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CALVÁRIO E ESPERANÇAS DO CATOLICISMO NO JAPÃO

Plinio Solimeo

Para os ocidentais em geral, ao nome de Japão vem ligado à ideia de um país super industrializado, que ama algumas tradições pagãs às quais se perdem na noite dos tempos. A maioria dos brasileiros, no entanto — incluindo um bom contingente dos numerosos descendentes do País dos Samurais — desconhece o imenso florescimento que teve no Império do Sol Nascente a Religião católica, e o grande número de mártires com que adornou o universo da Igreja.

Tendo tratado, no último número deste mensário, dos primórdios da evangelização do Japão, bem como de seus primeiros mártires, procuraremos apresentar neste artigo um apanhado da situação do Catolicismo no Japão até os dias atuais.

Em 1613 o Imperador do Japão reuniu 14 senhores feudais católicos de sua Corte para induzi-los a abjurar sua Fé e adorar as divindades imperiais.

Responderam os intrépidos samurais que não podiam adorar a homens e corrompidos de costumes. Sempre haviam servido fielmente ao Imperador, mas Deus era o primeiro Mestre a Quem obedeciam.

Apesar dos anteriores méritos e serviços, foram esses fiéis súditos despojados de todos os bens e exilados. Dois pajens, não vendo seus nomes na lista que atingia seus senhores, reclamaram a honra de ser atingidos com eles pela medida imperial.

Apoteose a futuros mártires

Três ilustres senhores feudais de Arima foram condenados à morte, a 5 de outubro de 1613, com todas suas famílias, num total de oito pessoas.

Tendo a notícia se espalhado pelo campos e cidades, houve uma verdadeira onda de entusiasmo. Muitos cortesãos, que haviam renegado ou dissimulado sua Fé para agradar ao Imperador, sentiram necessidade de fazer penitência pública.

No dia marcado para a execução, começou no Japão uma das maiores manifestações de triunfo da Igreja de que se tem notícia. Vinte mil cristãos da zona rural, a um sinal combinado, entraram na cidade de Arima, em procissão, com grinaldas de flores na cabeça e terços nas mãos. Um cortejo formado por idêntico número de católicos da cidade, também coroados com flores e tendo uma vela na mão, juntou-se ao primeiro grupo, em determinado ponto da cidade. No momento em que os confessores da Fé apareceram, todos colocaram-se em marcha ordenadamente, os oito futuros mártires no meio, cercados por uma companhia de guardas — fragilíssima defesa para 40 mil católicos, se a única ambição destes não fora o de também sofrer o martírio e demonstrar o apreço que tinham à Santa Fé católica.

Durante todo o trajeto, alternaram-se cânticos e orações. O cortejo mais parecia uma procissão de triunfo que um cortejo fúnebre.

No local da execução, cada um tomou seu lugar previsto, como para assistir a uma cerimônia litúrgica. Os mártires, apenas viram as colunas em que seriam atados, correram para elas, abraçando-as e osculando-as.

Um dos condenados, Leão Kuniemon, subiu a um local elevado, incitando todos os presentes a permanecerem fiéis.

Estando todos os condenados atados a suas colunas, pouco antes de se atear o fogo que os consumiria, um dos presentes levantou um estandarte com a imagem de, Cristo atado, como eles, à coluna, exortando-os a imitar o Divino Modelo.

Os mártires mostraram uma constância admirável, durante todo o suplício. Tendo as cordas que prendiam o pequeno Tiago, filho de Adriano Mondo, sido queimadas pelo fogo, os presentes perceberam que ele correu sobre as brasas. De início creram que o menino, de apenas 12 anos, não podendo suportar o ardor daquela fornalha, procurava escapar. Alguns gritaram para encorajá-lo. Outros rezaram em alta voz pela sua perseverança. Todos deixaram de temer quando viram que o pequeno apenas procurava a coluna onde estava sua mãe, que abraçou fortemente como para ter mais forças para morrer. A santa mulher, que já parecia não dar sinais de vida, despertou. Vendo o filho, exortou-o a perseverar até o fim. Poucos minutos depois, os dois corpos, carbonizados juntos, caíram por terra.

