Plinio Solimeo
O sofrimento, quando visto com olhos sobrenaturais, é tão sublime, que tem algo como que de sacramental. Com efeito, os santos comumente o chamam de 8.° Sacramento.
Poderia ser diferente se o próprio Filho de Deus o escolheu amorosamente para Si, constituindo-o seu maior galardão aqui na terra?
A vocação para o sofrimento é, por isso, uma das mais elevadas que há na Igreja.
É bem verdade que se pode dizer que ela se confunde com a vocação para a santidade, pois sem o sofrimento não se chega à prática heroica de todas as virtudes. No entanto, pode-se afirmar que, na senda da santidade, a vocação específica para o sofrimento é um requinte dentro do requinte. Um plus ultra dentro do plus ultra.
É também por essa razão que, em todas as épocas da vida da Igreja, a Providência suscita almas que, pela aceitação de um extremo de sofrimentos, sirvam de contrapeso na balança da Justiça Divina, suprindo o que falte no prato do Bem, para que a carga dos pecados do mundo não obrigue a Cólera Sacrossanta de Deus a abater-se sobre a terra.
Uma dessas vítimas expiatórias foi Santa Lydwina de Schiedam, cuja vida foi escrita no começo de nosso século por J. K. Huysmans. Esse conhecido escritor francês, convertido no final do século passado dos mais profundos antros da anti-Igreja — como ele próprio o narra em seu livro "Là- Bas" — descreveu a vida dessa santa, apoiando-se em biografias escritas, pouco depois de sua morte, por três religiosos que a conheceram muito de perto e acompanharam a impressionante ascensão de sua vida espiritual.
Sem as mencionadas fontes — bastante fidedignas —, dado o teor tão extraordinário da existência de Santa Lydwina, dificilmente se conceberia a série de catástrofes físicas, de intervenções sobrenaturais e preternaturais que semearam a vida dessa virgem flamenga. Pareceu-nos oportuno focalizar aqui alguns aspectos da vida dessa alma expiatória, infelizmente pouco conhecida até mesmo nos ambientes católicos.
É, pois, baseado em "Sainte Lydwine de Schiedam" (Librairie Plon, Lon-Nourrit et Cie., Imprimeurs-Editeurs, Paris, 1901) do referido autor, e na "Histoire Universelle de l'Église Catholique", do Abbé Rohrbacher (Gaume Frères, Libraires, Paris, 1845, tomo XXI), que apresentaremos tais traços dessa vida extraordinária.
Contexto histórico
O período que decorreu entre o fim da Idade Média até o precipitar-se da Europa "nessa cloaca desenterrada do paganismo, que foi a Renascença" (Huysmans, op. cit., p. 51), consistiu numa das eras mais conturbadas da História.
Assim descreveu o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, em sua admirável obra "Revolução e Contra-Revolução", as profundas metamorfoses que se operaram então na Europa:
"O apetite dos prazeres terrenos se vai transformando em ânsia. [...] O anelo crescente por uma vida cheia de deleites da fantasia e dos sentidos vai produzindo progressivas manifestações de sensualidade e moleza. Há um paulatino deperecimento da seriedade e da austeridade dos antigos tempos. [...] Os corações se desprendem gradualmente do amor ao sacrifício, da verdadeira devoção à Cruz, e das aspirações de santidade e vida eterna. A Cavalaria, outrora uma das mais altas expressões da austeridade cristã, se torna amorosa e sentimental, a literatura de amor invade todos os países, os excessos do luxo e a consequente avidez de lucros se estendem por todas as classes sociais" (Op. cit., "Catolicismo" n.° 100 — Suplemento — 1959; Parte I, cap. III, 5, p. 19).
As consequências religiosas e políticas desse estado de coisas foram catastróficas. Três Pontífices, em determinado momento, eleitos cada qual por um grupo de Cardeais, lançavam-se reciprocamente excomunhões e anátemas, dilacerando a unidade do Corpo Místico de Cristo, sendo apoiados por reis e senhores, na medida em que serviam aos interesses de cada um.
