MURILLO GALLIEZ
Se tropas inimigas ocupassem uma de nossas cidades e matassem todas as crianças de colo, à maneira do que Herodes ordenou que se executasse na Judéia quando nasceu Nosso Senhor Jesus Cristo, certamente tamanha crueldade causaria grande indignação.
Se em lugar da soldadesca abjeta as próprias mães executassem a chacina de seus bebês, com razão os leitores reputariam digno de vitupério ainda maior tal monstruosidade.
Entretanto, nossa época encontrou modos de encarar com naturalidade cínica os crimes mais brutais.
É o que se observa em relação ao aborto, praticado em larga escala nos países comunistas, nos Estados Unidos, na Inglaterra, no Japão e até em nações católicas, como a França. Em muitos casos a legislação oficial ampara e estimula esse crime.
Entretanto, foi na Itália católica que uma Casa legislativa aprovou projeto de lei considerado o mais permissivo da Europa, concernente à matéria. Por 310 votos contra 296, o projeto passou ileso na Câmara dos Deputados. Isso ocorreu no fim da legislatura do ano passado. Sua aprovação no Senado é tida como certa, embora, por razões que ignoramos, isso não se tenha efetivado até o momento em que escrevemos.
A favor da lei de aborto votaram comunistas, socialistas, sociais-democratas, republicanos e liberais. Contra, votaram os democratas-cristãos, os membros do MSI e da Direita Nacional, como também o grupelho de radicais de esquerda, por desejar uma lei ainda mais permissiva. Os políticos que constituíram a chamada Frente Laica para aprovar o projeto de lei, apresentaram como pretexto para sua posição acabar com o que denominam de "praga do comércio do aborto clandestino". Como se praga maior não fosse legalizar o homicídio e dar ao crime foros de cidadania!
A Democracia Cristã procurou justificar sua pífia atuação contra o projeto lembrando que a última discussão parlamentar sobre o assunto havia provocado a queda do governo e forçado a antecipação das eleições parlamentares. A única emenda que a DC conseguiu introduzir no projeto foi o direito à objeção de consciência por parte dos médicos e enfermeiras, bem como o direito dos hospitais católicos de se recusarem a praticar intervenções de aborto.
"A Democracia Cristã está comprometida com o diálogo de várias forças políticas, um diálogo que pressupõe respeito mútuo às opiniões de cada linha política".
Com essas palavras, Benigno Zaccagnini, Secretário Geral do PDC italiano, tentou justificar o fraco desempenho de seu partido para impedir a aprovação do projeto de lei.
Segundo fontes políticas, se os democratas-cristãos empregassem manobras de obstrução parlamentar, poderiam retardar por algum tempo a aprovação do projeto. Não o fizeram, para evitar romper o precário equilíbrio político em que vive o país. Ou seja, para não desagradar aos comunistas, de cuja complacência dependem para sustentar-se atualmente no poder, a Democracia Cristã despreza a lei divina e a lei natural. E condena à morte milhões de inocentes.
Ouçamos outras vozes:
"E uma lei ruim que somente protege os interesses da mãe sem considerar os direitos da criatura que está crescendo dentro de seu ventre".
"O aborto não deixará de ser um pecado mortal". "É um acontecimento deplorável da história e da vida italianas".
Esses pronunciamentos, cheios de amargura, mas vazios de combatividade, provêm de editorial do L'Osservatore Romano, órgão oficioso da Santa Sé, e de um protesto da Conferência Episcopal Italiana.
Sendo a Itália uma nação maciçamente católica, causa estranheza que as autoridades eclesiásticas não tenham usado de modo eficiente a enorme influência que exercem sobre a opinião pública para impedir a aprovação da lei. Nem sequer tenham ameaçado os seus autores e aqueles que a fizeram aprovar com as penas que o Direito Canônico lhes faculta.
Ela autoriza qualquer mulher, a partir dos 16 anos de idade, a requerer a interrupção da gravidez nos primeiros 90 dias. Para tanto basta a requerente alegar que a gravidez lhe poderá trazer prejuízo para a saúde física ou psíquica, ou ainda para suas condições sociais, econômicas ou familiares. Como também a possibilidade de a criança vir a nascer com anomalias ou deformidades.
