Aliança. Mostrando como a política da URSS e a atuação da KGB obedecem a um mesmo desígnio, Myagkov afirma que "o fator determinante da espionagem da KGB é a política externa do governo soviético".
Algo de novo se passa na União Soviética e nos países satélites. E esse algo de novo causa perplexidade. À sombra das muralhas do Cremlin surgiu um movimento de contestatários: os dissidentes. Constituído de marxistas confessos, de anti-stalinistas como de anticomunistas declarados. O movimento dos dissidentes apresenta uma nota singular. Os contestadores do regime têm liberdade para dizer que não tem liberdade. Concedem entrevistas à imprensa internacional, divulgam livros proibidos, fazem apelo aos países do Ocidente.
Contra eles, a repressão parece ter perdido as garras. Isso levou a revista "Time", que dedicou longo artigo ao assunto em sua edição de 21-2-77, a afirmar: "Ninguém duvida que se o movimento dissidente viesse a constituir uma ameaça séria ao regime comunista, o Cremlin o esmagaria com força total".
"Inside the KGB", não é um livro qualquer. Tão logo saiu a lume, começou a receber menções prestigiosas da imprensa internacional. Sua repercussão na Europa e nos Estados Unidos foi notável. Não suscitou, porém, a justa indignação que deveria ocasionar.
Numa época em que tanto se fala em direitos humanos, os vários aspectos da KGB tratados por Myagkov deveriam ter originado uma celeuma bem maior. Por que os ardorosos defensores dos chamados direitos humanos não pediram à ONU (cuja parcialidade em favor de regimes esquerdistas tornou-se notória) que investigue as "clínicas psiquiátricas", os campos de concentração e as prisões que a KGB dirige atrás da cortina de ferro?
Esse estranho mutismo é bastante sintomático. Pois há silêncios que falam, revelando uma política de dois pesos e duas medidas...
Reportagem de Luís Carlos Pássero
As atividades públicas anticomunistas da TFP são largamente conhecidas do grande público.
Quem não a viu divulgando o já famoso livro do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, "A Igreja ante a escalada da ameaça comunista", por exemplo, ou não se recorda das duas grandes campanhas contra o divórcio, ou do monumental abaixo-assinado pedindo a Paulo VI medidas contra a infiltração comunista na Igreja?
Quem não teve, ainda, à sua porta, um jovem cooperador da TFP, cheio de idealismo, oferecendo com cortesia, em suas publicações anticomunistas, a palavra da entidade sobre algum grande problema do momento, nas rotineiras campanhas de fins de semana?
Queremos nesta reportagem, levar ao público brasileiro alguns aspectos ainda pouco conhecidos da TFP.
Trata-se de realizações no campo filantrópico e assistencial, de âmbito circunscrito, e que escapam, portanto, ao conhecimento do grosso da população.
Ação em favor dos desvalidos: assistência aos pobres, visitas a hospitais, por exemplo, são levados a efeito pelos jovens cooperadores da TFP.
A entidade considera que a essas atividades lhe move o dever da caridade cristã, mas que com isso presta também um outro serviço à causa do anticomunismo no Brasil. "Com efeito — explica porta-voz da TFP — nossa organização alegra-se em poder, dessa forma, estimular a confiança entre as classes e a harmonia social em nosso país".
"O que a sra. precisa? "
'Moço, qualquer coisa serve, preciso de tudo! "
"Veja se a sra. gosta deste vestido. Leve também um par de sapatos".
"Muito obrigada! Que Deus e Nossa Senhora Aparecida os abençoem e lhes dê saúde! "
"Não se esqueça de rezar uma Ave Maria pelas pessoas que doaram as coisas! "
Em muitos pontos da favela próxima do Parque Edu Chaves, em São Paulo, diálogos como este se repetiam a todo instante, em meio a algazarra de grande número de crianças. Era uma campanha da TFP. Cerca de 120 jovens distribuíam roupas, calçados, brinquedos e vários gêneros de utensílios.
Por volta das 8:30 hs. os primeiros cooperadores da TFP começavam a reunir-se junto à Rodovia Fernão Dias. Vários saíam de carros superlotados. Outros paravam abruptamente suas motocicletas. A maioria descia de ônibus que paravam próximos à favela. Às 9 hs. estaciona a viatura 2407 da Polícia Militar incumbida de manter a ordem.
- "Esperamos que nossa ação seja como das outras vezes, apenas preventiva", dizia o soldado Passos aos jovens, que conversavam animadamente enquanto esperavam as duas "kombis" e os três automóveis que traziam o material a ser distribuído.
