E OS MONSTROS ENTRARAM EM MODA...

CONSTANTINO DI PIETRO

O Natal passado serviu para realçar a mudança pela qual passaram brinquedos e heróis infantis, especialmente em certos países do Ocidente, superdesenvolvidos economicamente, como por exemplo, França e Estados Unidos.

Qual o rumo dessa transformação?

Embora já anteriormente se pudesse constatar a evolução e os antecedentes dos brinquedos e dos heróis da criançada contemporânea, os atuais apresentam características definidas e dominam o ramo. O que mais importa ressaltar aqui é o tipo de influência que inevitavelmente eles exercerão nas crianças atuais, e avaliar, de modo realista, o significado mais profundo de sua presença na civilização em que vivemos.

Revistas de circulação internacional como Paris Match, Newsweek, L'Express, Le Point, têm revelado recentemente dados impressionantes sobre os novos brinquedos da criança moderna. Duzentos e trinta e cinco milhões de espectadores, em 106 países, assistem programas de bonecos chamados "muppets" (espécie de marionetes), cujo aspecto e conduta descreveremos.

Os catálogos de brinquedos franceses para o Natal de 1978 apresentavam, em sua maioria, objetos e personagens sumamente extravagantes, não-humanos ou infra-humanos, para servirem de companheiros das crianças daquele país europeu. Há também pavorosas figuras que são muito admiradas pelos telespectadores, e, ao mesmo tempo, constituem brinquedos dos mais vendidos.

Mais. Muitas pessoas adultas também estão brincando com "muppets", robôs e figuras monstruosas.

Alguns ídolos para a criança atual

Animal é um dos mais destacados personagens do programa dos "muppets", que atrai multidões. Ostenta cabelos, bigode e barba cor de fogo, sobrancelhas muito negras, mas não possui testa. Mantém aberta enorme bocarra. Continuamente se movendo e estremecendo, toca uma bateria de conjunto moderno, na qual marca o ritmo com cabeçadas. Um, dois, três, quatro, cinco cabeçadas, quando conta há quantos anos maneja os tambores. Seus olhos fora da órbita exprimem uma irritação arbitrária e irracional. Nos programas, permanece acorrentado à parede.

Crazy Harry ou Harry Louco também não apresenta testa, possui boca e seus olhos são duas semiesferas que saltam de uma orla rosada que sugere pálpebras irritadas pela loucura ou pela droga. Faltam-lhe os supercílios e seus cabelos negros saem detrás dos olhos. A boca abre-se num riso estúpido e impulsivo. Sua conduta no palco consiste numa série de explosões frenéticas.

Miss Piggy (Srta. Porca), outro "muppet", é uma suína de cabelos hollywoodianos e focinho protuberante. Também carece de testa e se comporta com bastante fidelidade a sua espécie animal.

Goldorak é um personagem futurista de metal áspero. Apresenta um par de chifres de cada lado da cabeça e lâminas de metal na região da boca, em um rictus de gélida crueldade e hermetismo. Os olhos são dois rombos sem pupila, como duas janelinhas de um forno siderúrgico, pois sua cor é a do fogo. Falta-lhe a fronte; em lugar desta, há uma lâmina de metal com chifrinhos que fazem às vezes de cabelos. Expressa um desígnio oculto e ardente.

Goldorak é o herói mais em voga na França. Seu programa de televisão é o de maior audiência. Em princípios de dezembro, já haviam sido vendidos trezentos mil brinquedos e um milhão de revistas sobre esse sinistro personagem. O semanário de grande tiragem, Paris Macht, em recente número dedicou-lhe artigo de capa.

Kiss Dolls são bonecos que representam o conjunto "rock-punk" de Nova York denominado "Kiss", cujos componentes usam uma maquilagem visando apresentá-los como monstros infernais que cantam, na medida em que se possa chamar canto a grunhidos e berros. Os bonecos mostram a língua comprida e retratam todos os traços malignos de seus modelos: atitude impudica, cruel e cínica, exprimindo-se por meio de gestos, olhares e rictus da boca. Suas sobrancelhas são pintadas como asas de vampiro.

