A QUEDA DAS BARREIRAS MORAIS

MURILLO GALLIEZ

Com o título de "Moeurs: les nouvelles règles de la morale", publicado pela revista francesa ‘Le Point’ (28/8/78), o interessante artigo analisa diversos aspectos da decadência dos costumes na França, entre eles a difusão do hábito de roubar por pessoas de vida e apresentação aparentemente normais.

"Pornografia, liberdade sexual, roubos "de luxo". Dissolução da célula familiar. Contestação da autoridade. Recusa de trabalhar. Reivindicações as mais diversas. Trapaças de todo o gênero. Celebração do vagabundo. A França parece oferecer, algumas vezes, o espetáculo de uma anarquia moral que desconcerta. E muitos hoje se perguntam onde está o bem, onde está o mal. Ontem, ninguém duvidava. As regras eram conhecidas, determinadas, admitidas. Hoje, uma espécie de nevoeiro as esconde".

Ladrões grã-finos

No que diz respeito aos roubos, em vez de recorrer aos dados numéricos sobre as transgressões, o artigo prefere relatar fatos que constituem exemplo das tendências existentes em diversos setores da sociedade. Eis alguns tópicos: é fato notório que o roubo está se tornando uma prática cada dia mais difundida. "Se não fosse o risco de prisão —constata um delegado de polícia — poder-se-ia perguntar quantas pessoas resistiriam à tentação". É, portanto, muito mais o medo que o escrúpulo o fator que retém a mão quando a ocasião se apresenta.

Pode-se "roubar" nos bairros mais populares, mas também se "surrupia" nos quarteirões elegantes. Em outras épocas, ninguém hesitava em abrir seu apartamento para recepções concorridas. Certamente havia estragos, porém nada de grave. Atualmente, em reuniões sociais de pessoas de educação supostamente esmerada, ocorrem furtos e depredações. Bibelots, objetos de arte, lembranças de família, nada escapa à sanha dos amigos do alheio.

Bandejas voláteis...

Dois exemplos recentes:

A família A... abriu os salões de seu castelo para uma recepção. Bandejas de prata circulavam. Ao fim da noite elas se haviam volatilizado, da mesma maneira que os "petits fours" que transportavam.

Em casa da família H... foram os relógios de coleção, em ouro e prata, que mereceram a preferência dos convidados.

Os hotéis evidentemente não escapam à devastação. Em um famoso hotel de luxo, o "Palace" de Beauville, duzentos cobertores desapareceram em apenas um ano. Sem contar um bom número de lâmpadas de cabeceira.

Roubo por encomenda

Outro teatro de operações, é a empresa. Em uma fábrica de roupas em Roubaix foram constatados casos de roubo. Declaração de uma empregada: "Se o patrão quisesse dispensar por roubo, ele deveria mandar embora três quartos do pessoal. Há um roubo sistemático todos os dias com a cumplicidade das moças. Se um artigo lhes agrada, elas tiram; chegam mesmo a fazer encomendas entre si..."

Esta colheita em grande escala floresce no calor dos supermercados. Neles o roubo triplicou em 10 anos.

Os autores de tais furtos são em sua maioria adultos, 73%, contra 27% de adolescentes com menos de 17 anos. "Entre eles se encontram pessoas de todas as categorias sociais — declarou um detetive. Mesmo Padres, educadores e, vez por outra, um advogado".

Em Chartres, uma grande loja constatou que sete dos seus cinquenta empregados eram responsáveis pelo desequilíbrio financeiro observado em sua contabilidade.

Consciências viciadas

O mais espantoso é que esses ladrões procuram justificar sua maneira de agir. Seus argumentos indicam o espírito de nossa época. O advogado surpreendido pelo detetive declarou: "E daí? Isto é normal. O problema agora é seu". Descobertos, os empregados da loja de Chartres manifestaram um espanto entristecido; eles não tinham a impressão de haver cometido um delito nem compreendiam como a direção do estabelecimento pudesse apresentar queixa. O sentimento de culpa se apaga quando a pessoa lesada é anônima.