Entrementes, pretendentes a uma mesma coroa, se entredigladiavam, recorrendo a todos os meios — inclusive aos assassinatos mais monstruosos e às alianças mais desonrantes — para atingir seus objetivos. E, à semelhança dos líderes espirituais e civis, os subordinados lutavam entre si em sangrentas guerras fratricidas.
Para contrapor-se a tal situação apocalíptica, a Providência suscitou vários santos, entre os quais São Vicente Ferrer, Santa Catarina de Siena, Santa Brígida. E, como que pregada, durante 38 anos em seu leito de dor, Santa Lydwina de Schiedam.
Schiedam é uma simpática cidadezinha da Holanda, próxima ao local onde o Rio Mosa se espraia no Mar do Norte. Foi ela escolhida, no Domingo de Ramos de 1380, para ser o berço de um dos mais gloriosos florões da hagiografia católica, Santa Lydwina.
Filha de um guarda noturno da cidade, pouco se sabe de sua infância, senão que era muito piedosa e caritativa, e que, ao atingir seus 15 anos, muito formosa.
Não é de admirar, pois, que seu pai a quisesse desposar com algum pretendente abastado, o que poderia ser de auxílio ao guarda noturno, cuja única riqueza consistia na sua imensa prole.
Lydwina, porém, já consagrara a Deus sua virgindade. Percebendo que sua aparência seria um contínuo obstáculo aos seus desejos, recorreu ao seu Celeste Esposo suplicando-Lhe arrebatasse a beleza física, para afastar os pretendentes.
Suas preces foram ouvidas muito além do que ela pedira. Em breve contraiu moléstia que a tornou cadavérica, olhos fundos, pele macilenta e esverdeada. Começava assim para Lydwina o sublime martírio que duraria até o fim de sua vida.
Vitima reparadora
Quando satanás alegou junto a Deus que Job, apesar de ter perdido todos os seus bens, permanecia "íntegro, reto, temente a Deus e afastado do mal" (Job, 2, 3) somente porque sua pele não fora atingida, respondeu-lhe o Criador: "Pois bem, ele está em teu poder, poupa-lhe somente a vida" (Id., 2, 6). E a fúria do inferno recomeçou a abater-se sobre Job, desta vez ferindo-lhe o próprio corpo.
Semelhante foi o que passou a ser a vida de Lydwina, se bem que, em vez do demônio, foi a cólera do próprio Deus que se abateu sobre ela, com seu consentimento, para que expiasse pelo acabrunhante peso dos pecados de seu tempo.
Não é possível narrar, nos limites de um artigo, todos os tormentos físicos, morais e espirituais de Santa Lydwina. Para se ter uma ideia, foi ela atingida por todas as moléstias conhecidas então, com exceção da lepra, considerada infamante por privar os que dela se contagiassem do convívio humano. E Lydwina deveria ser apóstola em seu leito de dor.
Com o corpo roído por vermes, transformado numa imensa pústula — que, atestando sua origem sobrenatural, emanava suave perfume — padeceu ela durante 38 anos.
Nos primeiros quatro anos de suas doenças, Lydwina gemeu sob o peso dos sofrimentos, sem consolações e sem compreender sua razão. Desejava fugir deles, e perguntava a Deus por que a tratava tão duramente.
Um Sacerdote veio então em seu auxílio, ensinando-a a oferecer seus sofrimentos em reparação pelos pecados do mundo. Nesse sentido, deveria ela meditar continuamente os mistérios de nossa Redenção, fazendo companhia a Nosso Senhor.
A partir de então, uma vida nova abriu-se para ela. Compreendeu que sua missão era a de ser vítima expiatória, e que deveria reparar a Justiça Divina pelas graves e imensas ofensas contra Ela cometidas.
Mais tarde, o próprio Nosso Senhor far-lhe-ia compreender melhor sua missão, apresentando-lhe a situação da Europa naquele momento.
