C. C. Nunes Pires
Quando chegavam às cidades nascentes do litoral brasileiro, as caravelas que traziam hasteadas as bandeiras lusas eram saudadas com o repicar de sinos. Sinos das igrejas, sim, mas também das Câmaras municipais, que possuíam também seus campanários.
Para os Jesuítas da Bahia, o repicar de sinos naquela manhã de agosto de 1566 prenunciava um fato muito especial: a chegada do Visitador da Companhia de Jesus, Pe. Inácio de Azevedo, que partira de Lisboa três meses antes, na esquadra comandada por Cristóvão de Barros.
Inácio de Azevedo de Athayde de Abreu e Malafaia, que pelo lado materno descendia de Santa Isabel, Rainha de Portugal, foi pajem de D. João III, e em 1548 ingressou nas hostes de Santo Inácio de Loyola, após haver assistido as pregações de um dos primeiros Jesuítas portugueses, o Pe. Estrada, e de ter participado, na quaresma daquele ano, dos Exercícios Espirituais.
São Francisco de Borja, eleito Geral da Companhia de Jesus em junho de 1565, conhecia de perto o jovem Jesuíta que demonstrara sua dedicação nos colégios recém fundados de Évora e Braga. Escolheu-o então, para a tarefa arriscada de cruzar o oceano a fim de visitar as missões na Terra de Santa Cruz.
O Colégio da Bahia estava em festas com tão grata visita. Entre as homenagens organizadas pelo Pe. José de Anchieta constava a apresentação de peças teatrais pelos alunos, nas quais as verdades ensinadas pela Igreja eram colocadas ao alcance das crianças de forma atraente e pedagógica. Muitas dessas crianças eram órfãos trazidos de Portugal, com o amparo da Coroa, e aqui educados juntamente com meninos indígenas. Os cortejos infantis, seus cânticos e suas orações, costumavam atrair — segundo conta o Pe. Manuel da Nóbrega em suas cartas — a curiosidade e a admiração dos outros índios, que se aproximavam assim da catequese.
Para manter essas crianças, o Governo Geral concedera ao Colégio da Bahia uma sesmaria próxima da cidade, denominada Água de Meninos. Ali esteve o Pe. Inácio de Azevedo, tendo recomendado aos Padres que continuassem explorando a terra, mas evitassem o comércio.
No que diz respeito às dificuldades, apresentava-se ao Pe. Inácio de Azevedo o fato de cinco religiosos terem se retirado para Portugal, e outros três terem sido repatriados por se mostrarem incapazes de aqui permanecer.
Em carta que dirigiu de Salvador a São Francisco de Borja, o Pe. Inácio relaciona suas observações e pondera: "Também servirão [além dos Padres solicitados] os Irmãos oficiais, como pedreiros e todos os demais, porque há na terra muita falta deles e custa muito fazer as coisas, por esse motivo e em todas as partes onde residem os nossos, ouço dizer que há falta de edifícios e abundância de matérias com que se podem construir. Muito me consolo nestas partes, e consolar-me-ia nelas toda a vida, ainda que importaria ir a Portugal para ajudá-la mais, trazendo gente e oficiais".
Ir a Portugal, buscar "gente e oficiais"... eis o plano idealizado pelo Pe. Inácio de Azevedo.
Nos dois anos que aqui permaneceu teve ocasião de visitar todas as missões. Encontrava-se o Missionário no Rio de Janeiro, em 1567, por ocasião da expulsão dos calvinistas franceses por Mem de Sá.
O seu plano fora amadurecendo de tal modo que, ao deixar a Bahia, o Pe. Visitador fazia uma promessa: regressar.
Mas como ousava prometer?
Inspirava-se na frase basilar da Companhia de Jesus, "Tudo para a maior glória de Deus". E contava também com o ardor religioso da juventude portuguesa, que desde a mais tenra, infância ouvira dos lábios maternos conselhos de amor de Deus, de Fé e de coragem.
