Péricles Capanema
A situação dos reféns norte-americanos no Irã e a guerra selvagem no Afeganistão absorveram, em larga medida, a atenção do público. E com razão. A heroica defesa dos afegães constitui exemplo e advertência para o Ocidente.
Exemplo porque um pequeno país, de poucos recursos, decidiu enfrentar o "Moloch" soviético, em defesa de sua honra nacional e soberania, sem deixar que a esmagadora superioridade do inimigo fosse suficiente para a desistência da luta, motivo de abatimento e razão para o abandono das armas. Não estará na raiz dessa força rude e decidida, a pouca influência que o corrupto e amolecedor modo de viver do Ocidente teve naquelas longínquas paragens? É uma questão a considerar.
Advertência por ter evidenciado a inflexibilidade do Cremlin quando decide subjugar uma nação.
O caso dos reféns continua se desenrolando sem fim, e nos faz lembrar o dito de Churchill: "Uma charada envolta num mistério, que está no centro de um enigma". Ninguém sabe quanto tempo durará a humilhação americana, o sofrimento dos prisioneiros, as torturas morais de seus familiares e a infeliz conduta da administração de Washington.
Entretanto, algo de mais importante está em curso, embora as atenções do público não estejam voltadas para o fato. O relativo equilíbrio entre os Estados Unidos e a Rússia começa a pender perigosamente para o lado soviético. E vários políticos, sismógrafos sensíveis das mudanças de situação, estão dando sinais de que, caso a rota atual dos EUA não seja rápida e definitivamente abandonada, a Rússia ganhará a parada, talvez sem disparar um tiro.
Na realidade, já há anos se agravam as perspectivas. Isto não constitui novidade. Esta reside na mudança de fase: o mal que era crônico começa a apresentar sintomas de ter entrado na fase crítica.
Dois países são mais sensíveis, pela força das circunstâncias, às oscilações das agulhas indicativas do equilíbrio mundial: Estados Unidos e Alemanha.
O primeiro pela condição de líder do mundo livre, potência com a qual a Rússia, em última instância, teria que acertar as contas.
O segundo, pela proximidade com o bloco comunista, seria o primeiro a sofrer o impacto da invasão, e seus homens e armas constituiriam a barreira de frente. Além do mais, o longo passado militar de grande potência da Alemanha credencia seu povo a sentir especialmente as influências das modificações do poderio das nações.
Habitualmente, nas últimas décadas, os sintomas de novas orientações nas relações Leste-Oeste surgiram nos Estados Unidos ou na Alemanha em boa parte por causa dessas características. Os outros países seguem ou reagem a tais orientações.
Vamos estudar um conjunto de fatos que indicam a modificação profunda por que passa atualmente a delicada trama do relacionamento mundial. Em vastos setores cristaliza-se a consciência de que a ameaça soviética é para valer, com ela não se pode brincar, e de que os russos jogarão duro e arriscado. E daí surge a pergunta angustiada: "Que atitude tomar?" No bojo da pergunta balouçam os temas da guerra e da paz, da liberdade e da escravidão, do heroísmo e da covardia submissa.
Embora seja evidente o peso de outras grandes nações na balança do mundo, vamos deixá-las de lado na análise, porque nosso objetivo não é propriamente ver como se coloca a presente conjuntura. A meta, como se desprende do que até agora foi dito, é a consideração de sintomas que indicam os primeiros passos de uma fase nova. Isto é, as relações internacionais ultrapassam a etapa crônica na qual se situavam e ingressam na crítica. Para tal, a consideração de acontecimentos nos Estados Unidos e na Alemanha nos possibilitarão ponderar a importância do fenômeno.
Inicialmente, os Estados Unidos. A distância da Rússia e o impressionante poderio de suas armas, aliados à vitalidade de sua economia, permitem um maior afastamento psicológico, e a palavra flui mais fácil, sem os temores inibitórios da proximidade e da inferioridade numérica experimentados pelos alemães.
Um dos homens ouvidos nos Estados Unidos é o Professor Eugene Rostow. Atualmente lecionando em Yale, o antigo Subsecretário de Estado para Assuntos Políticos, em conferência feita na Yale Law School of International Law, em 2 de maio p.p., foi categórico:
"Estamos assistindo e sofrendo a visível bancarrota da política exterior americana e, em consequência, estamos próximos à borda do precipício".
