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O Estado não pode censurar: “O Estado” pode

Em agosto do ano passado, acrescentava-se mais um elo à longa história das ofensivas publicitárias lançadas contra a TFP, por setores de centro ou de centro-esquerda. Órgãos da imprensa brasileira noticiaram então que um destacado cooperador da TFP brasileira, Sr. Martim Afonso Xavier da Silveira Jr., havia sido denunciado e detido na prisão de La Santé, por crime de escroquerie e de abuso de confiança (Preso em Paris brasileiro que dirige TFP na Europa e França investiga as atividades da TFP, em "O Estado de S. Paulo" de 11 e 12 de agosto de 1979; TFP, um caso de polícia na França e TFP — Primeiras explicações para o caso da França, no "Jornal da Tarde", de São Paulo, de 11 e 14 de agosto. de 1979; Dirigente brasileiro da TFP preso em Paris por abuso de confiança, em "A Tarde", de Salvador, de 12 de agosto de 1979; Por lá, ser da TFP é caso de polícia, em "Isto É" de 22 de agosto de 1979; A TFP vai ao xadrez, em "Veja" de 22 de agosto de 1979).

Ao mesmo tempo esses órgãos publicavam contra a TFP múltiplas asserções de outra índole, carentes de fundamento.

Esta entidade lançou de pronto — com o garbo e a eficácia habituais — sua defesa (Noticiário de "Veja" sobre a TFP: análise e prognósticos, na "Folha de S. Paulo" de 22 de agosto de 1979, e em "O Estado", de Florianópolis, de 26 de agosto de 1979). Dessa matéria puderam tomar amplo conhecimento os leitores de "Catolicismo" (n.° 346, de outubro de 1979 — onde foi estampada também a carta do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a "O Estado de S. Paulo", bem como o desmentido divulgado em 11 de agosto de 1979, sob o título TFP desmente e prepara refutação).

No tocante às TFPs, a polêmica cessou. Restava a defesa da honorabilidade pessoal do Sr. Martim Afonso Xavier da Silveira Jr.

É bem verdade que denunciantes cujos nomes a polícia francesa não quis revelar apontaram aquele cooperador da TFP como culpado dos crimes de escroquerie e abuso de confiança, os quais teriam sido cometidos por ele contra pessoas da direita tradicionalista. Em consequência, a Juíza de Instrução, Sra. N. Martens, abrira a instrução para o processo criminal competente, e decretara a prisão preventiva do Sr. Xavier da Silveira Jr.

Postas as coisas nessa situação, cabia à Justiça francesa pronunciar-se sobre a veracidade daquelas acusações. Enquanto tal pronunciamento não viesse a lume, vã seria qualquer defesa do acusado. Quando viesse a lume, essa defesa se tornaria supérflua. Pois uma vez que a Justiça declara a inocência de um culpado, tudo fica dito sobre a matéria.

Ora, bem naturalmente cônscio da falsidade das acusações que lhe eram assacadas, o Sr. Martim Afonso Xavier da Silveira Jr. esperava um pronunciamento imparcial da autoridade judiciária competente. E por isso ele se calou até que a Juíza de Instrução, Sra. N. Martens, se pronunciasse sobre a matéria. Tal pronunciamento, precedido de minuciosas investigações entremeadas de inesperadas delongas, foi exarado por ela a 10 de julho deste ano. Como adiante se verá, a sentença não se limitou a declarar que não havia provas concludentes contra o Sr. Martim Afonso Xavier da Silveira Jr., mas acrescentou ainda ter ficado patente não ser ele culpado por nenhum ato de escroquerie ou de abuso de confiança. Chegara para o acusado o momento de defender-se perante o público brasileiro, mostrando a vacuidade das difamações estrepitosas contra ele lançadas aqui.

Naturalmente também era esse o momento de o Sr. Martim Afonso Xavier da Silveira Jr. pôr em realce outros aspectos das publicações feitas contra ele. A tal não poderia subtrair-se sua honorabilidade tão duramente ultrajada.