Ao chegar a Portugal, o Pe. Inácio de Azevedo dirigiu-se para Almerim, onde se encontrava o Rei D. Sebastião, muito interessado em receber notícias do Brasil. Incentivado pelo jovem monarca, o Pe. Inácio deu logo início à sua campanha de recrutamento, aproveitando para isso seus sermões e também as visitas, uma vez que era exímio na arte de conversar. Seu contemporâneo, o Pe. Mauricio Serpe, conta a esse respeito: "Tanto que chegou a este reino, foi cousa para dar graças a Deus, ver quanta gente se moveu para ir ao Brasil. Não falo já nos da Companhia, porque estes todos se queriam ir com ele, mas os de fora; onde quer que chegava, logo se moviam de maneira que se alvoroçava a terra e uns se moviam a ir com ele, outros falavam nisso como grande novidade muito para se desejar".
São Pio V ouve e abençoa
Em maio de 1569, encontrava-se o Pe. Inácio de Azevedo em viagem para a Cidade Eterna, levando consigo uma carta de recomendação assinada pelo Rei D. Sebastião ao Sumo Pontífice.
Ao que tudo indica São Pio V, que tão perfeitamente avaliava os perigos que rondavam a Cristandade na Europa, percebeu as esperanças que se abriam no novo continente, sobre o qual discorria com tanto zelo o Pe. Inácio. Dispensas de jejum e de preceitos eclesiásticos foram concedidas ao Missionário.
Desejando agradecer à Rainha-mãe de Portugal, D. Catarina, a valiosa ajuda concedida ao Colégio de Roma, São Francisco de Borja quis enviar-lhe uma reprodução do quadro de Nossa Senhora, que se venera em Roma, e que, segundo a tradição, foi pintado pelo Apóstolo São Lucas. O Pe. Inácio de Azevedo seria o portador do quadro.
Esta devoção ao quadro de Nossa Senhora de São Lucas ficaria a partir de então intimamente associada ao Missionário e à igreja dos Jesuítas na Bahia.
Depois, na última audiência realizada nos salões do Vaticano, despediram-se do Papa o Geral da Companhia e o Missionário... Estes nomes se reencontraram após alguns séculos, no calendário litúrgico, quando a Igreja passou a celebrar a 5 de maio, 10 de outubro e 15 de julho, as festas de mais um Pontífice, um Confessor e um Mártir.
Já em fins de julho partia o Pe, Inácio de Azevedo de Roma, passando por Madrid. João de Maiorca foi um dos primeiros espanhóis a aderir, e como era pintor, pôs-se a fazer várias reproduções do retrato da Virgem de São Lucas, um dos quais destinava-se ao Brasil.
Afonso Fernandes associou-se à empresa em Portugal e fez questão de substituir seu sobrenome Cansado, pois como missionário "cansado não lhe caia bem", segundo explicava. Francisco Perez Godoi, primo de Santa Teresa D'Avila, era canonista formado em Salamanca e igualmente se associou ao Pe. Inácio de Azevedo. Santa Teresa, ao tomar conhecimento dessa decisão, muito se alegrou.
Ferreiros, marceneiros, pedreiros e tecelões também acertavam detalhes para sua viagem ao Brasil sob as instruções do Pe. Visitador. No total, entre religiosos e artesãos, haviam sido reunidos 90 elementos, que foram conduzidos para uma chácara da Companhia em Portugal, no Vale do Rosal, a fim de esperar a partida dos navios para a América.
Foram cinco meses de espera, cansativa para alguns, mas diligentemente aproveitada com estudos e trabalhos.
Maio de 1570. O Governador D. Luis de Vasconcelos, que deveria substituir Mem de Sá no Governo Geral do Brasil, finaliza seus preparativos a fim de partir com uma esquadra de sete naus e uma caravela. Quarenta religiosos embarcam na nau Santiago, e logo levantam-se as âncoras ante o olhar e acenos de despedida da multidão reunida no cais.
Em alto mar, todos os dias pela manhã ouvia-se um tiro de festim da nau capitânia; era a sua saudação. Outra nau, qua trazia crianças órfãs para a Bahia, também tinha sua forma de homenagem: ao aproximar-se das demais embarcações, todas as crianças entoavam a plenos pulmões os cânticos que vinham aprendendo. Ao cair da tarde, um apito do contramestre fazia reunir toda a tripulação. Esta se associava então às orações recitadas pelo Pe. Inácio de Azevedo. Depois do Angelus era rezada a Ladainha de Todos os Santos e, por fim, todos entoavam a Salve Regina.
A primeira escala foi na ilha da Madeira, onde o Pe, Inácio rezou Missa na Ermida de Nossa Senhora do Monte.