A mulher deverá consultar um médico de sua confiança e obter dele um parecer favorável para a realização imediata do aborto, cujas despesas serão inteiramente pagas pelo Estado. Porém, mesmo se o parecer médico for contrário à realização da intervenção, a mulher terá apenas que esperar sete dias para conseguir o assassinato legal de seu próprio filho. Pois, pela lei, a decisão final cabe sempre à mulher e não ao médico.
Inúmeros males de ordem natural e sobrenatural poderão advir para a Itália a partir da instituição dessa lei. Não devemos nos esquecer daquilo que ensina o Catecismo: o aborto provocado, sendo homicídio voluntário, é pecado que brada aos céus e clama a Deus por vingança.
Diz Santo Agostinho que as nações, porque não passam à vida eterna, são premiadas ou punidas nesta terra pelo bem ou mal que praticaram. É também o que ensina a História.
Qual será então o castigo que Deus reserva a esse pecado oficial e coletivo?
* * *
Na Itália presenciamos primeiramente a introdução do divórcio. E agora é iminente a legalização do aborto. É a marcha natural do processo revolucionário que tenta eliminar da face da terra a moral católica. A lepra do divórcio e do aborto já corroe muitos países. Em vários outros ela tenta penetrar. Lancemos o olhar para as condições morais que nos rodeiam e consideremos com temor o futuro.
"Instrumento da revolução marxista"
tradicional, que crê em Céu e em inferno, recompensa e castigo post-mortem.
Em outro lugar: "Todos, mais ou menos cremos em "algo". Isto nos tranquiliza, mas isto muitas vezes não nos compromete. Por isso os ateus dizem: "A religião é um ópio"(VT p. 27).
Em outros termos, a religião que "não compromete" com a revolução social e a derrubada das atuais estruturas político-sociais é realmente o "ópio do povo", segundo diz Marx.
Então, Moisés é apresentado como um emancipador "político-econômico" (Introdução ao Novo Testamento) e o povo hebreu, que ele libertou, "reúne todos os elementos de escravidão ou da discriminação social tal como existe ainda em muitos lugares. Um proletariado que vai se multiplicando [...] Trabalham não para alcançar uma vida mais decente, mas para os interesses de uma defesa nacional que não os defende, senão que os oprime" (VT p. 78).
Na Introdução aos "Juízes" lemos: "E enquanto o Êxodo era como o exemplo de uma libertação transcendental que Deus oferece à humanidade, o presente livro nos ensina que, no mundo presente, nunca teremos mais liberdade do que aquela que tivermos conquistado. [...] os israelitas, ao mesmo tempo que se prestavam a uma alienação cultural e religiosa, eram, por outro lado, vítimas de vários opressores e saqueadores que os reduziam à miséria [...] Os Juízes não eram santos. Israel, contudo, reconheceu neles os salvadores que Yavé, compassivo, lhes concedia" (VT pp. 60-61).
Vamos "traduzir": como os israelitas, o povo latino-americano se presta à alienação cultural e religiosa e é vítima de vários opressores e saqueadores que o reduzem à miséria. No mundo presente não teremos "mais liberdade do que aquela que tivermos conquistado". É preciso, pois conquistá-la. É verdade que nem sempre os "libertadores" são santos: às vezes são ateus e até comunistas. Mas precisamos ver neles os "salvadores" que "Yavé", compassivo, nos concede...
O contexto da "Bíblia Pastoral" não permite outra interpretação. É a essa luz que devemos ler tópicos como os seguintes (entre outros muitos):
"Movimentos inclusive ateus chamarão a si o apelo do Evangelho de trabalhar pelos pobres e estabelecer a justiça" (NT p. 55).
"Um jovem universitário educado na fé explica como virou um militante marxista: "Eu queria amar mais eficazmente meus companheiros" (NT p. 432).
