Felisberto é um homem bom. Saudável, alegre e trabalhador. Sente-se feliz com sua numerosa prole — 10 filhos — que educou com solicitude e firmeza. No minúsculo lugarejo do interior da Paraíba, onde cultiva um pequeno sítio, todos o conhecem e o querem bem.
Seus hábitos são estáveis como sua personalidade. Desde há muito Felisberto acostumou-se a acordar com o trinado melodioso de seus canários. Quem estiver nas redondezas poderá vê-lo, invariavelmente, às 5:00 hs da manhã sair montado num burro, para o trabalho. A tarde, de volta à casa, gosta de perder-se longamente na contemplação da policromia luminosa que o pôr do sol, no campo, costuma oferecer. Também não dispensa a saborosa fritada de lambaris — pescados por seus próprios filhos no riacho que corre nas proximidades —, seu prato favorito.
Certo dia, um sábado, saindo para fazer compras, Felisberto depara com estranho reboliço na vila.
Encontravam-se no local dois personagens esquisitos. Um casal, jovem, com aparência de estrangeiros: ele, alto, magro, olhinhos movendo-se agitadamente no meio de vasta cabeleira loira. A mulher, trajando espalhafatosas pantalonas, falava continuamente — com timbre de voz mais próprio a um homem — e deixava transparecer por trás de forçada amabilidade, olhos felinos e fisionomia rubicunda.
Como sociólogos, dizia ela, estamos empenhados em trazer a vocês as conquistas da vida moderna.
E puxando um caderninho pôs-se a fazer perguntas aos circunstantes, anotando nervosamente as respostas:
De que vivem? Lutam pelos direitos? Pela justiça social? Pela igualdade? São explorados?
Felisberto, percebendo logo de que gênero de agitadores se tratava, dispunha-se a retomar seu caminho quando ouviu uma última pergunta:
Como tratam nossos companheiros, os animais?
Bolas! exclamou, voltando-se bruscamente. Só faltava agora virem falar de "justiça social" para os bichos...
Não se assuste — respondeu a "socióloga" com voz melíflua e ar zombeteiro. Vocês não estão habituados ao sopro das ideias novas. A Unesco, órgão científico das Nações Unidas (ONU), descobriu que os animais, como os homens, têm direitos. Direito à vida, à liberdade, ao repouso e a serem bem tratados e alimentados. Deseja a Unesco além disso, que tais direitos sejam defendidos por leis. Para isso divulgou recentemente, em Paris, uma Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Eu a tenho aqui. Ouçam-na!
E tirando do caderninho um recorte de jornal, pôs-se a lê-lo em tom magisterial.
(Ver a declaração ao lado).
Felisberto, pensando nos seus belos canários engaiolados e nos apetitosos lambaris, tratava de afastar-se rapidamente dizendo de si para consigo:
A ser verdade o que diz esta mulherzinha, se meu jumento empacar agora, sou eu quem terá de carregá-lo até a cocheira. Pois nenhuma lei o obriga a respeitar meus direitos de dono, e eu, pelo contrário, estaria obrigado a respeitar seus "direitos" de bicho, dando-lhe a suculenta ração costumeira. É tão louco tudo isso... e no entanto, a conversa dessa labiosa socióloga me deixa embaraçado, pois eu não sei como provar o contrário.
— Não se aflija, Felisberto. A doutrina católica lhe oferece o esclarecimento que deseja. Recorde suas aulas de catecismo...
