J. Narciso Barbosa Soares
Em Liébana ergue-se um dos mais antigos mosteiros da ordem beneditina na Espanha.
Situado na região norte do país, em meio às montanhas com picos que permanecem nevados a maior parte do ano, e em cujos vales as quedas d'água fazem ecoar nos rochedos e nas grutas o seu canto milenar, esse mosteiro está hoje sob os cuidados dos frades franciscanos. E abriga uma das mais valiosas relíquias que um católico pode venerar: considerável fragmento da Santa Cruz.
Quantas reflexões essa relíquia nos traz!
Na Cruz, tendo junto de Si a Santíssima Virgem e São João Evangelista, o Filho de Deus consumou a Redenção do gênero humano.
Em seu livro "Liébana, relíquia y paraíso", Frei Pedro de Anasagasti, O.F.M., história como chegou à Espanha o fragmento do Santo Lenho. Tudo remonta ao século VIII, quando partiu para Jerusalém São Toríbio de Astorga. Tendo se fixado durante algum tempo nessa cidade, recebeu o santo do Patriarca de Jerusalém diversas relíquias de imenso valor, entre as quais o braço esquerdo da própria Cruz do Redentor. Conduziu-as à Espanha, sendo já referidas em diversos documentos entre os anos 739 e 757.
No século X, quando a investida muçulmana tornava-se mais violenta na península ibérica, ficaram famosos, na região de Almanzor, os ataques movidos pelo caudilho Ibu-Khaldun, que proclamava seu objetivo de aniquilar completamente a civilização cristã. Não poupava nem vilas nem aldeias, nem castelos nem conventos.
O terror que inspirava a ameaça de uma destruição de tal porte explica o empenho com que muitas relíquias foram transladadas para zonas mais seguras. Liébana, situada a 800 metros de altitude, e rodeada de picos que alcançam 2.000 metros, oferecia a vantagem de ser realmente um lugar seguro contra os ataques árabes. E para lá foram transportados o corpo do santo Prelado Toríbio de Astorga e também a relíquia do Santo Lenho, ao que tudo indica, na segunda metade do século X.
O inventário de um Abade que deixou o cargo em 1316, Dom Toríbio, relaciona todas as preciosidades do Mosteiro de Liébana, concedendo realce especial à "Cruz de Prata com o Santo Lenho". De fato, o pedaço correspondente ao braço esquerdo do Madeiro no qual morreu Nosso Senhor — e que veio à Espanha — os monges, muito judiciosa mente, o subdividiram de modo a poder fazer uma cruz de tamanho menor. Esta mede aproximadamente 63 por 40 centímetros, e se encontra até hoje exposta ao culto dos fiéis, protegida por moldura de prata na qual se prendem lâminas de cristal, para que o Madeiro fique bem protegido.
Durante a Semana Santa, o Santo Lenho é exposto à veneração do público, que, numa das cerimônias, entra processionalmente por uma das portas do templo, aberta apenas nesse dia. Chama-se "Porta do Perdão".
Era fim do outono, quando no ano passado cheguei pela primeira vez a Liébana. Tudo ali favorece o recolhimento. Ao redor do mosteiro existe apenas arvoredo e encostas de montanhas que os antigos navegadores denominavam "os picos da Europa", pois eram os primeiros sinais do continente europeu vislumbrados por quem navegava, procedente das Ilhas Britânicas.
Para se formar uma ideia do panorama de Liébana, é necessário que levemos em conta sua exuberante vegetação em meio a um relevo extremamente acidentado, cheio de escarpas, rochedos e desfiladeiros. Aliás, durante a viagem que fiz em companhia de jovens cooperadores da TFP francesa, ao passarmos por um desses desfiladeiros ficamos impressionados com a imensidão dos blocos de granito, os quais apenas no alto permitiam que pudéssemos contemplar o céu. Este, na ocasião, apresentava-se nublado, enquanto embaixo, ao lado da estrada, as águas corriam céleres pelas pedras.