Terron é um monstro blindado, de seis patas, com algo de antediluviano e de robô cibernético espacial. Constitui um dos grandes êxitos nos Estados Unidos.

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Embora sejam estes os mais populares, há centenas de outros brinquedos, alguns eletrônicos, outros de matéria extravagantemente mole e de cores excêntricas. Existem ainda pequenas latas de lixo que contêm comida sob aparência de restos, bem como ataúdes dentro dos quais se encontram esqueletos feitos de doces.

Os brinquedos e os heróis modelam a alma infantil

Tais figuras e brinquedos modelam a delicada alma da criança. Isto ocorre não só pela imitação dos gestos ou sonhos de aventuras na pele do herói. Os traços mais profundos do caráter, que marcam de modo duradouro e fundamental, gravam-se nas regiões mais profundas, especialmente, da alma infantil, imperceptível, mas inexoravelmente. Constituirão, normalmente, mais tarde padrões contínuos para modos de conduta do homem adulto.

No tocante à inteligência, os novos ídolos conduzem à nulidade mental e à suma mediocridade, uns por sua estupidez doentia, outros pela impudência total e os demais pelo automatismo apresentados.

No tocante à moral, o traço fundamental de todos esses personagens é a total irresponsabilidade. Quando não são néscios que seguem apenas impulsos despojados de consciência, são robôs eletrônicos para os quais, evidentemente, não se põe nenhuma questão ética. Os que ainda refletem em seu próprio ente alguma espécie de missão e algo de consciência, não se sabe quem os terá enviado. Ademais, a origem de sua força e as metas que procuram atingir permanecem envoltas numa obscuridade inquietante.

Tais seres, quase todos carentes de razão e de responsabilidade moral, transmitem algo pior que a mera animalidade. Às pessoas sãs, moral e mentalmente, inspiram eles horror e desprezo. E, é natural, tendem a formar igualmente crianças dignas de horror e desprezo. Em outros termos, pequenos que participam da monstruosidade.

Essa degradação deve ser vista também sob o prisma religioso, no sentido de que a alma humana foi criada à imagem e semelhança de Deus, a fim de conhecê-Lo, amá-Lo e servi-Lo neste mundo, mediante o cumprimento dos Mandamentos do Decálogo, especialmente o primeiro deles. Constitui, pois, uma ação inqualificável deformar as almas infantis e de modo tão profundo.

Genealogia do excêntrico e monstruoso

Todo extremo tem sua história e seus precursores, que formam como que uma genealogia. A ciência histórica, que tantas explicações preciosas oferece à atuação das pessoas reais, aplica-se analogicamente aos seres imaginários.

Em certa época, foi-se abandonando os temas infantis apropriados, referentes à santidade, ao heroísmo, ao maravilhoso, à inocência:

Posteriormente, apareceram entes ainda com alguns vernizes bons de valentia, de justiça e de bom senso, mas que já representavam uma decadência. Porém, os subsequentes heróis infantis de hoje herdaram predominantemente os lados maus dos antecessores, até chegar ao estágio atual. O que faz temer que a evolução dos ídolos e brinquedos infantis seja como que uma parábola da decadência gradual da sociedade moderna, em seus diversos aspectos e representações.

* * *

Crazy Harry e Animal chegam à total ausência de raciocínio, mas tal característica pode ser considerada herança recebida de McGraw, Crazy Cat, The Three Stooges, personagens anteriores de comportamento mental estúpido e impulsivo, em larga medida. Estes ainda manifestavam certa jocosidade, enquanto os "muppets" atuais “fazem piada da não piada”, segundo uma revista norte-americana. É o mero absurdo transformado em humor obrigatório para as mentes cansadas e incapacitadas. Utilizando uma expressão em voga, poder-se-ia dizer que, se algum humor eles manifestam é, o mais das vezes, um "humor negro".

