Péricles Capanema
Pela primeira vez a justiça francesa condenou alguém por um novo tipo de crime: ser agente de influência de potência estrangeira. Pierre Charles-Pathé, herdeiro do célebre Charles Pathé, o magnata da comercialização do cinema, foi condenado a 5 anos de reclusão com base na alínea 3 do artigo 80 do Código Penal daquele país. Trabalhava para a Rússia. Há poucos anos, o embaixador francês em Moscou havia aceito fazer o mesmo trabalho, depois de ser induzido pela KGB à situação desonrosa, devidamente documentada. A polícia francesa descobriu o fato e o alto funcionário foi desligado do serviço diplomático.
Mas o que constitui propriamente um "agente de influência"? O espião clássico procurava, em virtude de convicções ideológicas ou dinheiro, entregar à potência a qual servia, segredos militares, políticos, econômicos ou industriais. Não nos alongaremos sobre tal, pois essas ações são conhecidas de sobejo. O agente de influência não procura informações. Transmite-as.
Geralmente é pessoa com trânsito fácil em ambientes de destaque, onde deve conversar, argumentar e, de maneira natural, pôr em circulação ideias ou informações que interessam ao Cremlin serem aceitas como plausíveis ou verdadeiras, e que atuam de maneira a amortecer as resistências frente ao comunismo. Além do trabalho oral, de primordial importância, o agente de influência deve, tanto quanto possível, fazer chegar a jornalistas dados "trabalhados", cuja publicação serve aos interesses de Moscou. É-lhe confiada a tarefa de habilmente colocar sob luz desfavorável os adversários de Moscou, contribuir para a formação de um ambiente apto a amoldar-se às iniciativas do comunismo internacional. Sua arma é a palavra oral e, por vezes, também a escrita. Espião das mentes, embosca-se nos desvãos desprevenidos do espírito de seus ouvintes, para ali depositar suas bombas psicológicas ou desarmar prevenções.
Naturalmente, o agente de influência necessariamente não trabalha apenas como difusor de conceitos e dados. Pode agir também como espião clássico. Segundo Jacques Lebeau, do semanário "Le Figaro Magazine" (edição de 31/ 5/ 80), o agente de influência depende da secção da KGB encarregada da "dezinformatsia" (desinformação).
Afirma o jornalista:
"A desinformação consiste, em linhas gerais, em difundir informações falsas, caluniosas e provocantes, mas na prática a KGB vai além dessa vaga formulação. Tudo, sem exceção, vale para seus agentes: manifestações, greves, conflitos destinados a desacreditar governos e a gerar antagonismos entre as várias camadas sociais. Os distúrbios na Coréia do Sul ou as manifestações raciais em Miami são exemplos recentes. Uma manifestação bem organizada pode dar impressão totalmente falsa do real estado de espírito da população e empurrar os numerosos indiferentes ou hesitantes numa direção desejada pela KGB. A distribuição de cartas, documentos, manuscritos ou mesmo fotografias falsificadas ou forjadas, rumores orientados sistematicamente, distribuídos entre os jornalistas".
E relata um caso sucedido em 1956. Interessava à Rússia espalhar dúvidas entre os aliados quanto à confiabilidade da Alemanha como parceira, introduzindo desta forma uma cunha no bloco adversário. A KGB por intermédio do STB (serviços secretos tchecos) enviou panfletos neonazistas a políticos franceses, ingleses e norte-americanos. Todos assinado por uma tal "Kampfverband für unabhangiges Deutscheland" (Liga Combatente pela Independência da Alemanha). Pouco depois, agentes tchecos desembarcavam em Paris. Um deles, Kouba, especialista em explosivos, escondeu uma bomba de sua fabricação num pacote de cigarros, enviado pelo correio a André Tréméaud, governador de Bas-Rhin. A remessa foi calculada para que chegasse a Estrasburgo na manhã de 17 de maio, porque à noite haveria recepção em casa de Tréméaud para homenagear uma delegação parlamentar visitante. Os agentes esperavam que o governador abrisse o pacote no meio da festa. Quem o abriu, entretanto, foi sua mulher, que foi imediatamente estraçalhada. Pouco depois, a Rádio Moscou atribuía o atentado ao grupo nazista acima citado. A quase totalidade da imprensa ocidental e os maiores nomes do jornalismo se prestaram a divulgar tais informações, pondo os alemães ocidentais em má situação ante a opinião mundial, justamente indignada por causa do atentado, supostamente perpetrado pelos "saudosistas do nazismo". Só muito mais tarde é que Rupert Sigl, que trabalhara na KGB de 1957 a 1969, fugiu para o Ocidente e revelou que tais ações haviam sido montadas pela agência russa.
A condenação de Pathé constitui indício seguro de como se difundiu no Ocidente o agente de influência. Esta é uma atividade difícil de ser cominada pelas leis vigentes, além de exigir trabalhosa detectação. Como separar aquele que conscientemente, influencia pessoas, seguindo diretrizes precisas e temas escolhidos, daquele que por convicções ideológicas se lança na mesma tarefa, embora sem estar a mando de nenhuma potência? Como descobrir os transmissores de pensamentos, inconscientemente manipulados por um discreto e eficiente agente de influência? São perguntas que interessam sobremaneira à caracterização do delito penal, de difícil e delicada precisão, mas que se colocam à margem do presente artigo. Cabe a penalistas, e à jurisprudência que eventualmente surja, desenhar os contornos da questão e colocá-la com exatidão dentro do universo do Direito. É tarefa que exigirá muito estudo e muita observação.