D. Luís de Vasconcelos, muito vagaroso em suas ações, não se decidia a continuar a viagem. O comandante da nau Santiago, pelo contrário, tinha a bordo mercadorias cuja entrega em Las Palmas, no arquipélago das Canárias, era urgente. Essa nau poderia partir sozinha até Las Palmas, aguardando ali o restante da esquadra. A proposta foi feita a D. Luís, tendo a ela se associado também o Pe. Inácio de Azevedo.
Correriam o risco, é verdade, de serem atacados pelos piratas que infestavam aqueles mares. O Pe. Inácio consultou seus religiosos, dos quais apenas quatro optaram por desembarcarem da nau Santiago a fim de seguirem mais tarde com D. Luís de Vasconcelos.
A 15 de julho, quando já estavam próximos da ilha de Las Palmas, viram surgir no oceano naus dos temíveis piratas calvinistas franceses. Efetivamente estes atacaram a nau Santiago, que foi abalroada com um forte impacto. Logo os atacantes atingiram o convés. Tinir de espadas, ouvem-se brados de fidelidade a Cristo e à Igreja, mesclados aos berros e blasfêmias dos hereges; as primeiras gotas de sangue começam a tingir o chão.
O Pe. Inácio de Azevedo, junto ao mastro central, segurava junto ao peito o quadro da Virgem, animando os tripulantes a lutarem com todas as forças, e os religiosos a se manterem fiéis até o fim.
Ali mesmo, recebeu na cabeça o primeiro golpe.
Recolhido a uma cama, admitiu como noviço da Companhia um sobrinho do comandante, que ficou conhecido na relação dos Jesuítas como João Adauto, que significa, acrescentado. Depois, o Pe. Inácio foi atirado ao mar, agarrado ao quadro da Virgem de São Lucas, que ninguém conseguira lhe arrancar das mãos.
Todos os religiosos foram jogados ao mar, vivos ou agonizantes. Somente foi poupado o irmão João Sanchez, cozinheiro, de cujos serviços os piratas decidiram tirar proveito.
Enquanto os Jesuítas flutuavam nas ondas, tingindo de vermelho as águas, a nau Santiago foi tomando rumo oeste. Sob a instrução do chefe calvinista Jacques Soria, todas as bagagens foram pilhadas; os óleos sagrados despejados no convés; terços, relíquias e imagens foram lançados ao mar. Até mesmo uma relíquia do Santo Lenho os hereges atiraram ao fogo, à vista do irmão Sanchez, que se recusara categoricamente a fazê-lo.
A nau Santiago, conduzida para La Rochelle, viria pouco depois a partir-se e afundar.
O irmão Sanchez, após suportar algum tempo de cativeiro, foi libertado. Depois de muito caminhar, chegou maltrapilho e quase irreconhecível ao Colégio Jesuíta de Onhate, já em território espanhol. Relatou então o acontecido, quase minuto por minuto, naquela meia hora fatal em que tudo se consumou. Infelizmente, ele, que estivera tão próximo do martírio, alguns anos depois abandonou a Companhia de Jesus.
Em 1575, outra reprodução do quadro da Virgem de São Lucas — que durante algum tempo se acreditou ser a mesma que fora lançada ao mar juntamente com o Pe. Inácio de Azevedo — foi trazida solenemente à Bahia. Uma grande procissão trasladou o quadro do porto da cidade até a igreja do Colégio dos Jesuítas, no Terreiro de Jesus, onde foi colocada no altar-mor, acima do sacrário. Ali se encontra ainda hoje, embora com as cores um tanto obscurecidas, devido à ação do tempo (*)
Na mesma igreja ainda se conserva, próximo à pia batismal, o altar da primeira igreja do Colégio, sobre o qual o Pe. Inácio de Azevedo celebrava habitualmente a Santa Missa, quando vivia em Salvador. No teto quadriculado da ampla e artística sacristia figuram os retratos daqueles mártires, que foram beatificados em maio de 1854 pelo Papa Pio IX.
Nossa Senhora de São Lucas! A fisionomia da Virgem, com sua fronte larga e traços precisos, segundo o estilo bizantino, apresenta no olhar a expressão de quem está serenamente voltada para as coisas do Céu, mas, ao mesmo tempo, é compassiva para com seus filhos da terra.