* * *
O homem, os animais e as plantas são seres vivos. Neles encontra-se o fundamento misterioso da vida: o "princípio vital". Entretanto, somente o homem possui alma espiritual. Aquilo que, em certo sentido, se poderia chamar a "alma" do bicho ou da planta, confunde-se, nestes, com o "princípio vital", e não se distingue da matéria. Desaparece, pois, com a morte do organismo animal ou vegetal. O animal — e com maior razão a planta — não tem, pois, alma espiritual. Em consequência, não têm eles consciência de nada. Sequer têm consciência de que existem. O animal vê, ouve, sente, mas não entende o que vê, ouve ou sente. Se um boi, por exemplo, olha um palácio não é capaz de compreender no quê este se distingue do estábulo, do matadouro, ou de um pato desengonçado caminhando pelo campo. Sua retina é impressionada pelo objeto quase à maneira de uma chapa fotográfica que registra pura e simplesmente a imagem.
A mesma coisa pode-se dizer da sensibilidade do animal à dor. Seu organismo a sente, mas ele não a conhece. Não tem consciência de que a está sentindo. É, portanto, um sentir muito diverso do sentir do homem. O sofrimento é o padecimento da dor, acompanhada da noção intelectiva desta. Neste sentido só o homem é capaz de sofrer. O animal não o é.
Quem quiser ter uma noção aproximativa da "dor" do animal, imagine um homem profundamente adormecido por efeito de drogas, a quem se aplicam golpes. Seu organismo pode reagir com movimentos e contorções, mas são reações puramente orgânicas. Não se pode propriamente dizer que ele sofra. A dor "sentida" pelo animal é ainda inferior a esta, assim figurada, mas guarda certa analogia com ela.
A planta tem, por sua vez, um grau de vida inferior à do animal. Não há nela sequer a sensibilidade. Quando uma folha murcha e seca, por efeito do inverno, não é porque a planta "sentiu" o frio na acepção da sensibilidade animal, mas por um conjunto de reações biológicas e químicas, que comunica a planta, por vezes, a aparência da sensibilidade.
Assim, não tendo consciência da própria existência, o animal ou a planta não podem ser detentores de direitos. Com efeito, direito é uma prerrogativa exclusiva do ser racional capaz de compreender a si e ao universo que o cerca. Falar pois em direitos do animal é afirmar que a condição de ser inteligente não situa o homem incomparavelmente acima do bicho, ou seja, é igualar o homem ao animal; é negar-lhe, pois, a alma imortal e o destino eterno. Na afirmação de que o animal tem direitos, está uma implícita, mas radical afirmação de materialismo e ateísmo. Aliás, princípio básico do sistema marxista e comunista.
Deus, ao criar o universo, criou todos os seres inferiores ao homem, em ordem, e para o serviço deste. E fez o homem a Sua imagem e semelhança (Gen. 1, 26). Estabeleceu ainda que os seres superiores se sirvam e se alimentem dos inferiores. Assim, está na ordem da criação que as plantas suguem os minerais, e deles se alimentem. Que os animais se alimentem das plantas, ou de outros animais. Constituem exceção — e seria monstruoso se fosse a regra geral — as chamadas "plantas carnívoras", que assimilam insetos nelas presos por resinas, que tais plantas segregam.
Está ainda na ordem natural que o homem se sirva dos minerais, vegetais e animais, ordenadamente, para sua alimentação, serviço ou justo entretenimento e adorno. A natureza de tais seres está perfeitamente bem atendida quando eles são postos, assim, a serviço do homem. A natureza de um pintassilgo está bem atendida quando este é preso na gaiola para distrair o homem com seu canto. O pássaro solto na floresta não "se realiza" tão perfeitamente quanto cantando para o homem. Isso porque os outros animais, nem o próprio pintassilgo são capazes de entender seu canto; e o homem o é. Do mesmo modo a natureza do frango está atendida quando este serve de alimento para o homem, e a do cavalo quando lhe serve de meio de transporte.
A doutrina católica condena a crueldade contra animais. Matar inutilmente um animal ou maltratá-lo sem razão constitui prática reprovável, não porque fira pretensos direitos do bicho, mas porque ofende a Sabedoria de Deus criador e a própria natureza racional do homem. Com efeito, o que Deus fez, o homem não pode, sem justa razão, destruir ou lesar. Um menino praticaria um ato louvável prendendo — com as necessárias condições de subsistência — um passarinho numa gaiola, para se encantar com seu gorjeio. Pecaria, entretanto, contra o l.° Mandamento — que manda amar a Deus sobre todas as coisas — se estrangulasse o bicho sem necessidade.