"A Europa lhe aparecia [a Santa Lydwina] convulsionada — escreve Huysmans — sobre o leito de seu solo, procurando recolher sobre si, com mãos trêmulas, a cobertura de seus mares, para esconder seu corpo que se decompunha e que não era mais que um magna de carnes, um limo de humores, uma lama de sangue; porque era uma podridão infernal que lhe rebentava pelos flancos. Era um frenesi de sacrilégios e de crimes que a fazia urrar como um animal que se sacrifica. Era a vermina de seus vícios que a despedaçava. Eram os cancros da simonia, os cânceres da luxúria que a devoravam viva. E, terrificada, Lydwina olhava sua cabeça, ornada com tiara, que oscilava, rejeitada ora para o lado de Avignon, ora para o de Roma.
"Vê", disse-lhe Cristo. E, sobre um fundo de incêndios, percebeu ela, debaixo da conduta de loucos coroados, a matilha solta dos povos. Eles se massacravam e se pilhavam sem piedade. Mais ao longe, em regiões que pareciam pacíficas, ela considerava os claustros transtornados pelas intrigas de monges infiéis, o clero que traficava com a Carne de Cristo, que vendia em leilão as graças do Espírito Santo. Ela surpreendeu as heresias, os sabbats nas florestas, as missas negras" (Op. cit., pp. 272-273).
Em contrapartida, para que Lydwina compreendesse não estar só, mostrou o Redentor uma falange de santos que por toda parte se sacrificava, pregava e reformava, procurando restaurar a integridade do Corpo Místico de Cristo e a Cristandade, como São Bernardino de Siena, São Lourenço Justiniano, São Nicolau de Flue, Santa Joana D'Arc, São João de Capistrano e tantos outros.
Os sofrimentos passaram a ser para ela uma necessidade. O que importavam seus males, se com eles reparava a Deus e evitava que um número maior de pessoas se precipitasse no inferno?
A par dos crescentes sofrimentos, começou ela a gozar graças místicas tão assinaladas, que exclamava: "As consolações que sinto são proporcionais às provações que suporto, e eu as acho tão requintadas, que não as trocaria por todos os prazeres da terra".
Algumas dessas graças consistiram na marca dos sagrados estigmas de Nosso Senhor em sua carne, e em padecer com Ele os tormentos da Paixão. As visitas celestes se lhe tornaram familiares, bem como a visão contínua de seu Anjo da Guarda, que não só a levava em espírito aos lugares da terra santificados pela presença de nosso Divino Salvador, ou em que se passassem fatos marcantes para a vida da Igreja, mas também ao Purgatório e mesmo ao inferno. Levada igualmente ao Paraíso, foi muitas vezes obsequiada pela Santíssima Virgem, convivendo com Anjos e Santos.
Embora todo seu corpo, com exceção da cabeça e do braço esquerdo, estivesse paralisado, movia ela, não só pelo sofrimento, mas também por palavras, parte da História de seu tempo. Seu humilde quarto, onde jazia imóvel sobre um leito de palhas, recebeu a visita de inúmeras autoridades civis e eclesiásticas, de religiosos e de seculares de todas as camadas sociais. Sua casa tornou-se não só um local de peregrinação, mas um verdadeiro hospital para as almas. Deus a favoreceu com o dom de milagres e com o espírito profético.
O último milagre
Santa Lydwina faleceu em 1432, aos 53 anos de idade. Antes de começar sua agonia, apareceu-lhe Nosso Senhor Jesus Cristo acompanhado da Santíssima Virgem, dos doze Apóstolos e de uma multidão de Anjos e Santos. Servido pelos Anjos, o Divino Salvador tomou os santos óleos e ministrou-lhe a Extrema Unção. Depois, tomando uma vela que um Anjo Lhe apresentou, colocou-a nas mãos de Lydwina, apresentando-lhe também o crucifixo, que ela osculou amorosamente, suplicando ao Salvador que lhe permitisse, até o momento em que sua alma se desligasse do corpo, sofrer tudo o que fosse necessário para que ela, então, pudesse ir contemplá-Lo face a face no Céu.
Essa graça lhe foi concedida. Dois dias depois expirou, assistida apenas por seu sobrinho de doze anos. Catarina Simon, sua fiel enfermeira, viu sua alma ser recebida por Nosso Senhor no Paraíso Celeste.