E assim, sob o olhar de Maria, encerra-se esta página do Martirológio e da História do Brasil.
(*) A igreja do Colégio dos Jesuítas passou a ser Catedral Basílica em 1933, quando a antiga Sé de Salvador foi demolida, sob pretexto de alargamento da praça para instalação de trilhos, hoje abandonados.
BIBLIOGRAFIA
"Inácio de Azevedo — o homem e sua época", M. Gonçalves da Costa, 2ª. edição, Livraria Cruz, Braga, Portugal, 1957.
"Velas ao Largo — uma página de epopeia", Maria da Soledade, Editor Pe. A. Santiago, S.J., Promotor da Causa dos Mártires do Brasil, Braga, Portugal, 1970.
"Raízes terrestres de 40 mártires", Pe. Ernesto Domingues, S.J., Braga, Portugal, 1971 — separata do "Mensageiro".
"Vida e Martyrio do Beato Ignacio de Azevedo e seus Bemaventurados Companheiros da Companhia de Jesus", Pe. Antonio Franco, Editora Novo Mensageiro, Lisboa, Portugal, 1890.
"Anchieta", Pe. Pero Roiz, Libraria Progresso Editora, Salvador, Bahia, 1955.
Itinerário do corsário Jacques de Sores que indica o local do apresamento da nau "Santiago"
A Catedral de Salvador conserva ainda hoje no altar-mor o quadro da Virgem Santíssima, sob cuja proteção o Pe. Inácio de Azevedo colocou sua iniciativa
Beato Inácio de Azevedo
CARLOS SODRÉ LANNA
Os Estados Unidos e a China divulgaram no dia 15 de dezembro último um comunicado conjunto anunciando o estabelecimento de relações diplomáticas a partir do dia 1.° de janeiro de 1979.
Com tal atitude os americanos passaram a reconhecer a China comunista como a "única representante do povo chinês", o que significa o rompimento de relações com o Governo de Formosa.
No dia 13 de dezembro três fuzileiros navais removeram, pela última vez, a bandeira dos Estados Unidos na embaixada norte-americana em Taipé, guarnecida por dezenas de policiais e cercada por barreiras de arame farpado.
O estabelecimento da embaixada norte-americana em Pequim está previsto para março,
O comunicado de Carter diz claramente que, de agora em diante, o povo dos Estados Unidos manterá apenas relações culturais, comerciais e outras não oficiais, com o povo de Formosa, Um tópico do documento estabelece que o governo norte-americano reconhece a posição chinesa de que há apenas uma China e que Formosa constitui parte desta.
Na ilha com seus 17 milhões de habitantes, o anúncio de Carter apanhou o povo e a Assembleia de surpresa. Espalhou-se um profundo sentimento de pânico e revolta contra os Estados Unidos e contra o presidente norte-americano em particular.
A própria delegação dos Estados Unidos encarregada das negociações com o governo de Formosa ameaçou suspender as negociações, devido ao clima de revolta da população contra seus integrantes.
O chefe da delegação norte-americana e o embaixador dos Estados Unidos em Formosa chegaram a ser feridos por estilhaços de vidros, quando o automóvel em que viajavam foi atacado com pedras, lama, tomates, ovos podres e tinta vermelha, lançados por milhares de manifestantes.
Estes, a certa altura, jogaram no chão um saco de amendoim pisoteando-o e gritando: "Isto é Carter". Como se sabe, a família Carter conseguiu tornar-se dos maiores produtores de amendoim de seu país.
Também dois mil manifestantes indignados tentaram invadir a embaixada norte-americana e o centro de abastecimento dos Estados Unidos em Taipé, sendo contidos, com muito custo, pela polícia e por fuzileiros navais americanos.
* * *
O presidente de Formosa, Chang Ching-Kuo, afirmou que a decisão dos Estados Unidos não só prejudicou gravemente os interesses do governo e do povo de seu país, mas também teve um impacto tremendamente adverso em todo o mundo livre.
Exortou o povo de Formosa a mostrar sua determinação e firmeza, reiterando que não negociará com Pequim, porque isso significaria a própria destruição de Taiwan.
