Henrique Guimarães
Um número cada vez maior de adolescentes brasileiros —e mesmo crianças — entregam suas horas de lazer às chamadas discotecas. A febre do pula-pula vai assim matando outras formas de divertimento: os jogos recreativos, os passeios, as reuniões de amigos, as leituras e demais entretenimentos indispensáveis à boa formação moral, mental e física dos jovens.
Seguindo moda nascida nos Estados Unidos e disseminada largamente pela Inglaterra e vários países europeus, estimulada por hábil propaganda, a qual se utiliza dos poderosos meios de comunicação moderna — o cinema, a TV e a imprensa — as casas de danças denominadas discotecas alastram-se com surpreendente rapidez pelo Brasil.
Nos grandes centros urbanos, salões equipados com complicada aparelhagem eletrônica importada e de altíssimo preço, causam sensação. A imprensa e a TV, de modo geral, empenham-se em propagar a nova moda e apresentá-la, com deslumbramento, a todas as camadas da população. Não estranha pois, que nos mais variados pontos do País, proliferem semelhantes casas de diversão. Algumas cidades do interior, hipnotizadas pela miragem do prestígio da nova dança, disseminada nos grandes centros, estabeleceram como um ponto de honra montar a sua discoteca. Arranjam-na como podem: aparelhos de som comuns são dispostos com algum engenhoso jogo de lâmpadas coloridas sem nenhuma arte, com muito barulho e sôfrego desejo de acompanhar a onda. E assim está feita a discoteca...
De acordo com o padrão ditado pela propaganda internacional e seguido já por numerosas casas modelo do Brasil, a dança discoteca consiste num gênero novo de ritmo. Os sons e as luzes devem suceder-se arbitrária e caoticamente, tendo como única regra criar o frenesi emotivo nas pessoas que frequentam a discoteca. Segundo Laerte Willman, diretor de um curso de Linguagem Sensorial e orientador de Terapia pelo Movimento (1), as discotecas "provocam uma ativação sensorial [...] o que bloquearia a camada puramente racional do indivíduo, liberando-o ao nível da emoção: É como se fosse desligado o circuito da razão, de comando". Desligar o paciente da razão e entregá-lo ao domínio dos instintos, aos movimentos embrutecidos e irracionais e à sensualidade desenfreada: eis o objetivo das chamadas discotecas.
O som, ou melhor dito, o barulho numa discoteca é ensurdecedor. Com frequência, supera o nível dos 100 decibéis, índice máximo suportável pelo ouvido humano. Uma percussão surda, de fundo, faz vibrar até as partes internas do organismo humano, com o intuito de sacudir a pessoa no seu todo, para engajá-la totalmente no ritmo de delírio e loucura.
À sucessão interminável dos sons e das luzes que apagam e acendem continuamente somam-se, com frequência, alguns efeitos especiais: sirenes, faróis de automóvel, e até dispositivos de luz laser (luz monocromática) que permitem produzir coreografias luminosas mirabolantes sobre as paredes do salão, ou sobre os próprios frequentadores.
Para envolver completamente as pessoas no ritmo, potentes caixas de som são dispostas por toda parte, inclusive no teto e sob o piso. Gabam-se os discotecários e empresários de discotecas de criarem um ambiente irresistivelmente envolvente... Dentro do salão, as pessoas vão sendo induzidas quase fatalmente às contorsões malucas que os efeitos sonoros e luminosos estimulam. A razão e o pensamento dão lugar aos impulsos. O volume de som torna impossível a conversa nesses ambientes, e o convívio humano reduz-se pois, a movimentos rítmicos em comum e à sensação conjunta de inebriamento, produzida pelo turbilhão de sons e luzes. Tal situação lembra certas danças religiosas primitivas de povos aborígenes da África ou mesmo, sob certo ponto de vista, o gregarismo de alguns animais selvagens. Em artigo anterior (cfr. "Catolicismo" n.° 339, de março de 1979) o assunto já foi abordado, assinalando-se o desaparecimento da conversa, enquanto o pensamento é atrofiado e as personalidades abafadas pelo desvario criado no ambiente.