Pecaria, aliás, pela mesma razão, quem quebrasse intencionalmente e sem motivo um belo vaso de cristal, ou extinguisse uma boa tradição. Isso porque aquilo que existe retamente e é bom não deve ser destruído sem grave motivo. Nosso Senhor Jesus Cristo assim nos ensinou quando disse: "Não julgueis que vim destruir a lei e os profetas" (Mt. 5, 17). E citando a profecia que dEle fizera Isaías: "Ele não quebrará o arbusto partido, nem apagará a mecha que ainda fumega" (Mt. 12, 20).
Mas, se é ação reprovável maltratar um cão, é igualmente condenável dedicar a este uma estima ou um trato desproporcionados. Num e noutro caso estaria o homem ofendendo a Deus e degradando-se pela prática de atos que a reta razão repudia. E todo o homem tem a obrigação de agir sempre de acordo com os ditames da razão e da Lei natural, inseridos em sua natureza racional pelo Criador.
* * *
Felisberto, alegre por achar a explicação doutrinária que procurava, até desejaria reencontrar a impertinente socióloga, pois desta vez, pensava ele, a história seria outra...
Entretanto, inesperadamente, uma subtil objeção assalta seu espírito, enquanto, ao trote cadenciado do asno, dirige-se de volta a casa:
— É fora de dúvida, uma loucura, esta história de direitos dos animais. Mas a isso não se pode negar uma boa dose de bondade. Exagerada, é verdade, mas enfim... reconheçamos, é a desprevenida e doce bondade que caracteriza nosso século.
* * *
A pacata vila de Felisberto não é rapidamente atingida pelos modernos veículos de comunicação. Compreende-se pois que ele esteja muito pouco informado. O que pensaria nosso personagem se conhecesse as notícias que "Catolicismo" apresenta na página ao lado? Continuaria a julgar que uma "doce bondade caracteriza nosso século"?
Proposta pelo Dr. Georges Heuse, secretário-geral do Centro Internacional de Experimentação de Biologia Humana, a Unesco proclamou, em Paris, no dia 15 de outubro último, a "Declaração dos Direitos dos Animais", transcrita abaixo. Tal declaração, segundo informa o "Giornale Nuovo", de Milão, de 13 de outubro último, foi lançada em Londres no ano passado. Vem de receber agora significativa consagração em Paris, e deverá ser submetida à Conferência Geral da Unesco em 1980 para ser aprovada sob forma de resolução daquele congresso internacional. Posteriormente será levada à Assembléia Geral das Nações Unidas, com o objetivo de que seja transformada em lei para todos os países, até o fim do século.
Em recente sessão da Assembleia Geral da ONU, o primeiro-ministro da pequena ilha de Granada, Sir Eric Gairy, ocupou a tribuna para defender os "direitos" dos animais selvagens, dos bichos de estimação, dos répteis, dos pássaros, e até das plantas e flores. Em seguida, o orador fez o enigmático pedido de que a ONU se ocupe dos discos voadores.
A declaração dos "direitos" do animal consta dos 14 artigos seguintes:
Art. 1.° — Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.
Art. 2.° — O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais, ou explorá-los violando este direito.
Art. 3.° — Todo animal tem direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.
Art. 4.° — Todo animal pertencente a uma espécie selvagem tem direito a viver livre em seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático, e tem direito a reproduzir-se.
Art. 5.° — Todo animal pertencente a uma espécie ambientada tradicionalmente na vizinhança do homem tem direito a viver e crescer no ritmo e nas condições de vida e de liberdade que forem próprias a sua espécie.