Não é esse o prisma habitual do cidadão comum. A ele, quisemos oferecer um dado a mais para facilitar o juízo adequado de situações que se apresentem dentro de seu campo de observação, levando-o a acreditar mais em tramas urdidas, e menos na conjunção espontânea de circunstâncias, para explicar certos acontecimentos que presencia.
Em 1956, Estrasburgo, a simpática capital da Alsácia, foi palco de um atentado atribuído a uma organização neonazista. Quase 15 anos depois, um espião comunista fugia para o Ocidente e confessava que tudo fora planejado pela KGB... Estará a história se repetindo, ao menos em certa medida, nos atentados que se verificam no Brasil e no mundo?
Em comunicado de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do seu Conselho Nacional, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade —TFP, emitiu, em 30 de agosto p.p., o seguinte pronunciamento:
"DADO O CLIMA de crescente tensão, no qual vai imergindo o País por efeito da sucessão delirante de atentados terroristas em curso nos últimos dois meses, a TFP se acha no dever de dirigir um pronunciamento a seus amigos e simpatizantes em todo o território nacional, e à opinião pública em geral:
1. ENTIDADE com definidos objetivos ideológicos e apolíticos, e com métodos exclusivamente legais e pacíficos (cfr. "Meio século de epopeia anticomunista", Editora Vera Cruz, São Paulo, 1980, 464 pp.), tem-se a TFP abstido meticulosamente, ao longo de seus vinte anos de atuação, de intervir em questões partidárias, alheias a seu fim.
2. POR ESTA RAZÃO, não pediu ela a abertura política, nem tampouco a combateu. Assim que, pelo curso dos acontecimentos, tal abertura se tornou um fato, a TFP a aceitou. Em vários pronunciamentos públicos, feitos aliás em nome individual, e não no da TFP (mas com geral consenso nas fileiras desta), empenhei-me em colaborar com a nova ordem de coisas, apresentando sugestões à vista dos riscos que — como tudo em matéria de vida pública — a abertura trazia, e a vantagem que dela poderia auferir o País.
3. NESTA POSIÇÃO serena e imparcial, a TFP desdenha desmentir uma ou outra afirmação, surgida em meio ao presente vozerio publicitário nacional, de que ela teria participação nos aludidos atentados. O Brasil inteiro conhece o caráter modelarmente pacífico da atuação da entidade, comprovado aliás por mais de dois mil atestados de autoridades policiais ou municipais dos vários locais em que tem atuado. A essas acusações, explicavelmente caídas no vácuo, a TFP responde apenas com o silêncio.
4. SEM ENTRAR de modo algum na indagação — de âmbito todo policial — sobre o problema perfeitamente nebuloso da autoria desses atentados, a TFP acentua que eles podem servir de ocasião para uma radical metamorfose do processo de abertura, vantajosa para a expansão comunista em nosso País.
5. COM EFEITO, o método rotineiro de difamação da esquerda contra o anticomunismo consiste em:
a) confundir arbitrariamente com o nazismo toda e qualquer forma de anticomunismo, como se desde meados do século XIX até nossos dias não tivesse havido as mais variadas modalidades de anticomunismo, anteriores, simultâneas e posteriores ao nazismo, muitas delas diversas, e até opostas, a este último;
b) atribuir por este artifício, a todos os anticomunistas, uma propensão incorrigível para o emprego costumeiro da violência — entretanto característico tão-só do nazismo e de seus congêneres.
O grupo, ou os grupos, de direita que eventualmente estejam agora espalhando bombas pelo Brasil, estariam dando enganosas aparências de verdade a essa calúnia esquerdista. Calúnia que — convém insistir — contunde com os dados mais primários da informação histórica. Tais grupos direitistas fariam assim o jogo necessário para a expansão das calúnias da esquerda.
6. DE SUA PARTE, a TFP faz notar ao público quanto a esquerda tem tirado proveito dos atentados que, fundada ou infundadamente, esta última atribui a certos adversários. Tumultuosa, reivindicante, agressiva até o momento em que teve início a série desses atentados, a esquerda pôs desde então mais ou menos em surdina suas farfalhantes agitações. E passou a ostentar-se desenvoltamente como campeã da ordem e da lei. Campeã, aliás, tão turbulenta e agressiva agora no terreno publicitário, quanto o era no terreno da violência material, na época em que fomentava a desordem, agia na ilegalidade... e bramia por liberdade. Com esse procedimento, a esquerda procura habilmente atrair para si as simpatias de nosso público tão pacífico. Pari passu, ela se empenha em transformar em suspeitos aos olhos do público todos os anticomunistas, que até há pouco a apontavam como adversária da tranquilidade nacional.
Escapar do banco dos réus para nele fazer sentar seus adversários é bom negócio...
7. MELHOR NEGÓCIO é ainda, para a esquerda, que com esse curso de coisas o processo de abertura fique exposto a entrar gradualmente em degenerescência. Pois continuará a ser "aberto" para ela, a neopacífica, a neolegal. E passaria a ser repressivo do anticomunismo, que a exploração publicitária de tão abstrusos atentados tende a empurrar para a condição ingrata de neo-desordeiro, neo-subversivo, em uma palavra, de neo-inimigo da tranquilidade pública.
É para onde a ação talvez tão-só episodicamente geminada terrorismo-esquerdismo poderá conduzir a Nação, se não se levantarem múltiplas e autorizadas vozes para mostrar para onde vamos assim caminhando. Isto é, para uma abertura transviada, cujo real desfecho será a esquerdização do País."