Se alguém estivesse, interessado em produzir um novo tipo humano, sem personalidade e características pessoais definidas, sem vontade própria, massificado, embrutecido e sensual — e assim fácil joguete dos manipuladores da propaganda e da moda — bem poderia ter inventado uma discoteca...
"Esse ritmo que obriga todos a se movimentarem veio, de fato, preencher o vazio deixado entre a juventude depois do desaparecimento dos Beatles", declarou o compositor e produtor de shows musicais na França, Jacques Moreli (2).
Para Roberto Machado, integrante de um conjunto musical moderno, frequentar discotecas "é exprimir, através dos gritos, toda a repressão que o jovem encontra dentro de seu próprio mundo". E acrescenta: "É uma espécie de terapia mental, onde o jovem tenta se libertar, entregando seu corpo ao som da música" (3).
Dessa forma, diretores e especialistas da citada forma de entretenimento começam a atribuir a ela um alcance maior do que uma simples diversão.
Realizou-se em Nova York o 4.° Disco Forum anual patrocinado pela revista Billboard, que reuniu aproximadamente 1.500 donos de discotecas, disck-jockeis, e industriais fornecedores de equipamentos de som e luz.
Alguns depoimentos colhidos na ocasião são dignos de nota. Bill Wardlow, considerado o criador das discotecas, o pai da disco, afirmou: "A discoteca não é apenas o lugar onde se vai para tomar drogas, ficar "louco" ou fazer coisas excitantes. É também o salão de baile do futuro". Ela inauguraria, segundo Wardlow "todo um estilo de vida" (4).
"A disco expandiu-se pelo mundo com força nunca vista, desde os primeiros dias do Rock and Roll"; diz Neil Bogart, presidente da Casablanca Records. E acrescenta: "No futuro os livros de história chamarão inevitavelmente a disco de revolução" (5).
"A disco e seu estilo de vida contribuíram para uma irmandade harmoniosa em relação a todos os credos e raças", declara o prefeito de Nova York, Edward Kich (6). Para Richard N. Peterson, professor da Vanderbilt University a disco é "a chave para as pessoas que levam uma vida rotineira, serem diferentes" (7). E Michael O'Haro, considerado o consultor do ano das discos, nos Estados Unidos, em 1975 e 1976, observa:
"A discoteca está quase se tornando uma experiência religiosa. Mexe com todas as emoções e sentidos..." (8). E uma poderosa discoteca de Nova York, a Xenon, apresenta um recurso luminoso que consta de dispositivo brilhante que desce e que deveria "dar a idéia de discos voadores em contatos imediatos do 3.° grau" (9).
Numa das camisetas usadas por participantes do 4.° Disco Forum, estampava-se uma misteriosa pergunta: "Haverá vida depois da disco?" (10).
Paralelamente com o aparecimento das discotecas, viu-se surgir, além da nova forma de música, um novo estilo de roupas: as roupas disco. E um observador acurado perceberá a penetração de um novo estilo de relações humanas, de linguagem (ou de comunicação monossilábica) e de modos de ser. Um novo tipo humano enfim, que se esboça nas agitadas discotecas, quer sejam as famosas Studio 54, Xenon e outras em Nova York, quer nas de Londres, Paris, São Paulo, Rio, quer nas modestas e suburbanas discotecas das pequenas cidades do interior brasileiro.
Como não levantar a pergunta: estaríamos em presença de uma revolução nas mentalidades e nos hábitos, com o fim de instaurar novo estilo de vida, de homens diferentes, fundado numa nova religião, a da harmoniosa irmandade de todas as raças e crenças? Para além dessa pergunta, encontra-se um mistério: qual o sentido da referência aos chamados discos voadores?
Na verdade, a discoteca não é um fenômeno desligado do Rock and Roll e de outras formas de música e dança que marcaram os anos 60. É seu prolongamento e requinte. E todos inseridos num processo de decadência musical, afim com a decadência moral e mental das sociedades modernas. Com efeito, constata-se, ao longo desse processo, o contínuo desaparecimento do convívio social elevado e digno, das boas maneiras, da conversação, enfim, da vida de pensamento. Ou seja, a irracionalidade ganha terreno sobre as manifestações do espírito e da cultura.
