P.02-03

PARÓDIA BLASFEMA DA VIA-SACRA

Gregório Lopes

AVE MARIA, cheia de graça, o Senhor é conVosco..." — A Ave-Maria, oração mariana por excelência, é cheia de suavidade e ao mesmo tempo de elevação. Outrora, alegres, as crianças começavam a balbuciá-la, imitando a voz amorosa de sua mãe, tão logo seus lábios infantis algo conseguiam articular. Era também a oração dos momentos de aflição e angústia do adolescente ou do adulto ao enfrentar os problemas da vida, e a esperança de vitória do lutador cristão no campo de batalha. E na idade avançada, quando as cãs se fazem respeitar por sua proximidade com a eternidade, era ainda a Ave-Maria que sem cessar se fazia ouvir. A Ave-Maria, homenageando a Medianeira de todas as graças, é como um canal que conduz até Deus.

Assim era compreendida, amada e profundamente sentida essa belíssima saudação dirigida à Santíssima Virgem pelo Anjo da Anunciação, por Santa Isabel e pela Igreja. Tão autenticamente católica é ela, que não a puderam suportar os mesmos hereges que até do Padre-Nosso se apossaram.

Tomar a Ave-Maria, desfigurá-la para a transformar num instrumento da luta de classes, estava reservado para nossos dias. Dias de calamidade e miséria moral, em que todas as abominações parecem encontrar com naturalidade seu habitat normal.

Paródia blasfema

Eis a paródia que da Ave-Maria foi feita, em que a elevada doçura é substituída por uma agressividade quase chula, e a união que caracteriza os filhos da Virgem cede lugar a uma pretensa luta pela justiça, que mais se assemelha à luta de classes:

"Ave Maria

grávida das aspirações de nossos pobres.

O Senhor é convosco,

Bendita sois vós entre os oprimidos,

Benditos são os frutos de libertação do vosso ventre.

Santa Maria,

Mãe Latino-Americana,

Rogai por nós, para que confiemos no Espírito de Deus.

Agora que o nosso povo assume

a luta pela justiça

E na hora de realizá-la em liberdade,

Para um tempo de paz. Amém".

Quem compôs tal paródia? Um, religioso, Frei Betto. O mesmo envolvido no caso Marighela e nas greves do ABC (cfr. "Catolicismo" n.°s 355-356, julho-agosto de 1980). E a blasfema oração é transcrita e difundida na p. 41 do livreto "Via-Sacra do Migrante e Círculos Bíblicos", impresso "com aprovação eclesiástica" pela conhecida editora, que se apresenta como católica, "Edições Paulinas". Esse livreto, que se insere na "Campanha da Fraternidade — 1980", foi elaborado por um organismo denominado "CEM— Centro de Estudos Migratórios", em colaboração com "agentes de pastoral e leigos da periferia de São Paulo e Curitiba". Portanto, são nítidas em tudo a inspiração e aprovação eclesiásticas.

Não nos estenderemos na análise dessa oração, em que o Santíssimo Nome de Jesus foi liminarmente expurgado para dar lugar aos tais "frutos de libertação" concebidos por Frei Betto; em que Nossa Senhora não mais é venerada como Mãe de Deus, mas como "Mãe Latino-Americana" (expressão vaga e equívoca!); em que não mais somos apresentados como pecadores; e assim por diante.

Como veremos, o restante do folheto, coerente com essa paródia, continua a rolar pelo despenhadeiro da subversão.

Disseminando a revolta

A ideia central explorada pelo folheto é a de que o migrante é o homem que não pode permanecer em seu lugar de origem porque ali "não encontra possibilidades de crescer", dado que "as oportunidades lhe são negadas" (p. 3). Vai ele então para a cidade grande, iludido por seus atrativos falaciosos, sendo aí obrigado a levar uma vida sub-humana, morando em favelas e barracos. A solução apresentada pelo folheto para essa lamentável situação é a de que os migrantes devem unir-se para reivindicar seus direitos (fica insinuado que essa união deve ser feita sob a direção do clero de esquerda).