"O jovem que, podendo compartilhar a sorte dos privilegiados, prefere pôr-se a serviço do povo, se faz, mesmo sem o saber, seguidor de Cristo. [...] À luz da Bíblia, podemos reconhecer um aspecto da libertação espiritual em todo esforço que se faça em prol da dignidade do homem, na luta dos povos em via de desenvolvimento pela sua independência econômica, no esforço dos jovens por uma participação mais ativa na construção de seu porvir" (VT p. 79).
A revolução social é obrigação do cristão:
"Todos os esforços para edificar um reino terreno de liberdade e de paz são necessários. O cristão que não se compromete no processo de uma reforma social por uma sociedade mais justa, fica à margem da salvação eterna" (VT p. 468).
Mas nem sempre os católicos e a Igreja pensaram assim: "Durante os séculos de cristandade, crentes e santos, capazes de darem sua vida por um irmão, não pensaram em rebelar-se contra as guerras e estruturas sociais que reduziam povos inteiros à miséria" (VT p. 331).
"Em alguns países a Igreja é perseguida. Em outros se impõem normas de vida que os verdadeiros cristãos devem rejeitar. Em setores importantes da humanidade se verifica isto de que "ninguém poderá vender ou comprar se não aceita. entregar sua liberdade à Besta"; e às vezes, enquanto prevalecem estas pretensões totalitárias do Poder, se pede à Igreja, como preço da sua tranquilidade, que faça o que fazia o Falso Profeta: adormecer os homens em vez de trazer-lhes a verdadeira libertação" (NT p. 468).
"Pensemos no que ocorre em nossos dias quando jovens educados em colégios ou paróquias demasiado conservadores descobrem correntes revolucionárias que os entusiasmam e pelas quais lutam de coração [...]. Logo vem a perseguição organizada [...] parece perigosa a consciência dos homens livres" (VT p. 469).
Por causa disso, "às vezes é necessário agir fora da lei" (NT p. 61). Mas os cristãos não devem desistir por isso: "Em todas as épocas e em todos os países se perseguem os verdadeiros cristãos. O discípulo não pode estar acima do mestre. Alguns cristãos vão para a cadeia. São tachados de comunistas, de revoltosos, de traidores... Mas talvez sejam testemunhas autênticas de Cristo, postos como ele na categoria dos malfeitores" (NT p. 18).
Ademais de todas as afirmações e insinuações que já vimos e outras mais que aparecem em todo o texto dos comentários, os autores da "Bíblia latino-americana" servem-se com habilidade de ilustrações, acompanhadas de legendas tendenciosas, para incitar à revolta e ao ódio de classes. Além das inevitáveis fotos de D. Helder Câmara e de Martin Luther King ("os profetas de hoje") encontramos as batidas cenas de miséria em contraste com arranha-céus e coisas do estilo. Um dos clichês, contudo, é uma verdadeira obra-prima do gênero, resumindo o objetivo mal velado dos exegetas-políticos chilenos: a "construção do socialismo".
Num comício-monstro em Cuba (ver foto que ilustra este artigo), aparecem cartazes gigantescos nos quais operários e camponeses, brandindo revólveres e metralhadoras, empunham uma bandeira: "Viva nossa revolução socialista". Pode-se ver ainda um retrato de Lenine, no qual figura o slogan: "Pátria ou morte", A legenda do clichê diz hipocritamente, como se não se referisse a nenhum regime político concreto: "O crente participa na vida política e procura, sob qualquer regime, a sociedade que dignifique a todos".
Cuba, "a sociedade que dignifica a todos"! De armas na mão os cristãos devem pois lutar por "nossa revolução socialista..."
Com tudo isto, fica-se pasmo em saber que esta Bíblia circulou impunemente durante vários anos em nosso Continente, com 10 edições totalizando 800 mil exemplares (e, de passagem, perguntamos que obra de Marx ou Lenine alcançou essa tiragem na América Latina...), sem nenhum protesto, nenhuma proibição, a não ser, como vimos, de alguns Bispos argentinos, só no fim do ano passado, e, posteriormente, da Sagrada Congregação da Doutrina da Fé.
