Caio de Assis Fonseca, nosso enviado especial
O ambiente não era dos mais despoluídos. Muito cheiro de cigarro e ar sufocante.
O que não chegava a perturbar os entusiastas eclesiásticos e leigos partidários da "teologia da libertação". Tampouco parecia incomodá-los a contradição entre suas doutrinas "miserabilistas" e o ar luxuoso das instalações por eles ocupadas no Hotel del Portal, cujo edifício colonial se encontra no centro da cidade mexicana de Puebla.
Vaias e aplausos — como num comício — faziam parte da agitada assembleia reunida no auditório do hotel, sob a presidência do engenheiro José Alvarez Icaza, diretor do CENCOS.
O que é o CENCOS? Quem é José Alvarez Icaza?
CENCOS — Centro Nacional de Comunicação Social — é um centro de informações que já pertenceu oficialmente ao Episcopado mexicano. Foi este organismo o patrocinador da conferência "paralela" de Puebla, destinada a servir de tribuna e caixa de ressonância da chamada "teologia da libertação", fulcro de controvérsias, especialmente entre Bispos latino-americanos.
José Alvarez Icaza, diretor do CENCOS, acredita que "o marxismo tem soluções políticas, econômicas e sociais justas". E acrescenta não ver inconveniente em ser marxista. No entanto, afirma ser "péssimo marxista", pois aceita o método de análise marxista, mas rejeita o materialismo dialético. Tais declarações, registradas no jornal "El Heraldo de Mexico". (12-2-79), em artigo de José J. Castellanos, já caracterizam Alvarez Icaza como um "cristão-marxista".
Este é o regente da orquestra. Como são os músicos?
Alguns são famosos. Por exemplo, o Pe. Ernesto Cardenal, prefaciador do livro "Tierra Nuestra, Liberdad", no qual D. Pedro Casaldáliga, Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT), amaldiçoa em seus versos todas as propriedades e se autodenomina "Monsenhor martelo e foice".
O Pe. Cardenal não compareceu só à conferência "paralela". Ei-lo na companhia de dois guerrilheiros da Frente Sandinista de Libertação Nacional, organização que vem espalhando o terror pela Nicarágua, nos últimos anos. Usando uma boina em estilo Che Guevara, como também um dos guerrilheiros, aquele Sacerdote declara em sua conferência de imprensa no CENCOS:
"E é o desejo de cumprir cabalmente a vontade de Deus que me levou ao posto de luta no qual me encontro, militando na Frente Sandinista de Libertação Nacional" (Servicios Especiales de Prensa, Informativo no." 42).
A conferência do Sacerdote nicaraguenho — bastante aplaudida pelo auditório de "cientistas sociais" e de "teólogos da libertação" — foi seguida de uma "Missa Camponesa" e projeção de filmes "sobre a repressão e o genocídio contra o povo da Nicarágua". O ato realizou-se em solidariedade à guerrilha naquele país. A respeito, o próprio compositor da "Missa Camponesa", Carlos Mejia Godoy, afirmou: "Como disse Ernesto Cardenal, esta não é uma Missa neutra, é uma Missa contra os opressores, contra todos aqueles que impedem que se reparta a terra, os frutos, as flores, O ar, a água, os elementos da natureza" (Servicios Especiales de Prensa,. Informativo n.° 36).
A declaração, como a presença dos guerrilheiros sandinistas, insinua a disposição de empregar a violência.
Isto era tomado com naturalidade nas conferências do CENCOS. D. Leonidas Proaño, Bispo de Riobamba, Equador, por exemplo, disse respeitar aqueles que se comprometem com a libertação por meio da violência (CENCOS, Servicios Especiales de Prensa, Informativo n.° 34).
Outro Prelado conhecido por sua posição progressista, D. Ovídio Perez Morales, Bispo Auxiliar de Caracas, foi mais cuidadoso. Afirmou ele que o marxismo, apesar de sua mitificação, apresenta elementos muito valiosos que ajudam a descobrir as causas da transformação da sociedade e para detectar caminhos com vistas a uma mudança social em profundidade (CENCOS, Servicios Especiales de Prensa, Informativo n." 41).
