E IA DESAPARECENDO O VINHO DO PORTO...

ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS

Desde os mais remotos tempos, mas sobretudo após a expansão ultramarina dos séculos XV e XVI, sempre gozaram de alto conceito, em todo o mundo civilizado, os vinhos portugueses.

Pouco a pouco, foram se impondo ao paladar dos mais exigentes degustadores, de sorte que já no século passado, nos altos círculos da aristocracia europeia, quase não se compreenderia um jantar em que, à hora da sobremesa, não fosse servido um cálice de vinho do Porto.

Conta-se que Wellington, vencedor de Waterloo — como aliás também Napoleão, o vencido — apreciava muito aquela bebida reconfortante, que o ajudava a enfrentar as fadigas da guerra e a concentrar o espírito nos conselhos militares. Cem anos depois, também seu conterrâneo Churchill não dispensava o Porto,

Entre os Tzares russos, era o vinho dos Açores que merecia especial aceitação. Outros prefeririam os moscatéis, os verdes ou os frisantes. Havia muito que escolher.

Com tão larga faixa de consumidores, bem se compreende a importância crescente que, pouco a pouco, foram assumindo na economia portuguesa a produção e a exportação vinícolas.

O princípio de subsidiariedade...

Segundo o lapidar ensinamento de Pio XI na Encíclica "Quadragesimo Anno", de 15 de maio de 1931, "passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podiam conseguir é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social" ( 1 ).

Em consequência, é necessário que cada organismo da sociedade desenvolva suas atividades em toda a extensão das próprias possibilidades, e só no que ultrapasse esses limites seja ele subsidiado, isto é, auxiliado, coadjuvado, pelo organismo superior. Assim, o que um município pode realizar, não comporta uma interferência da autoridade provincial. E só as tarefas superiores à capacidade desta devem ser remetidas à esfera nacional.

Trinta anos depois, a "Mater et Magistra" reafirmaria esse princípio de Pio XI, dando-lhe o nome de "princípio de subsidiariedade". E advertiria sobre as consequências funestas de sua não observância: [...] onde falta a atuação da iniciativa privada, a tirania se apodera do Estado. Mais ainda, a estagnação se estende a numerosos setores da economia, gerando, assim, a carência dos bens de consumo e dos serviços destinados não só a satisfazer às necessidades do corpo, como, principalmente, às aspirações do espirito" (2),

...não é obedecido em Portugal

Infelizmente, os responsáveis pela condução da coisa pública em Portugal, após o 25 de abril, não souberam ou não quiseram ver a extrema sabedoria de tal doutrina. Não lhes faltou sequer a experiência do Chile e de outras nações, que também se haviam precipitado pelos abismos da socialização, no fundo dos quais só encontraram miséria e caos.

Na febre estatizante, verificada sobretudo durante a administração Vasco Gonçalves, foram nacionalizadas e postas a funcionar sob controle governamental as grandes Casas produtoras ou distribuidoras de vinho.

A Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal e a Real Companhia Velha eram duas antigas empresas associadas, que se encarregavam da distribuição da bebida em terras lusas e de exportá-la para todo o mundo. Foram ambas nacionalizadas. Expulsos os legítimos diretores, passaram elas a ser administradas por comissões designadas arbitrariamente pelo Poder Executivo.

A produção mais baixa nos últimos 40 anos

Os efeitos não se fizeram esperar muito. Passados apenas dois anos da intervenção estatal, os jornais portugueses anunciavam que as duas centenárias companhias estavam virtualmente falidas. Em princípios de 1977, o passivo acumulado por elas atingia a impressionante soma de 200 milhões de escudos — cerca de 70 milhões de cruzeiros —, a que se ia acrescendo um prejuízo diário de 300 mil escudos — mais de 100 mil cruzeiros (3).

Toda a produção vinícola do país ressentiu-se da socialização. Ao fim de 1977, "O Tempo", de Lisboa (23/ 12/77) noticiou, com base em informações obtidas junto à Secretaria de Estado do Planejamento, que a produção daquele ano fora tão somente de 5 milhões de hectolitros — o que corresponde a cerca de 50% da produção normal de um ano. Era a mais baixa produção dos últimos 40 anos.

E em dezembro último, a Junta Nacional do Vinho (JNV) apresentou ao governo português um plano de emergência: dada a péssima colheita do ano findo e, por outro lado, a necessidade imperiosa de satisfazer aos compromissos no mercado internacional, sob pena de perder todo o prestígio adquirido em séculos - a JNV propunha a importação de 800 mil hectolitros de vinho grego, argentino, espanhol, búlgaro e italiano para aliviar o consumo interno. Isso porque a safra de 1978 não totalizara mais que 6 milhões de hectolitros, sendo incapaz até mesmo de atender ao gasto local, O plano da JNV é, pois, fazer com que os portugueses, tradicionais exportadores, tomem este ano vinho importado e destinem à exportação a produção portuguesa (4). O governo provavelmente aceitará a proposição, mesmo porque não há outra alternativa.