Miss Piggy talvez seja filha ou neta de Porky Pig mas, certamente, não herdou a relativa decência de seu antecessor, mas sim sua cabeça oca e sua insignificância mental.

Os bonecos horripilantes Kiss Dolls correspondem, como dissemos a um conjunto de cantores violentos e excêntricos, monstruosos, sinistros e perversos. Orgulham-se do vício e ostentam suas deformações como se fossem honrosas. Degradam publicamente o ser humano. São continuadores de outros conjuntos famosos em anos passados, como os Beatles, dos quais herdaram e desenvolveram os piores traços.

Goldorak, o lúgubre atleta metálico, chifrudo, pertence à linhagem de Batman, o homem morcego, cujos caracteres humanos desapareceram em seu sucessor.

E assim por diante.

Teratologia, ciência própria do mundo atual?

Quais serão os novos passos da invasão de monstruosidades? Certamente serão guiados por uma doutrina que vai se desenvolvendo em nossos dias, encarnada em personagens e objetos.

Qual é tal doutrina?

Para essa família de monstros, o bem e o mal, o belo e o horrendo, a verdade e o erro, são indiferentes. Ou seja, nega-se implicitamente que existam. Isto se nota sobretudo no texto dos programas de "muppets". Seus criadores afirmam que pretendem infundir uma filosofia de paz, mas é a paz da indiferença entre o bem e o mal, uma paz amiga do absurdo e do grotesco, do mau gosto e da ausência de senso moral.

Tal princípio doutrinário que estabelece uma falsa paz, prima pela ausência de domínio de si mesmo e da dignidade do porte e do reto comportamento humano. Outras tendências que seguem essa linha filosófica, no mundo atual: o quase desaparecimento da etiqueta e da boa educação, dos hábitos de raciocínio. Como também, o deperecimento das reações contra o mal e a debilitação da própria personalidade do homem.

Assim, tanto sob o ponto de vista metafísico-psicológica, como sob o prisma das exigências éticas, estamos assistindo à criação de um tipo de homem com aspectos de monstruosidade, dotado de fraquíssima inteligência, quase sem reflexão, que procura rejeitar a responsabilidade moral, e para cuja deformação os brinquedos e ídolos infantis colaboram possantemente ao preparar um terreno malsão desde cedo.

Recusando a graça sobrenatural, a luz da razão, os princípios da Lei Natural e o sentido de dignidade e de justiça, o homem tende a ir se transformando em monstro.

Se tais elementos desagregadores seguirem seu curso, o que, infelizmente, é de se recear como o mais provável em nossa época, não estaremos penetrando então numa era teratológica?

E a teratologia é a ciência dos monstros...

"Animal", sempre tocando bateria

Desde pequeno, o menino se habitua com os monstros

Miss Piggy — a Porquinha — rodeada de os outros "heróis" da criançada moderna

Crazy Harry ou Harry Louco


Em matéria de sexo, o único "mandamento": evitar o sentimento de culpa

MURILLO GALLIEZ

A abundante "literatura" sobre educação sexual, proveniente em grande parte da Europa, varia segundo o tipo de leitores a quem se destina, ou de acordo com a apetência ou "especialização" dos autores que abordam a matéria. Assim, há obras dedicadas à "formação" de professores, outras redigidas para uso dos pais; e existem opúsculos escritos para serem lidos diretamente pelas próprias crianças.

Como exemplo significativo de obra desse tipo de "literatura de vanguarda", destinada aos pais, figura o fascículo de 60 páginas, intitulado "Como explicá-lo a nossos filhos?", Edições Paulinas, 3ª. edição, São Paulo, 1975 — Com aprovação eclesiástica. Suas autoras são Marie-Joseph Beccaria, Anne-Marie de Besombes, Jeanne-Marie Favre e Danielle Monneron. Os desenhos são de Lucille Butel. O original francês foi publicado pelas Éditions du Centurion, 1970. A tradução portuguesa é de Ático Rubini.