"A União Soviética — prosseguiu — construiu uma máquina militar que é maior e mais impressionante que a nossa. [...] A indicação de Muskie [para a Secretaria de Estado] nos diz e diz ao mundo: "Não se preocupe; como de hábito, nossa política será de conciliação. Ninguém precisa se preocupar". [...] Por que nos recusamos a ver do que é capaz a União Soviética? Por que nós recusamos a dar os passos óbvios e necessários para restaurar nossa capacidade de conduzir uma efetiva e vigorosa política exterior? As razões são complexas e não desconhecidas de todo. Há 45 anos, passamos pela mesma experiência amarga, quando os britânicos resistiram à evidência, relativa aos propósitos de Hitler, até que fosse tarde demais para fazer outra coisa senão lutar. Exatamente as mesmas palavras são ouvidas hoje sobre a União Soviética. Há no Ocidente pessoas que desculpariam a União Soviética, se ela invadisse o México. [...] Há alguns que trabalham ativamente a favor dos soviéticos [...]. Mas a maioria de nós simplesmente evita a aceitação séria do que é evidente sobre a política exterior soviética. As consequências são tão desagradáveis, que adiamos a consideração da questão, na esperança de que algo mude. Assim, não acreditamos do ponto de vista emocional naquilo que conhecemos intelectualmente. E vamos claudicando, fazendo ameaças que não podemos cumprir e recusando a empreender o necessário para restaurar nossa capacidade de sobrevivência".
Continua o Prof. Rostow dizendo que Carter concebe a política exterior como a resolução de questões regionais (Canal do Panamá, conflito árabe-israelense, etc.), esquecendo-se de que a questão magna é o caminhar contínuo dos russos em direção à consecução de um império mundial, sob sua direção. E conclui:
"Há temor, de um lado, de que o presidente Carter traga de volta a guerra fria, como se ela tivesse cessado de existir; e também de abandonar a distensão, como se ela tivesse existido realmente, e não fosse uma mera ficção da nossa imaginação. Em consequência, estamos paralisados. A menos que destruamos esta paralisia, continuaremos na passividade em face da agressão soviética. A lição da História indica que o apaziguamento é o caminho para a guerra".
Neste clima, os Estados Unidos sofrem a tentação chinesa. Para fazer frente aos russos, muitos pensam que seria preciso unir-se à China. Ora, a China tem identidade ideológica com a Rússia e a qualquer momento pode virar a casaca. Mas isto é outra questão. Deixemo-la de lado neste artigo.
O discurso de Rostow é bem significativo para indicar o sobressalto que percorre o país, vendo a incompetência e tergiversação da administração federal diante da determinação estável e fria dos soviéticos de caminhar rápida e, quanto possível, desembaraçadamente rumo ao domínio do mundo. Nada mostra que o abatimento seja a tônica do público. A própria força da candidatura Reagan indica o contrário. Foi o candidato de programa mais conservador entre a quase dezena dos que se apresentaram e vai à frente nas pesquisas de opinião pública.
Não parece ser este o clima reinante na Alemanha. Há notícias preocupantes de que o público deseja distanciar-se em algo da aliança americana. Na presente conjuntura, tal afastamento equivale a entrar no caminho da finlandização.
Em parte, entendem-se os motivos. A insegurança e a mão bamba do governo de Washington desgastam em profundidade a psicologia de um povo tradicionalmente amigo das atitudes vigorosas, da clareza de metas e da energia em executá-las. Compreende-se o mal-estar em vista do aliado indeciso e confuso. Não se justifica, entretanto, a mudança. Era preciso passar por cima destas deficiências para preservar o essencial, ou seja, os laços estáveis e fortes da aliança.
De outro lado, há um fator pouco considerado. O SPD (Partido Social Democrata) nasceu marxista e não renegou sua doutrina. Apenas em 1956, no famoso congresso de Godesberg, foi abandonada a obrigatoriedade de ser marxista para participar do partido. Mas muitos continuam sendo. E grande parte de seus dirigentes ainda o é. Na cúpula estão homens como o sinistro Egon Bahr e o perigoso Wehner. Os sonhos do SPD para a ordem social futura estão muito mais próximos daquilo desejado pelo PC russo do que dos ideais da república norte-americana. Que seriedade se pode esperar de homens deste naipe na reação contra o imperialismo russo? Bonn e Washington estão ligadas atualmente pela conjunção de interesses próximos, não por afinidade ideológica.