Nessa perspectiva, o distinto cooperador da TFP enviou ao Sr. Julio de Mesquita Neto uma carta, pedindo fosse ela publicada em "O Estado de S. Paulo", quotidiano paulista do qual o destinatário é diretor. Decorrido um mês sem que o Sr. Xavier da Silveira Jr. recebesse qualquer resposta à sua missiva, só lhe restava publicar em defesa de sua honra uma carta aberta ao Sr. Julio de Mesquita Neto (Carta aberta ao Sr. Julio de Mesquita Neto — O Estado não pode censurar: "O Estado" pode, na "Folha de S. Paulo" de 27 de novembro de 1980). A essa carta aberta, apressou-se este último em dar resposta logo no dia seguinte (Mais um ataque a "O Estado" (resposta ao Sr. Martim Afonso Xavier da Silveira Jr.), na "Folha de S. Paulo" de 28 de novembro de 1980).

O leitor desejoso de conhecer a verdade — feita a leitura das três cartas, que aqui publicamos — se dará conta, por si mesmo, da inteira irrelevância das alegações que o Sr. Julio de Mesquita Neto entendeu dever publicar na "Folha de S. Paulo".

Mediante tais alegações, com efeito, o acusador procura colocar-se na posição de acusado, pretendendo que a carta recebida seria incivilizada e insultante. Nossos leitores poderão verificar por si mesmos a improcedência dessa imputação. Por outro lado, é patente que "O Estado de S. Paulo" realmente censurou não apenas a publicação da carta, mas até mesmo de qualquer notícia a respeito da sentença que declarou inocente o Sr. Xavier da Silveira Jr. A ética jornalística lhe impunha ao menos a publicação de tal notícia, uma vez que ele difundira grave suspeita a respeito deste último.

Dessa forma, qualquer novo pronunciamento do Sr. Martim Afonso Xavier da Silveira Jr. passou a ser inteiramente desnecessário.

Dando acolhida a essa correspondência na presente edição, "Catolicismo" contribui assim para que a opinião pública faça justiça ao Sr. Martim Afonso Xavier da Silveira Jr. O que merece a causa da justiça. E também merece seu nome, tão ligado a numerosos episódios de relevo na história da TFP.

Assim, os amigos e simpatizantes da TFP, leitores habituais de "Catolicismo", espalhados por todo o País, terão a seu alcance uma versão documentada de fatos que naturalmente tanto os interessam.


Carta aberta ao Sr. Julio de Mesquita Neto

Como bem sabe V. Sa., há pouco mais de um ano "O Estado de S. Paulo" e o "Jornal da Tarde" publicaram respectivamente sob os títulos Preso em Paris brasileiro que dirige TFP na Europa e França investiga as atividades da TFP (em "O Estado de S. Paulo" de 11 e 12 de agosto de 1979), TFP, um caso de polícia na França e TFP — Primeiras explicações para o caso da França (no "Jornal da Tarde" de 11 e 14 de agosto de 1979), um noticiário que despejava sobre a mais conhecida organização civil anticomunista de nosso País uma torrente de asserções inverídicas, na evidente tentativa de a desacreditar e de a cobrir de ridículo.

Ao mesmo tempo, o noticiário empenhava-se em ferir duramente minha honorabilidade, narrando de modo unilateral e sensacionalista estar eu envolvido, na França, em um inquérito policial por abuso de confiança, a tal ponto que me encontrava detido por ordem judicial na prisão de La Santé em Paris.

No tocante à TFP, respondeu a esse noticiário, com a coerência e a altaneria que o caracterizam, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional da entidade. "O Estado de S. Paulo" estampou sua carta na seção "Dos Leitores", na edição do dia 22 de agosto de 1979.

E a TFP publicou paralelamente comunicados de protesto, nos quais declarava ao mesmo tempo que eu me defenderia quando chegasse o momento oportuno.

Finalmente, este momento chegou. O inquérito policial contra mim instaurado foi encaminhado em 28 de julho de 1979 à Justiça francesa, resultando em ação penal encerrada a 10 de julho deste ano por sentença da Juíza de Instrução, Sra. N. Martens. Esta última, fazendo inteiramente seus os termos da lúcida Réquisition já anteriormente apresentada pela promotora pública, Sra. Betch, proferiu a sentença de Non lieu, que declara a inexistência de motivos de inculpação e determina o arquivamento do processo. Ademais, todos os prazos estão esgotados sem que nenhum recurso tenha sido interposto e, portanto, o assunto está encerrado.

