Continuação
a CAL, outras com a TFP francesa, outras com a AAJ. Dentre estas últimas, algumas eram tão notoriamente alheias à vida econômica da TFP francesa e da AAJ, que foram dispensadas antes mesmo de serem ouvidas: Entre as pessoas ouvidas, obviamente estive eu. Sofri — num período de 31 horas — cinco interrogatórios, totalizando onze horas e cinquenta minutos, um deles de quatro horas e quarenta minutos, ininterruptos, tudo entremeado de agressões morais e próprio a arrancar-me, pela exaustão e pela intimidação, o reconhecimento de delitos que eu não cometera.
Graças a Deus resisti até o fim na defesa de minha inocência.
Seria, pois, natural que, findo o último interrogatório, eu me retirasse sem ser inquietado. Mas precisamente então a mais pungente surpresa me esperava. Foi expedido pela Juíza de Instrução e cumpriu-se, ato contínuo, contra mim, o mandado de prisão preventiva já mencionado.
Tudo isto motivado por não sei que suspeitas que surdiam não sei bem de onde, junto a não sei que ouvidos.
Fui então conduzido pela Justiça a uma cela comum, onde estavam três outros detidos. Meu único conforto, nestes dias, era de ordem moral. Rezava ininterruptamente pedindo a Deus, por meio de Maria Santíssima, a justiça que os homens se obstinavam em negar-me. Foi nessas circunstâncias dramáticas que "O Estado de S. Paulo" e o "Jornal da Tarde", como-algumas revistas de larga tiragem, desencadearam contra a TFP brasileira e contra mim um estrondo publicitário, precisamente no estilo de outros que marcaram, com as glórias da inocência vitoriosa, a rota histórica desta invicta organização.
Logo após o meu encarceramento, familiares e amigos, desconcertados com o curso dos fatos, conseguiram, no brevíssimo período de 48 horas, apresentar à Juíza de Instrução à qual estava afeto o caso, onze cartas de destacadas personalidades brasileiras, com quem eu tivera contato, e que atestavam a perfeita honorabilidade habitual de meu procedimento, bem como da empresa que representava, a Construtora Adolpho Lindenberg (CAL).
Compraz-me prestar aqui, a esses desinteressadas missivistas, a homenagem devida ao espírito de justiça com que se houveram na ocasião. Enumero-lhes os nomes com apreço e amizade. São eles: o Sr. Antonio Delfim Netto, então Ministro da Agricultura; o Sr. Roberto de Oliveira Campos, Embaixador do Brasil em Londres; o Príncipe Bertrand de Orléans e Bragança; o Sr. Octávio Gonzaga Junior, Secretário da Segurança Pública de São Paulo; Dom Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos; o Sr. Gastão Eduardo de Bueno Vidigal, Diretor-Presidente do Banco Mercantil de São Paulo S/ A; o Cel. Murillo Fernando Alexander, Sub-Chefe do Estado Maior do II Exército; o Sr. Miguel Colassuono, Presidente da Embratur; o Sr. Aloysio Marés Dias Gomide, Cônsul Geral do Brasil em Montréal (Canadá); o Sr. Leon Alexandr, então Secretário dos Transportes de São Paulo; o Sr. Georges Roy, Diretor do Banco Francês e Brasileiro S/A.
A 16 de agosto, isto é, depois de vinte dias, fui transferido da cela coletiva em que estava para uma cela individual. O regime carcerário continuou, entretanto, a aplicar-se a mim com todo o rigor, até que, como já narrei, foi, a 22 de agosto de 1979, depositada a fiança.
Entrementes, e também daí por diante, continuava paulatinamente a audição das testemunhas. Procuravam-se, a todo custo, "meus crimes", e nada aparecia.