Outro argumento "justificativo" de roubo é a "recuperação" ou a "reparação de uma injustiça". Assim, poderão eles dizer que são vítimas de uma sociedade fundada sobre o lucro, que aumenta os preços artificialmente e que os explora. Como exemplo, o raciocínio de uma das empregadas da fábrica de roupas de Roubaix: "Os artigos prontos custam de 90 a 150 francos, enquanto nosso salário é de 1.700 francos por mês. Com isto, jamais poderíamos comprá-los. Então as moças não hesitam um segundo. Elas dizem: "Não se ganha muito mas, pelo menos, vestimos nossas crianças".

A tentativa de justificar os furtos, alegando que eles são resultado de uma reação de defesa contra uma sociedade capitalista e exploradora, torna clara a mentalidade coletivista que se propaga em todos os meios.

O mesmo problema verifica-se nos Estados Unidos onde o hábito de roubar talvez seja ainda mais difundido que na França.

Cr$ 800 bilhões por ano!

No sugestivo artigo: "De dentro e de fora: uma onda de crimes de 40 bilhões de dólares inunda as empresas americanas", a revista "U. S. News & World Report" (21/ 7/ 77) publicou dados impressionantes, seja pelo elevado número, seja pelo teor dos relatos.

Firmas de todos os tamanhos, desde as pequenas lojas até gigantescas empresas industriais, foram lesadas por criminosos, de dentro e de fora, que sugam dinheiro e mercadorias no valor de quase 40 bilhões de dólares por ano, o que corresponde à soma fabulosa de 800 bilhões de cruzeiros.

Isto representa cerca de 185 dólares (cerca de 3.700 cruzeiros) por cada homem, mulher e criança nos Estados Unidos. Ou seja, é como se cada habitante roubasse aquela quantia por ano.

Nenhuma empresa está livre de ser roubada por seus fregueses ou pelos seus próprios empregados. A senda do crime vai desde os galpões de saída de mercadoria até as suítes dos executivos.

Só em 1975 a polícia recebeu denúncia de dois milhões de casos de roubos em lojas. Porém o número real deve ter sido pelo menos o dobro, pois muitos não são detectados e outros não são denunciados.

Funcionários em órgãos de segurança estimam que 9% de todos os empregados rouba com regularidade. A Comissão Presidencial sobre o Crime afirma que 20% dos produtores consideram que o roubo de matéria-prima, equipamentos e produtos manufaturados pelos seus empregados é um problema importante que aumenta a cada dia. Os resultados podem ser devastadores. Por exemplo:

- De acordo com estatísticas de companhias de seguros, 30% das falências decorre de roubo interno.

- A fraude é um fator preponderante nas perdas que levaram ao fechamento cerca de 100 bancos, num período de 20 anos.

- Muitas firmas comerciais perdem 50% de seus lucros devido a uma "retração de estoque", geralmente considerada como roubo. Em consequência, o preço das mercadorias sofre um acréscimo de 15%, passando assim os custos para o consumidor.

Onde irá parar?

Delitos desse gênero estão aumentando em cerca de 10% ao ano.

Processos contra os funcionários aumentaram em cerca de 100% nos últimos quatro anos. Os desfalques, antes pouco frequentes, subiram quase 70% desde 1971.

Lojas e escritórios foram arrombados mais de 930 mil vezes em 1975, segundo informação do FBI. O comércio varejista relacionou 546 mil casos de furtos em lojas no mesmo ano.

Numa pesquisa feita em uma casa comercial de Nova York, 500 fregueses, tomados ao acaso, foram seguidos e observados. Um em cada doze foi visto roubando.

Um grande número de furtos só é revelado pela retração do estoque ou em falência judicial. O comércio varejista, alvo favorito dos larápios, estima em 7,3 bilhões de dólares sua perda por roubos. A Associação Nacional do Comércio Varejista informa que 45% das mercadorias roubadas vai para as mãos de empregados desonestos; 35% é levado pelos compradores nas lojas e o restante é atribuído a erro de contabilidade.

Supermercados de alimentos, por sua vez, afirmam perder 1 bilhão de dólares cada ano por roubo.

Roubos de hotéis e motéis foram estimados em 500 milhões de dólares em 1976. Os empresários do ramo já contam que um de cada três hóspedes rouba alguma coisa.