À aproximação do histórico mosteiro o visitante recorda naturalmente o tempo em que por ali passaram numerosos monges beneditinos, muitos dos quais foram elevados pela Igreja à honra dos altares. Um deles é São Beato de Liébana (século VIII). Seu nome ficou particularmente famoso em virtude de sua luta contra a heresia adocionista do Arcebispo de Toledo, Elipando, que afirmava que Nosso Senhor Jesus Cristo, como homem, não era verdadeiro Filho de Deus, mas apenas filho adotivo do Pai.
São Beato e seu companheiro Etério escreveram carta a Elipando, increpando sua heresia e demonstrando as teses que defendiam através de um conhecido estudo da Sagrada Escritura.
É ele também autor do "Comentário do Apocalipse", obra valiosa por constituir uma seleta antologia de textos dos Padres da Igreja e escritores posteriores, cujas obras desapareceram. Esse volume, ilustrado com iluminuras, encontra-se atualmente na Catedral de Lérida, e constitui um valioso testemunho das explicitações conhecidas em Liébana a propósito das famosas revelações feitas a São João na ilha de Patmos e contidas no livro do Apocalipse.
Como Santiago de Compostela, o Mosteiro de Liébana transformou-se também num foco de intensa devoção e romarias, tão presentes no estilo de vida medieval. Naquela época, o homem era movido pelo desejo ardente de visitar e contemplar os lugares intimamente relacionados com a História da Igreja para suplicar e agradecer os favores celestes, e ao mesmo tempo enrijecer a alma e o corpo, enfrentando as adversidades das longas caminhadas.
Não muito distante de Liébana há outro local de peregrinação: a Gruta de Covadonga, onde no século VIII, D. Pelayo reuniu seus homens sob a proteção da Virgem, dando início à épica luta pela Reconquista dos territórios dominados pelos invasores muçulmanos.
O Mosteiro de Liébana encontra-se hoje em dia bem conservado, embora não apresente mais o antigo esplendor da vida monástica beneditina. As paredes do edifício há muito não são mais testemunhas do Ordo observado pelos seguidores do Patriarca dos monges do Ocidente.
Ao chegarmos, visitamos a capela principal. Entretanto, o Santo Lenho não se encontrava no artístico oratório de uma das capelas laterais, pois em razão do inverno que se aproximava, diminuíram as visitas dos fiéis. Em vista disso, nessa época a relíquia é levada para a capela particular dos frades franciscanos que, conforme dissemos, habitam atualmente o mosteiro.
Ali rezamos demoradamente o Rosário, oferecendo nossas orações pelas intenções mais prementes da Santa Igreja, nos dias de crise em que vivemos.
Ao deixar o magnífico ambiente de Liébana, uma pergunta me veio à mente: por que o Santo Lenho ali venerado é praticamente ignorado pelas multidões que, especialmente nos períodos de férias, transitam pelas autoestradas europeias? Por certo, a razão preponderante é que o homem moderno, voltado, de modo particular, para o gozo da vida, não sente propensão para contemplar o Mistério da Cruz, à luz do qual se pode compreender plenamente o papel do sofrimento na vida humana.
Para grande parte de nossos contemporâneos, dominados pela sensualidade e pelo neo-paganismo, se aplicaria com propriedade o conselho escrito em verso por Camões, referindo-se ao Mistério do Calvário:
"Tu que consolo buscas com cuidado,
neste mar do mundo tempestuoso,
não esperes encontrar nenhum repouso,
senão em Cristo Jesus Crucificado".
A relíquia do Santo Lenho conservada no Mosteiro de São Toríbio, em Liébana, é dos maiores existentes no mundo: 63 por 40 cm.
Junto aos Picos da Europa, na Província de Santander, ao norte da Espanha, localiza-se o santuário que abriga o Santo Lenho.
Frei Celestino Bugli, Salvador (BA): "Sempre apreciei CATOLICISMO, e no último número que recebi gostei imensamente da Pastoral de D. Antonio sobre a confissão comunitária. D. Antonio foi quem melhor interpretou o pensamento da Santa Sé".
D. Maria do Carmo Montenegro, Recife (PE): "CATOLICISMO merece todo o respeito e apoio dos católicos pela importância com que são abordados os assuntos combatendo intrepidamente erros e heresias e, principalmente, a infiltração comunista na Igreja Católica. Vale ressaltar ainda temas apresentados sobre fatos da vida de Maria Santíssima e suas aparições miraculosas".