A obra apresenta o seguinte subtítulo: "Iniciação dos pequeninos nos mistérios da vida". Por "pequeninos" as autoras entendem, de modo geral, as crianças com menos de oito anos de idade. Embora o texto seja evidentemente dirigido aos pais, os desenhos que o acompanham mais parecem destinados a histórias em quadrinhos para crianças. As autoras não esclarecem sobre a conveniência de os pais mostrarem essas ilustrações aos filhos.

O livro é dirigido essencialmente às famílias de condição normal, ou seja, aquelas compostas de pai, mãe e vários filhos. Os casos de filhos únicos, filhos de pais separados, de mães solteiras, de viúvo ou de viúva, são tratados sucintamente à parte.

A finalidade da obra

Logo, de início, as autoras estabelecem algumas observações preliminares, procurando explicitar e limitar as metas que têm em vista:

"Estas páginas não pretendem inovar. Sua única originalidade está em aproveitar os acontecimentos mais simples e mais cotidianos da vida de uma criança, para dar uma informação natural e verdadeira sobre os mistérios da vida" (p. 9). E mais adiante: "A revelação dos mecanismos da procriação e da vida sexual não é, por si só, toda a educação sexual. Esta depende estreitamente de todo o clima educativo no qual a criança está mergulhada desde o nascimento" (Ibidem). E acrescentam pouco a seguir: "Quisemos, não somente aplicar "o que se deve dizer", mas sobretudo "como dizê-lo" (Ibidem).

Devido às condições da vida moderna, em que a "atmosfera de mistério que envolvia esses problemas" vai desaparecendo, "o papel dos pais é agora, menos o de responder a perguntas (ou de suscitá-las) do que de aproveitar as ocasiões que a vida oferece para fazê-las servir à formação e ao desenvolvimento dos filhos" (pp. 13 e 14).

Segundo as autoras o papel dos pais, portanto, não é apenas passivo, respondendo adequadamente a perguntas, que a curiosidade infantil orgânica e naturalmente for apresentando, mas também o de suscitá-las e o de aproveitar certas ocasiões para dar explicações, mesmo que estas não tenham sido solicitadas.

Que ocasiões serão essas? As mais diversas — de acordo com o opúsculo — como aquelas mais prosaicas provocadas pela promiscuidade forçada da vida familiar em apartamentos exíguos. E também as causadas pela influência do mundo externo. "A televisão, os anúncios, as lojas acostumaram nossos filhos, desde a mais tenra infância, a muitas manifestações da vida sexual. A própria vida familiar mudou profundamente: em nossos apartamentos exíguos, pode-se falar de promiscuidade... pode-se falar também de trocas. Por exemplo: o quarto nupcial, tabu das gerações precedentes, desapareceu e, se os pais dormem no sofá-cama da sala-de-estar, a criança descobrirá a ternura conjugal. Quem se queixaria?" (p. 13).

Tal pergunta causa compreensível perplexidade. Entretanto, as autoras consideram um fator positivo essa mudança de condições, que qualquer católico verdadeiro e até mesmo o simples homem de bom senso lamenta: "As circunstâncias mudaram muito desde nossa própria infância. Sob certos aspectos, nossa tarefa de pais ficou com isso simplificada" (Ibidem).

Aliás, a educação sexual não seria útil apenas para os filhos, pois "tentar dar aos filhos, dia após dia, uma verdadeira educação sexual é, para o casal, uma nova oportunidade de viver sua sexualidade de maneira mais expandida" (p. 18).

Os pais deveriam procurar libertar-se do clima mais austero que marcou sua própria infância: "Precisam fazer trabalho de pioneiro, inventando para seus filhos o que seus pais nem sempre lhes souberam dar, libertando-se do clima mais ou menos sadio que marcou profundamente sua própria infância" (Ibidem).