Passemos agora a considerar declarações de dirigentes teutos. Diante do sobrolho carregado dos russos e do brandir de suas armas de destruição, dobraram-se os políticos alemães da coligação governamental. Willy Brandt, ex-chanceler federal e atual presidente do SPD, declarou:
"A Europa se tornou a zona central da estabilidade e da segurança no mundo e esta estabilidade não pode ser mantida sem a União Soviética — e muito menos contra ela. A experiência europeia de renúncia às armas e de política de distensão, pode ser útil para manter a paz no mundo.[...] Os Estados Unidos ainda são o aliado natural da Europa Ocidental".
Interpretando o tom cuidadoso (nem tanto) da declaração, Brandt propõe em primeiro lugar uma Europa desmilitarizada, onde os encargos de defesa seriam dos Estados Unidos, situados do outro lado do Atlântico. Em segundo, a continuação das relações amistosas e do intenso comércio com a Rússia. Finalmente, reconhece que os Estados Unidos ainda (!) são o aliado natural da Europa. Se a tendência não é detida a médio prazo, para não ser pessimista, teremos a neutralização do continente sob a égide de Moscou. De fato, o provável é o escorregão no tobogã em cuja parte superior está a neutralização, sob o olhar americano; a parte central é a finlandização, etapa anterior da satelização completa. O sonho de De Gaulle — a Europa unida do Atlântico aos Urais — ter-se-á realizado, mas com uma diferença: sob o domínio tirânico da Rússia.
O ministro das Relações Exteriores da Alemanha Federal, Hans Dietrich Genscher, considerado o porta-voz mais pró-ocidental do governo, presidente do pequeno Partido Liberal, secundou em outro tom as declarações de Brandt. Falando à sua agremiação reunida, evitou externar solidariedade aos Estados Unidos e afirmou: "Muitas pessoas entre nós têm a fatal tendência de ser incapazes de se colocar no lugar de outrem. A União Soviética também tem legítimos interesses de segurança"...
A curto prazo, pelo menos parte do "establishment" governamental alemão "embarcou" na tentativa do que se convencionou chamar "détente divisível".
Para a Europa, atemorizada e inapetente de fazer sacrifícios para a montagem de um sistema de defesa eficaz, propõe-se a continuação da distensão com os russos. O comércio segue adiante.
Para os Estados Unidos traumatizados, a volta ao clima da guerra fria e o aumento dos encargos de defesa. Caso tal suceda, estará aberto um fosso irremediável entre os Estados Unidos e a Europa. Da parte do Velho Mundo dificilmente se concebe atitude mais cínica e covarde. É o abandono da união antiga em busca de vantagens transitórias. Os países da Europa Ocidental ter-se-ão com isto colocado no plano inclinado da sujeição total a Moscou.
Em ano eleitoral, preocupam as declarações derrotistas de figuras do governo. Indicam elas não temer resposta adversa das urnas. Resta-nos esperar que mude o presumível estado de espírito da opinião alemã.
Para nós, brasileiros, que nos sentimos tão distantes das zonas sensíveis, não é fácil imaginar a angústia do povo alemão, em vista da mudança do clima internacional. Tem ao lado um inimigo implacável e armado até os dentes, e vê a indecisão e a imaturidade de seus amigos de além-mar. Em direção à Alemanha Ocidental, caminha outra vez a História, tendo em cada mão uma oferta. Na direita estão exemplos como o dos espanhóis frente às tropas de Napoleão, na esquerda o da Roma decadente diante dos bárbaros.
O dilema — que é candente nos espíritos lúcidos dos Estados Unidos e lancinante na Alemanha — irá, com brutal evidência, em ondas sucessivas, se colocar diante do olhar dos outros povos. Os anos de imprevisão e desídia, simbolizados pelo sorriso ingênuo da détente, renderam juros. A conta está para ser apresentada.
Embora pró-ocidental, o líder liberal Hans Dietrich Genscher (à esquerda), ministro das Relações Exteriores da Alemanha Federal, admite "legítimos interesses de segurança" da Rússia. À direita, o chefe da ala esquerdista do SPD alemão, Herbert Wehner.