Ao longo de todos esses interrogatórios tornou-se claro que esses "crimes" versavam sobre algo que de nenhum modo constava de meus inócuos documentos, nem de qualquer outra fonte conhecida. Eu teria induzido meus cinco credores a emprestar-me dinheiro para ser aplicado lucrativamente no Brasil. Porém teria desviado as somas assim obtidas. A verdade é muito outra. Segundo expressamente declarei a meus credores no ato de constituição da dívida — e foi amplamente reconhecido pela sentença — foram elas aplicadas nas obras de restauração dos edifícios ocupados pela École St. Benoit, mantida pela AAJ, e instalada em imóvel rural locado a esta por um dos meus credores, o Sr. de Langalerie (cujo imóvel, diga-se de passagem, beneficiou-se com as obras efetuadas, e a quem a AAJ cobra atualmente em juízo, a título de indenização por ocupação indevida do imóvel pelo locador em plena vigência do contrato de locação, a quantia de 750 mil francos).
Com o depoimento das testemunhas, o processo chegava finalmente a sua fase decisiva. Abusara eu da confiança dos meus credores? Cometera contra eles o crime de escroquerie? Deixo falar a esse respeito a própria sentença:
"Considerando que, se é incontestável que o Sr. XAVIER DA SILVEIRA tomou emprestadas somas de dinheiro a título pessoal, materializadas por reconhecimentos de dívidas, não está demonstrado que este último se tenha valido de sua pertencença à empresa brasileira de construção CAL para induzir as pessoas a assinar contratos, fazendo-lhes esperar assim uma aplicação muito rentável e isenta de imposto; que, com efeito, todos os titulares de reconhecimento de dívidas são unânimes em declarar que essas somas de dinheiro foram emprestadas sem juros, com o objetivo inicial de financiar os trabalhos necessários à escola SAINT BENOIT, à qual pelas suas convicções pessoais, eles estavam ligados; que, além disso, o Sr. XAVIER DA SILVEIRA forneceu a contabilidade da associação "ASSISTANCE JEUNESSE", da qual a escola era uma emanação, contabilidade da qual resulta que somas de dinheiro foram aplicadas num montante sensivelmente idêntico às somas emprestadas; que, de outro lado, nenhum dos que emprestaram apresenta queixa, a não ser o Sr. DE LANGALERIE, tendo ficado estabelecido, entretanto, que este último — o qual era na época empregado da associação — depositou diretamente o montante do empréstimo na conta bancária da referida associação, o que demonstra à evidência que ele conhecia a destinação de tais somas;
"Considerando que não existem, por conseguinte, motivos de inculpação concludentes contra XAVIER DA SILVEIRA Martim de ter cometido a infração supramencionada (de abuso de confiança e "escroquerie"),
"— Declaramos que, nessas condições, não é o caso de prosseguir e ordenamos o arquivamento dos autos, para serem retomados se aparecerem motivos de inculpação novos".
Com essas fórmulas jurídicas clássicas impressas, termina o irretorquível documento.
Como se vê, tornou-se patente, absolutamente patente, que eu não cometera esses crimes. Resultado límpido, categórico do processo: nada contra mim nem contra nenhuma das entidades.
Nos termos da sentença, não sou nem sequer um suspeito, de cuja culpabilidade não há prova. Sou a vítima de denúncias falsas, cuja inocência ficou demonstrada.
Tudo explicado assim até o último pormenor, resta-me dizer uma palavra de esclarecimento ao público sobre minha situação financeira na França. O assunto não implica culpabilidade minha por abuso de confiança ou escroquerie. Mas se relaciona com idoneidade em matéria de negócios.