Mais de 11 mil casos anuais de desfalques bancários e fraudes de parte dos usuários são registrados por autoridades federais. Os delitos vão desde o roubo de dinheiro pelos caixas até empréstimos fraudulentos, envolvendo milhões de dólares.

Embora as autoridades judiciais e especialistas prevejam um agravamento da situação, as punições contra tais crimes são em geral leves.

Além disso, os próprios empresários tendem a considerar o roubo praticado por funcionários como "normal". Muitos relutam em processá-los. Geralmente uma simples demissão é solicitada ao autor do roubo.

Enquanto tal mentalidade perdurar, ao lado da brandura com que a legislação trata os culpados, as empresas continuarão a ser a galinha dos ovos de ouro dos funcionários sem escrúpulos.

Note o leitor que não se trata de ladrões "profissionais", marginalizados, clandestinos, mas de pessoas que levam uma vida comum: empregados de escritórios, de fábricas, profissionais liberais etc. Em última análise, o homem da rua, a mãe de família, a criança do bairro.

A tal ponto o mundo moderno destruiu nas pessoas a noção de pecado, os limites entre o bem e o mal, a verdade e o erro, a beleza e a feiura, que a violação das normas de moral mais elementares não lhes causa mais nenhum problema de consciência.

Ou seja, passamos a viver numa sociedade neopagã, diametralmente oposta aos ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Batida policial em Paris. — Os ladrões comuns começam a ficar ultrapassados pela generalização do roubo na sociedade.


E a árvore nasceu do túmulo...

Quem visita o cemitério de Tewin, a meio hora da estação de King's Cross, em Londres, admira-se ao ver quatro troncos gigantescos que se erguem diretamente de um túmulo destroçado pela planta, na qual se encravam ferros retorcidos.

O que teria determinado a vitoriosa sobrevivência daquele vegetal, aparentemente contrariando todas as leis da natureza?

A explicação, encontramo-la em "The Book of Knowledge" (The Educational Book, Londres, 1921) onde se narra a história de uma dama inglesa que viveu no século passado. Ei-la.

* * *

Em sua mansão em Hertfordshire, Lady Anne Grimston agoniza.

Mulher orgulhosa e obstinada, gozou como pôde de suas riquezas, terras e amizades na vida social, sem se preocupar com coisas mais importantes, que não perecem.

A Sr.a Grimston acreditava que, com suas amizades e bens, sua vida terminaria para sempre com a morte. Negava assim a vida eterna a que estão destinadas todas as almas.

As pessoas de suas relações tentaram convencê-la do contrário, mas a Sr.a Grimston, orgulhosa e incrédula, disse-lhes:

"Não terei outra vida. É tão inverossímil que eu ressuscite para outra vida, como que uma árvore venha a crescer de meu corpo".

E Lady Grimston morreu como tinha vivido, sem o conforto daqueles que esperam em Deus. Seu corpo foi enterrado em um túmulo de espesso mármore. E todos a esqueceram.

Esqueceram-na, mas não inteiramente. Pois, certo dia, a laje de mármore de sua sepultura foi encontrada fora de sua posição. Os pedreiros fixaram-na de novo, firmemente, no lugar, e a deixaram, julgando estar segura.

Algum tempo depois, o pesado mármore pendeu levemente para um lado, e no meio apareceu uma rachadura, da qual irrompia um tenro e pequenino maço de folhas. A rachadura foi fechada com cimento e a laje recolocada em seu lugar. Porém, mais uma vez o mármore foi levantado, a rachadura reapareceu mais aberta do que anteriormente, e o pequeno ramo de uma planta apareceu.

Realizados os reparos, o túmulo recebeu o reforço de barras de ferro cobertas de cimento. Mas o arbusto prosseguiu seu curso, partindo em duas partes a laje, destruindo as paredes da sepultura e expelindo a armação de ferro.

Hoje, saindo do coração da sepultura da Sr.a Anne Grimston, encontra-se uma das maiores árvores da Inglaterra, com seus quatro troncos nascidos de uma só raiz. As pesadas barras de ferro foram envolvidas pela árvore e não podem ser movidas. O mármore da sepultura se desfez em pedaços e o que restava do túmulo de Lady Grimston não passa de um monte de pedras fragmentadas e de barras retorcidas.

