Cristiano Martins da Costa
Muitos centros universitários de destaque estão publicando estudos sobre as relações do poder mundial na década que se inicia. Com base nos dados disponíveis e nas tendências existentes, calculam o que provavelmente acontecerá, que medidas seriam necessárias para obviar os males previstos e o que é desejável na obtenção dos fins colimados.
Entre esses estudos não poderia passar despercebido o que foi lançado pela Universidade de Georgetown, em Washington. Considerada por muitos como o primeiro centro de estudos sobre política internacional dos Estados Unidos, local onde se prepara boa parte de seus futuros diplomatas, os pronunciamentos daí advindos se revestem de natural importância.
Publicado sob a forma de livro, "World Power Trends and U. S. Foreign Policy for the 1980s" é, em meios acadêmicos, comumente chamado o "Relatório Cline", em virtude do nome de seu autor, Ray S. Cline. O presidente do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos da mencionada universidade, David M. Abshire, considera o livro "sob muitos aspectos, a principal publicação" de seu departamento e elogia no prefácio a alta competência do autor, que publicou dois relatórios anteriores, o primeiro em 1975, o segundo em 1977. É atualmente diretor-executivo de Estudos do Poder Mundial no referido departamento. Diplomado em Harvard, foi anteriormente vice-diretor da CIA e diretor do Bureau de Informação e Pesquisa do Departamento de Estado.
O livro procura reduzir a uma fórmula matemática as várias componentes de poder e prestígio de cada Estado, embora reconhecendo de bom grado os imponderáveis próprios à avaliação de todos estes fatores. Outra pessoa poderia avaliar de maneira diferente, chegando a conclusões discrepantes daquelas apresentadas pelo livro, reconhece Cline. Entretanto, sua longa experiência e a observação ponderada nos levam facilmente a admitir suas afirmações como plausíveis.
Eis a fórmula: Pp = (C + E + M) x (S + W). Os 3 primeiros elementos são materiais, os dois últimos, psicológicos.
Pp = Poder percebido por parte de entendidos.
C = Massa crítica — somatória da população e área enquanto elementos de força.
E = Capacidade econômica.
M = Capacidade militar.
S = Estratégia nacional coerente.
W = Força de vontade nacional.
Ele confere valores a cada um destes elementos, chegando ao final a adjudicar um número a cada nação, representativo de sua força no cenário mundial. O primeiro lugar cabe à Rússia com 458, o segundo aos Estados Unidos com 304 e, curiosamente, em terceiro lugar aparece o Brasil com 137.
Deixando de lado essa primeira parte, desejamos centrar a atenção em considerações que nos pareceram da maior importância para a adequada compreensão da disputa travada na arena da política mundial. O autor descarta, em penadas rápidas e inteligentes, a China como terceiro parceiro entre os supergrandes. Diz que a imensa população da China, pela extrema miséria e ignorância em que vive, é mais uma desvantagem que um fator positivo. Sua fraqueza econômica e a falta de união entre as várias etnias componentes a reduzem a um poder comparável ao Japão, França, Brasil e outros análogos da segunda categoria. Afirma então que a ênfase na multipolaridade é equívoca e que a China deve ser tida como pertencente à esfera de influência de Moscou, apesar das aparentes disputas entre os dois grandes do comunismo e os flertes de Pequim com Washington.
Por causa disto o autor volta sua atenção especialmente para a comparação dos poderes norte-americano e russo.
Abstraindo dos dados concernentes à população, área e força econômica, dos EUA e Rússia, já mais conhecidos, deter-nos-emos nas considerações relativas à força militar. Constitui, se não o mais, dos mais elucidativos capítulos do relatório.
Afirma inicialmente, como opinião corrente entre todos os estrategistas, que por volta de 1981 ou 1982, os gigantescos foguetes intercontinentais russos serão capazes de destruir nos silos, de um só golpe, 90% dos ICBM (intercontinental ballistic missil) norte-americanos, isto é, os foguetes capazes de lançar as bombas sobre a Rússia. A força de retaliação ianque remanescente se limitaria a mísseis relativamente imprecisos, disparados de submarinos, e aos velhos B-52, em serviço desde 1955.