O quadro assim concebido é repetido até o cansaço, e sem originalidade, ao longo de inúmeras historietas escolhidas para tal fim. Cada uma dessas historietas terá ou não base em algum fato concreto. Não é o ponto importante, pois a problemas individuais cabem soluções individuais. O que sobretudo importa é que o folheto força a nota para apresentar os dramas pintados nessas historietas como sendo absolutamente generalizados no País, de modo a inocular no leitor desprevenido a impressão de que todo proprietário rural é um opressor desumano, e todo migrante necessariamente um perseguido.

Eis alguns exemplos que retiramos a esmo:

• "Seu Honório, Dona Zilda e seus seis filhos, moram numa favela em Curitiba. Vieram do interior [...].

"Dona Zilda: Lá a gente tinha uma terrinha [...]. Até que fomos obrigados a vender o sítio por uma ninharia para um grande fazendeiro. Ficamos trabalhando para ele [...]. O patrão não deixava a gente pegar nem os restos da colheita. Ele mandava passar o trator em cima para adubar a terra. Proibiu também a gente de pôr criação no terreno. Quando chegava a noite, eu e meus filhos maiores, saíamos que nem gato pela lavoura para desenterrar a batata para comer no dia seguinte. Se o patrão descobrisse, nem sei o que ia acontecer" (p. 28).

A situação descrita é própria a criar a revolta contra o fazendeiro. Pois bem, logo em seguida a essa historieta vem uma "reflexão em grupo" a propósito dela, em que o fato é generalizado: "Os grandes não deixam o pobre participar na divisão dos bens que ele mesmo produziu" (p. 29).

• "A família de João e Maria das Dores passou muitos sofrimentos. Eles viviam no Piauí, e resolveram tentar a vida numa cidade grande. Mas na cidade, o pessoal da estação não quis receber a família, porque lá já tinha gente demais. João e a família foram então para o interior. Aí foi aquela Via-sacra: um mês em cada cidade trabalhando como boia-fria. Até que foram parar em Dourados, Mato Grosso. Lá caíram nas mãos de um fazendeiro rico e desumano. Tinham que trabalhar suado na plantação de milho, arroz, feijão... Tanta comida na frente, e a família, às vezes, ainda passava fome. O fazendeiro pagava uma miséria. Só queria ver os colonos de pé para continuar a trabalhar pra ele. "Ele trata melhor os bois do pasto do que a gente", costumava dizer Maria das Dores. E era assim mesmo. Todas as famílias que trabalhavam para ele sofriam, e eram mais magras que o gado do patrão. Aí o pessoal começou a receber a visita do Padre Inácio. Havia missas, reuniões. Assim, iam se unindo, e aos poucos descobrindo que tinham direitos" (p. 48).

Fica aqui muito evidente o papel do clero de esquerda para criar descontentamentos, sob alegação de fazer o pobre "descobrir" seus direitos; em seguida unir os neodescontentes; e, por fim, tentar jogá-los na ação. Qual ação? A luta de classes? É o que tudo indica, pois se trata de um processo que vai muito além do fato concreto em torno do qual se procurou criar o descontentamento inicial, e que leva à revolução social, pacífica ou violenta.

• "Joaquim e Mafalda, com seus 5 filhos, resolveram sair do Ceará [...]. Ao chegar na cidade grande, a família toda passou 10 noites debaixo do viaduto [...]. Depois de 10 dias eles encontraram um barraco na periferia da cidade. Hoje Joaquim trabalha na construção de um prédio de 30 andares, cercado de jardins e árvores. Depois de um dia de dez a doze horas de trabalho, volta para o seu barraco, sem água, sem luz, com o vento frio a penetrar pelas frestas das tábuas e fica pensando em quando poderá construir a sua casa..." (p. 14).

A situação verdadeiramente inumana concebida para os atores dessa historieta é logo a seguir generalizada e colocada em termos de luta de classes na "reflexão" que a segue: "Por que muita gente vive em favelas desumanas e outros em casas luxuosas?" (p. 15)

*

Trata-se, como claramente se vê, de um método. Bastem-nos, de momento, esses exemplos para ilustrá-lo, e levemos um pouco adiante nossa reflexão a respeito.