E a frondosa árvore manifesta ali, de modo impressionante, a majestade de Deus, que com simplicidade reduz a ruínas qualquer orgulho humano.

Árvore nascida do túmulo: impressionante lição divina.


CRISE NO IRÃ, AMEAÇA AO MUNDO LIVRE

CARLOS SODRÉ LANNA

Desde janeiro, a crise no Irã começou a avolumar-se, e a partir de então o país vem sendo sacudido por distúrbios cada vez mais violentos.

A antiga nação persa limita-se com o Iraque, a Turquia, a Rússia, o Afeganistão e o Paquistão, ocupando importante posição geopolítica no sudoeste asiático.

Com seus 35 milhões de habitantes, ocupa uma área de 1.648.000 km2.

O Irã e a Arábia Saudita controlam o Golfo Pérsico e são fornecedores da maior parte do petróleo consumido nos países ocidentais.

Por isso, o caos ou um regime antiocidental que se estabelecesse naquele país colocaria em perigo o equilíbrio mundial.

O Irã é, ao mesmo tempo, o quarto produtor de petróleo do globo e o segundo exportador da OPEP.

A economia iraniana baseia-se quase exclusivamente nos 22 bilhões de dólares arrecadados anualmente com as exportações petrolíferas, a maior parte delas destinada aos Estados Unidos e à Europa.

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Em 1972, a administração Nixon decidiu vender ao Xá Reza Pahlevi todos os equipamentos militares clássicos de que ela necessitava. Desde aquela data, o país comprou mais de 12 bilhões de dólares em armamentos. Contratos de outros 7 bilhões estão em andamento. O Irã é o primeiro cliente no mercado internacional de armamentos. Um terço de suas despesas públicas atualmente destinam-se à compra de armas no exterior.

O exército iraniano está em vias de se tornar o quarto ou quinto do mundo.

A força aérea daquele país asiático possui mais de 450 aviões de combate, a mesma quantidade que a França. O exército conta com 110 tanques ingleses e americanos, duas vezes mais que a França. A marinha está ainda pouco aparelhada, mas já foram feitas grandes encomendas nos Estados Unidos, Alemanha Ocidental e Países Baixos.

O objetivo do Xá é contar com 300 tanques, 700 aviões de combate e 60 navios de guerra.

Esse poderio é mantido, atualmente, por cerca de 30 mil técnicos e militares norte-americanos.

Por tudo isso, a instalação de uma república islâmica com o apoio do Toudek, partido comunista iraniano, traria sérias consequências para o equilíbrio estratégico ocidente-oriente.

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Cerca de 98% da população do Irã é muçulmana, sendo que 93% filiam-se à seita xiita do islamismo.

No momento, o maior e mais perigoso inimigo do Xá são muçulmanos fanatizados pelo antiocidentalíssimo da alta hierarquia xiita, constituída pelos ayatollahs e mullahs, chefes religiosos e "teólogos" do Islã.

O mais veemente contestador do regime, o ayatollah Khomeini, estabeleceu seu quartel-general em Paris. Expulso do Irã, há 15 anos, continuou, da França, a dirigir as manifestações contra o governo iraniano. Khomeini e o líder da Frente Nacional, Karim Sanjaby, declararam que vão continuar pressionando o Xá e que nenhum acordo será negociado com o governo, até que seja instalada uma república islâmica no país.

Tal república visaria eliminar a influência que o Ocidente exerce sobre a cultura e a civilização persa. O ayatollah Khomeini, em uma de suas entrevistas à imprensa na capital francesa, ao ser interrogado sobre as relações de seita xiita com os grupos marxistas, permaneceu calado. Silêncio cúmplice, mais eloquente do que qualquer declaração.

O próprio Xá advertiu que uma eventual transformação no Irã, nos moldes propostos pelo chefe xiita, seria a causa da desestabilização de todo o sudoeste asiático.

Na realidade, não é difícil vislumbrar a atuação soviética como o agente principal da revolta promovida pela aliança entre os esquerdistas e o hierarca xiita.