Liquidados os silos de armazenamento, o segundo golpe viria sobre as instalações industriais e populações. Neste particular, os Estados Unidos, embalados na crença da détente, cessaram há anos as obras de defesa civil contra bombardeios atômicos. E a Rússia... aumentou o ritmo de construção delas. Hoje, crê-se entre os especialistas que as perdas russas de instalações industriais e vidas humanas serão em torno de 10% das americanas. Por isso, já não é tão terrível para os bolchevistas a perspectiva de "topar a parada" até o fim, o que se afigura apocalíptico para os americanos.
Muitos analistas militares receiam para 1981, ou mais provavelmente 1982, uma pavorosa chantagem atômica. Os russos destruiriam num golpe de surpresa os silos onde estão armazenados os foguetes intercontinentais, deixando relativamente indefesas as populações e centros industriais. Ao mesmo tempo, protegeriam suas populações na medida do possível. Então, diante dos Estados Unidos reduzidos de repente à inferioridade flagrante, pela perda dos seus grandes meios de transporte estratégico, e sem possibilidades de proteger as populações dominadas pelo terror do holocausto nuclear, proporiam negociações. Os foguetes deixados nos silos russos após o primeiro ataque, segundo Cline, seriam capazes de, num segundo golpe, matar 150 milhões de americanos. Estes não os poderiam destruir, ainda conforme o relatório, porque os foguetes americanos colocados em submarinos não têm suficiente precisão para atingir os silos russos. Em vista disso, são numerosos os especialistas americanos que desejam manter em movimento seus foguetes intercontinentais, para evitar o pesadelo do primeiro ataque sobre eles.
Para destruir um silo de foguetes não bastam as bombas atômicas comuns. É necessário utilizar as de tamanho gigante. Os soviéticos as estão produzindo em ritmo acelerado. Os Estados Unidos têm menos bombas gigantes e desde o início dos anos 60, concentraram os esforços em fabricar transportes para bombas de menor potência, próprias a atingir cidades e indústrias. O único míssil americano novo que poderá ter a força e a precisão necessária para transportar as bombas gigantes é o M-X. Pode tornar-se operacional em 1986, mas só em 1.990 existirá em número suficiente... Carter, há algumas semanas, modificou a política estratégica do país e autorizou sua construção. Teme-se, entretanto, que o tenha feito apenas para diminuir o impacto favorável que a enérgica plataforma republicana relativa à defesa estava produzindo junto à população.
O ponto delicado da correlação de forças entre os dois países localiza-se aqui. A Rússia já em 1982 certamente terá 300 foguetes SS-18 capazes de destruir os depósitos atômicos dos Estados Unidos. E a produção das armas necessárias a equilibrar as possibilidades de ataque — os foguetes M-X, o Trident II (lançado do mar) e o bombardeiro B-1 — foi atrasada ou cancelada.
Por causa dos programas soviéticos de defesa civil, os analistas norte-americanos estimam que um ataque dos EUA mataria entre 10 a 20 milhões de russos, contra os presumíveis 150 milhões de vítimas americanas.
Nesse particular se concentram as maiores preocupações dos especialistas. Cada SS-18 russo pode carregar 10 bombas, tornando, segundo foi dito, muito real em 1982, ou talvez antes, o espectro do primeiro ataque devastador e invalidante. Como uma "geração" de armas atômicas gasta de 5 a 10 anos para se tornar plenamente útil, os Estados Unidos, se quiserem se defender com eficiência dessa situação de inferioridade, deverão adotar medidas de emergência como a citada, de fazer a movimentação contínua de seus mísseis gigantes, até que no fim da década possam contar com armas que restabeleçam pelo menos a equivalência na capacidade de destruir os instrumentos de agressão atômica.