As discotecas, surgidas em meados da década de 70, eram até há pouco simples ponto de encontro de negros e homossexuais nos Estados Unidos, especialmente em Nova York (11). Foi somente com o aparecimento repentino de um ator, John Travolta, transformado em celebridade do dia para a noite pelo filme "Embalos de Sábado à Noite" ("Saturday Night Fever"), que as discotecas alcançaram a grande popularidade de que gozam hoje (12). Travolta representa nesse filme o papel de um jovem inconformado, que dava vazão a seus impulsos, aos sábados à noite, dançando numa discoteca.
O filme deu origem a alguns salões como o Studio 54 em Nova York e The Plum e Pier Nine em Washington, onde os requebros e as contorções de Travolta causavam sensação. Tais casas passaram a atrair multidões, todas as noites. Do Studio 54 a nova moda contagiou os Estados Unidos e o mundo. Discos desse novo estilo de música passaram a atingir recordes de venda, alcançando a casa dos 15 ou 20 milhões de unidades vendidas, em todo o mundo. Elementos ligados ao ramo sustentam que chega a 10 mil o número de discotecas em funcionamento nos Estados Unidos.
A frase célebre de Shakespeare "há algo de podre no Reino da Dinamarca" parece aplicar-se hoje em dia, em todo o seu alcance, ao Reino Britânico. Na histórica cidade de Londres, os gentlemen vão sendo confinados à categoria de peças de museus. "A febre das discotecas tomou conta de tudo", afirma o Financial Times. "Os fãs dessa dança —acrescenta o jornal possuem suas próprias lojas, sua própria linguagem, seus próprios programas de rádio e agora seu próprio concurso mundial de dança. Quinze mil concorrentes de 40 países acorreram a Londres para um concurso mundial de danças disco" (13).
Comparando o boom da disc music com o jazz dos anos 20, afirmou o professor norte-americano R. A. Peterson, da Vanderbilt University: "Enquanto o jazz saía dos negros para a consciência urbana americana, a disco representa a emergência de uma realidade homossexual. Na disco os líderes e os criadores de moda tendem a ser homossexuais" (14).
As principais discotecas norte-americanas tornaram-se também um centro de consumo de drogas. Um dos proprietários do Studio 54 de Nova York, no fim do ano passado, foi preso portando cocaína. Segundo o jornal O Globo, "a descoberta de drogas no Studio 54 não foi surpresa, pois seus frequentadores costumam consumir maconha e cocaína" (15). Tais discotecas costumam proibir em seus recintos a venda de bebidas alcoólicas, pois, prevendo o consumo de drogas, querem evitar a mistura dessas com o álcool, que é explosiva.
Fenômeno com origem em antros do vício e do crime, introduzido em todas as camadas da sociedade por uma hábil propaganda de âmbito internacional, as discotecas — em cujos maiores centros propulsores circulam largamente os tóxicos — tornaram-se verdadeira epidemia do momento.
Anunciadas como uma revolução, novo estilo de vida e até mesmo nova religião, elas entretanto, apresentam-se em muitos lugares em formas mitigadas e aparências menos escabrosas. Mas, até que ponto as consequências extremas, a que essas inevitavelmente conduzem, podem ser contidas? É a pergunta que paira no ar. Tal questão deveria preocupar todos quantos detenham responsabilidades educacionais, em qualquer país. No âmbito familiar, uma atitude séria caberá aos pais, e fora dele, aos educadores e autoridades.
Do ponto de vista médico, já numerosos têm sido os pronunciamentos emitidos por órgãos oficiais ou divulgados pela imprensa. Por solicitação do Departamento de Diversões Públicas da Secretaria de Segurança do Estado do Rio Grande do Sul, a Associação Médica daquele Estado elaborou minucioso estudo do qual destacamos os seguintes tópicos:
"Em quase todos os países de que dispomos dados, os ruídos das discotecas variam de 100 a 115 decibéis, e portanto, se situam em faixa capaz de ocasionar fadiga auditiva e traumatismo acústico.