Maria Madalena Mondo

A filha desta corajosa mãe, não o era menos. Maria Madalena, de 19 anos, condenada e martirizada também junto aos seus, deu um espetáculo não menos comovente, devido a sua heroica fortaleza. Urbano VIII, por ocasião da canonização de Santa Maria Madalena de Pazzi, virgem carmelita, enviou ao Carmelo de Florença uma esplêndida cruz acompanhada de um breve no qual declarava haver colocado no alto da cruz uma relíquia do Lignum Crucis. No braço direito, relíquias de Santa Maria Madalena, a grande penitente que esteve junto à Cruz do Salvador. E, no braço esquerdo, "um osso da mão da Bem-aventurada Maria Madalena, virgem japonesa, que sofreu o martírio do fogo pela fé de Jesus Cristo e que, enquanto era consumida pelas chamas, tomou carvões ardentes e colocando-os sobre a cabeça, os olhos erguidos para o Céu, rendeu assim sua alma a Deus" (cfr. Abbé Rohrbacher, "Vies des Saints", Gaume Frères, Libraires-Éditeurs, Paris, 1853, tomo I, p. 337). Que gloriosa menção do Vigário de Cristo à admirável virgem e mártir japonesa!

Continuou a Paixão da Igreja no Japão. Centenas de milhares de católicos foram mortos. Os últimos, na Província de Arima, para não ser exterminado o culto ao verdadeiro Deus no Japão, refugiaram-se na fortaleza de Shimabara, num total de 37 mil. As tropas imperiais, com o auxílio da artilharia holandesa, massacraram este pugilo de heróicos fiéis.

Tentativa afogada em sangue

Com o episódio de Shimabara, o Imperador cortou, de vez, qualquer relação com Portugal. Quando chegou a embaixada anual procedente de Macau, foram os portugueses maltratados e proibidos de pisar em solo japonês.

Entretanto, em 1640, desejou o governo português de Macau empreender uma última tentativa de reatar o comércio, único modo de dar ainda um pouco de alento aos derradeiros católicos perseguidos em território nipônico.

Foram escolhidos para a perigosa embaixada quatro eminentes personalidades de Macau. Antes de partirem receberam os Sacramentos com toda a tripulação do navio que os levaria.

Chegando a Nagasaki, foram proibidos de descer, até chegar ordem imperial. Oficiais japoneses subiram a bordo para verificar se não havia missionários nem mercadorias. No dia seguinte, retiraram toda a artilharia, e, por fim, toda a tripulação foi levada para a prisão, enquanto se aguardava a resposta imperial.

Esta veio categórica: a proibição de aportarem em costas japonesas havia sido violada. Tendo o impedimento sido determinado por motivos religiosos, o não cumprimento do mesmo só podia ter como causa fatores religiosos. Por isso, estavam todos condenados à pena capital. Alguns subalternos da missão deveriam voltar a Macau, depois de assistir à execução, para narrar como o Imperador tratava os infratores da lei...

Na véspera da execução, foram oferecidos alimentos aos prisioneiros, que recusaram. Durante a noite, um dos prisioneiros, conseguindo soltar-se da corda que o prendia, desamarrou todos os outros. Todos, então, tomando as cordas que os ligavam, aplicaram-se rude disciplina. Às cinco horas da manhã os comissários imperiais propuseram poupar a vida aos que apostatassem. Os portugueses nem lhes responderam. Insistiram os enviados do Imperador, sobretudo com os escravos e domésticos dos portugueses, oferecendo-lhes a liberdade e dinheiro. Nenhum deles cedeu.

"Dizei isto em Macau"...

No percurso que os conduzia ao local do suplício, um dos portugueses gritou, dirigindo-se aos que voltariam para Macau: "Eu me chamo Gonçalves Monteiro, filho de Antonio Monteiro de Carvalho e de Maria Pinto, e sou natural de Beira, em Portugal. Eu vos tomo a todos por testemunha de que morro por Jesus Cristo. Dizei isto em Macau". Outros fizeram pedidos análogos.

Durante o percurso, alguns rezavam o terço, outros estavam imersos em profunda meditação. Uma multidão acompanhava os novos confessores da Fé.

