A FEBRE DAS DISCOTECAS

WILSON GABRIEL DA SILVA

Nove horas da noite. Noite quente em uma cidade média do interior. Alfredo refestela-se de pernas para o ar e camisa aberta no moderno sofá da sala-de-estar, enquanto com um olho mole acompanha languidamente a novela de televisão. Dona Marieta, sua mulher, põe no vídeo toda a atenção. Laurinha, jovem filha do casal, aproxima-se:

— Papai, vou na festinha de aniversário do Zeca, certo?

— O Luís vai com você?

— Ah, ele foi pro cinema...

— Esta bem. Vê se não demora muito.

Onze e meia. Laurinha não voltou. Dona Marieta resmunga:

— Alfredo, a Laurinha não voltou. Acho melhor você mandar o Luís atrás dela assim que ele chegar.

Prá quê? Ela está crescidinha e sabe muito bem o caminho.

Alfredo dá um bocejo e vai dormir.

Quatro horas. Nem Alfredo nem Dona Marieta perderam o sono. É Luís quem vai abrir a porta golpeada nervosamente.

Oi. Tua irmã ficou um pouquinho tonta na discoteca. Mas não foi nada não, Lula.

Laurinha chega carregada por dois rapazes. Parece desmaiada. Luís a examina.

— Que droga vocês deram a ela?

— Não foi nada, não. É que ela não está acostumada...

Luís arrasta a irmã para dentro e bate a porta. Só no dia seguinte a visita de um médico e a ida de Alfredo à casa do Zeca esclareceriam o ocorrido.

Laurinha realmente tomara tóxicos e apresentava sintomas de profunda prostração.

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A dose de tóxicos que Laurinha ingeriu fora forte demais. Porém, não era novidade para muitos dos jovens que estiveram na festa de aniversário. A turma de colegas do Zeca alugou uma aparelhagem para a festa. Uma discoteca, com maestro eletrônico e tudo. Em nome dos direitos da juventude moderna, a família concordou. A vizinhança não dormiu, mas faltou coragem para protestar contra o barulho. Durante a algazarra e a penumbra, é fácil fazer circular a erva.

Infelizmente, episódios lamentáveis, análogos ao que acabamos de narrar, tornam-se, hoje em dia, cada vez menos raros.

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Em que consiste propriamente uma discoteca, no sentido moderno da palavra?

Só os especialistas ou frequendores poderiam fornecer com precisão os detalhes. Vejamos, portanto, aquilo que constitui o essencial dessa nova moda, a qual está avassalando o Ocidente.

Entra-se numa discoteca como num cinema. Paga-se o ingresso, embora em algumas apenas cobrem dos homens ou só das mulheres. A dança caracteriza-se por movimentos corporais: primeiro, a descontração; em seguida, a pessoa deixa-se assumir pelo ritmo frenético das baterias, conjugado com o piscar de luzes laser e o grito do discotecário ou Disco-Jockey.

Este último é o dono da festa. De sua torre de comando, ele controla a complicada aparelhagem, o acender e apagar de luzes alucinantes, as buzinas, apitos e berros ensurdecedores. O bom discotecário deve saber dosar as músicas de maneira a engajar os dançarinos e levá-los ao ápice da alucinação. O volume do som atinge então um nível inconcebível.

Os dançarinos não precisam formar pares. Também não há passos determinados para seguir a música. O importante é deixar-se assumir pelo ritmo, em contínuas convulsões corporais que se vão tornando cada vez mais sensuais, até atingir urna espécie de êxtase.

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Quem são os frequentadores?

Desde adolescentes até maduras damas de sociedade. As discotecas não se restringem às casas especializadas, numerosas nas grandes cidades, onde se multiplicaram. Há firmas que alugam os equipamentos para festas em família. O barulho, a circulação de drogas, a imoralidade, serão maiores ou menores, de acordo com o grau de permissivismo do ambiente.

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Se a pessoa se julga inibida, há cursos no Rio para torná-las "comunicativas". As luzes, incluindo o raio laser, prejudicam a vista e a saúde, como também o volume muito acima do que suporta habitualmente o ouvido humano. Mas isto não impede que a onda publicitária aumente seu ímpeto: a propaganda das discotecas está na televisão, no rádio, no cinema, nos discos, na moda, por toda parte.

Quem, quando e como começou essa onda?

Curiosamente, em nossa época fala-se em direitos humanos mais do que em qualquer outra era histórica. Entretanto, hoje um filme, uma novela ou um slogan bem articulado pela imprensa parece ter mais poder de domínio sobre as massas do que soberanos de outrora sobre os povos. O cinema ou a televisão lança a moda, e com rapidez impressionante ela chega aos mais recônditos lugares da terra.

Assim ocorre com as músicas modernas. A discoteca não constitui exceção.

Em princípios de 1978, o ator norte-americano John Travolta já se havia tornado famoso por alguns filmes nos quais se explora a sexualidade. "É como se ele tivesse todas as dicotomias — masculinidade, feminilidade; refinamento, crueza", observou um artista. E o produtor Lorne Michaels acrescentou que "John é o perfeito artista para a década de 70. Ele tem uma estranha qualidade andrógena, esta toda-transbordante sexualidade".

Travolta difundiu a discomania nos Estados Unidos. De lá, as discotecas, se propagaram para o mundo inteiro.