Enquanto isso, na terra, seu corpo consumido pelas moléstias e pelos sofrimentos, readquiria, no momento da morte, o frescor e a beleza que Lydwina possuíra aos 15 anos de idade.
Nosso Senhor na Cruz - afresco de Fra Angélico (século XV), Convento de São Marcos, Florença (Itália). — Santa Lydwina de Schiedam meditava continuamente os mistérios da Redenção, como a morte do Salvador, procurando fazer-Lhe companhia em seus sofrimentos.
Nesta foto, um aspecto da bela cerimônia de ordenação sacerdotal ministrada por D. Antonio de Castro Mayer, em 8 de dezembro p.p., na Catedral Basílica Menor do Santíssimo Salvador, em Campos. Ajoelhados, os novos Sacerdotes da Diocese: da direita para a esquerda, Pe. José Ronaldo Menezes, Pe. José Onofre Martins de Abreu e Pe. Alfredo Gualandi.
Péricles Capanema
Os caminhos da História, nestes dias de grave tensão internacional, se entrecruzam na Polônia. Cadinho de nova fórmula política a ser proposta ao mundo? Ou mero prelúdio do baque surdo das tropas do Pacto de Varsóvia, invadindo-a para a esmagar no sangue e na dor?
No Ocidente, alguns setores de esquerda, e notadamente da esquerda dita católica, assistem com notória simpatia ao desenrolar da crise polonesa. De tal crise esperam eles, finalmente, o nascimento do chamado "socialismo de rosto humano" para ser apresentado em contraposição à desgastante experiência dos "países do socialismo real"?
Quatro forças, em primeiro plano, influenciam a crise. De sua interação, nascerá o desfecho.
O novo sindicalismo polonês
O novo sindicalismo, distinto do oficial, é o pivô da crise. As duras condições de existência do operariado polonês, opresso pela máquina burocrática do comunismo, já haviam provocado as revoltas de 1956 e 1970, e a respectiva troca de equipes dirigentes. Gomulka tornou-se secretário-geral do POUP (Partido Operário Unificado Polonês, o PC de lá) em 1956; Gierek em 1971. Em 1980 a dose foi repetida: caiu Gierek e entrou Kania com sua equipe. Desta vez, entretanto, a mera mudança de guarda e modificações de fachada não foram suficientes para aquietar os trabalhadores. Continuaram as reivindicações, expressas na maioria das vezes pela central sindical "Solidariedade", cujo líder, Lech Walesa, entrou nos últimos meses para o cenário mundial. Esse agrupamento de organizações operárias, que ostenta categórico alheamento ao PC e ao Estado, empreende vistosa disputa com o governo e os sindicatos oficiais.
A existência de "Solidariedade" contesta o âmago da teoria marxista. Esta afirma que, após a derrubada do Estado burguês, já não subsiste antagonismo de classes, mas apenas contradições, que diminuirão à medida que a nova sociedade se aproxime do ideal comunista. A Polônia estaria na fase intermediária — república popular socialista — mas já governada pelo operariado. O Estado e o Partido — sua vanguarda — lhes estariam sujeitos.
Dita situação é contestada pelos supostos donos do poder, isto é, os operários. Não se sentem eles representados pelas cúpulas dirigentes, consideradas pelo operariado polonês como uma casta de privilegiados, desinteressada do bem autêntico dos trabalhadores e intensamente preocupada em manter as prerrogativas adquiridas. Por isso, a classe trabalhadora daquele país organiza-se, fora do bafejo do PC, e se lança na luta pela melhoria de suas condições de vida. A existência da central sindical "Solidariedade" desmente a "ortodoxia" marxista.
Esse novo sindicalismo introduz corrosiva "heresia", pois a viabilidade de reagir contra a casta dos dominadores-ideólogos, encastelados nos órgãos da burocracia partidária e estatal, produz por contágio ondas desestabilizadoras nos outros países da cortina-de-ferro. Os PCs de todos esses países se veriam ainda mais na contingência de tratar as populações subjugadas à tirania vermelha como um exército invasor trata uma nação dominada. Tal realidade, em grande parte já existente, tenderia a se tornar insustentável.