No local do suplício, Manuel Alvarez, piloto do navio português, pregava aos japoneses, encorajando também seus companheiros. Percebeu, então, seu servidor Manuel, indígena, de apenas 16 anos. Chamando-o, colocou-o diante de si dizendo: "Meu filho, eu desejo a um tal grau a tua salvação eterna, que desejo te ver expirar diante de meus olhos e assim me preceder na glória". E foi feito o que ele desejava...

Em poucos instantes, as espadas se abateram sobre as cabeças das vítimas, consumando o martírio. O embaixador Pacheco, homem truculento e de fortíssima compleição, só foi decapitado ao terceiro golpe de espada.

Sessenta e um católicos de 17 nações diferentes do império português, de todas as idades, desde os mais idosos até um menino de oito anos, tornaram-se assim mártires.

Ao chegar a notícia a Macau, os sinos das igrejas repicaram e cantou-se um Te Deum em ação de graças por favor tão insigne concedido aos portugueses.

Centenas de milhares de mártires

O Imperador japonês fez colocar junto ao corpo das vítimas esta inscrição: "É assim que no futuro serão punidos de morte todos os que vierem de Portugal a nosso Império, sejam eles embaixadores ou simples marinheiros, e mesmo que seja, no caso de um erro de rota ou por efeito de uma tormenta: sim, todos perecerão, seja o Rei de Portugal, seja Chaca, deus dos japoneses, ou o mesmo Deus dos cristãos. Sim, todos terão a morte" (cfr. Abbé Profillet, "Le Martyrologe de l'Église du Japon", Téqui, Libraire-Éditeur, Paris, 1897, tomo II, p. 439).

Apesar desse rigor, outros heróis tentaram sustentar no Japão a Religião católica.

Assim, em 1642, cinco Jesuítas penetraram disfarçados, em suas terras. Descobertos, foram martirizados.

Em 1647 foram uns Dominicanos. Tiveram a mesma sorte.

A última menção que se fez a um Sacerdote estrangeiro antes do isolamento total do Japão é a do Pe. Sidoti, missionário italiano, que foi condenado à prisão perpétua. Antes de morrer teve o intrépido missionário a consolação de converter e batizar seus carcereiros.

O martirológio da Igreja, no Japão; registra centenas de milhares de mártires, com toda sorte de suplícios.

Durante o "Sa Ko Ku", ou seja, o isolamento da Japão do resto do mundo, durante mais de 200 anos, a Religião de Jesus Cristo parecia ter morrido na terra dos samurais...

Entretanto, sob as cinzas do fogo que parecia haver exterminado o Catolicismo no Japão, restaram brasas que ainda fumegavam.

Quando, por influência americana, o Japão voltou a se comunicar com o resto do mundo, em 1859, um grupo de missionários da Sociedade das Missões Estrangeiras lá desembarcou, sem encontrar vestígios de católicos.

Durante anos, esses novos missionários conseguiram um resultado insignificante. Em 1865, quando inauguravam uma igreja na colina santa de Nagasaki, dez japoneses apresentaram-se para conhecer o novo templo. Diante do altar, todos se ajoelharam. Uma senhora, então, dirigiu-se ao Pe. Petitjean, Superior da Missão, e perguntou-lhe:

- "Foi o nobre chefe do Reino de Roma que vos enviou?"

O Padre, surpreso, respondeu afirmativamente.

- "Tendes filhos?" continuou a japonesa.

- "Vós e vossos irmãos japoneses são meus filhos", respondeu o missionário.

Com emoção crescente, a mulher pediu ao Jesuíta para ver uma imagem da Mãe de Deus. O Pe. Petitjean a levou a um altar de Nossa Senhora onde a japonesa, em prantos de emoção, revelou que ela e os que a acompanhavam eram católicos, e que o Catolicismo continuara a sobreviver durante os 250 anos de isolamento do Japão sob as cinzas das perseguições. Ainda no auge destas, no século XVII, os últimos missionários preveniram: "Se morrermos ou formos expulsos, outros Padres virão. Reconhecereis que são católicos por três indícios: serão enviados pelo Bispo de Roma, não terão família, e rezarão à Santíssima Virgem". Eram estas as características, genuinamente católicas, que preservariam estes fiéis do contágio com os protestantes.