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A publicidade e os meios de comunicação explicam, em larga medida, a difusão das discotecas. Não explicam sua aceitação. O que dizer a este respeito?

Há quem atribua o fenômeno à solidão do homem contemporâneo. Solidão ainda quando ele se encontra cercado pela multidão, num estádio esportivo ou numa praia. Melhor diríamos, talvez, o vazio da alma que se afastou de Deus.

Fator altamente propício à difusão das discotecas é certamente o permissivismo moral reinante na sociedade contemporânea. Senhoras que, quando moças, não se atreviam a usar pantalonas ou fumar diante dos pais, hoje veem com naturalidade suas filhas andarem seminuas por toda parte. Mudou a moral? Ou calejaram-se as consciências?

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A este propósito, seria natural se esperara palavra orientadora da Igreja. É possível que existam Sacerdotes zelosos que condenem as óbvias violações da Lei de Deus e mesmo da Lei natural e de regras do bom senso, que se verificam nas discotecas. Não nos atreveríamos a afirmar que sejam muitos. Menos ainda que ocupem cargos de relevo na atual estrutura eclesiástica. Pois é notório que entre os mais altos Hierarcas, muitos estão mais preocupados com o "engajamento político", com a agitação social, com a "Pastoral do índio", a Reforma Agrária e tanta coisa mais. Não lhes sobra tempo para cuidar de coisas mais sérias como a salvação da juventude do País...

Há, porém, um Sacerdote, que por sua fidelidade, seu zelo e destemor, merece ser aqui citado nominalmente: Pe. José Olavo Pires Trindade, Vigário de Miracema, Diocese de Campos. Fiel à orientação de seu Bispo, D. Antonio de Castro Mayer — sob cuja égide se publica "Catolicismo" — Pe. José Olavo não recuou ante a campanha insólita da mais poderosa rede de televisão nacional e um dos maiores veículos publicitários das discotecas. Estas foram, na ocasião, condenadas taxativamente pelo Vigário de Miracema, que não fez outra coisa senão aplicar a doutrina tradicional da Igreja no terreno moral.

Não obstante, é de se prever que as discotecas continuarão a proliferar até que as pessoas delas se cansem. Ou passem a outra diversão ainda mais febricitante e avançada...

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Nessa marcha para o mais avançado, o que nos espera?

Um artigo sob o título Discotecas, publicado no Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), de 4/ 1/ 79 fornece elementos sugestivos para a busca de uma resposta. Diz ele textualmente:

"Quando o cliente entra numa dessas casas apenas para analisar o comportamento humano e a dança em voga, fica em dúvida se está num local de passatempo e diversão ou numa atividade tribal. Talvez ambas as hipóteses sejam reais e interligadas. Lá dentro o espetáculo — à primeira vista — assemelha-se a rituais profanos e dionisíacos, e pensa-se encontrar pelos cantos as grandes e discretas senhoras sevilhanas que podem entrar a qualquer momento em crise convulsiva de flagelação, parodiando o prato apresentado.

Os golpes no corpo sempre representaram um papel muito importante no desgaste da energia excessiva — principalmente masculina — e é tão pronunciada sua tendência para a vivacidade e a exuberância, que não satisfazem só os movimentos prescritos.

O tremor e o movimento ondulatório do tronco, dos músculos do peito, das costas e do abdomen, gestos que glorificam os reis das noites nas discotecas, são exemplos clássicos comuns nas tribos do Norte da África como nos [índios] canelas do Brasil. Por outro lado, os bantus defendem muito bem as danças sinuosas e convulsivas utilizando movimentos que se concentram particularmente na musculatura abdominal. Nas tribos africanas, como nas discotecas das grandes sociedades, os homens passam a ocupar o primeiro plano, executando movimentos eróticos [...]. O mesmo comportamento ocorre entre os Shamans malaios, ao executarem seu ritual, e ainda as mais antigas descrições que se têm sobre a dança, impressa pelos irmãos Saramasim em seu livro sobre o Ceilão, já falam na execução de uma dança sensual e convulsiva dos vedas, que propinavam golpes sobre o ventre (como instrumento de percussão) com crescente vigor, enquanto seus corpos e cabeleiras ondulavam continuamente pelo giro das cabeças e o balanceio das ancas".

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Estaríamos então diante de uma espécie de iniciação mística coletiva de índole tribal?

A pergunta é ousada, mas faz sentido com outros fenômenos concomitantes observados em nossos dias. Alguns exemplos: progresso espantoso do nudismo; decadência da linguagem, com tendência ao grunhido monossilábico; neomissiologia católica tribalista, denunciada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu já famoso livro "Tribalismo Indígena — ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI".

Se o mundo caísse até lá — Deus não o permita! — o demônio teria implantado seu reino sobre homens degradados, animalizados, numa terra devastada, da qual haviam sido varridos todo requinte, todo esplendor, toda beleza da civilização cristã.

Isso, entretanto, representaria tal degradação do gênero humano, que devemos esperar antes na intervenção vitoriosa de Maria Santíssima, Rainha de todas as criaturas.

Um discotecário francês maneja sua sofisticada aparelhagem

O ator John Travolta, "arauto" das discotecas, montado num motor de automóvel, suspenso no ar.