Art. 6.° — Todo animal escolhido pelo homem para companheiro tem direito a uma duração de vida correspondente a sua longevidade natural.
Art. 7.° — Todo animal utilizado em trabalho tem direito à limitação razoável da duração e da intensidade desse trabalho, à alimentação reparadora e repouso.
Art. 8.° — A experimentação animal que envolver sofrimento físico ou psicológico é incompatível com os direitos do animal, quer se trate de experimentação médica, científica, comercial, ou de qualquer outra modalidade.
Art. 9.° — Se o animal for criado para alimentação, deve ser nutrido, abrigado, transportado e abatido sem que sofra ansiedade ou dor.
Art. 10.° — Nenhum animal deve ser explorado para divertimento do homem.
Art. 11.° — Todo ato que implique a morte desnecessária de um animal constitui biocídio, isto é, crime contra a vida.
Art. 12.° — Todo ato que implique a morte de um grande número de animais selvagens constitui genocídio, isto é, crime contra a espécie.
Art. 13.° — O animal morto deve ser tratado com respeito.
Art. 14.° — 1) Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem ter representação em nível governamental.
2) Os direitos do animal devem ser defendidos por lei como os direitos humanos.
No mar agitado, um pequeno barco pesqueiro, de madeira, luta por alcançar uma ilha em território malaio. Sua carga excede de muito a que, normalmente, a embarcação comportaria: 254 pessoas, entre as quais mulheres e crianças. São fugitivos do Vietnã comunista, que preferem arriscar tudo, inclusive a vida, a viver sob a escravidão vermelha.
Mas a braveza do mar não é a única dificuldade para o pequeno barco. Ele se acha em águas estrangeiras, e sua "carga" é ali indesejável. Na tentativa de aportar numa ilha na costa da Malásia, os vietnamitas são perseguidos pela polícia marítima desse país, cujo governo se nega a receber mais refugiados, pois ali já se encontram 40 mil fugitivos do comunismo. Superlotado, perseguido e enfrentando as ondas, o barquinho se desgoverna e bate num banco de areia junto à foz do rio Trengganu. Emborca em seguida, despejando no mar os infelizes fugitivos. Das margens, uns poucos malaios assistiam o drama. E apiedando-se dos náufragos, salvaram alguns, levando-lhes câmaras de ar. Porém, das 254 pessoas, apenas 53 saíram com vida.
Não longe dali, no porto de Klang, próximo à capital da Malásia, outros 2.506 fugitivos viviam análogo drama: apinhados no cargueiro "Hai Hong", famintos, doentes e desesperançados, aguardavam há mais de uma semana autorização do governo para desembarcar.
As autoridades malaias, entretanto, considerando as condições miseráveis em que já se encontram os demais fugitivos confinados em campos de refugiados, negavam-se terminantemente a permitir o desembarque de mais esse contingente. E ordenava ao comandante do "Hai Hong" que deixasse o porto imediatamente. O capitão do barco, entretanto, negou-se a zarpar. Tal perseverança começou a surtir efeito quando o Canadá e a França aceitaram receber parte dos fugitivos. E as autoridades malaias tentavam convencer os representantes do governo do Sr. Jimmy Carter — que se proclama campeão dos direitos humanos - a receber os restantes.
A respeito dos vietnamitas do "Hai Hong", a TFP publicou um apelo ao governo brasileiro, que reproduzimos abaixo.
Estes não são os únicos protagonistas — ou as únicas vítimas — da odisseia vietnamita em busca da liberdade que o comunismo lhes tirou.
Na mesma semana o naufrágio relatado ocorreu a 22 de novembro último — mais dois pesqueiros soçobraram nas costas da Malásia, em condições semelhantes. Pelo menos 35 embarcações, transportando mais de 2 mil vietnamitas, foram avistadas navegando para o Sul, ao longo do litoral malaio. Cerca de 700 fugitivos ali chegam diariamente.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados admite que cerca de 75 mil pessoas já chegaram em botes e embarcações diversas nas costas da Tailândia, Malásia, Indonésia, Singapura e Filipinas, desde a tomada do poder pelos comunistas no Vietnã, em 1975.