Faço observar ainda que, embora, segundo as praxes do processo penal francês, a sentença se intitule de Ordonnance de non lieu e sua conclusão declare simplesmente não haverem sido encontrados fatos que dessem lugar a uma ação criminal, ocorre, entretanto, que no meu caso a fundamentação do decisório vai mais além. Ela afirma não só que nada se apurou contra mim, mas que ficou demonstrado, no decurso da instrução, que todo o meu procedimento com os cinco cidadãos franceses contra os quais se pretendeu que eu teria cometido abuso de confiança e escroquerie nada teve de ilegal. A decisão reconhece, pois, que sou absolutamente inocente das inculpações com que "O Estado de S. Paulo" e o "Jornal da Tarde" quiseram enxovalhar-me.

Já muito antes dessa sentença, ou seja, no dia 22 de agosto de 1979, fora depositada por familiares meus a fiança judiciária, sendo eu consequentemente posto em liberdade no mesmo dia.

Tendo regressado ao Brasil, dirigi imediatamente a V. Sa. uma carta datada de 20 de outubro p.p., constante de catorze laudas datilografadas, e tendo em anexo cópia xerográfica de certidão da sentença da Juíza N. Martens, por mim rubricada.

Tal carta foi entregue a essa folha — conforme recibo em meu poder — no dia 24 daquele mês.

Nela expunha eu todos os fatos relacionados com esse processo, bem como toda a argumentação própria a defender de modo cabal a minha honra, sob tantos aspectos e tão duramente ultrajada.

É bem certo que o texto de minha defesa é mais amplo do que o dos ataques contra mim divulgados por essa folha e pelo "Jornal da Tarde". Essa disparidade é normal. Pois uma difamação baseada em alegações arbitrárias e superficiais pode caber em poucas frases. Mas a demonstração séria e irretorquível de que são inconsistentes as provas, e vãs as acusações, pode demandar muito espaço.

Era pois um indeclinável dever de justiça dessa folha publicar integralmente minha carta, com destaque correspondente ao que dera a suas anteriores acusações. Se de todo em todo V. Sa. não quisesse divulgar integralmente minha missiva, não lhe faltam nem habilidade nem a experiência jornalística necessária para me propor alguma fórmula mediante a qual me fosse feita justiça. Por exemplo, uma nota da própria redação de "O Estado de S. Paulo" publicando a sentença judicial e retificando as informações dadas em agosto do ano passado pelo jornal.

Para esse passo, não faltam pessoas igualmente relacionadas com V. Sa. e comigo, a cujos bons ofícios talvez V. Sa. preferisse recorrer para tornar mais cômodo nosso entendimento sobre o assunto.

Entretanto, ao longo do mês transcorrido da entrega da carta, o "Estado" se manteve inflexivelmente silencioso, não dando a menor mostra de que a V. Sa. inquietassem o zelo pela honra do próximo e a grave obrigação profissional de manter seus leitores objetivamente informados sobre a realidade dos fatos.

Por que essa atitude? Não é a mim que cabe dar resposta. Constato simplesmente o que se passou. Mantendo-se impassível durante um mês, "O Estado de S. Paulo" tacitamente se recusou a publicar minha defesa. Sobre mim baixou, taciturna, muda, irrecorrível, a censura de "O Estado de S. Paulo".

Assim, esse jornal, que faz praça de seus princípios liberais, e sustenta o direito de todo cidadão à livre expressão do próprio pensamento e à defesa de sua honra, reduz-me à seguinte situação:,

a) Ou pago, em sua custosa seção livre, a publicação de minha defesa;

b) Ou intento um processo judicial possivelmente longo e prolixo, para forçá-lo à publicação (processo esse que o próprio jornal, de começo a fim, glosaria tendenciosamente junto ao público, como bem se pode imaginar);

c) Ou me resigno à triste liberdade de cochichar em pequenas rodas de amigos minha defesa.

Para pagar a seção livre, faltam-me de momento os recursos financeiros. Não sou tão ingênuo que mova um processo judicial em tais condições publicitárias. Contentar-me com a defesa feita sem qualquer publicidade é dar mostras de uma passividade com a qual não me conformo.