A sofisticada tecnologia bélica alemã-ocidental de nada valerá se á cúpula do governo de Bonn se deixar levar pelas falaciosas manobras diplomáticas de Moscou
Gregório Lopes
Até algum tempo atrás, uma das virtudes mais prezadas e mais admiradas era a pureza e o recato femininos. E mesmo quando, nessa época, o rapaz já era empurrado pelos costumes sociais neopagãos — e às vezes até pela família — a uma vida lasciva e frontalmente contrária à moral católica, a jovem, pelo contrário, era ainda considerada, no lar, como flor da qual exalava o suave perfume da pureza.
Por isso, sua virtude era protegida pelo pai, pelos irmãos, pela própria sociedade, com todo carinho e com todo rigor. Sobretudo a Igreja, como era natural, empenhava-se com grande zelo em proporcionar à jovem a explicação religiosa para a sustentação de sua pureza. E também em oferecer-lhe os Sacramentos como meios sobrenaturalmente eficazes para preservação e aumento dessa virtude, e em pôr diante de seus olhos o exemplo ilibado que devia imitar: Nossa Senhora.
Não podemos aprovar, evidentemente, essa contradição entre o comportamento que se exigia da moça e a tolerância admitida para o rapaz. Quanto a ele, era comum fecharem-se os olhos a grossas concessões à impureza, enquanto da jovem se exigia uma virtude ilibada. Mas o que sobretudo não podemos aprovar é que essa contradição se tenha eliminado em favor da concupiscência e não da virtude da castidade.
Em face dessa mentalidade, compreende-se não ser possível que Nossa Senhora, cuja castidade os próprios Anjos admiram, e a quem os santos todos, sem exceção, cantam como o lírio da pureza, fosse tolerada. Foi sob sua inspiração que numerosas virgens tornaram-se mártires para não perder seu estado ilibado: Santa Cecília, Santa Inês e Santa Maria Goretti, para citar algumas.
Se, no mundo de hoje, para justificar a imoralidade, ou, pior ainda, a amoralidade, criaram-se, sob o signo da ciência, teorias ímpias como freudismo, era previsível que se procurasse demolir a figura sacrossanta da Virgem Fiel.
Mas, para efetuar tal demolição, não serviriam quaisquer mãos. Nossa Senhora é sublime demais, sagrada demais. Para esse trabalho desagregador eram necessárias mãos que não levantassem suspeitas.
Já analisamos em dois números anteriores de "Catolicismo" (n.°s 346 e 351) as obras do Sacerdote espanhol, Pe. José Luis Cortés. Especialmente no livro "Un Señor como Dios manda" investe ele de modo blasfemo contra tudo o que é sagrado e em especial contra Jesus Cristo e sua Mãe Santíssima. O referido autor espanhol, devidamente acobertado pelas Autoridades Eclesiásticas de seu país — às quais incumbiria tomar medidas enérgicas a respeito do assunto —, atreve-se a apresentar Nossa Senhora como uma jovem leviana, e o Redentor da humanidade em companhia de homossexuais, drogados e mulheres públicas.
Agora, chega-nos às mãos, embora com atraso, um livreto de 73 páginas, editado no Brasil, intitulado "Mês de Maria". O livro se apresenta como patrocinado pela CNBB-Regional Nordeste II (Dioceses de Garanhuns e Caruaru — PE). Como coordenador e supervisor consta o Rev. Pe. René Guerre. Logo na primeira página, traz em fac-símile, uma carta de aprovação da Autoridade Eclesiástica, onde se diz: "Este livro sobre o Mês de Maria vai fazer muito bem [...] vai ajudar nossa gente a ver Nossa Senhora do jeito que Ela gosta de ser vista".
E para deixar bem claro qual é esse "jeito", a carta diz que o livro deverá agradar os protestantes: "Os evangélicos lerão com agrado" pois "apresenta Maria em sua exata medida e em seu verdadeiro papel". Tais palavras parecem indicar que o culto católico a Nossa Senhora não agradava aos protestantes porque passava da medida, extrapolando a Virgem Santíssima de "seu verdadeiro papel". Em última análise, tais expressões insinuam que os protestantes ao atacar o culto prestado a Nossa Senhora tinham razão. E não os católicos que apresentavam a Maria condignas homenagens.
Mas passemos a analisar o conteúdo do livreto. Diz ele de Nossa Senhora:
"Quando voltou de Nazaré, já dava prá todo o mundo notar a gravidez. José notou. A família notou. Todos sabiam que José não tinha ainda levado Maria para morar com ele. Não era ele o pai da criança que ia nascer. De quem seria o filho? Será que na viagem à casa da prima algum homem abusou dela? Parecia que Maria ia ser mãe solteira" (p. 22).