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Ray S. Cline comenta com acerto que a Rússia, por causa de seus foguetes intercontinentais e das bombas gigantes e pelas obras de defesa civil, adquiriu maior flexibilidade na escala das tensões. Ela se pode permitir mais que os EUA de subir a temperatura das tensões, o que tende a comprimir os políticos norte-americanos nos porões escuros da passividade e do temor. A prazo mais longo, a percepção desta realidade da parte de outros países, levá-los-á a conciliar seus interesses com as exigências russas e a evitar qualquer incômodo aos detentores do poder em Moscou.
Na segunda parte do trabalho, o autor cita recente declaração do conhecido diplomata George W. Ball: "A menos que destruamos nossa letargia, ver-nos-emos diante de um amargo dia de acerto de contas. Então virá uma disputa violenta, porque o país dormiu de maneira tão estúpida".
Cline lamenta que nos três últimos anos a política americana tenha se dedicado a agradar todo mundo para acabar perdendo credibilidade e prestígio em todas as partes. Fazendo blague com a famosa frase síntese dos isolacionistas "splendid isolation" (isolamento esplêndido) — afirma que a atual política de seu país é a da "splendid oscilation" (esplêndida oscilação).
Resta-nos esperar que nos perigosos anos 80, cesse a esquizofrênica e débil política exterior norte-americana e seja habitual uma atitude coerente com as obrigações naturais que a condição de potência-líder acarreta, substituindo os fatídicos anos 70, onde o que se viu foi o recuo constante em todas as frentes.
Ray S. Cline.
A inépcia das administrações que vêm ocupando a Casa Branca nos anos recentes permitiu aos russos importante vantagem em alguns tipos de mísseis intercontinentais. A esquerda, o "Vostok", soviético. Acima, o "Pershing 11", destinado à defesa da Europa nos próximos anos.
Murillo Galliez
Um dos motivos mais alegados a favor da "educação" sexual nas escolas é de que esta iria diminuir sensivelmente os casos de gravidez indesejada, filhos ilegítimos, abortos e doenças venéreas entre os adolescentes.
Os mais ardorosos defensores das aulas sobre sexo diziam — e ainda dizem — que elas acabariam formando uma juventude que saberia utilizar seu relacionamento afetivo de maneira livre e responsável. Assim se manifesta sobre o assunto uma das "sexólogas" mais atuantes: "A escola poderia muito ajudar os adolescentes na preparação da vida familiar, através da educação sexual. Não é só ensinar aos alunos como se faz um bebê, mas também discutir os papéis sexuais do homem e da mulher, o machismo, a virgindade e o uso do sexo com responsabilidade" ("Diário de Pernambuco", 28/ 10/ 79).
Alguns espíritos "abertos" e invariavelmente otimistas esperavam assim que, com o decorrer dos anos, as aulas sobre "educação" sexual fossem eliminando todos aqueles sintomas de uma vida desregrada entre os adolescentes. No fim de dois, cinco ou dez anos de inclusão obrigatória dessa "matéria" no currículo escolar, a juventude — segundo o parecer de tais pessoas — daria um exemplo aos adultos de como "usar o sexo com responsabilidade".
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Entretanto, a realidade é bem diferente desse quadro — fruto do neopaganismo contemporâneo e que efetua uma completa abstração do pecado original e suas desastrosas consequências nas potências do homem. O conhecido jornal católico norte-americano "The Wanderer", em sua edição de 31/ 1/ 80, comenta a falência da "educação" sexual nas escolas de Nova York no artigo "Classroom Sex Education: a Failure" ("Aulas de educação sexual: um fracasso"), assinado por Donald A. Doyle.
Através desse artigo ficamos sabendo que "mais de dez anos depois; após ter sido introduzida a educação sexual como matéria de ensino nas escolas públicas de Nova York, a pretexto de reduzir a ocorrência de gravidez, ilegitimidade e doenças venéreas entre adolescentes, as autoridades confessam que nada disto ocorreu. Não só o programa falhou em atingir suas metas, como também o contrário é que parece ter-se verificado".