Daí a presente carta, muito menor, e cuja publicação, portanto, é muito menos custosa. Sinto-me à vontade ao fazê-lo através da "Folha de S. Paulo", porque este órgão — do qual discordo em muitos pontos — pratica efetivamente a liberdade que prega. Isto é, não aciona organismos internos de censura.

Isto posto, Sr. Diretor, consigno aqui meu categórico protesto contra a atitude de "O Estado de S. Paulo" e do "Jornal da Tarde" face a mim.

Esses órgãos batalharam afincadamente contra a censura exercida pelo Poder Público. Mas, ao mesmo tempo, aplicam arbitrária e brutalmente a censura interna contra quem eles queiram. Segundo esses jornais — que, entretanto, se professam liberais — a liberdade de opinião e o direito à defesa do próprio renome são meros privilégios de rico. Pelo peso do dinheiro, pode este último montar uma rádio ou um jornal. Mediante o que difamará quem entenda, ou fará, à vontade, apologia de si mesmo. Se suas posses não derem para tanto, ainda é mediante o dinheiro que ele publicará em seção livre matéria tão ampla quanto queira. Se não tiver dinheiro nem para isso, é publicitariamente um pária.

Assim, vemos que o mero capricho de um particular proprietário de um órgão de imprensa, que tenha uma visão deformada de sua missão, pode tornar ilusória a tão preconizada liberdade do brasileiro. Em última análise, as prerrogativas que o liberalismo de "O Estado de S. Paulo" nega aos três Poderes do Estado — o Executivo, o Legislativo e o Judiciário — ele as exerce desinibida e euforicamente por constituir parcela do IV Poder, isto é, a Imprensa, e, com esta, os outros meios de comunicação social. Valham estes reparos como fundamentação do categórico e público protesto que oponho ao procedimento de seu jornal.

Ao mesmo tempo que das colunas da "Folha de S. Paulo" dirijo a V. Sa. tal protesto, comunico ao público que está à disposição de quantos a queiram conhecer minha carta a "O Estado de S. Paulo" datada de 20 de outubro p.p., que pode ser pedida no endereço abaixo (*).

Isto posto, só me cabe registrar que a ninguém é lícito, daqui por diante, dar crédito às aludidas versões difamatórias postas em circulação por "O Estado de S. Paulo" e pelo "Jornal da Tarde", sem antes tomar conhecimento desse documento.

"Para ser julgada, a Verdade só pede uma coisa: o ser ouvida" — afirmou certo grande orador sacro. De minha parte, é o que peço."

(*) Rua Dr. Martinico Prado, 246 • CEP 01224 — São Paulo, SP • PABX: 221-8755.

O estandarte da TFP francesa tremula junto a Notre-Dame de Paris. Órgãos de imprensa esquerdistas e de centro-esquerda foram buscar na França acusações anônimas e infundadas para denegrir a maior associação anticomunista brasileira.


A carta que "O Estado" censurou

“Há pouco mais de um ano, os leitores dessa folha e do "Jornal da Tarde" tiveram viva surpresa ante um vistoso noticiário publicado respectivamente sob os títulos Preso em Paris brasileiro que dirige a TFP na Europa (11-8-79) e França investiga as atividades da TFP (12-8-79), em "O Estado de S. Paulo", e TFP, um caso de polícia na França (11-8-79) e TFP —Primeiras explicações para o caso da França ( 14-8-79), no "Jornal da Tarde".

Tal surpresa tinha duas razões. De um lado, o caráter ao mesmo tempo infundado e virulento dos ataques feitos à TFP. Com base em um relatório contra as TFPs redigido por franceses que se mantinham no anonimato, o correspondente dos dois quotidianos em Paris despejava sobre a mais conhecida organização civil anticomunista de nosso País uma torrente de asserções, na evidente tentativa de a desacreditar e de a cobrir de ridículo.

De outro lado, a surpresa vinha da informação dada pelo correspondente, de que eu estava envolvido em inquérito policial por abuso de confiança, a tal ponto que me encontrava detido por ordem judicial na prisão de La Santé em Paris.