O linguajar com que aqui se apresenta a figura sagrada da Virgem das virgens — segundo a invocação da ladainha lauretana — é desrespeitoso, indigno, blasfemo mesmo. E a perplexidade de São José, de que nos fala o Evangelho, toda cheia de respeito para com a Virgem Santíssima, por perceber que havia no fato algo de superior à sua compreensão, no livro que analisamos é apresentada como uma atitude de suspeita.
Com que finalidade é exposta assim a posição de São José em face de Nossa Senhora? Segundo tudo indica, é para justificar os costumes neopagãos de nossos dias. Com efeito, no questionário do fim do capítulo, sagazmente intitulado "Perguntas para caminhar com Maria", interroga-se:
"José sofreu com a gravidez da noiva mas a respeitou. Qual a atitude da gente quando uma moça do lugar pega um filho antes de casar? (p. 23).
A impostação da pergunta é tal, que abre campo para uma atitude de conivência para com mulheres levianas, com mães solteiras. Nenhuma censura ao pecado de impureza, à imoralidade. Ao menos nas entrelinhas, tudo é justificado. E Nossa Senhora figura no opúsculo como se fosse um exemplo desse tipo de mulheres!
Adiante, o livreto diz que Maria ficava remoendo as coisas que aconteciam com ela, entre as quais "o vexame de aparecer grávida antes de casar com José" (p. 36).
A expressão "remoer" tem a conotação de um pensar obsessivo, fruto em geral de uma consciência pesada. É uma interpretação absurda do que narra o Evangelho: Nossa Senhora "meditava" todas as coisas em seu coração. Além do que, falar em "vexame" é colocar o assunto numa clave indigna que está nos antípodas dos verdadeiros e superiores sentimentos da Mãe de Deus.
Uma segunda pergunta, no contexto do livreto, insinua que os pais devem ser condescendentes para com as filhas quando estas se tornam grávidas fora do matrimônio. Ei-la: "Qual devia ser a atitude dos pais quando uma filha engravida?"
Note-se que o livro foi escrito para orientar pequenos núcleos a "conversar, trocar ideias, responder as perguntas". Nesses grupos não faltará algum líder previamente escolado, que saberá como encaminhar as respostas...
O opúsculo esforça-se extraordinariamente para apresentar o Menino Jesus, Nossa Senhora e São José como pessoas comuns. Assim, a divindade de Nosso Senhor, polo e centro da Sagrada Família, é, quanto possível, colocada na sombra.
Nossa Senhora, a quem a Santa Igreja honra com o título excelso de "Sede da Sabedoria", cujo conhecimento dos segredos divinos excede em muito o dos próprios Anjos, figura no livreto como uma ignorante. Após a Anunciação do Anjo sobre a concepção virginal diz a obra que "Maria não entendeu bem o recado de Deus" (p. 17). Como se a aceitação dEla, o sublime Fiat do qual dependeu a Redenção dos homens, tivesse sido pronunciado irrefletidamente, não sabendo bem a Mãe de Deus do que se tratava. E, portanto, também, sem ter claro que sua virgindade seria inteira e miraculosamente preservada.
Também é narrada, em resumo, a história do povo de Israel. Em lugar, porém, de salientar, como o faz a Sagrada Escritura, que a felicidade do povo lhe vinha da obediência às prescrições de Deus, e sua desgraça do abandono dessas prescrições, o livreto força o sentido da Bíblia de modo grosseiro. Com que objetivo? Para apresentar a história como uma luta de opressores e oprimidos, no sentido endossado pela esquerda católica e pelo comunismo em geral.
"... o povo israelita tornou-se pouco a pouco um povo cativo. Cativo de um povo rico e poderoso. Mas Deus ouviu os gemidos de seu povo e enviou Moisés para ajudar na libertação. Com muita luta e organização, Moisés e o povo conseguiram arrancar do rei a ordem de saírem do país (p. 8).
Também a conclusão é falsa. A saída do Egito não se deveu a "muita luta e organização" do povo, mas sim aos extraordinários milagres que Deus operou, conhecidos como as dez pragas que assolaram aquele país, forçando o faraó a permitir a saída dos israelitas.
Prossegue o texto:
"Mas os grandes sempre arranjam um jeito de botar a mão em cima dos pequenos, dos fracos. E foi o que aconteceu: o povo de Israel ficou novamente cativo e foi desterrado para uma região chamada Babilônia" (p. 8).
