GEORGE DIMITRI ANTONIADIS
Na placidez dos Montes Abruzzi, situados nos Apeninos, encontra-se uma tranquila e graciosa aldeia, cujo nome, Lanciano, de uma musicalidade toda italiana, evoca uma das grandes maravilhas da História da Igreja.
A celebridade que a envolve não se deve aos monumentos ou obras artísticas, tão abundantes na Península, mas sim a um milagre sublime que em duas ocasiões ali se operou.
Na Santa Missa, quando o Sacerdote pronuncia as palavras da Consagração, realiza-se a transubstanciação das espécies: o pão deixa de ser pão e o vinho deixa de ser vinho transformando-se substancialmente, no Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. No entanto, as aparências continuam a ser de pão e de vinho.
O milagre de Lanciano consiste precisamente no fato de que a transubstanciação tornou-se visível, de maneira que as aparências do pão e do vinho deram lugar à Carne e ao Sangue do Salvador.
Esse milagre verificou-se em duas ocasiões: a primeira vez, no século VIII — e que será o tema do presente artigo; a segunda, em 1273, mais conhecido como o milagre de Offida.
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Também Siena, cidade onde reminiscências esplendorosas da Idade Média se somam ao suave perfume de Santa Catarina, foi palco de dois milagres desta natureza. Um em 1330, conservado no Santuário de Santa Rita em Cascia. Outro em 1730, atualmente na Basílica de São Francisco.
Contudo, é o primeiro "Milagre Eucarístico" de Lanciano o mais importante dentre eles, pois verificou-se com as duas Espécies Eucarísticas.
Ocorreu ele durante o agitado século VIII quando a Igreja começava a colher os frutos de sua heroica missão evangelizadora entre os povos bárbaros.
Um monge de São Basílio deixara crescer em seu espírito a dúvida quanto à Presença Real, sem, contudo, abandonar a Fé. Certo dia, que a História não registrou, celebrava ele o Santo Sacrifício na igreja dos Santos Legonciano e Domiciano, ocasião em que a tentação o atacou com especial intensidade. Quando esta atingia seu ápice, no momento da Consagração, operou-se o portentoso milagre. Deslumbrado, o monge permaneceu longo tempo como que transportado em êxtase. Finalmente, com a fisionomia radiante e banhada de lágrimas, apresentou o prodígio à adoração dos fiéis, testemunhas oculares do milagre.
Podemos imaginar com que vivacidade e rapidez a notícia se espalhou por toda a região.
Hoje, doze séculos após este extraordinário acontecimento, os acidentes da Carne e do Sangue de Nosso Senhor permanecem praticamente intactos. A primeira vista a Carne, que conservou as dimensões da grande hóstia original, apresenta uma cor castanha, que se torna rósea ao receber uma luz por trás do ostensório. O Sangue contido no cálice tem uma cor próxima ao amarelo ocre, e se apresenta como cinco pedrinhas, das quais a maior é constituída por dois fragmentos distintos, soldados um ao outro; seu peso total é de 16 g e 505 mg.
O relatório do professor Bruno Sammaciccia — "Le Miracle de Lanciano", Ed. du Cèdre, Paris, 1977 traduzida por Roland Bourdariat —do qual extraímos os dados para este artigo, fornece grande abundância de documentos que comprovam detalhadamente o milagre. A edição italiana é prefaciada pelo Dr. Michel Villette, nome de destaque na medicina e conhecido por sua luta contra o aborto na França.
Lanciano conserva desde suas origens, uma sagrada tradição ligada ao Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Outrora chamou-se Anxa, Anxia, Anxanum ou Ansanum, como certificam monumentos epigráficos e documentos anteriores ao ano mil. Sua fundação data de época muito anterior ao cristianismo.