O próprio "New York Times", em sua edição de 19/ 6/ 79, observava: "Diante do número crescente de casos de gravidez, violação e doenças venéreas entre os adolescentes, a chefia da Divisão de Saúde procura modificar a substância e o esquema do currículo". No dia seguinte outro grande jornal nova-iorquino, o "Daily News", declarava: "Em face do aumento alarmante da incidência de doenças venéreas e abortos entre os adolescentes [...], as autoridades receberam propostas para revisão em seu programa de educação sexual".
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De tal modo são evidentes os prejuízos que a "educação" sexual nas escolas traz para a juventude, que alguns de seus antigos propugnadores — não tão fanatizados como os atuais — reconhecem os efeitos nefastos de sua adoção nos ambientes de ensino.
William Masteis, que durante longo tempo realizou pesquisas em problemas ligados ao sexo, membro do Sex Information and Education Council of the United States (SIECUS), afirmou: "Nenhum estudo objetivo feito até agora mostrou que a educação sexual traz proveito ou produz resultado salutar". John Gagon, outro partidário da "educação" sexual nas escolas, declarou: "Poucas pessoas levam a sério a afirmação de que a educação sexual fará diminuir as taxas de ilegitimidade, doenças venéreas ou promiscuidade".
Diante de tais depoimentos e de uma experiência de mais de dez anos, pode-se admitir com segurança que a "educação" sexual nas escolas, longe de ser a solução, é na realidade uma das causas da assim chamada crise sexual da adolescência.
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Seria lógico, portanto, que as autoridades municipais de Nova York simplesmente retirassem essa "matéria" do currículo escolar, reconhecendo não ser este um assunto para ser tratado publicamente em salas de aula.
Porém, para espanto de todos os que conservam um mínimo de bom senso e de apreço pelos valores morais autênticos, exatamente o contrário ocorreu. O mesmo departamento que apresentou as "proporções alarmantes" dos problemas sexuais da adolescência, concluiu que era necessário um programa de "educação" sexual ainda mais explícito. Parece incrível, mas a recomendação incluía, entre outras sugestões, serem dados mais detalhes em idade ainda menor. Assim, crianças de nove e dez anos já receberiam informações detalhadas sobre vida sexual, inclusive métodos de contracepção. Aos doze anos já discutiriam a homossexualidade e os vários processos de aborto.
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Essa obsessão pela "educação" sexual nas escolas parece ser contagiante. Nos Estados Unidos muitas escolas católicas, em vez de se manterem fiéis ao ensinamento tradicional da Igreja sobre a matéria, resolveram seguir o programa adotado pelas escolas públicas. Educadores católicos chegam a dizer que, tornando-se grávidas muitas adolescentes dos próprios colégios religiosos, era necessário introduzir aulas de "educação" sexual também nas escolas confessionais!
Em Saint Louis a autoridade religiosa viu-se obrigada a efetuar uma intervenção para impedir a adoção desse programa. Uma Comissão Teológica, constituída pelo Cardeal Carberry, apontou seus principais erros, que aliás são os correntes nessa matéria. Segundo a referida comissão, o programa "esquece que estamos lidando com um instinto; não leva em conta a fraqueza da natureza humana; ignora o fato de que a prática de atos maus não é tanto o resultado da ignorância como o da fraqueza da vontade; ignora a função do recato natural".
Sirva tal advertência oportuna para reflexão daquelas autoridades que — como as da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (cfr. "Catolicismo" n.° 343, de julho de 1979) — contrariando a formação católica de nosso povo, se obstinam em levar a juventude ao desregramento moral e à prática do amor livre. E esses lamentáveis resultados decorrem, em larga medida, da exposição e discussão em salas de aula, para adolescentes de ambos os sexos, de temas cuja delicadeza e seriedade exigem outro cuidado, outra discrição, outro ambiente. E como solucionar o problema, segundo o espírito católico e o bom senso? Através de uma oportuna e judiciosa orientação pelos pais, em ocasião adequada, no seio da própria família (cfr. "Catolicismo" n.° 337, de janeiro de 1979).