Ao longo dos gastos que fiz em favor da École Saint Benoit, ia eu entabolando alguns negócios importantes que estavam muito bem encaminhados. Se não se realizassem, restar-me-ia sempre, para pagar os referidos empréstimos, o recurso decisivo de apelar para o apoio financeiro de meu irmão Plinio Vidigal Xavier da Silveira e de meu amigo Adolpho Lindenberg, sempre generosos e compreensivos para com as causas nobres e com largo círculo de relações financeiras em nosso País e fora dele. Aconteceu-me o que a tantos outros também tem acontecido: o infortúnio. Os negócios esperados não puderam realizar-se. O rápido agravamento das condições financeiras do Brasil acarretou o pedido de concordata da CAL, com as correlatas repercussões nos círculos financeiros brasileiros e europeus. Ademais, por causa da campanha de detração movida contra a TFP francesa e contra mim pelo relatório anônimo de início aludido, três dos meus referidos credores pediram, no segundo trimestre de 1979, o pagamento imediato das dívidas, o qual não deveria normalmente ocorrer senão em setembro deste ano de 1980. Não tendo, de momento, meios de fazê-lo, ajustei, com meus credores, novos prazos de pagamento, e mediante apoio de alguns amigos, consegui saldar nesses prazos todas as minhas dívidas — exceção feita de 10% relativos a um credor, de minha especial amizade, com o qual estabeleci acordo para pagamento dentro de um ano. Portanto, não sou devedor de quem quer que seja, a não ser deste último amigo.
Compreendo que algum leitor conserve no espírito uma curiosidade que deixo insatisfeita.
Com efeito, quem são os promotores dessas infundadas detrações? Quais os ativadores desse tufão judiciário, desse processo torturante a vários títulos, inclusive pelas delongas que me fizeram penar por tanto tempo?
Por certo há aqui e acolá vislumbres, indícios — eu me abalançaria em dizer, até, talvez provas — acerca do arrière fond de todo este caso. Mas isso conduziria a polêmicas de caráter pessoal. E a estas não quero descer.
Por isso também não entro na análise de quais possam ter sido os móveis perfeitamente não econômicos, pelos quais, segundo informaram "O Estado de S. Paulo" e o "Jornal da Tarde", os organizadores do citado relatório francês distribuíram-no às embaixadas em Paris de todos os países onde existem TFPs, o que de nenhum modo poderia ser proveitoso, como aliás também não nocivo, aos credores, mas só poderia ter efeitos nocivos à luta ideológica das TFPs, num campo que estava muito além dos interesses pessoais dos credores em causa.
Desde minha adolescência militei ideologicamente nas fileiras da TFP brasileira. E, fiel aos métodos invariavelmente seguidos por esta, mesmo em face das mais duras invectivas, só consinto em polemizar em matéria doutrinária. Em matéria pessoal, só polemizo para defender minha honra. Mas, cabalmente cumprido esse dever, abstenho-me de estraçalhar em seguida a honra de meus detratores. E isto por duas razões.
Antes de tudo porque assim lhes faria o jogo. Nos opulentos anais das invectivas contra as TFPs, nota-se que, de modo estranhamente sistemático, os opositores (seria talvez melhor dizer, o opositor) sempre evitam a discussão doutrinária e de alto porte, e correm sôfregos para a difamação pessoal mesquinha e infundada. Para a legítima defesa, as TFPs não os (ou o) acompanham nesse terreno inferior.
Mesmo porque não as move — eis a segunda razão — o desejo da vingança, mas o zelo pela verdade. E sempre que possível, elas preferem poupar o adversário.
Odiai o erro, amai os que erram — preceituou o grande Santo Agostinho.
Assim têm agido sempre as TFPs contra os (ou o) adversários (o).
Assim também procedo eu na presente emergência.
Estas são, Sr. Diretor, as informações e as reflexões que julgo indispensável levar ao conhecimento de V. Sa. e de seus leitores, para retificar as inexatidões contidas nas notícias a mim concernentes, publicadas por esse órgão e pelo "Jornal da Tarde". Bem como para desfazer as impressões desfavoráveis e responder às perguntas a que tais notícias dão lugar.
V. Sa. terá notado no decurso da leitura da presente missiva que ela visa atender a esses fins mediante a maior concisão de linguagem. E, sem embargo, o texto dela é consideravelmente maior do que o das referidas notícias. Jornalista experimentado, V. Sa. não estranhará, pois não pode ignorar que bastam duas ou três frases para enunciar uma informação inexata, ou para difundir com ares de plausível, uma suspeita injusta. E a defesa correspondente pode ocupar, para ser convincente e cabal — como em questões de honra se exige — várias laudas.