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Devido ao agravamento da situação em toda a nação iraniana, no dia 6 de novembro passado, a chefia do governo foi entregue ao comandante do Estado-Maior das Forças Armadas, general Gholam Reza Azhari, que formou um gabinete constituído quase exclusivamente de militares.

Milhares de manifestantes esquerdistas, sobretudo na capital, investiram contra edifícios públicos, embaixadas, hotéis, bancos, lojas e veículos, transformando Teerã numa cidade insuportável. Os danos e prejuízos materiais causados pelos desordeiros foram incalculáveis.

Uma greve deflagrada nas refinarias paralisou por vários dias a produção petrolífera. No momento, o futuro do Irã depende da lealdade das Forças Armadas ao soberano persa. A situação não permite, por ora, prever qual será o desfecho da crise que abala aquela nação.

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Para os russos é preferível um Irã tumultuado, a um regime forte antimarxista, com assento na Organização dos Países Produtores e Exportadores de Petróleo (OPEP).

A atual crise gerada por fatores internos, coadjuvada por agentes externos soviéticos, transformou-se numa disputa de influências e de interesses que divide capitalistas e comunistas.

É inegável a possibilidade de que a Rússia, por meio da subversão interna e da pressão externa, venha a dominar uma região que é a âncora da política das potências ocidentais no sudoeste asiático.

No dia 10 de novembro, circularam notícias sobre concentração de tropas soviéticas em manobras, ao longo das fronteiras entre os dois países, aparentemente por precaução, diante da possibilidade de um agravamento da situação.

Caso o governo do Xá venha a ser substituído por um regime muçulmano, aberto à influência soviética, tanto o Ocidente quanto a NATO sofrerão um sério revés.

O Irã tem uma fronteira de quase 2 mil quilômetros com a Rússia e mantém com esta relações amistosas.

São muitos os empreendimentos realizados em conjunto pelos dois países, entre os quais um importante gasoduto que abastece os soviéticos. Três refinarias fornecem à Rússia 30 milhões de metros cúbicos diários de gás natural.

Os recursos petrolíferos do Irã representam o principal elemento neste xadrez estratégico. Segundo o consenso de peritos da NATO, a Rússia passará a depender de importações de petróleo na próxima década.

Em entrevista à revista norte-americana "Newsweek", o próprio Xá destacou que, se a monarquia for abolida e em seu lugar implantada uma república islâmica socialista, como deseja o chefe xiita ayatollah Khomeini, o Irã poderá se transformar rapidamente num outro Líbano. O país seria dividido e parte de seu território transformado em nova república soviética.

Referindo-se à estratégia russa na região, o soberano persa ressaltou que o golpe no Afeganistão —que colocou no poder um governo pró-soviético — corresponde à segunda fase de uma gigantesca ação de envolvimento, cujo objetivo final é o controle do Golfo Pérsico e das rotas de petróleo para a Europa Ocidental, Estados Unidos e Japão. A primeira fase ocorreu há um ano, quando os soviéticos enviaram mais de um bilhão de dólares em armas para a Etiópia.

Conclui o Xá Reza Pahlevi advertindo que os conflitos na região - consequência inevitável da implantação de um Estado socialista - poderiam ser o estopim de uma terceira guerra mundial, ou representar o colapso do mundo ocidental diante do bloco subjugado pela Rússia.

Embaixo: fisionomias refletindo ódio de manifestantes esquerdistas em Teerã.

O Xá (à direita) e o chefe do governo, general Azharl (a esquerda), cometem erros que favorecem seus opositores

Junto com os comunistas, o "ayatollah" Khomeini chefia a oposição ao Xá. É o Corso a serviço da foice e do martelo.


O desastre ferroviário

RENATO VASCONCELLOS

O leitor pensará que se trata de uma colisão monumental entre dois trens expressos em meio às florestas da Tanzânia... Centenas de mortos, milhões de cruzeiros em prejuízos...

Prejuízos, certamente os houve. Mortos, não. Porque não ocorreu nenhum choque.

O que aconteceu então?

* * *

Há cinco anos, a ONU decretou boicote geral contra a Rodésia, com o objetivo de derrubar seu atual governo. A pressão fez com que vários países africanos fechassem suas fronteiras com a Rodésia.