A natureza se vinga

"Expulsai o que é natural reza velho provérbio francês — e ele voltará a galope". Foi o que se passou com a associação das empresas Real Vinícola-Companhia Velha. A degringolada nessas firmas atingiu tais extremos, que o Poder público decidiu restitui-las a seus legítimos donos e à iniciativa privada.

"Voz de Portugal", do Rio de Janeiro (29/ 12/ 78), que publica a notícia, não esclarece se os proprietários foram devidamente indenizados pelos prejuízos.

Sabe-se, entretanto, que há dois ou três meses reassumiram seus cargos os mesmos antigos administradores. E que, em tão curto espaço de tempo, já se fazem sentir os salutares efeitos da restituição: num esforço quase inacreditável, a nova diretoria conseguiu embarcar uma partida de mil barris de vinho para o exterior. É ainda pequena a quantidade, mas é grande o significado do fato — comenta o jornal. É a confirmação das esperanças dos acionistas que, apesar do caos em que estavam mergulhadas as empresas, creram na iniciativa privada. Mais ainda, comentamos nós, confirma de modo singular a sabedoria da Santa Igreja em matéria social e econômica, e a veracidade cristalina do princípio de subsidiariedade.

* * *

Sem dúvida, a devolução das vinícolas aos legítimos proprietários marcou um recuo na socialização em Portugal. Mas, será esse fato realmente sintoma de uma nova orientação, de uma tendência conservadora nos atuais governantes lusos? Se assim for, demonstrem eles essa nova orientação fazendo outras desnacionalizações, como a do sistema bancário e a da grande imprensa. Se não, tudo não terá passado de uma medida restrita, apresentada em desespero de causa para resolver um problema insustentável. De um recuo mais aparente que real, portanto.

"Expulsai o que é natural e ele voltará a galope", diz o provérbio. As vinhas portuguesas foram refratárias à revolução dos cravos.

A alta qualidade dos vinhos portugueses estava ameaçada com a socialização do país

(1) cfr. Pio X 1, "Quadragesimo Anno", no. 79, IV edição, Vozes, Petrópolis, 1957, p. 31.

(2) cfr. João XXIII, "Mater et Magistra", n.o 57, in "Encíclica e Documentos Sociais" coletânea organizada por Frei Antonio de Sanctis, 0.F.M.Cap., Edições LTR, São Paulo, 1972, pp. 239-240.

(3) "O Tempo" de Lisboa, 6/ 1/77 e "A Ordem" do Porto, de 24/ 2/77.

(4) "Voz de Portugal" do Rio de Janeiro, 29/12/78.


ESCREVEM OS LEITORES

Revmo. Pe. Severino Garcia Diaz, Américo de Campos (SP): "Julgo ótimo o seu conteúdo e altamente esclarecedor de acontecimentos difíceis de encontrar em outros órgãos".

Sr. Carlos Alves da Cruz, Santa Cruz (RJ):"Valioso órgão em defesa dos verdadeiros valores tão desprezados nos dias de hoje".

D. Elisa Yoshie Nishida, São Bernardo do Campo (SP): "Gostaria de parabenizá-los pelos excelentes artigos que os senhores têm publicado no CATOLICISMO, em especial os artigos da penúltima página".

Sr. Raimundo da Costa Machado, Oeiras (Pi): "É a leitura que mais me agrada, na minha avançada idade de 78 anos, embora já a faça vagarosamente devido à deficiência de visão que vem aumentando dia a dia. Que Deus continue abençoando o providencial CATOLICISMO!"

D. Maria Cecília Bispo Brunetti, Itu (SP): "Nesta hora, de tantas contradições e incoerências, dentro da própria Igreja de Cristo, é confortador saber que ainda há penas brilhantes a serviço da verdade, proclamando e defendendo, com sempre renovado ardor, o que de belo e imutável existe na doutrina católica".

Sr. Iolando Ribeiro de Avelar, Laje do Muriaé (RJ): "No momento, creio ser o único jornal católico que se pode ler sem o risco de descambar para o progressismo e o comunismo. Leitura sadia, doutrina autêntica da Santa Igreja",

Sr. Thomaz Lodi, Rio de Janeiro (RJ): "Na presente conjuntura, quando os meios de comunicação social se rebelam aos ditames da moral cristã, e em conseqüência, a civilização ocidental se paganiza num crescendo assustador, o CATOLICISMO agiganta-se, qual luz fortíssima, a iluminar os que ainda não perderam a visão do sobrenatural".

Prof. David Piussi, Passo Fundo (RS): "Colho da oportunidade para reiterar meus protestos de sincera amizade a toda a família de CATOLICISMO, o jornal que esta despertando as consciências católicas para os próximos grandes eventos que o mundo vai viver. Desejo que Deus sempre esteja, com Sua Divina Providência, proporcionando a todos a alegria de viver o bom combate diante de tantas dificuldades que se antepõem na caminhada de uma redenção da humanidade destruída em sua origem cristã".