"Conscientização" dirigida

Essas historietas são contadas com um forte condimento subversivo. É claro. Mas, mesmo os autores do folheto parecem pouco convencidos de que elas, por si só, possam influenciar suficientemente aqueles a que visam atingir. O brasileiro é inteligente demais para se deixar levar por simples historietas, ainda quando possam ter base em algum fato concreto. Por isso, os autores do folheto insistem: as reflexões sobre o tema — "em pequenos grupos, na comunidade ou nas famílias" — não atingirão os objetivos a que elas querem conduzir, se forem reflexões espontâneas. É preciso que sejam dirigidas. E os dirigentes, por sua vez, deverão ser cuidadosamente preparados. É toda uma máquina de coordenação e impulso que se vislumbra: "Para que o objetivo seja atingido, é necessário que haja uma preparação dos líderes que coordenarão os encontros" (p. 5).

Note, pois, o leitor, o incisivo da expressão "é necessário". Não se trata de uma conveniência e menos ainda de uma aspiração, mas para que o espírito e a mentalidade que desejam incutir, através das historietas, penetrem verdadeiramente nas vítimas do processo há necessidade de líderes que coordenem. E estes, por sua vez, devem passar por uma preparação.

Indiretamente os autores do folheto confessam que o trabalho de levar o migrante à revolta é árduo. Não se trata apenas de organizar gente que já está picada pela mosca da revolução social, o que seria bem mais simples. Mas trata-se previamente de revoltá-los (ou, se se preferir, "conscientizá-los") para que só depois possam ser organizados e atirados na luta de classes. A propósito disso, é também característico o seguinte texto: "Agora a gente sabe como acolher esses migrantes peregrinos: Temos que recebê-los e acolhê-los [...]. Mas temos também que mostrar para eles que estão sendo explorados e oprimidos. Temos que conscientizá-los" (p. 40).

A "Via-Sacra"

Para que a pílula amarga da subversão possa ser tragada mais facilmente, ela vem recoberta com a camada dourada da religião.

Assim, por exemplo, a aproximação da situação do migrante — tal qual a imaginam os autores do folheto — com a Via-Sacra de Nosso Senhor. As estações da Via-Sacra, no folheto, são compostas por um pequeno trecho da Escritura Sagrada e depois por um longo texto — ou historieta — referente ao migrante, seguido de reflexões dirigidas, "preces espontâneas", cantos, etc. Também o título de cada estação é duplo: um referente a Nosso Senhor e outro ao migrante. Este último vem em letras muito mais destacadas do que o referente a Nosso Senhor. Eis os títulos das estações (cfr. pp. 10 a 38):

"1.a estação:

Jesus é condenado à morte

O migrante entrega as suas terras

2.a estação:

Jesus recebe a cruz

A viagem para a cidade grande

3.a estação:

Jesus cai pela primeira vez

Ele constrói casas

e não tem onde morar

4.a estação:

Jesus se encontra com Maria sua Mãe

O papel da mulher

companheira do migrante

5.a estação:

Simão Cireneu ajuda Jesus

a carregar a Cruz

O migrante é obrigado a carregar

uma cultura que não é a sua

6.a estação:

Verônica enxuga o rosto de Jesus

Conhecer o rosto da América Latina

7.a estação:

Jesus cai pela segunda vez

Deixar-se envolver

pelas ilusões da cidade

8.a estação:

Mulheres de Jerusalém choram

ao ver Jesus passar

Mulheres organizadas contra a fome

9.a estação:

Jesus cai pela terceira vez

O migrante é derrotado muitas vezes

na busca de vida melhor

10.a estação:

Jesus é roubado de suas roupas

O trabalhador é roubado

do seu direito de participação

11.a estação:

Jesus é pregado na cruz

Na cidade grande o migrante

trabalha em condições sub-humanas

12.a estação:

Jesus morre na cruz

A morte do homem que se acomoda

e entra no sistema

13.a estação:

Jesus é descido da cruz

Como a Igreja

deve acolher o migrante

14.a estação:

Jesus é sepultado

Denúncia das causas

da exploração do migrante

15.a estação:

Vida Nova — Ressurreição

A certeza da vitória".