D. Zuleika da Veiga Oliveira, Ouro Preto (MG): "O jornal é sempre muito bom. Seus artigos sempre atuais e profundos. Sua insistência sobre a devoção a Nossa Senhora deveria servir de modelo a muitos jornais "católicos" que dEla se esquecem. Apenas poderia ser menos "elitista", mais simples e acessível a leitores de menos cultura".
Sr. Alfredo Pequeno de Arraes Alencar, Rio de Janeiro (RJ): "Sempre muito bom, o CATOLICISMO. Todavia, poderia ter mais noticiário sobre atividades, tanto dos verdadeiros Padres, quanto dos falsos, os "progressistas".
Sr. José Joelson Henriques de Souza, Três Rios (RJ): "Rico em informações dentro de sua linha ideológica segura e coerente, e sobretudo, é um jornal católico que lembra a firmeza da Fé católica tradicional tão deformada nos tempos atuais pelo progressismo".
Sr. Ernani Froehner, São Bento do Sul (SC): "Aprecio em CATOLICISMO [...] a franqueza com que são abordados os problemas que afligem nossa Pátria querida, consequência da incessante ação comunista. Sugestões teria eu a fazer no sentido de que fosse atacado, com a mesma franqueza, o problema da imoralidade que pregam os filmes e as revistas, o que, no fundo, é consequência da mesma doutrina, nefasta e maldita".
Sr. Getúlio Cúrcio, Bom Jesus do Itabapoana (RJ): "[...] fabuloso mensário, que leio integralmente e que me faz um grande bem, por sua doutrina ortodoxa e segura, qual barco de salvação para nós, os náufragos modernos".
Sr. Felice Casagrande, Ouro (SC): "Vigoroso e objetivo no combate a ideias deletérias, dissolução dos costumes cristãos e desintegração da família. É um grito de alerta muito oportuno para os nossos dias assaz conturbados".
A conhecida revista "Der Spiegel", semanário de grande repercussão da Alemanha, publicou em 19 de junho de 1978 amplo artigo sobre a tendência individualista naquele país. Dessa reportagem tomamos duas ilustrações que passamos a analisar, focalizando especialmente a tradição, a família e a propriedade como fontes de alegria de viver.
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A primeira ilustração reproduz um quadro do pintor alemão Friedrich Georg Waldmüller (1793-1865): "O aniversário do vovô". Trata-se, obviamente, de uma família de camponeses, na qual a pobreza ressalta por muitos lados. Tudo gira em torno do avô. Os que já se encontram dentro de casa e os que vão chegando o cobrem de afeto e consideração. Entre todos há profunda harmonia, que provém do fato de buscarem seu principal entretenimento no trato e conhecimento recíprocos. Numa família numerosa, o círculo do afeto é ainda maior, oferecendo uma agradável variedade de relações. Ademais, os sentimentos encontram um ponto de unidade: a casa do avô. Os afetos se ligam aos lugares e estes protegem aqueles. E a alegria das almas unidas por laços de parentesco e pelas mútuas recordações e comum responsabilidade no labor em sua propriedade rural, talvez pequena, mas antiga e rica quanto às reminiscências e à história da família.
O avô é a chave de cúpula desse caloroso relacionamento. Com quanta simpatia o olham as crianças! Mesmo o bebê no colo da mãe parece admirar o ancião. Dir-se-ia que até o cachorro da casa parece sorrir...
Em meio a sua pobreza material, o ancião ocupa uma poltrona proeminente e usa um chapéu bem apropriado para exprimir sua rústica e circunscrita autoridade. Mas, com que domínio de si, com que segurança de seu pátrio poder está sentado!
Note-se, sobretudo, como ele fita o menino, provavelmente seu neto e talvez herdeiro do sangue modesto e leal que lhe corre nas veias: com ternura e esperança, assim com um certo ar de sábia perspicácia de quem acumulou uma larga experiência da vida, que lhe permite conjeturar sobre o futuro sem ilusões...