Bem entendido, o noticiário punha em realce minha situação na Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, e minha qualidade de diretor do Bureau Tradition-Famille-Proprieté pour l'Europe, bem como me atribuía a condição de dirigente da Association Française pour la Defense de la Tradition, de la Famille et de la Proprieté. E especificava ser eu, ao mesmo tempo, diretor do escritório de representação da Construtora Adolpho Lindenberg na França. Com o que era arrastado na lama não só meu nome, como o das mencionadas entidades. Bem exatamente o que jamais esperariam não só os numerosos paulistas que querem e admiram a TFP, como também o largo círculo de parentes, amigos e colegas, os quais conhecem minha vida desde os primeiros passos, e que, pelo modelar procedimento por mim invariavelmente observado na vida privada como na vida profissional, não poderiam supor que eu fosse capaz de tal conduta.

Na ofensiva publicitária contra a TFP, era invocado inadequadamente o nome venerando da progenitora do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional da entidade. Este último enunciou com altaneria, em carta a V. Sa., publicada por essa folha no dia 22 de agosto de 1979, o que cumpria esclarecer a respeito. Por sua vez, em comunicados à imprensa, a TFP afirmava que as críticas a ela feitas, enfatizadas até às raias do inverossímil, não haveriam de impressionar nossa opinião pública, sagaz e serena. Ao mesmo tempo, prometia a ulterior publicação de refutação mais ampla. Esta publicação foi efetuada pela TFP francesa — mais largamente visada pelo aludido noticiário — em brochura intitulada "Imbroglio. Detração. Delírio — Observações sobre Relatório concernente às TFPs". O trabalho da entidade francesa constitui cabal e magnífica refutação do relatório fantasioso e maligno no qual "O Estado de S. Paulo" e o "Jornal da Tarde" colheram suas informações. No livro "Meio século de epopeia anticomunista" (Editora Vera Cruz, São Paulo, 1980, 464 pp., já em 3ª. edição, com mais de 22 mil exemplares vendidos), a TFP brasileira comunica que a obra de sua coirmã francesa está à disposição do público.

Calar-se sob a afronta

Quanto a mim, brutalmente difamado enquanto estava na prisão, e privado assim das condições morais e físicas para promover minha defesa; tive de calar-me sob a afronta. Posto em liberdade, tive ímpetos de escrever desde logo a V. Sa. protestando contra o tratamento infamante de que fora objeto, e restabelecendo a realidade dos fatos.

Queria eu perguntar a V. Sa., antes de tudo, se considera justo agredir a reputação moral de uma pessoa em imerecido estado de infortúnio, quando nada seria mais simples a V. Sa. do que informar-se previamente sobre a realidade das acusações a mim concernentes, junto a meus irmãos e outros parentes aos quais tinha V. Sa. acesso fácil, cordial e amistoso.

Não me podia caber na mente que órgãos de comunicação ciosos de informar objetivamente o público houvessem de dar difusão ampla a um relatório mimeografado de anônimos, distribuído de mão em mão em círculos da direita francesa, e desinteressar-se de colher sobre o mesmo assunto informações ao seu inteiro alcance, provenientes de meios cuja idoneidade moral V. Sa. bem conhece.

Também me surpreendia que "O Estado de S. Paulo" e o "Jornal da Tarde" levassem o menoscabo (para dizer só isto) à minha reputação moral ao ponto de não incluir, em seus prolixos e espumantes noticiários, esta informação, entretanto de capital importância para o público pouco versado em questões jurídicas: minha prisão em La Santé não resultava de uma condenação judicial proferida em consequência de denúncias aceitas como fundadas pela autoridade competente, mas era apenas uma prisão preventiva.

Para que me fosse concedida liberdade no decurso da defesa, a Juíza de Instrução exigiu a elevada fiança de setecentos mil francos (ao câmbio da época, Cr$ 4.500.000,00), montante absolutamente inusitado no fórum de Paris, o que notoriamente criaria dificuldades, eventualmente até insuperáveis, para quem, como eu, estivesse onerado por dívidas.

No entanto, meus familiares providenciaram, com toda a diligência, que me fosse remetida do Brasil a soma estipulada. Com as delongas administrativas de estilo, tal soma chegou a Paris e foi depositada no dia 22 de agosto de 1979, pelo que, ato contínuo, fui posto em liberdade sujeito a controle judicial.