O Pe. Petitjean foi nomeado pela Santa Sé Vigário Apostólico para o Japão em 1866. Em pouco tempo, o novo ardor dos fiéis, sempre crescente, deu motivo a nova perseguição que se reduziu ao desterro. Em 1873 cessou completamente.

Em 1891 foi criada a Hierarquia Eclesiástica do Japão com um Arcebispo em Tóquio e três Bispos sufragâneos em Nagasaki, Hakadote e Osaka.

As Ordens Religiosas, tanto as de ramo masculino quanto feminino, começaram a surgir. Principalmente as contemplativas encontraram muita apetência nesse povo chamado à contemplação.

Infelizmente, com a II Grande Guerra Mundial, muitos católicos morreram ou emigraram. Nagasaki, um dos principais centros do Catolicismo japonês, foi arrasada pela bomba atômica.

A industrialização assombrosa do Japão, nos últimos tempos, acentuou no nipônico uma tendência ao pragmatismo. A crise pela qual passa a Santa Igreja esmoreceu o ardor missionário. A pretexto de ecumenismo, muitos neomissionários procuram um sincretismo religioso entre o Catolicismo e as religiões pagãs.

Há um mistério da Providência em permitir que a Religião católica, depois de se estabelecer solidamente em quase todo o Japão, tenha sido esmagada no sangue. E, mesmo depois de esmagada, restar uma semente viva durante 250 anos. Mas a semente parece não ter mais a força que tivera outrora e os frutos após a reabertura do Japão não correspondem ao sangue de centenas de milhares de mártires.

Os católicos hoje, no Japão, não atingem 1% da população.

"O sangue dos mártires é semente de novos cristãos". A célebre frase de Tertuliano não pode deixar de aplicar-se, de algum modo, a uma terra que, durante tantos anos, foi regada generosamente por centenas de milhares de mártires.

E temos a firme esperança de que a fibra dos mártires japoneses renasça, de futuro, e contagie, com o auxílio da Virgem Santíssima - a Onipotência Suplicante — toda a população do Império do Sol Nascente.

O majestoso castelo de Shimabara — hoje atração turística — serviu de refúgio e ponto de resistência a milhares de católicos japoneses, depois martirizados

Um duplo martírio no Japão: o menino corre para os braços de sua mãe invocando os Nomes de Jesus e Maria. "Meu filho, obtenha o Paraíso", responde a mulher.

A jovem Madalena, pressentindo a morte toma brasas ardentes e as coloca sobre a cabeça como se fossem grinaldas de flores para falecer em seguida, tranquilamente


"AUTÔNOMOS": FABRICANTES DO CAOS

Arnóbio Glavam

Era uma tarde de Sábado em Paris. Nas proximidades da estação de Saint-Lazare, a vida transcorria normal, com a intensa movimentação habitual nos fins de semana.

Repentinamente uma algazarra enorme estrondeja. Saídos não se sabe de onde, várias dezenas de jovens, cabelos longos, barbudos, rostos vendados, blusões de couro e capacetes protetores, armados de coquetéis molotov e barras de ferro, quebram vitrinas, saqueiam lojas e agridem transeuntes. Aos agressores pouco importa que as vítimas sejam velhos, mulheres ou crianças...

As ruas, repletas até então de gente alegre e despreocupada, transformam-se, num abrir e fechar de olhos, numa autêntica praça de guerra. Mas, de um combate singular, pois só há um contendor. Isso porque o público, tomado de surpresa e estupefato, mantém-se na mais completa inação. Apenas um ou outro elemento isolado tenta reagir.

Uma rua inteira de lojas devastadas, prédios semidestruídos, alguns inícios de incêndio e numerosos feridos. Tudo se passou em apenas dez minutos. E os jovens, conhecidos por autônomos ou quebradores, desapareceram tão misteriosamente quanto tinham surgido, ante os olhares desconcertados dos policiais e a inércia da multidão petrificada pelo terror. Reportagens bem documentadas sobre o assunto foram publicadas nas revistas francesas Paris Match e L'Express.

Essa foi a quarta operação dos autônomos desde seu aparecimento, em 1977, no cenário de Universidades e Faculdades francesas.

Provindos, em sua maioria, da burguesia média, tais jovens entregam-se à prática da violência pela violência, como protesto contra a ordem estabelecida e as instituições vigentes.