Sendo as discotecas, pelo menos em teoria, um ambiente destinado a diversão e ao lazer, é preocupante o fato de que os jovens desavisados possam vir a sofrer diminuição irreversível de sua acuidade auditiva".
E prossegue o relatório:
"Com o auxílio de equipamentos adequados, foi medida a intensidade sonora em quase todas as discotecas de Porto Alegre. Em nenhuma delas, em momento algum, o ruído foi inferior a 95 decibéis e, na maior parte do tempo, o ruído situou-se na faixa de 105 a 110 decibéis. Não raramente, registramos níveis até de 114 e 115 db".
"Num ambiente [de discotecas] a iluminação passa a ser parte integrante do espetáculo, através do uso de efeitos luminosos especiais, luz estroboscópica, luz ultravioleta e luz laser.
[...] A luz estroboscópica, apesar de não prejudicar a visão, pode causar convulsões em pacientes portadores de epilepsia foto-sensitiva
"A luz laser, ou seja, a luz monocromática, tem intensa energia e, dependendo da intensidade, pode causar lesões na córnea, cristalino e retina".
O relatório da Associação Médica do Rio Grande do Sul, depois de salientar que nas discotecas de Porto Alegre, os equipamentos produtores da luz laser possuem dispositivos especiais que os tornam inócuos, acrescenta: "Contudo, a luz laser é, potencialmente, bastante perigosa e não cremos que seja um tipo de luz a ser usada em atividades de lazer, ainda mais sendo o controle das fontes de emissão, uma tarefa difícil".
A seguir, o documento sugere uma série de medidas práticas, às autoridades de segurança daquele Estado, para mitigar os efeitos nocivos das discotecas.
Abalizados depoimentos de cientistas vieram juntar-se ao cuidadoso estudo dos médicos gaúchos.
Para o Dr. Alberto Miabelli, médico da Feema, "um som muito alto pode repercutir no sistema neurovegetativo e, daí, no aparelho circulatório, provocando vasoconstrição, taquicardia etc."
Quanto aos efeitos da luminosidade nas discotecas, diz o especialista que "a retração da pupila e o fechar dos olhos são mecanismos de defesa naturais. Mas um esforço muito grande da vista, repetindo seguidamente esses mecanismos, pode levar a uma enchaqueca ou fadiga visual, com dor e vermelhidão nos olhos" (16).
Em Minas Gerais, o presidente do Departamento de Otorrinolaringologia da Associação Médica de Minas Gerais, Dr. Roberto Eustáquio Guimarães, afirmou que "a frequência assídua às discotecas pode causar sérios problemas aos jovens, como a perda progressiva da audição, além de afetar o equilíbrio, fazendo com que as pessoas sintam tonturas" (17).
Além da Secretaria de Segurança do Rio Grande do Sul, numerosos órgãos oficiais e autoridades brasileiras vêm tomando medidas e alertando a população contra os perigos que as discotecas oferecem à saúde pública.
Ao cabo dessa análise, cumpre considerar um problema mais amplo, para o qual poucas pessoas têm os olhos abertos. Quando se faz o retrospecto dos vários estilos de música e dança que marcaram o século XX, nota-se uma constante. As valsas vienenses deram lugar ao jazz na década de 30 o qual, por sua vez, foi seguido pelo Rock and Roll. Sempre mais, em cada um desses estágios, a melodia foi sendo substituída pelo ritmo, a harmonia pela dissonância, e certos traços de dignidade e distinção pela brutalidade nos timbres e na sequência dos sons, nas letras das músicas como também nos gestos. O que poderia ser considerado como racional nos temas musicais e nos movimentos de dança foi substituído pelo descompasso e por movimentos caóticos.