Por certo, órgãos como o "Jornal da Tarde", e notadamente "O Estado de S. Paulo", não negaram, em seus verbosos noticiários, a fundamental diferença que existe entre a situação de um indiciado preso apenas ad cautelam, logo no início do processo, e no qual nenhuma culpa foi ainda reconhecida, e a do criminoso condenado ao cárcere por ação delituosa comprovada. Entretanto, dado que essa importantíssima distinção podia não ser entendida por boa parte do público, teria sido indispensável usar, a propósito dela, a expressão clássica e corrente: "prisão preventiva". Por que motivo não foi ela usada, de maneira a evitar em toda linha, um equívoco ignominioso acerca do procedimento moral de um ente humano, de um compatriota?

Dois pesos e duas medidas

Sim, um compatriota... Em nome da solidariedade patriótica, quantos atos de defesa têm praticado ambos os quotidianos mencionados! Não muito antes de V. Sa. me atar assim injustamente ao seu pelourinho publicitário, "O Estado de S. Paulo" e o "Jornal da Tarde" participavam, por meio de longa e vistosa cobertura — constantemente favorável — da campanha dramática pela libertação da brasileira Flavia Schilling, condenada (note bem V. Sa.: não simplesmente acusada) por atividades terroristas no Uruguai. Era brasileira, proclamava o coro promotor daquela campanha, e por isto deveria ser libertada. Será talvez a qualidade política do crime que tenha despertado a solidariedade patriótica de "O Estado de S. Paulo" e do "Jornal da Tarde". Porém, a circunstância de ser também eu brasileiro e estar sujeito a processo criminal no Exterior, não tornava equitativo que esses diários esperassem o julgamento das autoridades francesas antes de arrastar — festivamente, diga-se de passagem — meu nome pela lama?

Qual a razão de um destrato tão iníquo da parte de jornais que blasonam serenidade, imparcialidade, compassada e solene ação justiceira? Demasias dessas, e ferozes, esses diários só as têm tido contra inimigos capitais. A que título incluir-me no rol desses vituperados?

Tudo ponderado, cheguei entretanto à conclusão de que a conduta de "O Estado de S. Paulo" e do "Jornal da Tarde" de tal maneira exorbitava de qualquer conta, peso e medida, que supérfluo seria escrever eu então a V. Sa., de quem nenhuma forma de cavalheirismo, de solidariedade patriótica ou sequer de sentimento humanitário, me era dado esperar.

Ciente de minha inocência, e confiante em que ela seria reconhecida, depois de estagnadas delongas, pela Justiça francesa, compreendi que só uma conduta de minha parte seria eficaz: esperar (já que no direito francês não existe "habeas corpus") na dura condição de homem de honra injustamente difamado, até o dia em que a sentença definitiva reconhecesse minha inocência. Então eu me apresentaria a V. Sa. trazendo nas mãos o texto vindicatório de minha honra. E lhe diria simplesmente: aqui está a prova de que sou inocente, e o procedimento de "O Estado de S. Paulo" e do "Jornal da Tarde" foi rancoroso e odiento. Saiba agora V. Sa. tomar as providências que a ética jornalística lhe impõe. Tão logo chegado ao Brasil, é o que faço. E fico a ver que atitude V. Sa. tomará, de posse desta missiva.

E quem fica a ver não sou só eu. É todo o público, que pelas páginas de "O Estado de S. Paulo" e do "Jornal da Tarde", ou por qualquer outra forma, terá, eu lho asseguro, conhecimento do texto completo da presente carta.

Caso encerrado

Entro assim na transcrição e no comentário dos trechos principais da sentença que me fez justiça. Cópia xerox da certidão integral dela, constante de 5 (cinco) folhas por mim agora rubricadas, segue junto à presente. O texto da sentença me foi há pouco entregue por meu brilhante e dedicado advogado, Maitre Alain Maillot, do Escritório Klein & Associés, de Paris.

Começo por fazer notar que na sentença, datada de 10 de julho de 1980 e proferida pela Juíza de Instrução, Sra. N. Martens (a mesma que decretara a prisão preventiva), esta última fez inteiramente seus os termos da lúcida Réquisition objetivando o Non Lieu, emitida pela promotora pública, Sra. Betch. Ademais, todos os prazos estão esgotados sem que nenhum recurso tenha sido interposto, e, portanto, o assunto está encerrado.