O boicote revelou-se ineficaz, porque a Rodésia encontrou na África do Sul um poderoso aliado contra as pressões internacionais que se lhe faziam e os violentos ataques terroristas lançados contra seu território.

Entretanto, a Zâmbia, o vizinho do norte, foi o país mais atingido pelo embargo, pois utilizava estradas de ferro rodesianas para, através dos portos sul-africanos, exportar o cobre, sua principal fonte de divisas.

O feitiço virou-se contra o feiticeiro. A economia de Zâmbia deteriorou-se em pouco tempo. Milhões de toneladas de cobre amontoavam-se à espera de uma solução que não era fácil de encontrar, uma vez que a saída para o mar estava bloqueada.

Apareceram então os comunistas chineses. Prestativos. Pretendendo-se eficientes. E propuseram resolver o impasse. Construiriam uma longa estrada de ferro que, saindo de Zâmbia, atravessaria a limítrofe Tanzânia, indo terminar no porto e capital desta, Dar-es-Salaam.

Em troca, os chineses teriam um enclave na África, representado pela óbvia influência que exerceriam nos rumos dos dois países beneficiários da ferrovia.

Aceita a proposta, dois mil técnicos chineses trabalharam na construção da estrada de ferro que recebeu o nome de TANZARA (Tanzânia-Zâmbia Railways). Em 1976 a ferrovia foi inaugurada.

É interessante pois saber se os problemas da Zâmbia foram resolvidos, como também conhecer a "performance" da TANZARA, dois anos depois de concluída sua construção.

Segundo o correspondente da revista americana "Time", que fez o longo percurso num trem da empresa, a TANZARA é um trambolho e constitui um dos maiores fracassos ferroviários até agora conhecidos. As locomotivas, vagões e todo o material utilizado na construção da estrada de ferro vieram da China continental.

Os "expressos" são de um anacronismo espantoso. Correm a uma velocidade máxima que faz lembrar o carro de boi... 40 km horários! Reconheçamos que se trata de um recorde, pelo menos se compararmos com as épicas locomotivas de Stephenson, que há mais de cem anos causavam furor na Inglaterra.

Os confortos proporcionados pela ferrovia chinesa deixam bastante a desejar. As toilettes estão constantemente imundas, os vagões, além de apresentarem bancos apertados, não têm sistema de ventilação em funcionamento razoável. No carro restaurante, o cardápio oferece apenas duas opções: frango e arroz ou arroz com frango... O estoque de bebidas termina uma hora depois de o trem deixar Dar-es-Salaam.

Mas ninguém parece preocupar-se muito com isso. Os passageiros trazem consigo caixas de bebidas, imensos cachos de bananas, pão e outros suprimentos. Sem falar nos inevitáveis transístores, irradiando estridentemente uma cacofonia de tambores e guitarras.

A travessia pelo interior da África prossegue. Três horas após a partida, uma parada imprevista. A locomotiva acabara de matar uma girafa que saíra da savana. O acidente ocasionou uma hora de reparos nos freios.

O "expresso" chega finalmente à estação terminal com 11 horas de atraso.

A Zâmbia, enquanto isso, continua com sérios problemas para o transporte de cobre. Antes da construção da ferrovia "made in red China", 100 mil toneladas daquele minério aguardavam embarque. Hoje a mesma quantidade permanece em estoque. A TANZARA nada resolveu: E, reportando-nos ao adágio popular, "tudo está como dantes no quartel de Abrantes"...

Para tirar a economia de seu país do caos, o presidente da Zâmbia recorreu finalmente ao bom senso. Ignorando o boicote estabelecido pela ONU, reabriu as fronteiras com a Rodésia, retomando a antiga via de exportação.

Zâmbia e Tanzânia poderão agora "restaurar" a TANZARA, essa espandongada ferrovia de apenas dois anos de existência. Os chineses acabam de renovar o contrato de manutenção da companhia ferroviária por outro período de dois anos. A única dúvida que paira é, se até lá, os trens da TANZARA ainda conseguirão se mover mesmo na velocidade pachorrenta de 40 km por hora...

Há dois anos, palmas para os comunistas , chineses na Tanzânia. A ferrovia que então inauguravam já precisa ser hoje inteiramente reformada.