Hoje, a antiga vila não mais existe. Segundo alguns, teria sido destruída por Pepino, rei dos francos. Segundo outros, mais provavelmente teria sido arrasada por terremotos. O mais famoso historiador local, autor de uma preciosa "Chronologia civitatis lanciariensis", Giacomo Fella, é partidário desta última opinião. Outro historiador local, o Arcebispo Antinori, escreve em suas "Memorie Storiche della città di Lanciano", publicadas após a sua morte, que a antiga cidade situava-se a pouco menos de três quilômetros da atual.
O nome original, Ansanum, transformou-se em Lanzanum, devido à lança ("lancia") que figurava nas armas angevinas de Lanciano e evocava a contribuição épica da vila para a libertação do Santo Sepulcro.
Segundo a tradição, Longino, o centurião romano que com uma lança transpassou o flanco de Nosso Senhor já morto, seria originário de Lanciano. Estrábico, foi ele curado e convertido, levando aos olhos sua mão manchada pelo Sacrossanto Sangue de Jesus. Obteve-lhe essa graça a Santíssima Virgem, que aos pés da Cruz o viu perfurar o Sagrado Coração de Jesus.
Em Lanciano, os monges Basilianos mantiveram a propriedade da igreja de São Legonciano e São Domiciano, outrora chamada de São Longino, perto da qual existia antigamente uma fonte denominada "ponto de São Longino", cujos restos foram descobertos em 1532. E São Longino sempre foi venerado de modo especial pelos habitantes de Lanciano.
Segundo o historiador Pollidoro, a igreja data de época anterior à de Carlos Magno e, durante seu reinado, foi anexada ao mosteiro dos Basilianos Gregos.
Situada então fora da cidade, a três quilômetros ao sul, posteriormente veio a encontrar-se no centro da "nova" Lanciano que, ressuscitando de suas ruínas, reconstruiu-se em torno do venerando edifício sagrado.
Antes de serem, em 1258, transferidas para a igreja de São Francisco, as Santas Relíquias eram conservadas dentro de um precioso relicário de marfim.
A partir de 1258, foram elas colocadas em um tabernáculo especial, à esquerda do altar-mór. E, pouco depois, escondidas numa pequena capela situada do lado do Evangelho, isto é, à direita do altar e sem dúvida murada, para proteger as Relíquias das incursões dos turcos. Em 1636, foram retiradas e depositadas num altar digno delas. Em outubro de 1902, Mons. Petrarca, Arcebispo de Lanciano, as transferiu para o altar-mór. A inauguração deste novo altar realizou-se com grande pompa, em presença dos cinco Bispos da região, de numerosos peregrinos e da população de Lanciano.
No ostensório de prata, finamente ciselado, entre duas lâminas de cristal encontra-se a Santa Carne, que aí foi colocada em 16 de abril de 1713.
O Santo Sangue conserva-se num cálice de cristal gravado, fixado sobre a base do ostensório. Seria, segundo alguns, o cálice primitivo onde foi depositado o Santo Sangue na época do Milagre. Duas fitas de ouro, flutuantes, levam inscritas as palavras: "Tantum ergo Sacramentum — Veneremur cernui".
A devoção da população às Sagradas Relíquias, remonta a tempos muito antigos. Dava ela lugar, cada ano, a uma grande solenidade, celebrada com a presença de Arcebispos e Bispos, bem como do "Sindico" — guardião das Relíquias — que no passado gozava de privilégio de um lugar de honra, próximo ao relicário.
Em 1877, Mons. Petrarca obteve de Leão XIII a indulgência plenária para todos aqueles que visitassem a igreja do Milagre durante os oito dias que precedem a festa anual, que se celebra no último domingo de outubro.
Dada a importância e a notoriedade do milagre, Lanciano foi escolhida como sede do primeiro Congresso Eucarístico da região dos Abruzzi, realizado de 23 a 25 de setembro de 1921, sob a presidência do Cardeal Oreste Giorgi, Legado Pontifício.