Faço observar ainda que, embora, segundo a terminologia do processo penal francês, a sentença se intitule Ordonnance de Non Lieu, pelo que se declara simplesmente não haverem sido encontrados fatos que dessem lugar a uma ação criminal, o texto da decisão, no meu caso, vai mais além. Ele afirma não só que nada se apurou contra mim, mas que ficou demonstrado, no decurso da instrução, que todo o meu procedimento com os cinco cidadãos franceses contra os quais eu teria cometido abuso de confiança e escroquerie nada teve de ilegal. Reconhece, pois, que sou absolutamente inocente das inculpações com que "O Estado de S. Paulo" e o "Jornal da Tarde" quiseram enxovalhar-me.

Passo, assim, a expor os fatos, ponderando ainda que o farei sem me afastar em nada da própria sentença. Essa exposição não constitui um pronunciamento meu, em favor de mim mesmo, mas o relato límpido da verdade feito pelo poder competente.

O inquérito

Os fatos tiveram início com uma busca da Direção Nacional das Investigações Aduaneiras no escritório da Construtora Adolpho Lindenberg (CAL) em Paris. Busca esta que me surpreendeu vivamente, e que a sentença não explica. Diz esta simplesmente: "Os funcionários da alfândega assinalavam que, durante uma busca efetuada nas instalações do escritório francês da CAL, haviam descoberto um certo número de cópias de reconhecimento de dívidas privadas do Sr. XAVIER DA SILVEIRA para com cidadãos franceses; que, efetivamente, após investigação, resultava que cinco cidadãos franceses haviam emprestado somas importantes ao Sr. XAVIER DA SILVEIRA; que se tratava do Sr. DAUDRÉ-VIGNIER, titular de quatro reconhecimentos de dívida num montante global de 160.000 francos, do Sr. DE LANGALERIE, titular de um reconhecimento de dívida no montante de 142.000 francos, do Sr. DU CHALARD DE TAVEAU, titular de um reconhecimento de dívida no montante de 225.000 francos, do Sr. WYKERSLOOTH DE ROOYSTEIN, titular de um reconhecimento de dívida no montante de 400.000 francos, do Sr. BATIGNE Alexis, titular de dois reconhecimentos de dívida no montante de 133.000 francos".

Estive presente à busca, que foi de uma meticulosidade difícil de imaginar. O minguado fruto de tão grande empenho foi o encontro de diversas cópias xerox de reconnaissances de dettes (*) relativas a cinco credores meus. Durante a Revolução Francesa, Mirabeau obteve a abolição das prisões por dívida. Até hoje elas não existem no direito francês. Nada de punível, portanto, em minha situação.

Por que então a Polícia Judiciária teria requisitado à Direção Nacional das Investigações Aduaneiras essas legalíssimas reconnaissances de dettes? Que calúnias foram sussurradas acerca delas? Por quem? Junto a quais ouvidos? A sentença também não o diz. Os autos registram laconicamente o fato bastante enigmático de que tais documentos foram requisitados pela Polícia Judiciária, como se contivessem indícios de abuso de confiança e escroquerie.

Logo em seguida, desenrolou-se o rito processual conseqüente. Mas com características de tufão persecutório. A Polícia Judiciária e aquele Juizado de Instrução de Paris se sobressaltaram, aparentemente só por esses papéis, tão inexpressivos do ponto de vista do direito criminal. E tanto uma como outra tiveram em mãos e puderam examinar quanto quiseram todos os livros e documentos de contabilidade pelos quais eu pudesse estar envolvido em alguma ação ilegal: os do escritório francês da CAL, os da TFP francesa, e muito especialmente os da Association Assistance-Jeunesse (AAJ), mantenedora da École Saint Benoit, beneficiária esta última das quantias por mim emprestadas dos cinco mencionados franceses.

Pari passu, continuava sempre com algo de sensacionalista o curso do inquérito. Foram convocadas a depor, além dos cinco credores, dez pessoas, relacionadas umas com

Continua

Os fatos narrados pelo Sr. Marfim Afonso Xavier da Silveira Jr. desfazem completamente mais uma trama com que adversários das TFPs tentaram golpeá-las.

(*) Expressão jurídica francesa que designa o documento no qual alguém declara ter recebido uma soma em dinheiro, não correspondente a uma liberalidade, a um donativo, e que eventualmente define as condições de reembolso dessa soma.