Assim, sinto-me no meu direito de pedir a V. Sa. a publicação integral e gratuita da presente em "O Estado de S. Paulo". "Integral": fazendo uso dos direitos de quem está em legítima defesa, condiciono expressamente essa publicação a que seja integral, de maneira a não comportar a supressão de qualquer de suas partes, nem a substituição de alguma delas por texto-resumo elaborado na redação de "O Estado".
Espero que este pedido seja atendido, com o que "O Estado de S. Paulo" dará bela mostra de senso de justiça, e de correção jornalística. Por isto de bom grado o aplaudirá o patrício [segue a assinatura da carta]"
NOTA: Os subtítulos desta carta são da Redação.
Os leitores interessados em conhecer o texto integral da sentença da Justiça francesa, proferida pela Juíza de Instrução, Sra. N. Martens, datada de 10 de julho de 1980, poderão obtê-lo, solicitando-o à Administração de "Catolicismo" (Rua Dr. Martinico Prado, 271 • CEP 01224 — São Paulo, SP).
À carta aberta do Sr. Marfim Afonso Xavier da Silveira Jr. ("Folha de S. Paulo" de 27 de novembro de 1980) o Sr. Julio de Mesquita Neto deu a resposta abaixo ("Folha de S. Paulo" de 28 de novembro de 1980), sob o título Mais um ataque a "O Estado" (resposta ao Sr. Martim Afonso Xavier da Silveira Jr.):
"O Sr. Martim Afonso Xavier da Silveira Jr. publicou, na edição de ontem deste jornal, uma Secção Livre em que procura acusar-me de ter impedido o público leitor de "O Estado de S. Paulo" de tomar conhecimento de fatos relativos à sua pessoa. Em linguagem, cujos excessos e cujo tom se podem atribuir aos desfortúnios por que passou, S.Sa. tenta caracterizar minha ação como censura à sua defesa. Em atenção à opinião pública, ofereço os seguintes esclarecimentos:
1. Realmente, "O Estado" e o "Jornal da Tarde" publicaram noticiário procedente de Paris, dando conta da prisão do sr. Xavier da Silveira Jr. Não houve sensacionalismo na publicação, nem os fatos foram narrados de maneira unilateral. Tanto assim é que a própria TFP à época, ao defender-se enquanto instituição, não assumiu a defesa do sr. Xavier da Silveira Jr. declarando, como s.sa. reconhece, que ele se "defenderia quando chegasse o momento oportuno"...
2. Censura ideológica ou pessoal, não a exerci jamais. A prova é que a carta que então me foi dirigida pelo sr. Plinio Corrêa de Oliveira, foi publicada na íntegra. E o foi por uma razão muito simples: era uma carta em termos civilizados, ainda que de uma pessoa que deixava transparecer sentir-se atingida em sua dignidade, não pelo meu jornal, mas pelas notícias que eram publicadas em Paris;
3. A carta do sr. Xavier da Silveira Jr., como s.sa. o reconhece, excedia todos os parâmetros legais - além dos de civilidade. Quando s.sa. diz que diante da não publicação só lhe caberia divulgá-la em Secção Livre (para o que não possui recursos), ou mover ação judicial, ou resignar-se, procura aliciar, e mal, o sentimentalismo de terceiros. Dinheiro, s.sa. o tem, tanto que publicou sua Secção Livre de ontem; ação judicial, não cabia, esgotados que estavam os prazos estabelecidos pela Lei de Imprensa; resignação à "triste liberdade de cochichar" a sua defesa, foi o castigo que s.sa. a si mesmo se impôs pela falsa soberba com que redigiu sua carta e por haver estabelecido, nela, que ou se publicavam as 14 laudas, ou nenhuma linha. Não tivesse s.sa. imposto as regras, querendo obrigar-me a acolher gratuidades e quase insultos, e teria publicado com imenso prazer a famosa ordonnance de non lieu;
4. Só uma mentalidade retorcida é que pode pretender que eu o procurasse, como se culpado fosse, para acertar com ele a maneira de acolher seu pedido. Porque, é bom que se diga, as 14 laudas dividiam-se em três partes distintas: defesa e no fundo propaganda da TFP, que não estava em jogo; defesa do signatário, e ataques e insinuações malévolas se não a mim, à orientação que imprimo a "O Estado". Tendo o sr. Xavier da Silveira Jr. estabelecido, iracundo, que ou eu publicava tudo ou não permitia, ele, que nada fosse veiculado, simplesmente não dei curso à missiva.