Negam qualquer organização, hierarquia ou autoridade: são anarquistas. Por isso, qualificam-se como um grupo sem estruturas e sem chefes. Dentre eles, alguns agiriam com objetivos políticos: seriam os comunistas e os anarquistas continuadores da revolução da Sorbonne de 1968. Outros seriam apenas jovens inconformados, sem vinculação ideológica ou política. Todos, entretanto, unidos por um objetivo comum: quebrar, destruir, incendiar. Praticar a violência contra o que qualificam de violência do Estado e da ordem estabelecida.

O misterioso "Senhor Terror"

Surgidos em algumas Universidades francesas como a de Jussieu e de Censier, espontaneamente — segundo dizem — e corporificando um estado de espírito que estaria difuso na juventude do país, os quebradores, antes mesmo de adotarem um nome, tiveram o seu jornal: Camarade. E também organizaram grandes assembleias nos campi universitários.

Aparentando autonomia em relação aos grupos terroristas de esquerda e aos anarquistas organizados, passaram a denominar-se Coletivo Autônomo de Intervenção. Daí a designação de autônomos para caracterizar os jovens quebradores.

Na verdade, não são todos que creem na espontaneidade e autonomia de tal movimento. Segundo o semanário francês Paris Match (edição de 26-1-79), as autoridades policiais daquele país admitem que o grupo possui urna direção oculta, constituída de antigos militantes ativos de organizações anarquistas francesas. Teriam tais dirigentes relações frequentes com movimentos terroristas internacionais, especialmente os palestinos, os terroristas da ETA, na Espanha, e o grupo Baader, na Alemanha.

Para os policiais franceses, a melhor prova de tal organização e coordenação informa Paris Match — é a existência de um misterioso "Senhor Terror", inspirador do movimento, detectado pela polícia, mas ainda não identificado nem localizado.

Um movimento que se alastra

As operações mais espetaculares dos autônomos deram-se, entretanto, no ano passado. Em março, cerca de 40 quebradores destruíram aproximadamente 30 vitrinas da rua Lafayete , em Paris, utilizando o método habitual: aparecimento repentino, quebra-quebra, e súbito desaparecimento — o que desconcerta a polícia. Pouco depois, em maio do mesmo ano, novo assalto deixa um saldo de 83 vitrinas quebradas e lojas saqueadas. Tais atos, que tomaram de surpresa a população parisiense, causaram indignação nas autoridades policiais.

Alain Peyrefitte declarou: "Não podemos tolerar a violência, e sobretudo, essa espécie de violência selvagem que consiste em pilhar, quebrar e agredir os agentes da força pública, que estão encarregados de garantir a segurança dos franceses" (L'Express, n.° 1437, 27-1-79).

Entretanto, não parece que as ações terroristas dos autônomos sejam episódios isolados e sem futuro. Poder-se-ia conjeturar que são o prenúncio de atividades mais frequentes, e talvez ainda mais violentas. Com efeito, a polícia francesa tem logrado prender alguns elementos do grupo, sem que este se sinta desencorajado. Pelo contrário, os autônomos tomam a detenção de elementos seus como pretexto para ações de represália e novos quebra-quebras.

Recentemente deram eles nova manifestação de força, em Paris, quando tumultuaram a Marcha sobre Paris, organizada pela CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) e demais cúpulas sindicais, apoiadas pelos partidos Socialista e Comunista.

Tal manifestação esquerdista pretendia ser pacífica, quando, em vários pontos do trajeto a ser percorrido pela marcha, surgiram os jovens mascarados com seus coquetéis molotov e suas barras de ferro, quebrando, pilhando e ferindo.

Nas imediações da Place de l'Opera, 200 quebradores, que depredavam logradouros públicos, vitrinas de lojas e restaurantes, entraram em violento choque com a polícia.

Dispersando-se rapidamente e reunindo-se noutros pontos da cidade, onde reiniciavam as violências, os autônomos criaram sérios entraves para a ação policial. Chegaram a levantar uma barricada na Avenue de l'Opera, que recordava as desordens de maio de 1968.