Chegando os veículos, para maior facilidade e desenvoltura no trabalho de distribuição, organizou-se uma espécie de cortejo ao longo da rua, tendo à frente o estandarte da TFP, seguido por um grupo de cooperadores e dos veículos contendo as espécies doadas. Um automóvel com autofalantes anunciava: "A TFP proclama uma tradição. Uma tradição cristã de dois mil anos. Segundo o divino Redentor ensinou, quem necessita é ajudado, quem pede recebe".
E, logo após os autofalantes proclamavam: "A TFP estendeu as mãos aos abastados e distribuiu os donativos deles para os que precisam: roupas, alimentos, remédios; calçados, brinquedos, livros; tudo grátis. Rezemos pelos doadores e pelo Brasil uma Ave-Maria".
A mesma voz que pronunciara essas frases pedia depois a todos "que esperassem em casa, pois a distribuição seria feita de porta em porta."
Mas, quem podia conter as crianças? Impossível. De todos os lados elas surgiam, correndo, atraídas pelo inusitado movimento. Em segundos, o grupo de rapazes que se encontrava junto dos automóveis viu-se ilhado por crianças de todos os tamanhos e idades que, em algazarra, pediam coisas. Algumas chegavam a abraçar os joelhos dos cooperadores para se fazerem notar com mais veemência.
"Talvez se julguem pequenas demais e pensam que não as vemos..." dizia gracejando um cooperador da TFP, de elevada estatura. Só com uma boa distribuição de balas — longe dos carros — foi possível afastar aquele mar de mãos e olhos ansiosos...
Mas não eram só as crianças que estavam impacientes. Alguns adultos, aproveitando-se da "avalanche", aproximaram-se também:
- "Eu arranjei emprego na semana passada e preciso de um paletó para ir trabalhar, será que aí não tem um, não? Pode ser meio velho mesmo!"
- "Vou ver se acho", respondeu o cooperador "mergulhando" no carro das roupas à procura do tão desejado paletó.
- "Este serve? Parece um pouco grande... veja este outro".
- "Será que posso ficar com os dois? Minha mulher dá um jeito neles p'ra mim..."
- "Pode! Reze uma Ave Maria pelos doadores!"
- "Muito... muito obrigado, moço!"
Num momento menos agitado, Dr. Antonio Cândido de Lara Duca, médico, 35 anos, dirigente da campanha, explica: "O estandarte e as capas quase não causam surpresa entre os moradores das favelas que visitamos. Quase todo mundo já nos viu alguma vez na cidade". Nossa conversa foi interrompida por um rapaz que chegou correndo.
- "Aquela Sra. pede um remédio para o filho que está doente. Acho melhor o sr. mesmo ver que tipo de remédio é preciso". A meio caminho outro o interpela:
- "Posso prometer um fogão a uma família da rua três?"
- "Anote o nome e o endereço e diga que se conseguirmos viremos trazer em outro dia. Não é muito difícil, mas pode demorar. Explique bem isso, para evitar mal-entendidos!”
Muitos atarefados pareciam estar os encarregados de controlar o material. Na porta de uma das "kombis" um nissei de prancheta na mão percorria uma lista o mais rapidamente que podia.
- "Aqui só há sapato de 42 para cima, os menores estão no "Volks" azul".
- "Um vestido grande para uma senhora gorda”.
- "Aqui!" gritaram da outra "kombi".
Antonio Carlos, estudante de engenharia na FEI, nos explica:
- "O homem não tem apenas necessidades materiais. A alma quando desamparada causa muito mais sofrimento a ele do que as misérias corporais. Assim, nós procuramos, sempre que possível, acrescentar uma palavra de conforto espiritual quando prestamos o auxílio material. Por isso distribuímos muitas fotos da Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima. Ela fala por si. Mas geralmente as pessoas se mostram interessadas em conhecer a história das aparições e a mensagem de Nossa Senhora na Cova da Iria. Posso garantir que as pessoas ficam muito agradecidas e às vezes até tocadas no fundo da alma. Elas se lembram da Religião e de Deus que haviam esquecido".
A distribuição de todo o material levou cerca de duas horas. Aos poucos os cooperadores espalhados pela favela voltavam ao ponto central, formando enorme aglomerado de capas vermelhas. O característico brado de campanha —"Pelo Brasil: Tradição! Família! Propriedade!"— encerrou a distribuição. Em seguida todos saiam, acompanhados da imensa multidão de crianças, em direção ao mesmo local onde haviam se reunido no começo do dia.
Quando o repórter se despediu do Dr. Duca, recebeu este convite: — "Venha conosco a uma visita a um hospital. outro tipo de assistência que prestamos. Creio que os leitores de "Catolicismo" vão apreciar".
Nos escritórios centrais da TFP em São Paulo, à Rua Martinico Prado, foi o próprio Dr. Duca quem nos informou sobre alguns aspectos dessa atividade da TFP:
- “Distribuímos donativos que a própria TFP angaria mediante atuação de duplas, que visitam casas comerciais para tal fim, e através de campanhas de rua. Percorremos de preferência bairros de classe média e populares, nos quais é particularmente marcante a disposição de apoiar atividades filantrópicas”.