Estando ameaçados de expulsão da Malásia 2.500 vietnamitas, a bordo do cargueiro "Hai Hong", fugitivos do regime comunista implantado em sua pátria, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) fez, através de telegrama assinado pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, veemente apelo ao Ministro das Relações Exteriores do Brasil, nos seguintes termos:
"Nossa imprensa tem informado largamente o público sobre a situação trágica em que se encontram 2.500 vietnamitas anticomunistas a bordo do cargueiro "Hai Hong" atracado na Malásia.
Têm eles sido expulsos sucessivamente de vários portos do oriente, e foram intimados a se retirarem por último pelas autoridades do porto em que se encontram.
Prezando-se nosso povo de ser cristãmente compassivo em relação a todos os infortúnios, estou certo de interpretar o sentimento unânime de todos os bons brasileiros, pedindo a V. Excia. que comunique com urgência àquelas indômitas vítimas do comunismo que lhes estão abertos os portos do nosso litoral bem como os espaços fecundos de nosso solo e a generosidade de nossos corações.
Numa época em que tanto se fala de direitos humanos, seria absolutamente desconcertante que não encontrassem asilo em nenhum país do globo heróis que recusam escravizar-se ao inimigo máximo de todos os direitos, isto é, o comunismo internacional.
Agradeço de antemão a simpática acolhida de V.Excia. à presente solicitação".
Fugitivos do regime comunista do Vietnã chegam á Tailândia. A lancha da policia marítima os impede de desembarcar. Destino provável: o naufrágio. Cena frequente no Sudeste asiático.
Na Malásia, outro drama: o barco dos fugitivos á empurrado de volta ao mar. Pouco depois, ele naufragaria. Mais de 200 mortos.
Doces, cereais, coalhada, segundo informa a revista alemã Der Spiegel, constituem a alimentação dos ratos sagrados no templo da deusa Bhagvati Karnidshi, na cidade de Dechnoke, Estado de Rajastan, na Índia.
O "menu" dos roedores custa 70 mil cruzeiros aos cofres do Estado. São milhões de ratos, considerados cavalgadura do deus Ganesha, que há meio milênio constituem, naquele país, uma verdadeira casta de "privilegiados".
E como se não bastasse o "direito" à abundante alimentação, os roedores têm garantido um privilégio: o da imunidade. Isso porque matar ratos pode "atrair desgraças". Na aldeia de Karli, no Gudsharat, quando alguém adoece numa família, costuma-se dizer: "É castigo por matar ratos".
Entretanto, convém lembrar que os ratos não são animais inofensivos: além do dano que causam às plantações, são portadores de moléstias graves, como a peste bubônica.
Nenhuma dessas razões impede que os roedores hindus sejam beneficiados com o mais elevado dos "direitos": o de serem "sagrados".
Este "direito dos animais" a Unesco ainda não apregoou. Mas... chegará até lá?
Cuidado, leitor, com respostas apressadas!
Um organismo científico como a Unesco, pleiteia o direito dos patos e galinhas. Seu avô teria julgado impossível...
Este hindu venera os ratos como entes sagrados. Chegaremos a ter leis, de futuro, que determinarão que se venha a prestar culto a animais nocivos?
Na ilha des Ravageurs, no rio Sena, junto à ponte Clichy, na entrada de Asnières, França, existe um "Cemitério de Animais" (foto). Lá, cães, gatos, carneiros e galinhas possuem ricas "sepulturas" e afetuosos "epitáfios": "Faça teu ron-ron, meu gatinho; eu penso em ti". Outro: "Dick era um coração coberto de pelos". "À minha galinha afetuosa", diz um terceiro. "Viveu 16 anos, fiel companheira de sua dona. Jamais será esquecida". E assim por diante.