De passagem, assinalamos que o número tradicional das estações da Via-Sacra é 14 e não 15. A razão de não figurar na Via-Sacra tradicional essa 15.a estação é porque tal prática de piedade consiste num exercício de meditação sobre a Sacrossanta Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. É pela imitação da paciência do Redentor da humanidade manifestada durante seus padecimentos que conseguimos alcançar nossa salvação eterna.

É já na literatura dos Cursilhos de Cristandade que aparece a 15.a estação, consagrada à gloriosa Ressurreição de nosso Salvador. Compreende-se essa modificação da Via-Sacra tradicional por parte de um movimento que procura afastar o pensamento da dor e do sofrimento, e que, à maneira protestante, inculca que a Redenção de Jesus Cristo torna o homem impecável. Desse modo, mesmo nesta terra, os homens poderiam procurar despreocupadamente a alegria e a satisfação, pois a salvação não exigiria cooperação de sua parte.

No livreto que analisamos, a mesma concepção, defendida por autores cursilhistas, parece fundamentar a inserção da 15.a estação.

Há ainda uma "Oração do Migrante", inteiramente coerente com o restante do folheto, em que mais uma vez se procura inculcar a revolta. Diz ela: "Eu era o senhor da terra. Tinha um sítio todo meu [...]. Mas os poderosos do progresso [...] tiraram meu pedaço de chão. Roubaram meu digno pão" (p. 6).

Não falta ainda a deturpação de canções religiosas tradicionais, para adaptá-las aos desígnios da subversão. Aliás, para quem propaga tal paródia da Ave-Maria, como a que apresentamos acima, o que significa, uma canção religiosa? Eis um exemplo (cfr. p. 69):

"A morrer crucificado,

o migrante é condenado,

sob a cruz do latifúndio,

vai vagar por este mundo.

Esta terra foi criada

para o homem aqui morar,

mas alguns gananciosos

ocuparam todos os lugares.[...]".

Deixemos de lado, por não estar no objetivo imediato deste artigo, a união, tão frequente nos ambientes progressistas, entre subversão e blasfêmia, que se patenteia, por exemplo, na seguinte afirmação: "Seu nome é Jesus Cristo e é difamado. E vive nos imundos meretrícios" (p. 75).

Radicalismo, delírio, obsessão

Note-se, por fim, como muito sintomática do espírito que anima os autores do folheto, sua posição a respeito das desigualdades sociais. Eles nunca fazem distinção entre as desigualdades legítimas e desejadas por Deus e as ilegítimas. Onde aparece qualquer diferença social, eles procuram exagerar lhe o alcance até o radicalismo, generalizá-la, e, em seguida, lançar obsessivamente uns contra outros.

Em tudo quanto até aqui vimos, patenteia-se tal método. Eis mais um exemplo significativo:

"Com quem se parece o rosto de Cristo sofredor na América Latina?

1 — Com o rosto dos índios e também dos negros, que vivem desprezados e em situações desumanas. [...]

2 — Com o rosto dos camponeses, que não têm terra e são explorados pelos comerciantes.

3 — Com o rosto dos operários, mal pagos e com dificuldades para se organizarem e defenderem seus direitos.

4 — Com o rosto dos favelados, que carecem de bens materiais diante do luxo dos ricos.

5 — Com o rosto dos subempregados e desempregados, vítimas dos capitalistas que se interessam apenas pelo lucro, e exploram o trabalhador e sua família.

6 — Com o rosto dos jovens desorientados, por não encontrarem um lugar na sociedade" (p. 20).

* * *

O mesmo folheto nos informa que o lema da Campanha da Fraternidade para 1980 é "Para onde vais?". O irrisão dos fatos! É esta propriamente a pergunta que caberia fazer neste final de artigo, a respeito de tudo quanto até aqui foi exposto.