Quanto ao Episcopado chileno - que, de modo temerário, qualificou essa obra ateia, blasfema e comunistizante, de "excelente alimento para o espirito" e a recomendou aos infelizes católicos andinos — o que havia para dizer já foi dito. E o foi com toda a altaneria, segundo as normas do Direito Canônico, toda a seriedade e de modo irrefutável pela destemida TFP chilena no livro "La Iglesia del Silencio en Chile / La TFP proclama la verdad entera".
Diante de um quadro como esse, perguntamos como é possível que Prelados brasileiros e latino-americanos afirmem que não há infiltração comunista na Igreja. A não ser que eles julguem que isso que analisamos neste artigo é a Palavra divina, na vigência da Lei Antiga, e autêntico Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas então, só clamando com o Salmista: "Até quando, á Deus, nos insultará o inimigo? O adversário há de blasfemar sempre do Teu nome? Lembra-Te disto: o inimigo ultrajou-Te, Senhor, e um povo insensato blasfema do Teu nome. Levanta-Te, ó Deus, defende a Tua causa: lembra-Te do ultraje que o néscio Te dirige continuamente"! (S1 73, 10; 18 e 22).
GERMAIN BAZIN
Os "Passos da Paixão" de Congonhas do Campo (MG), um conjunto de 66 figuras talhadas em cedro, figuram entre as melhores esculturas de Antonio Francisco de Lisboa, conhecido como o Aleijadinho. As imagens, em tamanho natural, dispostas em pequenas capelas, reproduzem, com profunda inspiração religiosa e elevada expressividade artística, cenas da Santa Ceia, a Oração no Horto, a Prisão do Redentor, a Flagelação, a Coroação de Espinhos, A Via Sacra e a Colocação na Cruz. Essas obras-primas da escultura colonial brasileira constituíram, juntamente com os doze Profetas, a última produção artística de envergadura do famoso artista mineiro do século XVIII. Apresentamos nesta página alguns "Passos da Paixão" comentados por Germain Bazin (*).
"Pai, se é possível, afaste-se de mim este cálice; todavia, faça-se a vossa vontade e não a minha" (Mt. 26, 39).
No Monte das Oliveiras, o suor de sangue fez brotar da testa e da raiz dos cabelos filetes sangrentos que caem até os ombros. A boca entreaberta exprime a angústia, enquanto o olhar está como que iluminado ante a aparição do Anjo.
"Voltando-se aos príncipes dos sacerdotes, aos magistrados do templo e aos anciãos que tinham vindo contra ele, disse-lhes: "Como se viésseis contra um ladrão, saístes armados de espadas e bastões. Entretanto, eu estava todos os dias convosco no templo, e não estendestes as mãos contra mim; mas esta é a vossa hora e a do poder das trevas" (Lc. 22, 52-53).
Na Prisão, Cristo, com olhar distante, parece entregar-se a uma espécie de fatalidade: não é preciso que as profecias se cumpram? Nada mais fará parar o "jogo da Paixão". Esta elegante figura, surda às vociferações destes brutos, evoca os Cristos das cenas das Prisões bizantinas, que, do alto de sua grandeza, dominavam o reboliço de uma humanidade vil. O rosto, de olhos ligeiramente amendoados, é o mais belo dos sete. Resplandece acima dos homens numa harmonia platônica, como se Cristo quisesse, uma última vez, antes dos ultrajes e escarros, mostrar ao mundo essa figura de perfeição que nunca mais habitará a terra.
"Davam-lhe na cabeça com uma vara, cuspiam nele e punham-se de joelhos como para homenageá-lo" (Mc. 15, 19). "E diziam: "Salve, rei dos judeus!" (Jo. 19, 3).
Mas eis o ser violentado em sua impotência: o sangue corre e, de repente, o sofrimento emerge ao nível dos sentidos. Deus revela-se homem nessa queixa que a boca exala e nesses olhos perturbados de Jesus coroado de espinhos.
"E aí o crucificaram com dois ladrões, um à direita, outro à esquerda" (Lc. 23, 33). "Cumpriu-se assim a Escritura que diz: "Ele foi contado entre os malfeitores" (Mc. 15, 28).