A Unesco deve alegrar-se com isso, e provavelmente deseja que esses "cemitérios" se multipliquem por toda parte.
Funcionários da Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte têm encontrado um feto de 10 em 10 dias, na triagem do lixo, segundo notícia divulgada pelo "Estado de Minas", de 15 de outubro último.
Aquele órgão municipal admite que muitos outros fetos possam ser atirados no aterro sanitário da usina de lixo, localizada na BR-040, entre o bairro Califórnia e o Ceasa. Os fetos são encontrados geralmente em sacos de papel ou embrulhados em panos. Dificilmente o sexo é reconhecido, pois os cadáveres são triturados no carro coletor antes de chegarem à usina para a triagem.
Como não há cemitério de fetos nos terrenos da usina de lixo, os encontrados são levados para cova rasa nas proximidades do aterro sanitário.
A triagem do lixo é efetuada enquanto este passa por correias transportadoras. As funcionárias encarregadas desse serviço assustam-se ao depararem com os cadáveres dos nascituros e até de recém-nascidos. Há pouco, foi encontrada uma criança de um mês.
"No aterro sanitário não há condições de separar os fetos dos detritos — explicou o funcionário responsável pelo setor — a não ser quando o trator está espalhando o lixo. A retroescavadeira movimenta os detritos, e então, os fetos aparecem!"
São fatos que ocorrem numa grande capital brasileira. Mas... sucederão apenas em Belo Horizonte?
Um órgão de imprensa carioca noticiou que o Prefeito da Estância climática de Caconde, Estado de São Paulo, baixou um decreto do qual constam os seguintes "considerandos" e os subsequentes artigos:
"Considerando os relevantes serviços prestados à promoção da nossa Estância pelo falecido;
Considerando que o mesmo, no anonimato, sacrificando sua saúde, colocou-se, embora pudesse custar-lhe a vida, em plena disponibilidade, revolve:
Art. 1.° — decretar luto oficial por três dias, isto é, 27, 28, 29 de setembro do corrente ano, em virtude do falecimento do grande astro do programa Cidade contra Cidade, o Sr. Minhocuçu.
Art. 2.° — Determinar que seja seu corpo velado na sala da Secretaria de Esportes, Cultura e Turismo de onde sairá o féretro para a necrópole municipal.
Art. 3.° — Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Registre-se, publique-se e dê-se ciência às autoridades".
* * *
Mas quem é o "Sr." Minhocuçu? Nem mais, nem menos do que uma minhoca!
O fato aconteceu realmente naquela cidade do interior paulista, e o decreto, datado de 27/ 9/ 78, leva o número de 863/78, conforme noticiou o jornal "O Dia", do Rio de Janeiro.
Segundo o mesmo diário, a Estância climática de Caconde decidira participar do programa de televisão Cidade contra Cidade. Para isso enviou à tele-emissora, uma minhoca para um concurso, no qual seria escolhida a maior e a menor cobra.
De volta do concurso, a minhoca morreu, o que moveu o Prefeito - que acompanhara a delegação de Caconde — a baixar o estranho decreto.
— Apenas uma brincadeira! poderia exclamar alguém.
Admitamos. Mas quem desejaria que tal "brincadeira" tivesse ocorrido em sua cidade? Seus familiares e amigos obrigados a "guardar luto" pela minhoca; e, no cemitério municipal, ao lado da tumba de sua família estivesse localizada a do Minhocuçu?
E cabe, finalmente, outra pergunta: se não estivesse difundida, de algum modo, a mentalidade que deu origem à "Declaração dos Direitos dos Animais" da Unesco, haveria clima para se baixar tal decreto e prestar honras oficiais à minhoca morta? Parece-nos que, mesmo a título de brincadeira, jamais...