— Para onde vais, ó progressismo, e até que extremos atingirás, nesta tua inglória e blasfema tarefa de desfigurar a face da Santa Igreja, a Esposa de Cristo?

Slogans de cunho marxista ilustram a "Via-Sacra do Migrante"...

...ao longo da qual é frequente o incitamento à agitação.


O MILAGRE DE SÃO PANTALEÃO NA ITÁLIA

Nelson Ribeiro Fragelli, nosso correspondente

ROMA — Como é do conhecimento dos leitores, "Catolicismo" publicou, em dezembro do ano passado, uma ampla reportagem sobre o milagre da liquefação do sangue de São Pantaleão, que se registra anualmente nos dias 26 e 27 de julho, em Madrid, no Mosteiro da Encarnação.

Tal assunto não perdeu, entretanto, a sua atualidade.

Lembro aos leitores que o milagre de São Pantaleão na Espanha é acrescido de um significado muito especial quando a duração da liquefação do seu sangue vai além do dia 27. Normalmente ele volta ao estado sólido nessa data. Mas, quando tal não acontece, costuma ser sinal de calamidade. Assim o confirmou a História nas vésperas das duas Guerras Mundiais e da guerra civil espanhola, bem como em diversas outras ocasiões.

O que estará para acontecer desta vez? Se corresponder à duração do milagre, deve ser algo de muito grave, pois a última vez que se viu o sangue desse mártir do século IV em estado de coagulação, foi em 26 de julho... de 1979. Sim, de 1979. Há mais de um ano, portanto, que esse milagre perdura, eventualmente como prenúncio de castigos que se poderão abater sobre a Espanha e sobre o mundo.

Esse aviso, porém, não vem apenas da Espanha. Um milagre parecido ocorre também na pequena cidade de Ravello, na Itália. Aliás, é lá que se encontra a principal relíquia do santo. Todas as outras, inclusive a de Madrid, são porções tiradas da relíquia de Ravello.

Na Espanha como na Itália, o milagre de São Pantaleão traduz-se pela liquefação do seu sangue, havendo apenas diferença quanto à sua duração. Em Ravello, ocorre normalmente durante a novena da festa, ou seja, entre os dias 17 e 26 de julho. A não liquefação — confirma o povo de Ravello — é um sinal de catástrofe.

Vejamos o que se verificou este ano.

Piedade e indiferença

Cheguei ao Duomo de Ravello por volta das 11:30 h. do dia 26 de julho. É ali que se venera, desde o século XI, a relíquia de São Pantaleão, Padroeiro da cidade.

Dirigi-me ao sacristão, homem simples, inteiramente consagrado a seu ofício e grande devoto do santo mártir. Com ar de preocupação ele confessou desolado: "Neste ano, a situação está desastrosa, pois ainda não houve manifestação alguma do milagre". Ato contínuo, dirigi-me ao altar onde se venera a relíquia e realmente dei-me conta de que o sangue — quase meio litro — estava exatamente como o havia visto em outubro do ano passado: massa amolecida, mas resistente, sem qualquer sinal de liquefação.

Tal fato, de significado extremamente grave, já era conhecido em toda a cidade. No entanto, a grande maioria da população de Ravello preocupou-se mais com as festas da localidade, que apresentava as ruas e os parques engalanados. Uma banda de música tocava o dia inteiro, animando os festejos. De igual modo se comportavam os turistas, mesmo aqueles que visitavam a igreja onde se encontra a preciosa relíquia do mártir.

Junto a ela, apenas alguns fiéis ficaram rezando com uma expressão visivelmente angustiada. Segundo eles, o fato de o milagre não se operar era “un brutto segno” (um sinal horrível) e concluíam que "San Pantaleone non era soddisfato" (São Pantaleão não estava nada contente).

O próprio Pároco não escondeu sua preocupação. Tendo recebido o relatório de Madrid com a notícia de que ali o sangue do mártir já anunciava alguma calamidade, ele, desde logo, estabeleceu a relação entre um caso e outro. Por essa razão, não deixou de reunir os fiéis na noite de 26 de julho e de insistir para que eles redobrassem as orações a fim de que estas se tornassem agradáveis ao santo e se operasse o milagre.