Em entrevista à revista francesa L'Express, Chang Ching-Kuo afirmou:
"Os Estados Unidos são conhecidos por sua tradição de defensores da liberdade e dos direitos humanos. Então queria perguntar porque é que esse país decidiu estabelecer relações diplomáticas com a China vermelha, justamente no momento em que todo o mundo acusa os comunistas chineses de matar centenas de inocentes, violar os direitos humanos e privar as pessoas de liberdade.
"Queria perguntar também — continua — porque os Estados Unidos teriam decidido "normalizar" relações com a China comunista precisamente no momento em que o povo deste país começa a colocar cartazes em seus muros, pedindo a restauração da liberdade.
"A Rússia Soviética e o regime comunista chinês vêm prosseguindo em sua conspiração para a conquista do mundo, através da "revolução proletária". Isso nunca mudou. Como os comunistas chineses estão em posição de inferioridade, eles recorreram ao maquiavelismo dialético na tentativa de jogar seu inimigo secundário contra seu arqui-inimigo, simulando uma posição nacionalista e de apreço para com os Estados Unidos. Mas assim que atingirem seu objetivo, os amigos de hoje serão os inimigos de amanhã.
Embora os comunistas chineses tenham procurado dar a impressão de que estão mudando de atitude, seu regime continua a ser de luta de classes e de opressão, do povo",
Por outro lado, o primeiro-ministro de Formosa, Y. S. Sun, exortou o povo da ilha a não se iludir com as propostas de Pequim no sentido de negociar a unificação, que ele qualificou de "mera tática para dominar Formosa aos poucos. [...]. A história nos ensinou que aqueles que confiam na falsidade comunista têm um fim trágico, e a queda do Vietnã é um exemplo vivo dessa tragédia. Se hoje não formos corajosos e defendermos nossa liberdade, amanhã seremos refugiados vagando no mar". Sun afirmou não acreditar que os chineses ordenem uma invasão da ilha no momento "por temerem suas forças armadas", mas acrescentou, em mais um apelo, que tais "Formas Armadas só poderão ser mantidas se não cessar a ajuda norte-americana".
No dia 7 de julho de 1977, às 14,12 hs., o comandante de um esquadrão da Força Aérea da China comunista, Fan Yuan-Yen, pilotando um Mig-19 fugiu da China vermelha para a ilha de Formosa. "Catolicismo" em sua edição de agosto de 1977, n.° 320, publicou uma notícia a respeito dessa fuga sensacional.
Logo ao descer do avião o fugitivo exclamou: "A vida é extremamente miserável no continente. Venho à procura de liberdade porque não posso suportar mais a perseguição comunista".
O piloto de 42 anos não pôde suportar mais as algemas marxistas, partindo então em busca de um lugar no mundo livre, arriscando para atingir este objetivo a própria vida.
O testemunho de Yuan-Yen é impressionante. Ele declara:
"Sob a tirania comunista, a vida na China é miserável. Famílias e vilas inteiras foram exterminadas pela fome. No regime comunista o direito à alimentação e a quantidade de víveres são decididos pelos vermelhos. Nos últimos 30 anos, os comunistas realizaram uma política desastrosa. Como resultado, o senso de verdade e de erro nunca existiu no continente e a sociedade inteira foi mergulhada numa imensa convulsão.
"As pessoas não parecem mais gente. O país deixou de ser uma nação. Se essa situação continuar, não haverá mais esperança. Não existem direitos humanos de espécie alguma. Todas as coisas que os estrangeiros veem na China são pré-arranjadas para enganá-los. As pessoas do mundo livre conhecem muito pouco a realidade existente na China vermelha com seus 850 milhões de habitantes".
Como chinês, Fan Yuan-Yen sentiu-se na obrigação de transmitir ao mundo livre os sofrimentos de seus compatriotas, subjugados pelo regime comunista.
O piloto afirmou ainda que os comunistas querem tornar-se amigos dos Estados Unidos e dominar Formosa pela força. Quando isto suceder, o regime de Washington será forçado a ser mero espectador dos acontecimentos. Os comunistas chineses temem antes de mais nada o regime de Formosa. Por isso eles sempre estão tomando iniciativas no sentido de dominá-lo.
As agruras do regime comunista não foram sentidas apenas por Fan, mas são experimentadas pela maior parte do povo chinês. Este não se esquece que os vermelhos mataram mais de 60 milhões de seus compatriotas, desde 1949.