Sangra-se em saúde o sr. Xavier da Silveira Jr., possivelmente por só agora ter-se dado conta de que a "habilidade" e "experiência jornalística" que me teriam feito atender a seu pedido não puderam exercitar-se por determinação sua. Talvez pouco acostumado à prática do jogo democrático e à arte de conceder, s.sa. não tivesse atentado, ao subscrever sua carta, que ao enviá-la tornava impossível sua publicação.
Não pretendo ter para mim um direito que nego ao Estado exercer contra a sociedade. Não posso, porém, admitir que quem quer que seja e muito menos um membro da TFP me obrigue a acolher, nas páginas de meu jornal, graciosamente ou a pagamento, gratuidades e insultos contra minha pessoa ou à orientação que imprimo a meu jornal."
O que é uma ponte? —Hífen entre dois caminhos. Ponto de união entre duas vias separadas por um abismo ou obstáculo, seja ele rio, vale ou passagem.
Ponte não é caminho. Ela possui sua individualidade e nobreza próprias. E nisto se diferencia fundamentalmente dos modernos viadutos e "minhocões", concebidos como simples prolongamento de rua, avenida ou estrada.
Pontes e viadutos... Tema banal, julgará algum leitor. No entanto, a verdade é que a inteligência humana pode exprimir nas linhas de uma ponte — mesmo quando se trata de algo muito simples, num caminho de roça — muita beleza e criatividade.
É o que o leitor pode observar em pontes antigas como as reproduzidas nesta página, que constituem verdadeiros monumentos e figuram entre as mais famosas do mundo.
Consideremos, por exemplo, a velha ponte de Londres, sobre o Tâmisa, com suas torres hieráticas a velar como sentinelas. Firmeza, solidez, força... serenidade parecem daí emanar-se. Seja quando a ponte se abre, permitindo fluírem os barcos através do rio, seja quando se fecha, para que sobre ela transitem os veículos, sua silhueta permanece alheia à movimentação, majestosa e como que levemente indignada.
Esses valores imponderáveis constituem o maior atrativo da ponte de Londres. Por isso ela foi fotografada e filmada de todos os lados. E quando se fala em ponte sobre o Tâmisa, é esta e não outra que vem à memória.
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A beleza da Ponte de Sant'Angelo, em Roma, é de outro gênero. Situada sobre o Tibre, perto da Praça de São Pedro, ela une a Via della Conciliazione ao Castelo de Sant'Angelo.
Dedicado a São Miguel Arcanjo, esse antigo edifício foi construído pelo imperador romano Adriano, no século II, para servir de mausoléu para si e sua família. No século V os Papas o transformaram em Fortaleza e refúgio contra as perseguições e invasões bárbaras.
No alto de sua torre circular sobressai a figura de São Miguel, que ali apareceu durante a Idade Média para anunciar o fim de uma peste que devastara Roma. Daí o nome do castelo e da ponte, dedicada aos Anjos e toda ornada de imagens ao longo de sua balaustrada. A Igreja indulgenciou-a e, assim, quem percorre a ponte rezando determinadas orações junto a cada imagem pode ganhar tais ou quais indulgências.