Mas o quebra-quebra não é o único recurso usado pelos autônomos em seu afã de investir contra a sociedade. Viajar no metrô sem pagar passagem é também uma forma de protesto e agressão. Tal prática é por eles denominada auto redução. Saquear uma loja é fazer redistribuição; sair dos restaurantes sem sequer olhar a conta é praticar o basquete; penetrar clandestinamente nos teatros é cinemas chama-se reapropriação ou recuperação etc.

Para apresentar-se de um modo um pouco menos censurável ao público, as violências praticadas pelos quebradores tomam como pretexto, com frequência, o alto custo de vida ou o desemprego. Entretanto, não procuram eles esconder o intuito de revolução total e anárquica, presente em todas as suas ações. Eis alguns de seus slogans: "Reapropriação"; "Viva a revolução"; "É preciso servir-se dos burgueses"; "Autonomia ofensiva contra a vida cara" etc.

Entrevista com um "autônomo"

Um repórter do Paris Match, na mesma edição já referida, entrevistou um dos ativistas autônomos, cujo nome não foi revelado. Eis algumas de suas declarações:

"Nós empreendemos ações violentas. Vidros quebrados, vitrinas saqueadas, é espetacular! Essa violência responde à violência do Estado, do desemprego, da miséria. A violência está por toda parte. Ela nos cerca".

Em seguida, o quebrador encapuçado fala sobre as atividades do Movimento:

"Entre nós não há estrutura. Nosso número varia sem cessar. Na ocasião do caso "Croissante" [uma das ações de violência empreendidas pelo grupo], havia nas Faculdades, a de. Jussieu em particular, assembleias gerais, reunindo de duas a três mil pessoas. Entretanto, somente 30 ou 40 ativistas eram mobilizados para uma ação particular. Recusamo-nos a admitir que nossos grupos sejam verdadeiramente estruturados, que os poderes sejam delegados ou que se deva obedecer a um certo número de quadros".

Quem são os autônomos? O entrevistado responde:

"Dizer quem são os autônomos não é fácil. Há os estudantes que se evadem, para viver pulando da direita para a esquerda, mas há também aqueles para quem quebrar é um pouco a razão de viver. Há também os desempregados, certamente. Os grupos autônomos são pequenos grupos, o que explica que a polícia dificilmente os possa infiltrar.

O que sabemos é que a revolução não será para amanhã... Então tenta-se mudar nossa vida por todos os meios possíveis".

Bernard, membro de um Coletivo parisiense, segundo a revista L'Express, na edição supracitada, declarou: "Não vou esperar 50 anos a grande revolução. Não há senão uma classe que bebe champagne. E eu também quero beber".

Um fenômeno mais amplo

Seriam os autônomos um fenômeno exclusivamente francês? Não parece. Precursores dos autônomos franceses são os chamados índios metropolitanos italianos sobre os quais Catolicismo dedicou um artigo em seu número 325, de janeiro de 1978.

Há dois anos, estiveram representantes do grupo italiano na Faculdade francesa de Jussieu — um dos focos dos quebradores — fazendo uma espécie de conferência. Nela explicavam como fabricar um coquetel molotov, como atacar a polícia, e forneciam conselhos sobre a guerrilha urbana. A palavra de ordem então difundida era "Plus de parlote. On casse". ("Basta de palavrório. Quebra-se").

Os autônomos franceses — que julgam os italianos ainda muito ideológicos — aprenderam a lição e tomaram uma feição ainda mais anárquica e terrorista. E são, por sua vez, imitados em outros países.

Na Suécia, um grupo de jovens estudantes deflagraram recentemente, no centro de Estocolmo, uma ação segundo o estilo e os métodos dos quebradores franceses.

Estaríamos então, em presença de uma moda que tenderia a se espalhar pelo mundo? Mas que moda seria essa? Nada mais nada menos do que o terrorismo urbano, a proliferar como uma erisipela pela Europa, América e por todo o Ocidente. Se não há elementos para se responder afirmativamente à pergunta, sobretudo não se pode — à vista de tantos antecedentes — negar o perigo.

Os "quebradores" destroem uma loja roupas militares. Armados de barras de de ferro ou picaretas, há vários meses eles espalham o terror impunemente.

Depois de arrancar as grades e destruir as vitrinas, virá o saque

Um "quebrador" exibe suas armas: "coquetéis molotov" e grossos pedaços de pau