Nessa altura, via-se então mais gente na igreja. Das pessoas que rezavam o terço, algumas levantavam a voz em tom de súplica, enquanto outras se aproximavam da relíquia para ver se as suas preces estavam sendo atendidas. Algumas voltavam com lágrimas nos olhos, pois não tinham vislumbrado o menor sinal de que o milagre se fosse operar.

Finalmente, pelas 23 h. do dia 26, começou-se a vislumbrar um sinal de liquefação. Indicavam-na três pequenos pontos de cor rubi (pequenos como cabeças de alfinete), os quais aumentaram um pouco de volume até o dia seguinte. Este fenômeno foi acompanhado pelo aparecimento — no dia 27 — de uma pequeníssima faixa de sangue liquefeito.

Uma senhora de 35 anos com uma filhinha de 5 ou 6 anos aproximou-se da relíquia e exclamou: "Não merecíamos. Somos demasiado pecadores". E levantando a menina, a fez oscular o escrínio que guarda o relicário. Outra senhora, de 75 anos, ficou por longo tempo junto à relíquia rezando sempre a mesma oração — o Padre-Nosso —e levantando a voz sempre que pronunciava as palavras "mas livrai-nos do mal". Um homem de 76 anos, nascido e criado em Ravello, dizia não se lembrar de uma só vez que o milagre não tivesse ocorrido e, em voz baixa, preocupado, acrescentou: "Talvez o santo não esteja contente porque há muito comunismo"...

"Um sinal tremendo"

O milagre da liquefação do sangue de São Pantaleão chegou, portanto, a verificar-se, embora em condições inteiramente anormais. Sua duração restringiu-se de 9 dias para algumas horas apenas. E a quantidade de sangue liquefeito foi minúscula.

Na manhã de domingo, dia 27, um Padre da cidade que analisou atentamente a milagrosa manifestação, declarou que esta era insignificante em comparação com a dos anos anteriores, podendo-se até afirmar que no corrente ano o milagre não se tinha operado. Era "um sinal tremendo", acrescentou ele. Também o próprio Pároco, D. Giuseppe Imperato, manifestou a mesma opinião.

Outras testemunhas, que anualmente se deslocam à Catedral de Ravello para admirar o milagre, declararam que este ano ele não representava 10% ou — segundo as opiniões mais otimistas — no máximo 40% do que ocorreu nos anos precedentes.

Não resta dúvida, portanto, que a Providência Divina quis, mais uma vez, atrair a atenção dos homens para o estado em que se encontra o mundo e para os possíveis castigos que, em consequência disso, poderão abater-se sobre ele.

Tudo depende do modo como os católicos receberem esse aviso.

Durante as festas de São Pantaleão em Ravello, duas atitudes se verificaram em relação ao milagre: uma foi de verdadeira piedade, de seriedade e inteira compreensão pelo seu significado. Esta, porém, foi tomada por uma minoria de fiéis. A outra foi de indiferença. Enquanto a misericórdia divina se manifestava com aquela clareza, a maioria da população da cidade dançava e cantava nas ruas, convivendo e confundindo-se com os turistas que por ali passavam, vestindo trajes e assumindo atitudes frequentemente imorais.

Assim vai o mundo contemporâneo. Enquanto ignora, ofende e despreza a Deus, não é de se admirar que sobrevenha o castigo. Precisamente o anunciado por Nossa Senhora de Fátima em 1917: "...a Rússia espalhará os seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições [...]; várias nações serão aniquiladas..."

Busto de prata de São Pantaleão, do século XVIII, contendo relíquia do mártir, venerada na Catedral de Ravello

O repórter de "Catolicismo" observou maior preocupação dos habitantes de Ravello com as festas locais do que em relação ao fato extraordinário ocorrido este ano: apenas cerca de 10% do sangue de São Pantaleão se liquefez no dia 27 de julho

A secular Catedral de Ravello, onde o sangue de São Pantaleão se liquefaz, todos os anos, no dia de sua festa