Sobre o velho Tibre que os imperadores contemplaram, com suas belas águas esverdeadas, ela parece indicar que a intercessão dos Anjos é também uma ponte que conduz sobre os abismos que vão desta terra ao outro mundo, desta vida à outra, eterna. E que, no momento de nossas almas de fiéis católicos serem apresentadas a Deus, isto se fará através dos Anjos.
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Há, entretanto, outra ponte que liga o Vaticano ao Castelo de Sant' Angelo, pouco divulgada, sem preocupação artística, mas que tem sua beleza. Trata-se de uma passagem coberta, semi-secreta, que se esgueira por entre o casario, através da qual os Papas dos antigos tempos saíam rumo ao castelo, em caso de invasões ou revoluções. O leitor pode imaginar a cena: o Pontífice que recebe as informações de seus auxiliares, gritos, desordens... E sai apressado, com apenas alguns Cardeais e monsenhores, pela viela sinuosa, iluminada de espaço em espaço por uma janelinha, atravessa o Tibre e fecha-se na fortaleza para dali oferecer resistência ao inimigo...
Neste caso a beleza da ponte semi-oculta procede dos apuros sofridos pelo Papado e da solução inteligente encontrada.
Não dispomos de todo o espaço necessário para mostrar ao leitor todas as pontes famosas do mundo. Se dispuséssemos, não esqueceríamos certamente o Pont Neuf, construído sobre o Sena, no centro de Paris, sob o reinado de Henrique IV.
É apenas um conjunto de arcos, muito simples. Mas, nessa simplicidade, que harmonia de proporções! E os arcos parecem ainda mais belos quando se refletem nas águas incomparáveis do Sena.
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Ah, as águas... Por vezes são elas que tornam belas as pontes. Cada rio as apresenta com um matiz próprio... desde que os parques industriais modernos não as tenham poluído com os detritos e odores das cidades modernas.
Quem não conheceu as águas do Arno, que banham Florença, não faz idéia de quanta beleza elas podem espelhar. Ao longo do rio existem avenidas que os toscanos pitorescamente chamam "Lungarno". — "Lungarno degli Acciaioli", por exemplo, onde havia uma velha torre medieval, lembrando tropas quinhentistas com seus arcabuzes, marchando ao longo do rio — "lungarno" — para fazer guerra a alguma outra pequena cidade italiana. É preciso ser muito grande para fazer grandes guerras entre cidades pequenas. Isso, a Itália tradicional, anterior à unificação, teve. E pode-se considerar superior uma guerra entre Veneza e Gênova, Florença e Siena, por exemplo, do que a participação italiana nas duas Guerras Mundiais.
A Itália regionalista era como uma espécie de broche no qual se incrustavam pedras preciosas — suas cidades, ducados, principados. Cada pequena república, região, reino ou senhorio possuía suas características inconfundíveis, formando um conjunto que diríamos feérico: Lombardia, Piemonte, Veneza, Pádua, Siena, Assis, Nápoles, Sicília... — a lista preencheria esta página inteira.
* * *
Para concluir com apenas uma dessas joias, um pormenor de Veneza: a Ponte dos Suspiros. Não une duas estradas, mas dois palácios. Tão pequena como obra de engenharia se a compararmos com um "minhocão". No entanto, quem acredita que os "minhocões" passarão para a História? A Ponte dos Suspiros, porém, passou, e foi admirada por todos que souberam analisar e compreender Veneza.
Em Florença, o Arno desliza suavemente sob a Ponte Santa Trinità e o pitoresco Ponte Vecchio, com Suas pequenas e graciosas lojas da época medieval. À esquerda, a esbelta torre do Palazzo Vecchio.
Ponte e Castelo de Sant'Angelo, em Roma.
A Ponte da Torre, em Londres.
Ponte dos Suspiros, em Veneza. Ao fundo, à esquerda, o embarcadouro de onde São Pio X, quando Cardeal Patriarca da cidade, partiu inúmeras vezes na bela gôndola que os venezianos lhe ofereceram de presente.