Com elogios ao marxismo pronunciou-se também o Pe. Marciano Garcia, Pároco da igreja do Carmo, em Cuba. Segundo ele, a educação comunista dá ao homem um sentido mais cristão, e adverte que isso não se consegue no capitalismo "pelo espírito de competição que se desenvolve no povo". Afirmação esta que redunda na condenação da livre-iniciativa e na aprovação da estatização massificante. O Sacerdote acrescenta que a prática evangelizadora em Cuba se realiza em clima de liberdade sem restrições. "Em Cuba, ser comunista é ser mais cristão" (sic) - diz o Pe. Garcia ("Uno más Uno", edição de 6-2-79, apud CENCOS, Servicios Especiales de Prensa, Informativo n.° 36).
Não pretendemos cansar o leitor com várias outras declarações, análogas às que já citamos. Matéria não faltaria. Poderíamos analisar pronunciamentos feitos na conferência "paralela" de Puebla, como os de Enrique Dussel, do Franciscano brasileiro Leonardo Boff, do Franciscano colombiano Luis Patiño, secretário-geral da Confederação Latino-americana dos Religiosos, do tristemente célebre Padre belga Joseph Comblin, antigo professor do Instituto Teológico de Recife, como também do Pe. Gustavo Gutierrez Merino, do Peru, autor de uma discutida análise do Documento Preparatório de Puebla.
Qual a reação predominante dos Bispos participantes da Assembleia do CELAM, em Puebla, ante a conferência "paralela"?
A posição despreocupada de D. Antonio Afonso de Miranda, S.D.N., Bispo-Administrador Apostólico de Campanha, Minas Gerais, pareceu-nos sintomática e, por isso, a tomamos como exemplo. Após participar da reunião oficial do CELAM, ao regressar de Puebla, escreveu ele no jornal "O Lutador", de Belo Horizonte, em sua edição de 11 a 17-3-79:
"Não poucas ideias defendidas pelos "teólogos da libertação" pertencem ao terreno comum da teologia. E são exatamente as ideias defensáveis, misturadas no turbilhão das ambiguidades que tanto confundem o mundo leigo. Tais ideias, é claro, vão aparecer no Documento de Puebla. Não por mercê da influência de uma conferência "paralela", mas porque fazem parte do substrato mesmo da verdade, que tinha de aflorar na linha das reflexões comuns.
"Por isso eu creio que o Documento, que em muitos pontos suscitará ataques dos "teólogos da libertação", será também, em grande parte, motivo de vanglória para eles, que apontarão ali o triunfo de suas ideias. Não importa. Na linha pastoral desta Igreja salvadora e libertadora, que todos buscamos e queremos ser, ninguém, de fato, tem por onde se vangloriar, senão no Senhor (2 Cor. 10, 17)".
Caso essa apreciação do Administrador-Apostólico de Campanha envolva a opinião comum da Assembleia do CELAM em Puebla, percebe-se que os Bispos reunidos naquela cidade mexicana tomaram uma atitude largamente liberal. Por certo, no desejo de utilizar o que julgam aproveitável na controvertida "teologia da libertação".
Conseguirão, entretanto, impedir que o mau espírito dessa teologia — a qual eles mesmos reprovam — venha a prejudicar o trabalho de evangelização da América Latina?
Durante a "Missa Camponesa" foi entoado um "Credo" em que se apresenta Cristo "ressuscitado em cada braço que se levanta para defender o povo, em relação ao domínio explorador"...
Dois guerrilheiros sandinistas da Nicarágua participaram da conferência "paralela", ostentando um deles a boina no estilo "Che" Guevara
O Pe. Jesus Ortega (à direita), recentemente expulso pelo governo de El Salvador, participou ativamente das reuniões da conferência "paralela"
Assim como o Mediterrâneo, em certa medida, resume e aprimora as belezas e as expressões marítimas do mundo, nas costas gregas se encontram os lugares mais coloridos de todas as águas mediterrâneas. O mar secularmente se requinta entre estas ilhas e golfos multiformes, onde se veem às vezes, conforme a hora do dia, planícies de esmeralda ou de cristal, atravessadas por bandos de aves negras e prateadas.