Uma sucessão de acontecimentos sempre na mesma direção, caracteriza um processo. E a subversão dos valores define uma revolução. Como negar pois, que estamos em presença de um processo revolucionário na dança? Mas também, como esquivar a pergunta: qual o próximo passo de tal processo? Para onde conduzirá ele os povos, que se têm mostrado tão apáticos e incapazes de reagir a tantos outros processos revolucionários de nosso tempo? Nessa perspectiva, reboa, à maneira de gargalhada satânica, o enigmático dístico estampado numa camiseta, durante o congresso da Billboard: "Haverá vida depois da disco?"
(1) O Globo, Rio de Janeiro, de 24-9-78.
(2) Idem.
(3) Tribuna do Ceará, Fortaleza, de 13-1-79.
(4) Gazeta de Alagoas, Maceió, de 25-2-79.
(5) Idem.
(6) Idem.
(7) Idem.
(8) Idem.
(9) Idem.
(10) Idem.
(11) Idem.
(12) Paris Match, n.° 1546, 12 de janeiro de 1979, p. 24.
(13) Folha de São Paulo, de 16-1-79.
(14) Gazeta de Alagoas, Maceió, de 25-2-79.
(15) O Globo, Rio de Janeiro, de 16-12-78.
(16) O Globo, Rio de Janeiro, de 24-9-78
(17) A Notícia, Rio de Janeiro, de .6-2-79.
Luís Ramos
Neste início de ano letivo, para os rapazes do curso noturno em que estuda Alberto, conhecido como Beto, o ambiente não era novo. A maioria dos alunos já se conhecia mutuamente há vários anos, o mesmo acontecendo com relação a diversos mestres.
Contudo, quando ao fim da aula de matemática, o professor resolveu entabular uma conversa com a turma, estabeleceu-se profunda divergência de opiniões.
O jovem mestre Eduardo, quintanista de engenharia, resolveu narrar para os alunos a viva impressão que lhe causou uma demonstração de voo livre, presenciado por ele, dias antes, quando empreendia a escalada de um dos pontos mais altos do pitoresco relevo, próximo à baía de Guanabara. Explicou então como o atleta, com uma asa de tecido e nervuras metálicas, planava impulsionado pelo vento — após haver saltado de uma rocha situada no topo de uma montanha — e descia rumo a determinado alvo.
Todos ouviam a narração com vivo interesse.
Fernando, novato no colégio, falando com acento típico do nordeste, aproveitou a ocasião para contar uma façanha de paraquedismo, que havia assistido. "Um dia — observou ele — serei também paraquedista! O risco, o heroísmo e o contato com as vastidões imensas me entusiasmam".
Nesse momento, uma voz fanhosa, meio debochada, fez-se ouvir do fundo da sala:
— "Eu quero saltar, mas é numa discoteca!"
Todos se voltaram para o inopinado objetante, magro, cabelos longos, olhar agitado e esquivo, conhecido pelo apelido de Aranha.
Imediatamente, outra voz bradou: "Isso mesmo, o Aranha tem razão". Era Zezinho, íntimo amigo do Aranha.
— "Não se meta nisso, rapaz!" — interveio Fernando. "Você, obrigado a usar esses óculos de lentes tão grossas, vai sentir consequências graves causadas pela discoteca. O pisca-pisca de luzes fortíssimas pode acabar com o que lhe resta de visão. Por quanto tempo você vai saltar, não sei..."
— "Ah, mas é gostoso a gente ir a uma discoteca", retrucou Zezinho. "Esquecemos os problemas que nos afligem, e se entra naquele ritmo..."
Fernando continuou: "Ainda há pouco, li no jornal que os médicos de Porto Alegre desaconselharam a frequência a discotecas por causa do nível de ruído que ali existe. O índice de decibéis supera o nível tolerado pelo ouvido humano".
* * *
Naquele momento, o sinal soou em todo o colégio, e o professor apressou-se em sair.