E ei-Lo chegado ao fim: a Colocação na Cruz. O Aleijadinho combinou, ao mesmo tempo, a colocação na Cruz e o momento da agonia. Se o rosto do Carregamento da Cruz é o mais sublime, este é o mais patético: Cristo, já possuído pela angústia da morte, lança um último apelo para o céu. É o grito "Eli, Eli lamma sabacthani" [isto é, "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" (Mt. 27, 46)] que o Aleijadinho faz exalar dos lábios de Jesus, por antecipação, quando é pregado na Cruz: o último sobressalto da natureza humana no momento da morte de um Deus.
A impressão que predomina nesse conjunto de imagens de Cristo é a inocência da Santa Vítima que, no sofrimento, permanece estranha ao desencadeamento do mal que a acabrunha. Todo esse sofrimento é vivido em ato, não ao nível dos sentidos, mas no fundo da alma. Nem por um instante Cristo abandona-se à fraqueza humana; nem por um instante deixa de rezar. A dor sofrida na carne, Ele a oferece em redenção dos pecados dos homens. Ele é, ao mesmo tempo, Sacerdote que celebra o Santo Sacrifício, Vítima oferecida em holocausto e Deus mesmo: Ele é o Cristo!
Em momento algum, no entanto, o sofrimento altera a beleza imortal. O Aleijadinho recusou-se a ilustrar a palavra de Isaías, na qual se comprazerem os alemães, seduzidos pelo atroz: "Muitos se espantaram ao verem-No, de tão desfigurado, pois seu aspecto não era mais o de um homem". Em Congonhas, por contraste, o caráter dos inimigos de Cristo realça essa beleza que é deste mundo. Um povo de larvas, de fantoches e de gnomos — o dos homens — a "canalha", como são chamados na distribuição dos papéis das Paixões cantadas — agita-se em torno do Intangível, que, no entanto, não é o Impassível, uma vez que, em sua carne e em sua alma, Ele vive essa paixão que desejou para a própria felicidade desses seres ignóbeis, tomados pelo espírito do mal e cuja única desculpa é a de "que não sabem o que fazem".
Abjetos, estes seres não são nem dignos de arte, estando, assim, mergulhados numa espécie de inferno do disforme. O Aleijadinho, muito frequentemente aliás, não se deu ao trabalho de esculpi-los ele mesmo. Deve ter estabelecido certos modelos que foram reproduzidos mais ou menos desajeitadamente. Deve-se ao artista a escultura da cabeça do carrasco, curiosamente coberta por um barrete frígio com o qual se vestiam, ridiculamente, os "sans culotte" revolucionários [da Revolução Francesa]. Seria uma alusão? Foi nosso artista também quem esculpiu o personagem do mau ladrão na Colocação na Cruz. E fica a pergunta: por que reservou suas preferências para o mau mais que para o bom (que é uma figura bem miserável de caboclo subnutrido)? A escolha revela, sem dúvida, certa intenção: junto à figura do Mártir, cuja alma vai se diluir num transe sublime, não teria o Aleijadinho desejado mostrar, pelo contraste, o sofrimento em estado bruto, o inútil sofrimento do pecador embrutecido?
É notável que nenhum desses gestos, nenhum desses escarros, nenhuma dessas armas brandidas atinjam verdadeiramente o corpo divino que permanece isolado, como se dele emanasse um resplendor, afastando o impuro, no meio dessa multidão que se excluiu do seu Reino. O que há de comum entre esses monstros, feios como pecados, que já nem mais a figura de homens possuem, e esse Ser real, o Rei da Glória?
Causa estupefação a verdade teológica dessas imagens de Cristo, que revelam uma meditação profunda sobre o drama da Paixão, apoiada não somente na leitura do texto do Evangelho, mas também no texto mais patético de Isaías".
(*) Germain Bazin, conservador do Museu do Louvre em Paris, veio ao Brasil, onde pesquisou a vida e obra do Aleijadinho. Publicou o livro "Aleijadinho" (Ed. Le Temps, Paris, 1963), do qual extraímos os comentários acima. As citações dos Santos Evangelhos foram inseridas pela redação. A Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S. A. (Rio de Janeiro) traduziu em 1971 aquela substanciosa obra para a português.