O mar reflete a luz do céu, mas muitas vezes, com ele se combina ou até se contradiz sua cor cristalina. Se as águas são dóceis, refletem o empíreo à maneira de um espelho prodigioso que se quintessência, tornando-se ígneo, áureo ou argênteo, conforme a figura original. Mas, disputa não só com a luminosidade e o tom da abóboda celeste, como também com o ar. O ar comanda a água. Invisivelmente, a sossega, a afaga, lhe fala em voz baixa, lhe grita, a açoita, a enfurece, a põe frenética. O vento passa, e a água permanece. Porém, num movimento contínuo, lento, seguro, inabarcável, majestoso, que pode chegar a ser terrível. A Providência Divina escolheu este cenário marítimo, ao mesmo tempo magnífico e plácido, para conceder à Esquadra cristã — num sublime contraste — a vitória, mediante batalha movimentada e decisiva para a História não só da Cristandade, mas universal.
Mar que parece de ondulante azul heráldico francês, no dia em que, de um lado do horizonte, aparece a grandiosa linha da Armada da Cristandade: duzentas naves ao som de guerra e de trombetas. Naves que se apressam quando veem do outro lado do horizonte a frota enorme e obscura do inimigo de Cristo, o Crescente. Os inumeráveis estandartes católicos alegram-se e agitam-se com impaciência de combate.
Mais esplendorosa, mais profunda e mais extensa que o mar é a alma humana. É necessário contemplar as águas de especial beleza por sua excelência e sua hora. Cumpre mais, no entanto, observar a alma no ápice de seu valor guerreiro.
Dom João d'Áustria é o cabeça da Armada e um dos maiores militares de todos os tempos. Aos vinte e quatro anos de idade, em meio a tanta fogosidade e louçania, ostenta incomum maturidade.
Em seu retrato (acima, à esquerda), ostenta ele grande dignidade e senhorio de si e dos outros, educado como foi no rígido protocolo e nas longas práticas sobre precedências e alardos. Esse modo cerimonioso não impede a bravura e a gala militares, mas as ordena e enriquece. A atenção e o alerta constituem elementos de seu constante espírito de vigilância.
Encontra-se sempre preparado para as reflexões e movimentos rápidos no comando de um ataque ou numa defesa imprevista e alarmante.
Cheio de sagacidade na batalha, isso não o impede de ter uma alta e fria prudência. Sua combatividade, mesmo nas circunstâncias mais árduas, é guiada por uma razão lúcida. É um grande fogo guiado por um grande vento. Seu nariz e gestos revelam tenacidade e determinação. Mas os olhos, e sobretudo a configuração de sua cabeça, manifestam um espírito objetivo, claro e vigilante.
De armadura dourada e numa pequena embarcação, esse homem percorre as naus cristãs para infundir-lhes segurança com sua presença. Discorre sobre as finalidades e a glória da batalha que se aproxima e é aclamado com brados entusiásticos.
— "Aqui venceremos ou morreremos", exclamou ele.
Dom João d'Áustria é aquele a quem São Pio V aplicou as palavras do Evangelho de São João sobre o Batista: "Fuit homo missus a Deos, cui nomen erat Joannes" ("Houve um homem enviado por Deus, cujo nome era João").
A memorável batalha de Lepanto deu-se no apogeu político e bélico do maometanismo sob o Grão Turco, de encontro à força moral de um grande santo, sucessor de São Pedro. Conclamou ele à liça a Europa católica, e outorgou-lhes as mesmas graças que seus antecessores na Cátedra suprema prometeram aos que se cruzassem para resgatar o Santo Sepulcro. Enquanto Dom João d'Áustria foi o artífice do esplendoroso êxito de Lepanto, do ponto de vista especificamente bélico, o grande Papa São Pio V foi o artífice da vitória, no plano político e, em especial, no sobrenatural.