Repórter: — “Quantas visitas já fizeram?”
Dr. Duca: — "Em todo o Brasil, no ano passado visitamos 7.205 doentes de 406 hospitais em 16 Estados. Naturalmente, procuramos dar assistência sobretudo a doentes indigentes e em pior estado, pois são estes que mais precisam de apoio moral. Se você quiser, amanhã está programada a visita de um grupo de cooperadores da Sede Distrital do Cambuci ao Hospital Adhemar de Barros, em Guarulhos, onde são internados pessoas atingidas pelo "ficus foliaceo", mais conhecido como "fogo selvagem".
À hora combinada a reportagem se encontrava à porta do hospital à espera dos oito rapazes que viriam passar a tarde entre os doentes.
Os cooperadores da TFP já eram conhecidos dos funcionários do Hospital. O Sr. Maurício —que nos recebeu — os cumprimentou, trocou algumas palavras enquanto os conduzia às enfermarias e recomendou especial atenção para dois meninos chegados há poucos dias em estado grave.
O grupo dividiu-se em quatro duplas. Acompanhamos uma delas formada por Adauto Moraes e Carlos Brito. Fomos diretamente aos meninos indicados pelo Sr. Maurício. Eram do Interior. Um aparentava 8 anos e o outro um pouco mais, talvez 12.
- "Como vocês se chamam?".
- "Antonio", respondeu o maior; "Humberto", o menor.
- "Quantos anos têm? O que aconteceu?...".
Assim começou a conversa, que foi longe
(quase uma hora). Os meninos contaram — tanto quanto podiam — como tinham vindo parar no hospital. A conversa foi aos poucos derivando para assuntos religiosos:
- "Vocês conhecem a história dos três pastorinhos de Fátima? Você sabe a história de Santo Antonio, o santo do seu nome?"
Apesar de muito doentes, os meninos gostavam de conversar e mostraram muito contentamento pela visita e pelos presentes (frutas, doces e brinquedos) que receberam.
- "Voltaremos mais vezes e vamos lhes contar uma porção de histórias bonitas" — disse Carlos Brito com muita afabilidade. "Ofereçam seus sofrimentos ao Menino Jesus que Ele é bom para os meninos que se comportam bem", e saíram.
- "Que coisa impressionante, você viu como estão com os rostos e as mãos vermelhas? É a doença!"
- "Aquele sorriso deles ao nos despedirmos vale qualquer sacrifício".
Isto diziam enquanto se dirigiam ao quarto vizinho.
Outra dupla contava-nos ter visitado um lavrador cuja doença havia devorado as unhas dos pés. Dos dedos das mãos só restavam tocos, além da característica cor vermelha, marca do "fogo selvagem".
Em outra enfermaria o ambiente era mais leve. Os doentes se distraiam; uns liam revistas em quadrinhos, outros tentavam encontrar um programa interessante na televisão, outros ouviam música.
- "Estou rezando o terço todas as tardes", disse uma senhora levantando-se em direção aos visitantes.
- "Continue assim, foi para isso que distribuímos terços da outra vez. Hoje trouxemos algumas frutas e as roupas que pediram". Começaram então a mostrar e a distribuir camisas, calças, sapatos e vestidos.
No pátio, alguns doentes conversavam em pequenas rodas sem muito ânimo. Uma das duplas encarregou-se de entrar em contato com eles e distribuir o que havia trazido.
- "Da outra vez recebi um terço, mas fiquei com vergonha de dizer que não sabia como se reza. O sr. pode me ensinar hoje?" Isso dizia um homem já idoso num canto do pátio ao cooperador que o foi procurar.
A 16,30hs. era servido o jantar aos doentes, por isso tínhamos que nos retirar. Antes, porém, uma enfermeira convidou-nos a conhecer a moderna cozinha do hospital. Durante a visita, ficamos sabendo que muitos dos funcionários, inclusive enfermeiros, são antigos doentes que, depois de curado resolveram continuar no hospital.
- "É um ato de generosidade digno de louvor". comentavam os rapazes da TFP entre si.
- "Da outra vez que estivemos aqui não tínhamos nada para os funcionários. Hoje trouxemos estas fotos da Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima. A sra. gostaria de distribui-las?" disseram os cooperadores da TFP já no portão do prédio. Restava apenas despedirem-se.
Entre penalizado com a situação dos enfermos e impressionado pelo desprendimento dos jovens da TFP, distraidamente guardava meu caderno de notas. E considerava, pensativo, o ideal que movia um grupo de rapazes de formação cultural acima do comum "perder" uma tarde, visitando doentes esquecidos por quase todo mundo.