Sr. Henrique de Serpa Pinto, Niterói (RJ): "Parabéns pelo esmero gráfico com que apresentaram a magnífica Pastoral do Exmo. Sr. D. Antonio de Castro Mayer, a quem podemos chamar o Bispo da Medianeira [...]. As gravuras, para ilustração do texto, foram escolhidas com rara felicidade, e dispostas nas páginas com acentuado bom gosto. Esse jornal lavrou mais um tento, como fizera antes com a edição sobre Fátima. Resta aguardar e desejar que, assim como naquele caso, também neste a matéria se reproduza em caprichado volume. Deus o queira!"


ENTRAI EM SEVILHA

Quando chegardes a Sevilha ao cair da noite, procurai andar devagar ao longo da ponte de Triana sobre o Guadalquivir (foto), porque é nesses momentos que a cidade vos mostrará sua alma, escondida em alguns rincões.

Vereis as águas calmas e temperadas do copioso rio, em cuja superfície assomam sombras inquietas e recordações de façanhas ocorridas há sete séculos. E escutareis vozes límpidas ou distantes brados e cavalgadas guerreiras.

Se erguerdes a vista, vos parecerá que as proclamações partem de trás de uma silhueta de torres e pontas que assomam para o céu nublado.

Quando o rio vos tiver feito transpor os tempos, com suas palavras de encanto e suas ilusões de cores, deparareis com uma ruela estreita. Ela vos fará crer serem aquelas torres mais um engano do rio mágico, e que as grandezas vistas e ouvidas, na realidade, não o foram. E que o mistério mais íntimo, as rosas vermelhas e o conto sumamente deslumbrante estão, na verdade, por trás daquelas paredes brancas, nos pátios frescos e perfumados, à hora do luar. Notai, porém, que de claustros ignotos jorram às vezes braçadas de primaveras, cuja profusão em cor são imagem de uma ardente e grande saudade que a tarde e a lua não conseguem acalmar.

Suspeitareis então que as torres eram verdadeiras, que as encontrareis em vosso caminho, Sevilha adentro, e que as batalhas não foram sonho, mas recordação.

No entanto, a rua — farta de solidão, de divagações, de música de cordas — com uma lanterna faz sinal para que fiqueis no bairro. Aqui, ali — vos diria — as estirpes de Sevilha cresceram e desafiaram mundos, porque nestas ruas compreenderam o atrativo da aventura.

Que aventura? A rua vos deixa por fim, passar, como a tantos outros, não sem antes vos presentear com uma brisa perfumada por jasmins. Por lá e acolá, e outro bairro vos recebe com o aroma de azahares (flores de laranjeira) e cumprimentos à moda antiga. Em altos pórticos há gravadas histórias de vínculos e continuidades, de proezas feitas com uma mesma espada através dos séculos. Já não o dizia o rio? Quem poderia contá-las inteiras?

A esta altura do caminho, não andeis pensativo e cabisbaixo. Em vossa frente ergue-se La Giralda, verticalíssima. As nuvens se tornaram mais espessas, mas podereis ver longamente os relevos e janelas, cujas curvas inopinadas sobre a retidão maciça, quadrilátera, elevada à altura vertiginosa surpreendem. No cimo, cúpula, sobrecúpula, e o Anjo Custódio de azinhavrado metal.

Este é o cume panorâmico de Sevilha, aonde chegam e de onde revertem todas as graças e legendas da cidade, à maneira de uma fonte de bronze, no pátio florido.

Ao lado está a catedral, o mais amplo templo da Cristandade depois de São Pedro de Roma. Disseram seus construtores: "Façamos um templo tal e tão grande que os que o virem acabado nos tomem por loucos".

E assim, de proeza em proeza, não se pode omitir o excelso defunto exposto na arca da Capela Real. Ali está o Rei Santo, Fernando III, que reconquistou Sevilha aos mouros e a tornou sede de sua Corte. Aqui se admira o sentido espanhol da morte como aliada sagrada do justo. E que justo! A morte que levou a alma do Rei guerreiro e deixou seu corpo incorrupto, que vedes agora, reconhecendo no perfil secular e persistente de sua fronte os sinais dos pensamentos de santidade, governo e façanhas heroicas.

Notai, porém, que a noite já vai muito adiantada e não há gente pelas ruas, onde se espalha o cheiro de velas acesas. É Sexta-Feira Santa. Aproxima-se a alba. Ao longe, vedes a sombra de extensa procissão e grande acompanhamento. Uma voz canta:

"pios te mira y te remira

y Sevilha te suspira

Reina del Cielo serena;

Virgen de la Macarena,

nuestras almas son salvadas

por tus lágrimas sagradas,

por tus lágrimas sagradas,

por tus lágrimas sagradas".

Sevilha, vista do rio Guadalquivir, com a ponte de Triana.

Numa rua antiga de Sevilha, pitoresco lampião e 'anela com grade.

A direita, a célebre torre da Giralda

A confraria de penitentes, com seus trajes típicos, em procissão noturna. Ao fundo, La Giralda.

A Virgem da Esperança, conhecida como a Macarena, a mais famosa imagem sevilhana de Nossa Senhora