O Vigário de Cristo não desanimou com as enormes dificuldades que se levantaram contra sua indispensável Cruzada, embora tenha chorado a lentidão dos mais fiéis e a negativa de muitos que descendiam de zelosos e destemidos cruzados.
Ei-lo com sua fisionomia que lembra uma possante e vigilante águia, na gravura acima, à direita. A avançada velhice não lhe diminuiu a força. Fronte inteligente, face marcada pela preocupação, barba venerável. Porém, o que marca especialmente seu rosto é a visão penetrante de seus olhos grandes que parecem perfurar o inimigo. O nariz aquilino num rosto macilento acentua essa impressão.
Por fim, o Pontífice reuniu Espanha, Veneza e Gênova em uma Liga contra os turcos. De sua Fé Apostólica, exortou com palavras abrasadas a tríplice aliança com a esquadra dos Estados Pontifícios, comunicando a todos os generais e soldados seu extraordinário ânimo e coragem espiritual.
A Armada católica tinha como estandarte a Cristo Crucificado com os brasões aliados aos pés. Nela reluzia o caráter religioso. Uma Relíquia da Santa Cruz estava presente em cada nau.
Dom João d'Áustria proibiu a presença de mulheres nos barcos e decretou a pena de morte contra as blasfêmias. Alguns dias antes do magnífico embate, os oitenta e um mil soldados e marinheiros — inclusive os condenados às galeras — jejuaram durante três dias e receberam a Sagrada Comunhão.
A 7 de outubro de 1571, encontraram-se e bateram-se duas forças navais, decidindo-se a sorte da Cristandade e o curso dos séculos.
A vitória decretada pelo Céu foi esplendorosa, mas conquistada ao fio da espada e no fumo da destruição. À beleza do destemor guerreiro, no plano natural, veio juntar-se o sublime da intervenção miraculosa do âmbito sobrenatural. Brilhou o arrojo bélico nas abordagens, que se prolongavam e se repetiam ao largo do imenso campo de batalha naval.
— "Vitória! Vitória! Viva Cristo!"
O brado católico ressoava sobre as águas a partir dos mastros. A vantagem numérica e a presunção dos infiéis cedeu ao ímpeto do espírito militar católico.
Quando a batalha era mais árdua, os sequazes de Mafoma viram sobre as velas cristãs o aspecto severo e ameaçador de uma Rainha majestosa a auxiliar os cristãos!
Nesse momento, São Pio V atendia o Tesoureiro Cesi. Inopinadamente, levantou-se, abriu uma janela e entrou em estado de êxtase.
— "Nossa esquadra acaba de vencer", disse logo depois.
E, pondo fim à reunião, dirigiu-se à capela.
Desbaratada a frota inimiga, os católicos glorificaram a Virgem Santíssima. E o Pontífice instaurou a festa de Nossa Senhora do Rosário, que há quatro séculos comemora a batalha de Lepanto, e acrescentou a invocação Auxílio dos Cristãos na Ladainha Lauretana.
O glorioso Vigário de Cristo planejava ampliar a Liga, reconquistar Constantinopla e avançar rumo aos Santos Lugares.
Essa grandeza de alma não foi compreendida.
Hoje, entre os católicos, o que resta da Fé e fortaleza dos combatentes de Lepanto?
Ante a ferocidade da hidra comunista — o maior inimigo da Igreja em nossos dias — qual a atitude do Ocidente cristão? Debilidade, miopia, quando não chega à conivência declarada!
Mas, apesar da triste conjuntura em que nos encontramos, nossa confiança na Providência deve permanecer inabalável. Nossa Senhora do Rosário, a grande vencedora de Lepanto, apareceu em Fátima para anunciar a vitória definitiva de seu Imaculado Coração.
A batalha de Lepanto, segundo um afresco de Vicentino. Em primeiro plano, uma galera veneziana.