Em 17 de fevereiro de 1574, o Arcebispo Rodriguez procedeu a uma primeira análise das Sagradas Relíquias. Constatou ele, em presença do povo, que o peso total das cinco pedrinhas era idêntico ao peso de cada uma delas, fato de origem claramente sobrenatural. Contudo, este acontecimento prodigioso não mais se renovou nos estudos posteriores.
Em 1637, Frei Serafino da Scanno procedeu a uma segunda análise. A terceira foi efetuada em 23 de outubro de 1770, pelo Arcebispo Gervasone. A penúltima é de 26 de outubro de 1886 e efetuada pelo Arcebispo Petrarca, assistido por uma comissão de Cônegos e eclesiásticos.
Finalmente, em 1970, a Comunidade dos Irmãos Menores Conventuais, a quem está confiada a guarda do "Milagre Eucarístico", sob as instâncias de Mons. Pacifico Perantoni, Arcebispo de Lanciano e Bispo de Ortona, e do Revmo. Pe. Bruno Luciani, ministro provincial dos Irmãos Menores Conventuais dos Abruzzi, decidiu proceder ao reconhecimento científico do Milagre.
O Dr. Odoardo Linoli, professor de anatomia, histologia patológica, química e microscopia clínica, chefe do serviço dos Hospitais Reunidos d'Arezzo, recebeu essa insigne incumbência. O Dr. Rugero Bertelli, professor da Universidade de Siena, foi indicado para auxiliá-lo.
Limitamo-nos à enumeração de suas conclusões, constantes do Segundo Processo Verbal, de 4 de março de 1971:
"O exame histológico da "Carne" do "Milagre Eucarístico" de Lanciano permitiu tirar claramente os seguintes dados:
- Tecido muscular estriado;
- Disposição em syncytiums resultando da conexão das fibras com as fibras contíguas, graças a pequenas expansões em forma de fita, e pela junção e continuidade de fibra a fibra;
- Orientação variada dos feixes de fibras musculares dentro de um mesmo campo de observação microscópica;
Penetração do tecido muscular estriado dentro de um nódulo de tecido gorduroso, oposto a uma disposição periférica marginal.
Os dados supra mencionados permitem precisar que a "Carne" examinada se compõe de tecido muscular estriado do miocárdio".
Quão significativo e cheio de ternura é o fato de Nosso Senhor Jesus Cristo ter querido operar o milagre com a Carne de Seu próprio Coração!
"Quanto ao Sangue, submetido à análise cromatográfica, fica demonstrado com absoluta certeza de que se trata de verdadeiro sangue humano.
A delicada prova imunohematológica permite afirmar com toda a objetividade que tanto o "Sangue", quanto a "Carne" do "Milagre Eucarístico" de Lanciano pertencem ao mesmo grupo sangüíneo AB".
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O dom infinito que a cada dia Nosso Senhor Jesus Cristo faz de Si mesmo no momento da Consagração, deve levar-nos a pensar que, se em Lanciano Ele se manifestou de modo tão estupendo, no Santíssimo Sacramento Ele está sempre presente, como o ensina a Santa Igreja: com Seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade.
Que Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento nos dê a graça de o crermos contra todas as aparências e nos alimente o desejo de que um dia o mundo volte a merecer as fulgurantes manifestações de Seu Divino Filho.
Ostensório com as Sagradas Relíquias eucarísticas do Milagre de Lanciano
Incrustada nos Alpes, com seus lagos azuis e montanhas nevadas, encontra-se uma verdadeira ilha de bonomia, honestidade e inocência.
Referimo-nos à população que habita algumas regiões da Áustria, sul da Alemanha e norte da Itália. Mais precisamente, o Tirol austríaco e suas vizinhanças, abrangendo o antigo Tirol do Sul, incorporado à Itália, a parte alpina da Baviera e as províncias austríacas da Caríngia e Estíria.
Qual a característica do povo tirolês e de seus vizinhos?