Ora, o cativeiro da Babilônia foi claramente um castigo divino, em virtude da infidelidade do povo, de seus reis e de seus sacerdotes, os quais foram abandonados por Deus nas mãos de seus inimigos. O livreto não diz uma palavra sobre essa causa primordial do cativeiro. Tudo é deturpado no sentido de favorecer a interpretação, baseada na luta de classes.
Mas o mais significativo do livro encontra-se nos questionários. Neles julgam os autores da obra não se comprometer — pois trata-se de perguntas — abrindo-se, porém, campo para aplicações à realidade brasileira. Eis algumas perguntas:
"1. O povo brasileiro já passou por algum cativeiro?
2. Nosso povo agora está precisando se libertar de alguma coisa?
3. Será que Deus chama a nós para a organização da nação? Por onde começar?" (p. 8).
Respostas habilmente sugeridas a essas perguntas nas comunidades de base ou em reuniões ad hoc preparadas, podem modificar mentalidades desprevenidas no sentido da revolução social, iniciando nas almas um processo, semelhante ao denunciado pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em sua famosa obra "Baldeação Ideológica Inadvertida e Diálogo".
Também o ódio contra os ricos é cuidadosamente instilado pelo livreto. Assim, observa-se que no tempo de Jesus "os ricos, os donos das terras moravam nas cidades e combinavam com os invasores. Por isso passavam bem. O povo pobre vivia da lavoura, mas a terra não era deles" (p. 9).
Então, segundo tal concepção, os ricos eram traidores, coniventes com os invasores (os romanos), enquanto os pobres trabalhavam, mas não tinham terras. Insinuação clara de que a terra deve ser necessariamente do camponês que a trabalha. Princípio, aliás, de inspiração marxista e contrário à doutrina católica, conforme largamente explica e fundamenta o conhecido e conceituado livro "Reforma Agrária — Questão de Consciência" (Editora Vera Cruz, São Paulo, 4.a edição, 1964).
Mas ainda há mais:
"Quem são os ricos da terra de Maria? São os do governo: o rei com sua corte, os governadores e seus secretários, os sacerdotes, os donos do comércio e das terras" (p. 11).
Parece ser esse trecho uma alusão à nossa época, pois a esquerda católica costuma aplicar a todo propósito o mesmo palavrório para caracterizar a situação atual. Mas, prevendo que talvez alguém possa não entender onde querem chegar, os autores do livreto formulam a pergunta:
"Será que também em nossa terra os ricos são poucos e os pobres são muitos? Qual o motivo?"
É incrível que num livreto, aparentemente destinado a "ajudar" os fiéis a seguirem o mês de Maria, se defendam tais ideias. Que o santíssimo nome de Maria seja usado para acobertar tais absurdos e torná-los aceitáveis pelos católicos é verdadeiramente blasfemo.
Para finalizar, peçamos à Virgem Fiel que imunize com sua ação protetora e suas graças todos aqueles que tomarem conhecimento deste opúsculo. Não permita a Sede da Sabedoria que o veneno destilado ao longo das 73 páginas do opúsculo contamine a fé e outras virtudes arraigadas na alma generosa dos nordestinos.
Vamos conhecer Maria já moça feita, com 14 anos morando em Nazaré.
Nazaré é um lugar atrasado, mal afamado.
A casa de Maria é uma gruta, aumentada com outro vão feito de pedra e barro. Dentro de casa não há móveis. Só as jarras para água e as esteiras para dormir.
A moça mora ali com seus pais.
Maria sai de pés descalços com um pote para a fonte, atrás de água. Sentada no chão ela moi o trigo para fazer o de comer.
Maria é uma das moças pobres da cidade de Nazaré.
PERGUNTAS PARA CAMINHAR COM MARIA
1. Em que se parece a vida das moças de nosso lugar com a vida de Maria?
2. Deus sempre escolhe os pobres. Aqui em nosso lugar quais são os que Deus escolhe para fazer seus trabalhos?
Uma página do livreto "Mês de Maria": no texto e nas figuras, a vulgaridade e a dessacralização, tocando na blasfêmia
PERGUNTA PARA CAMINHAR COM MARIA
1. Quais os maiores sofrimentos do povo de nosso lugar?
Desenhos grotescos no livreto progressista procuram atiçar no povo sentimentos de revolta.