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A segunda ilustração mostra uma cena comum de um apartamento moderno. Trata-se de uma família "nuclear", na linguagem de "Der Spiegel". Ou seja, reduzida quase ao mínimo: o casal e dois a três filhos... Não se pode afirmar que seja pobre, pois dispõe de certo conforto dentro do espaço reduzido de um apartamento que não é de grandes proporções. Nota-se ainda uma certa placidez e harmonia entre os elementos que compõem a família, mas a influência e autoridade do chefe já não são as mesmas do avô do quadro anterior. Talvez não seja o pai quem decida qual o programa de televisão a ser visto... O vídeo, aliás, já monopoliza as mentes, ocupando o centro das atenções. Embora esta família possa eventualmente possuir mais dinheiro que a anterior, o senso da propriedade é menor, porque as relações afetivas que ligam as pessoas entre si e estas aos bens da casa, são menos pronunciadas. Da vivacidade e alegria do quadro de Waldmüller, de 1850, passamos a uma certa modorra a caminho do tédio, nesta foto de 1978.
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Relacionemos com as duas ilustrações anteriores a terceira, publicada também pela revista "Der Spiegel" (12/ 2/ 79) em outra reportagem, na qual aparecem jovens coetâneos que constituem uma "comuna rural". Na Alemanha atual, atribui-se a origem de tais comunidades à fuga das cidades. Elas teriam surgido como "alternativa" para a grande família, que já não encontra seu lugar na sociedade hodierna.
No entanto, as relações humanas, em tais comunas, nada têm de parecido com as de uma família bem constituída do século passado. Em comunas como a da terceira foto, seus componentes teriam em vista a busca de um estilo de vida "livre". Trabalha-se em sistema de rodízio, ou quando se tem vontade... Não há propriamente chefe, nem casamento. As crianças, frutos de uniões promíscuas, são educadas — se se pode empregar tal verbo no caso — em comum. Desaparecem, pois, os laços familiares fundamentais, para dar lugar a relações que poderíamos qualificar de tribais.
A revista "Der Spiegel" não esclarece se a comuna aqui fotografada é desse gênero. Em todo caso, a atitude desse grupo de jovens com aparência "hippie" poderia representar adequadamente o estilo de vida das comunas mais avançadas.
Frutos amargos, talvez, da sociedade contemporânea, tais jovens lançaram-se na aventura — destituída de riscos e heroísmo — de um relacionamento frio, sem alma, sem tradição, no qual cada um está, na realidade mais profunda, voltado para seu próprio egoísmo. A divisão pacífica de tarefas, bens e prazeres não é senão um jogo de conivências. No centro da cena já não está um determinado personagem como no quadro de Waldmüller, mas o cão, a cabra... qualquer coisa!
Como esse último ambiente é diferente da louçania, da vivacidade alegre e serena manifestadas pela família de 1850! A descristianização da sociedade foi certamente o fator primordial desse processo que conduziu à insipidez os lares modernos. E deles fogem, enfarados, seres humanos sem rumo nem esperança, cujo tédio conduz facilmente ao caos mental ou à alucinação das drogas.
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A autêntica alegria possível neste mundo não é a oferecida pelo conforto, nem pela mera técnica, menos ainda pela dissolução dos costumes puros e sadios. Pelo contrário, é no trabalho honrado, em meio à segurança e ao calor humano — temperados pelo entretenimento equilibrado —, que o homem logra atingir nesta terra o maior grau de felicidade relativa. Tais valores só podem brotar da tradição, da família e da propriedade, conforme as concebe a doutrina tradicional da Igreja Católica. Por meio dessas três instituições, o homem sabe quem é, a que e o que respeitar, como e por que viver.
A alegria de viver catolicamente concebida harmoniza-se perfeitamente com a vida sobrenatural. Aprendendo a conhecer, amar, respeitar e servir nesta terra, preparamo-nos para o Céu, dada a solidariedade global estabelecida por Deus na ordem da criação e da salvação. Pois a Sabedoria "toca de uma extremidade à outra com fortaleza, e dispõe todas as coisas com suavidade" (Sab. 8, 1).