Em torno de Fernando formou-se uma roda, para a qual se dirigiu também Beto, Zezinho e o Aranha. Este comentou com certo sarcasmo:
— "Olha, pessoal, a Shock é a melhor discoteca da cidade. Não é muito grande, mas tem um jogo de luzes como nunca vi. Luz forte como farol de carro, ou até mais, refletindo as cores mais diversas: azul, vermelho, verde... No meio da escuridão, vocês precisam ver, o pessoal todo pulando e, de repente, aquelas luzes como se fossem raios, cruzando o espaço, ao ritmo excitante do som. O maestro eletrônico também é de primeira; às vezes, eu faço um sinal e ele já entende. Lá de cima da cabine, manipula o público, escolhendo o tipo de música e o jogo das luzes, conforme a reação do pessoal. Quando faço um sinal, ele injeta no amplificador aqueles sons altíssimos, que nos transportam a outro mundo... Ele é meu amigo, é dos nossos!"
O grupo, já bem menor, dirigia-se para o portão do colégio, enquanto o Aranha prosseguia sua propaganda das discos:
— "O globo refletor, pendurado no teto... talvez vocês já conheçam, mas vou explicar: acho que é uma coisa indispensável numa discoteca, para dar uma impressão de que tudo está meio louco, tudo girando... Ele é revestido com inúmeros espelhinhos, e roda em torno de um eixo, que é a haste que o prende ao teto. E como sobre ele incidem focos de intensa luz, vinda dos quatro cantos do salão, tais focos são refletidos nas paredes, no chão e no teto, formando uma infinidade de pontos luminosos, continuamente girando, dando a impressão de que tudo participa com a gente... Parece uma constelação ou até uma galáxia, tudo rodando. Dá impressão de que as paredes estão tremendo e até rachando. E o equipamento de produzir fumaça é bárbaro! Ela vai saindo do chão, dando a impressão de que o negócio é quente mesmo!
"Beto, amanhã à noite eu passo em sua casa para irmos à Discoteca Shock. Garanto que você vai gostar".
Já na calçada, quando cada um estava prestes a tomar seu rumo, o Aranha, mudando o tom da voz, fez uma última afirmação, à maneira de desabafo:
— "Eu vou ser franco com vocês. Para mim, o sábado e o domingo são terríveis se eu não entro numa discoteca. Não consigo me divertir de outra maneira. Hoje ninguém liga para ninguém, eu também. Quando vou à discoteca, fico dançando sozinho, porque acho que é melhor..."
Fernando, batendo no ombro de Beto, como para acentuar o que já dissera antes contra as discotecas, afirmou com segurança e leve sorriso:
— "A juventude não foi feita para o prazer, mas para o heroísmo", já dizia um poeta francês. Se você for atrás do Aranha, ficará envolvido por suas teias, que são mais perigosas do que aquelas tecidas pelos próprios aracnídeos. Seu sistema nervoso é que ficará com a resistência de uma teia de aranha..."
* * *
Chega o domingo. Aranha, acompanhado de Zezinho — que em tudo está sempre de acordo com seu companheiro — convence Beto a acompanhá-los à Shock.
Um tanto a contragosto e sem forças para se opor aos labiosos colegas, este concorda, e lá vão rumo à discoteca. Aranha e Zezinho eufóricos pela vitória alcançada, Beto preocupado...
Entram, e a primeira impressão foi violenta. Beto sentiu-se como se tivesse caído num terrível redemoinho de ruídos e luzes. Reagir? Não podia. Voltar atrás, tampouco; receava a risada dos amigos. "Afinal, não há remédio — pensou —senão ir acompanhando, de algum modo, esta loucura".
O tempo passou... Beto foi-se habituando, e aquela barulheira foi-lhe parecendo menos rejeitável. Aproximou-se dele o Aranha com algo oculto na mão. Passou-lhe o que trazia e observou: "Tome e você se sentirá mais à vontade..."
Eram 4 horas da madrugada, quando, exaustos e drogados, saíram os três amigos da Shock. Beto não se aguentava em pé, sendo carregado pelos companheiros. Enquanto era assim arrastado, sua cabeça ainda girava, mas agora já lhe doía horrivelmente.
Entretanto, sua consciência doía ainda mais que a própria cabeça, e a frase de Fernando parecia reboar nas paredes internas de seu crâneo: "A juventude não foi feita para o prazer, mas para o heroísmo..."