Clima malsão

Perguntamos: se os pais se libertam de um "clima mais ou menos sadio", em que espécie de clima vão eles entrar agora? Será no clima malsão e naturalista desse tipo de educação sexual?

As autoras advertem os pais para que, "reagindo a uma educação por demais pudica", não caiam na fanfarronice e no exibicionismo, como "andar sistematicamente nus pelo apartamento ou falar com a maior liberdade e frequência de problemas sexuais num vocabulário de caserna". Fazem, porém, a ressalva: "Entendamo-nos: ver papai ou mamãe debaixo do chuveiro nada tem realmente de catastrófico!" (Ibidem).

É o nudismo que se vai introduzindo dentro da normalidade da vida familiar. Pois o condenável é apenas a nudez sistemática, enquanto o hábito de não trancar a porta do banheiro ao utilizar-se dele parece aceitável.

O hábito de encarar o nudismo com naturalidade faz parte dessa educação sexual. Se a criança gosta de correr despida pelo apartamento, isso não deve ser reprimido; se o for, apenas com argumentos de ordem prática. "Aliás, como iria compreender que pode estar nu no banho e não ter mais esse direito alguns momentos depois, ao sair dele? Podemos dizer-lhe "Você vai se resfriar" ou "Vem por o pijama para jantar"; mas não: "Não é bonito", "É feio", "Criança não deve andar nua", etc. É inútil impor-lhe certo pudor, quando a criança não é capaz de entendê-lo. Sua inocência perfeita correria o risco de transformar-se em sentimento de culpabilidade" (p. 19).

Noções de bem e mal ausentes

Um aspecto tipicamente naturalista da educação sexual é o de não incutir a noção do bem e do mal desde cedo na criança. Devido ao pecado original e à natureza humana decaída, um mau hábito adquirido na infância tende a manter-se e a agravar-se, caso não seja convenientemente reprimido.

As autoras, entretanto, pensam de outra maneira: "Progressivamente ela [a criança] aprenderá que não tem que sentir nenhuma vergonha de seu corpo, mas que certas atitudes não são permitidas pela vida em sociedade. Não tenhamos medo, o verdadeiro pudor — que é o do coração — é um sentimento que se estabelece natural e progressivamente com a idade, contanto que ninguém venha perturbar-lhe o crescimento" (p. 20).

Os resultados de uma educação pautada nesses critérios aí estão: o seminudismo e por vezes mesmo o nudismo estabelecidos nas casas, nas praias e nos clubes, no litoral e no interior. O hábito de sair do banheiro sem cobrir-se não é apenas de crianças menores de oito anos, embora possa ter-se iniciado nessa idade. Adotar como critério de julgamento para certas atitudes sua permissão pela vida na sociedade é endossar um completo relativismo em matéria de moral e costumes pois, diante do permissivismo desbragado reinante nos dias atuais, qual a atitude que a vida em sociedade não vai permitindo? Por outro lado, o verdadeiro pudor não é só do coração, mas é todo um modo viver e de apresentar-se, resultantes de uma fiel observância dos preceitos contidos especialmente nos 6.° e 9.° Mandamentos do Decálogo.

O trecho seguinte ainda acentua mais este caráter naturalista: "Durante esse período de descoberta do corpo, muitos pais veem estabelecer-se — muitas vezes com inquietação — o que eles chamam "maus hábitos". Tais gestos inscrevem-se numa evolução muito normal do crescimento da criança. Seria nefasto fazer reinar em torno dela uma atmosfera de reprovação ou de culpabilidade (um gesto tão instintivo não pode, nessa idade, ter valor moral). Na maioria dos casos esses famosos "maus hábitos" desaparecem por si mesmos quando a criança cresce" (p. 20).