Antes de tudo, o amor aos aspectos contemplativos da vida. Inteligente e acolhedor, jovial e cantante, analista e dançante, o tirolês prefere o campo à cidade, mas não vive isolado. Tende a constituir pequenas aldeias, encantadoras, onde tudo é bem arranjado, limpo, sério, gracioso.
As casas, construídas com bom gosto, vistas por dentro exprimem dignidade aconchegante. Vistas por fora, são um mimo!
Uma aldeia nos Alpes mais parece moldada com chocolate e açúcar, amêndoas e pão de mel. Esse pão de mel que os camponeses da região tão bem sabem fazer e apreciar.
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Examinemos de perto um habitante característico. O sexagenário da foto, de barbas esbranquiçadas pela idade, é de Allgäu, região bávara junto na fronteira com o Tirol. O cachimbo de haste longa que ele fuma placidamente é típico daqueles lugares. No chapeuzinho verde, o penacho parece indicar o gosto pela proeza e a disposição de enfrentar as dificuldades oferecidas pelas montanhas. Provavelmente ele veste uma calça de lã grossa — em língua alemã, "loden". O suspensório que a sustenta é também de lã, todo bordado com pequenas flores, as quais comunicam à veste uma nota de louçania.
Este homem certamente gosta de caçar, pescar e apanhar borboletas no campo. Muito resoluto, ele se sente bem em empreender sozinho um passeio, em encontrar-se só junto à natureza agreste. Tudo isto ele faz com um misto de bonomia, de ingenuidade, de espírito acolhedor, de seriedade quase metafísica, que constitui o encanto de sua alma.
Tais características conformam o que aqui chamaremos "espírito tirolês". Empregamos aqui o adjetivo tirolês num sentido mais amplo do que o patronímico. Assim, para efeitos da análise que estamos fazendo, possui espírito tirolês este bávaro de Allgäu, como também poderia tê-lo um vienense com as qualidades de alma que mencionamos.
É próprio a este homem, por exemplo, compreender uma diversão que não seja gostosa, mas interessante. O espírito moderno — muito afeito às diversões gostosas — não compreende que o simplesmente interessante move forças de alma e proporciona uma focalização à vida que o gostoso não dá. O interessante é o resultado do comprazimento de alma na consideração de alguma coisa que o espírito analisa e a cuja contemplação ele se entrega, porque o objeto admirado merece.
Entretanto, para o tirolês — ou o bávaro de Allgäu — a palavra interessante não diz tudo. Ele faz de sua caça às borboletas um ato de amor e dedicação. É capaz de passar por duros sacrifícios para apanhar o espécimen raro que vai procurar no campo. O mundo das borboletas lhe diz algo, e ele se compraz na consideração desse universo.
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Este espírito tão sério tem momentos de explosões de sã alegria. E então ele se alegra seriamente! Sua dança é muito inocente, e ele a executa pelo gosto de dançar. Como também o canto: ele canta porque tem prazer em cantar.
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O próprio alpinismo é praticado pelo tirolês com o fim de adquirir certa plenitude humana. Depois de uma dura escalada, na qual teve de vencer uma série de obstáculos, olha de cima o horizonte, como quem tivesse conquistado o panorama — como um Júlio César após a vitória em uma batalha.
Esses são — em sua bonomia, em sua inocência, em sua jovialidade — alguns traços característicos do espírito tirolês. Ou seja, o espírito católico, enquanto moldando os habitantes de uma pequena e pitoresca região.
A Europa é rica em tradições locais. Cada cidade, cada aldeia, possui um calendário próprio de comemorações ou festas populares. Em Kitzbühel, no Tirol austríaco, a procissão a cavalo é uma dessas tradições seculares, ricas em conteúdo religioso e cultural.
Camponês típico da região de Allgäu (Baviera). Uma velhice digna que o homem das modernas megalópoles não conhece.
Sala típica de um camponês do Tirol: bom gosto, bem-estar, aconchego, elevação de espirito.
Deus criou o panorama. O espirito católico completou-o com aldeias encantadoras, como esta, tirolesa.