A CHINA nacionalista encontra-se em singular situação. Abandonada diplomaticamente pelos Estados Unidos, continua tendo com ele plenamente todos os outros contatos e ainda aumentou sensivelmente seu comércio com os norte-americanos nos últimos anos. Pari passu, a ameaça da invasão vinda do continente desfez-se momentaneamente, por causa da aproximação sino-ianque. Foi abandonada pelo amigo, e a este o inimigo se abraça. Que consequências essa bizarra situação trouxe à Formosa? É o que se verá a seguir.
Os chineses são, com acerto, considerados dos povos mais pacientes da Terra. Há mesmo um provérbio chinês que afirma: "Não há nada difícil no mundo; a única dificuldade é que os homens carecem de perseverança". E a política dos comunistas de Pequim segue essa trilha. Levaram décadas para serem reconhecidos pela grande maioria dos governos ocidentais como o legítimo governo do povo chinês. A assimilação de Formosa pode demorar, mas certamente far-se-á num processo o mais possível indolor e despercebido.
Enquanto os chineses embalarem a credulidade norte-americana de que são um parceiro confiável para tentar conter o expansionismo soviético, certamente não desejarão o estremecimento provocado por uma eventual agressão militar. Preferirão a assimilação pelo diálogo. Contra essa maquiavélica tática, a valente e corajosa pastoral dos Bispos de Formosa, publicada por "Catolicismo" (n.° 349, de janeiro de 1980), constitui um brado de alerta dirigido a seus compatriotas e ao Ocidente, em larga medida embaído pela tática finória do governo de Pequim.
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Por ser esta a atual política da China continental, isto é, o abandono das armas para resolver o caso da ilha, a questão se desloca principalmente para o terreno psicológico. Terão os habitantes de Formosa a necessária força de alma para resistirem impávidos aos contínuos cantos de sereia vindos do outro lado do Mar da China? Estarão dispostos a enfrentar uma possível hostilidade das grandes potências não-comunistas, incomodadas com a persistência de uma atitude que lesa a aproximação (falaciosa e perigosa) com o chamado gigante amarelo?
Deixemos agora de considerar o caso de Formosa e passamos rapidamente a observar a entrada da China continental no cenário mundial. Esquecem-se os partidários da frente antissoviética de que a China, além de confessadamente marxista-leninista, não é grande potência militar e que só a ajuda maciça dos ocidentais pode transformá-la em um poder econômico e militar considerável. Aliás, com o fito de transformá-la em grande potência, enxameiam pelo Ocidente as missões diplomáticas e comerciais da China vermelha.
O perigo evidente e manifesto, habilmente dissimulado pelas correntes políticas favoráveis à aproximação econômica e militar com Pequim, é a virada abrupta do governo chinês após receber a ajuda ocidental, e a consequente constituição de um temível eixo Pequim-Moscou. Não poderia ser mera tática a busca de ajuda no Ocidente, já que a empobrecida e armamentista Rússia não tem o que lhes dar? Há pouco houve a propalada reviravolta moderantista em Pequim, com a liquidação da "camarilha dos quatro" e o virtual arquivamento dos ensinamentos do "Grande Timoneiro" (para quem não o conhece, é o "camarada Mao"), substituídos pelas preocupações supostamente mais pragmáticas da atual equipe dirigente. Mao Tse-tung está hoje quase na posição de Stalin depois do famoso "relatório Kruchev" de 1956. Após tantas mudanças, sempre na direção da consecução dos fins do comunismo, não poderia haver outra e se restabelecer a amizade antiga com Moscou, tanto mais que os unem o mesmo embasamento ideológico?