Apesar de relatos impressionantes como o de Yuan-Yen, é difícil entender porque os países ocidentais começam a armar e fornecer tudo o que a miserável e populosa China comunista necessita.
Assim, por exemplo, foi assinado recentemente o maior contrato já firmado pelos comunistas chineses com um país estrangeiro, pelo qual os vermelhos ganharão de presente a instalação do mais vasto complexo do mundo destinado à exploração de minério de ferro. Trata-se da "U. S. Steel", a maior companhia siderúrgica dos Estados Unidos, e talvez, do mundo.
Teng Hsiao-Ping, vice-primeiro-ministro chinês e atual vedette do regime de Pequim, está convidando os empresários e firmas americanas a fazer vultosas aplicações de capital na empobrecida nação de 850 milhões de habitantes.
A política de Teng parece estar dando resultado. Também a Inglaterra já elaborou um programa que estipula a implantação de duas usinas siderúrgicas na China continental. Um grande presente que permitirá aos chineses fabricar seus próprios armamentos. Isso para não citar a instalação de uma grande fábrica da Coca-cola e de uma rede de hotéis por todo o país, patrocinada pelos norte-americanos.
Depois de tudo, Teng Hsiao-Ping garantiu a uma delegação de representantes da Comissão das Forças Armadas do Senado norte-americano que seu governo tentará resolver o problema da reunificação de Formosa "sem impor o desmantelamento das forças de segurança da ilha e permitindo-lhe total autonomia dentro da China, inclusive a manutenção de seu sistema social e econômico, enquanto seu povo assim o desejar". Ameaçou, entretanto, que o regime de Pequim usará a força, "caso o governo de Taipé se recuse a negociar por tempo indeterminado".
Teng emprega assim o binômio medo-simpatia, clássico estratagema de guerra psicológica revolucionária destinado a dobrar os não comunistas.
O contraste entre as duas Chinas: em cima, e pobreza refletida nos velhos Ónibus de Shangai, na China vermelha. Ao lado, moderna linha de montagem numa indústria automobilística de Formosa. Apesar da enorme diferença populacional (15 para 850 milhões), a economia de Formosa supera a da China comunista.
NOVA YORK O reconhecimento da China vermelha por parte do presidente Carter deu origem a uma onda de protesto em todo o território norte-americano. Apesar do rigor do inverno, organizaram-se manifestações de protesto em várias cidades.
No dia 1.° de janeiro, quando os Estados Unidos reconheceram oficialmente o governo de Pequim como único representante do povo chinês fechando sua embaixada em Taipé, cerca de 15 mil manifestantes reuniram-se em Chinatown, o bairro chinês de Nova York, para protestar contra a atitude de Carter. Dentre os manifestantes — em sua maioria refugiados chineses — destacou-se numeroso grupo de jovens da Sociedade Norte-americana de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), com suas reluzentes capas e estandartes vermelhos, marcados pelo leão dourado, símbolo da entidade.
Durante o desfile, os cooperadores da TFP norte-americana proclamavam em tom cadenciado: "Americanos, lembrai-vos: 60 milhões de vítimas do comunismo na China vermelha clamam aos Céus por vingança! Não pode haver amizade com assassinos!
Nenhum poder da terra pode legitimar o que Deus condenou! O comunismo é intrinsecamente mau. Por uma China livre e anticomunista: Tradição! Família! Propriedade!"
A entidade enviou ainda um telegrama ao presidente Carter, exprimindo sua "inconformidade e veemente protesto contra o estabelecimento de laços amistosos com a China vermelha — inimiga declarada da civilização cristã e do povo americano — às custas da China livre, nossa leal aliada há tantos anos". A TFP protestou contra a decisão de Carter não só a favor de Formosa, "mas também em memória dos muitos americanos que morreram na Ásia lutando em guerras inspiradas pela China comunista".
Em telegrama ao presidente da China livre, a TFP norte-americana exprimiu seu "choque e indignação ante a atroz decisão do presidente Carter" e sua "solidariedade para com o povo da China livre, cuja lealdade ao povo norte-americano foi rude e injustamente frustrada por essa decisão que constitui um dos atos mais censuráveis e imprudentes da tempestuosa vida internacional de nosso século".
A TFP norte-americana esteve presente a manifestação contra as decisões de Carter sobre a China, no bairro chinês de Nova York