Mais uma vez, observamos uma deturpação da verdadeira formação cristã, silenciando-se sobre a noção do bem e do mal. Evitar incutir na criança um senso de culpa pelo mal que praticou é adotar uma atitude freudiana e determinista, que nega a responsabilidade do homem diante de seus atos. A pouca idade não exclui necessariamente o valor moral dos atos e muito menos que seja omitido um verdadeiro e completo juízo a respeito deles, naturalmente em linguagem accessível à compreensão infantil.

Frutos amargos de tal "educação"

Na educação recomendada pelas autoras, o nudismo e a promiscuidade proporcionam, desde a mais tenra idade, a constatação das diferenças anatômicas entre os sexos. Para elas "isso é um elemento extremamente favorável que elimina, em grande parte, qualquer curiosidade malsã. Mas não basta ficar na simples constatação, deve-se chegar a explicar as razões dessas diferenças entre o menino e a menina. [...J. Esta primeira etapa é importante porque permite à criança tomar consciência de seu próprio corpo e do papel particular e específico que deverá desempenhar na procriação" (p. 22). A explicação, para ser dada compulsoriamente, mesmo sem que a criança a solicite, é a de qual será a função de seus órgãos genitais mais tarde. "Numa família em que existem vários filhos de ambos os sexos, com pequena diferença de idade, estas descobertas fazem-se muito naturalmente, proporcionando a todos um equilíbrio certo, pelo menos na primeira infância" (pp• 22 e 23).

Colocamos em dúvida se esse pretenso equilíbrio da primeira infância se manterá depois na adolescência e. na juventude. As consequências de tal pedagogia naturalista se tornam evidentes entre os jovens de hoje: permissivismo sexual completo, recurso aos contraceptivos, abortos, número assustador de gravidez entre escolares, uso crescente de tóxicos etc.

Explicado o funcionamento dos órgãos genitais, deve-se abordar a questão do próprio ato sexual: "Por isso, se a ocasião se apresentar, poderemos abordar bem cedo a questão do ato sexual em si mesmo. Tudo depende do estado de espírito da criança" (p. 24).

A justificativa para abordar o assunto "bem cedo" é dada mais adiante: "A experiência prova, pelo contrário, que se a criança é informada bem cedo, num clima de verdade, de confiança e de respeito, reage de modo muito sadio e mostra-se muito menos complexada... que os pais" (p. 26). "Aproveitemos bem naturalmente do período de estabilidade psicológica e de viva curiosidade que a criança atravessa antes dos 8 ou 9 anos. No limiar da adolescência pode ser tarde demais" (p. 28).

Um tabu: "sentimentos de culpabilidade"

Para as autoras o mais importante na educação infantil não é a preocupação de conduzir as crianças à prática das virtudes, mas a de livrá-las de complexos e sentimentos de culpabilidade. A fidelidade à Lei de Deus fica superada pela observância dos princípios freudianos.

O que em moral tradicional se conhecia como "más conversas" ou "más companhias" não devem ser mais objeto de repressão: "Hoje muitas dessas conversas perderam seu caráter doentio. Tem-se menos necessidade de falar às escondidas dessas coisas, já que se pode falar livremente em casa. Se acontecer que nosso filho nos conte alguma coisa do que aprendeu com um coleguinha, não manifestemos nem espanto, nem temor. [...]. Se a explicação for falsa, retomaremos com ele o ponto que ficou obscuro sem desaprovar a amizade que tem ao coleguinha. Em troca, peçamos-lhe que seja discreto na escola a respeito desse assunto, não "porque não se deve falar dele" mas "porque são coisas muito importantes que os papais e as mamães querem eles mesmos ensinar aos filhos" (p. 34).

Em suma, o fascículo recomenda nunca se levantar uma questão de consciência, nunca incutir na criança a noção de que deve obedecer a uma lei moral, pois ela é naturalmente boa. Bastariam as explicações naturalistas. Jamais os pequenos serão solicitados por más tendências ou por tentações do demônio, porquanto nada disso existe, segundo a concepção incutida pelo livro.