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Voltemos a considerar a situação de Formosa.
Pequim não necessita esperar uma reaproximação diplomática com Moscou para então iniciar a política de deglutição paulatina de Formosa. Basta que faça crer à grande parte dos ocidentais preocupados com o imperialismo do Cremlin que a "carta chinesa" é imprescindível para a frente anti-russa. Então Formosa será o incômodo e a parte a ser "esquecida", virtualmente empurrada pela suposta força das circunstâncias a jogar com os déspotas do continente o fatídico jogo da distensão. Nesta hora se colocará à prova a fibra de alma do povo de Formosa.
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Entretanto, não é sem preocupação que se observa a vida em Formosa. Os norte-americanos a ajudaram muito e, em conjunto com o esforço e inteligência do seu povo, transformaram-na numa sociedade industrial com todas suas características. E entre estes traços, está a difusão do "american way of life", com a forçosa debilitação da austeridade e do ânimo de resistir. Uma população consegue resistir a um impacto prolongado do adversário, agravado ainda pela indiferença mal-humorada do amigo de ontem, apenas na medida que tem a convicção inabalável da justiça de sua causa, a determinação de enfrentar todos os riscos e utilizar com agilidade e prudência os meios lícitos disponíveis. Para tal é necessário desprendimento e amor aos princípios, virtudes contrárias ao que o hedonismo, contemporâneo tem de mais nuclear. A partir de agora só uma sadia e enérgica disposição estável dos chineses de Formosa evitaria o desastre, até hoje elidido pela proteção americana e pela bela resolução de lutar mostrada pela ilha.
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Voltando os olhos para o tabuleiro da política internacional, há uma esperança a ser levada em conta: o atual afluxo do antipacifismo nos Estados Unidos. A invasão do Afeganistão foi o catalizador de estados de espírito latentes, cobertos até então por uma crença superficial e desgastada nos alegados benefícios da détente. Caso se consolide essa tendência, será mais fácil para Taiwan continuar sua política de rejeição às contínuas ofertas de diálogo provindas de Pequim. O apoio, atualmente combalido e hesitante, a um dos bastiões anticomunistas do Extremo Oriente será mais difícil de ser retirado pelos policy-makers de Washington, para sacrificá-lo em aras da aproximação com Pequim. Num país onde o hábito político leva os dirigentes a ter a atenção muito posta nas flutuações dos seus cidadãos, tornar-se-ia árdua a justificação do desinteresse pela sorte dos habitantes de Formosa.
Termino com uma pergunta. Sentindo o isolamento e a dependência em que se encontra, das disposições do público norte-americano e de seus governantes, qual seria a tentação da ilha? Naturalmente procurar alhures um apoio sólido e respeitado. Onde poderia imaginar existir tal sustentáculo? Talvez no mais verboso e potente inimigo da China, a União Soviética. Os chineses da ilha poderiam ser seduzidos a tentar opor Moscou a Pequim, e manter a independência através de concessões aos imperialistas soviéticos. Seria o fim da resistência e o início da capitulação. Pediriam ao urso a proteção contra o tigre.
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A China de Taiwan constitui um belo farol de resistência anticomunista, estimulante exemplo de uma mentalidade semelhante àquela dos defensores de Tróia, dispostos a combater até o extremo limite de suas energias e dar ao mundo abatido e capitulacionista a lição de uma fortaleza indômita. Roguemos a Deus que a mantenha nesta via, a aperfeiçoe e a leve ao cumprimento pleno de sua missão providencial.
Anualmente os chineses de Formosa comemoram em Taipé seu dia nacional, promovendo gigantescas manifestações de repúdio ao comunismo.
Em um dos portos de Taiwan, um aspecto da pujança industrial do país, cuja população goza dos mais altos níveis de vida do Extremo Oriente.
Por ocasião das dramáticas fugas do Vietnã, a China livre deu uma lição ao Ocidente, acolhendo milhares de refugiados em seu pequeno território densamente povoado.