A descrição do ato conjugal para explicar a participação do pai no nascimento de uma criança deve ser feita `francamente, sem ter medo das palavras", embora as autoras reconheçam que esta seja umá pergunta que, "na maioria das vezes, nunca é feita" (p. 48). É o caso de indagar: não seria, então, mais prudente (além de ser a única posição consoante com a doutrina tradicional da Igreja sobre o tema) aguardar uma ocasião em que o adolescente esteja maduro para explicar essa delicada matéria, e quando se apresentar ocasião oportuna?

Graves omissões

Por contar com aprovação eclesiástica, supõe-se que o opúsculo tenha sido escrito por pessoas católicas e destinado principalmente a pais católicos. Por isso é de se estranhar a ausência absoluta de referência à Lei de Deus, aos preceitos do Decálogo, ao 6.° Mandamento, à virtude da castidade, ao pecado original, à natureza humana decaída, à devoção a Nossa Senhora e à orientação do Magistério Romano.

Em matéria tão delicada a criança não é educada para a prática das virtudes, conforme recomenda a doutrina tradicional da Igreja. As informações lhe são dadas exclusivamente para que ela compreenda que tudo se insere em um contexto de amor, dignidade e respeito pelo outro. A ideia de que deve obedecer uma Lei moral imutável, de que o mal deve ser evitado e de que há ações culpáveis e pecaminosas é cuidadosamente omitida.

A referência a Deus é apenas para dizer: "Nessas ocasiões não se pode fazer abstração da fé na ação e na presença de Deus no mundo. [...]. Não é querendo e decidindo livre e conscientemente do " nascimento de um filho que participamos mais estreitamente do ser mesmo de

Continua

EXEMPLO DE FAMÍLIA MODELAR

A foto acima, tirada em 1881, focaliza, à esquerda, Celina, irmã de Santa Terezinha, na idade de 12 anos, e a santa da "pequena via", com 8 anos. Portanto, pouco tempo antes da época referida por Celina em seu depoimento no Processo de Canonização de sua irmã, do qual transcrevemos abaixo um tópico. Através dessas palavras, como também da declaração de Madre Inês de Jesus, a outra irmã, considerada pela santa como sua segunda mãe, percebeu-se como Santa Teresinha e suas irmãs encaravam com suma discreção e cuidado o problema do sexo:
"Transcorria o ano de 1883, eu ia completar quatorze anos e ela (Santa Terezinha) tinha dez. Nossas relações eram então íntimas, não nos separávamos nunca, compartilhando o mesmo quarto. A meu respeito, guardou ela, durante vários anos, uma discreção absoluta, uma reserva cheia de tacto sobre a delicada matéria que explicava a diferença de nossas idades.
"Quatro ou cinco anos depois, ela me disse a este propósito: Eu percebia bem algo que desejavas ocultar-me; então, para agradar a Deus e mortificar-me, e também para não te perturbar, não pretendi sabê-lo" (Celina: Sumário II do Processo de Canonização da Serva de Deus, Santa Teresa do Menino Jesus, Bajocen, et Lexovien, Roma, p. 1762).

Deus Ilumina e Esclarece as Almas Inocentes
Eis o depoimento de Madre Inês de Jesus, mediante o qual se pode conceber como a santa foi auxiliada pela graça nesta matéria, precisamente porque seguia a vontade de Deus e a orientação tradicional da Igreja sobre o assunto:
"É necessário ter visto a Serva de Deus para julgar sua pureza. Ela estava rodeada de inocência; mas não uma INOCÊNCIA INFANTIL, IGNORANTE DO MAL. Era uma inocência esclarecida que adivinhou o todo deste mundo e resolveu com o auxílio da graça não manchar sua alma" (Madre Inês de Jesus, idem, pp. 723,724).