O segundo fator: a Rússia
Nesse ponto, entra a Rússia, guardiã do império vermelho. Toleraria ela a propagação do "bacilo polonês" em populações descontentes, com os perigos inerentes à possível implosão do edifício socialista? A fachada carrancuda dos Estados policial-burocráticos esconde fissuras, em que o espírito avisado dos dirigentes maiores do comunismo deita toda a atenção. Os resmungos advindos de Moscou, as ameaças mal veladas de repetir a dose de repressão aplicada à Hungria em 1956 e à Tchecoslováquia em 1968, indicam os riscos que a experiência polonesa traz ao Pacto de Varsóvia. Um regime que não convenceu, que não tem credibilidade na proposição de um futuro próspero — e que, de concreto e autêntico, só trouxe carência e ditadura — compreensivelmente, não pode com despreocupação abrir as comportas. O ímpeto das águas represadas sem dificuldade arrasaria o obstinado trabalho das últimas décadas.
Aqui se coloca o dilema soviético:
1) Não intervir militarmente, deixar a liberalização avançar na Polônia e, com a inação, adquirir credibilidade no Ocidente, onde se louvariam a tolerância e a abertura dos russos aos novos ventos. A détente poderia então continuar. Nessa perspectiva, a Rússia aceitaria a inclusão, no passivo da operação, dos perigos da conflagração interna nos países do Pacto de Varsóvia, eventualmente causada pela possibilidade de expressão categórica de queixas generalizadas.
2) Ou intervir militarmente na Polônia, restabelecer a paz dos pântanos à custa das baionetas e reintroduzir aquela nação na "feliz convivência da mansa família dos países fraternais da Rússia". A détente ficaria em frangalhos; a opinião pública do Ocidente, já chocada com a invasão do Afeganistão, certamente ficaria traumatizada pelo horror do martírio da Polônia.
Se os estrategistas do Cremlin julgarem excessivos os riscos da liberalização, correrão o risco de ver a détente se esfacelar, e as forças do Pacto de Varsóvia ocuparão brutalmente a cidade que lhe deu o nome.
A Igreja na crise polonesa
Há ainda que considerar dois fatores de peso: o papel da Igreja e as prováveis reações do bloco ocidental. Começo pela Igreja.
Na Polônia, sempre se disse, o PC administra o Estado, a Igreja orienta a alma da nação. E o símbolo da atuação dela no país é o Cardeal Wyszynski, presença de reconhecida importância, o qual, com decantada moderação, dirigiu o barco do catolicismo polonês nas últimas décadas.
Numa primeira fase, o Episcopado parecia ter-se colocado numa posição contrária ao governo de Varsóvia e favorável ao movimento sindical "Solidariedade". Por sua vez, Walesa, principal líder desse movimento, não esconde seus vínculos com os dirigentes da Religião Católica na Polônia. Ostenta viva prática religiosa, em muitas ocasiões traz na lapela a imagem de Nossa Senhora de Czestochowa e parece inclinado a seguir os passos dos Bispos poloneses.
Entretanto, circunstâncias ainda mal conhecidas, das quais a única a ser explicitamente mencionada foi o discutível perigo de uma invasão soviética na Polônia, modificaram inteiramente o panorama. As três forças até então em dissídio (Episcopado, governo comunista e "Solidariedade") em fase mais recente uniram-se, manifestando uma ternura quase lírica.
Enquanto "Solidariedade" estava em desacordo com as autoridades comunistas de Varsóvia, parecia elaborar-se na sombra o "novo modelo polonês", acolhido com visível "torcida" pelos movimentos de esquerda "católica" do' Ocidente.
De repente, movimentos atualmente com reservas à orientação imprimida por "Solidariedade", como por exemplo "KOR", sofreram duras críticas do Episcopado e do governo. O fato deu origem a uma união temporária da Igreja, governo e sindicatos livres. Um dos porta-vozes do referido movimento KOR havia chegado a declarar que desejava a derrubada do governo.
Ainda não se sabe com clareza a força real e a orientação ideológica dos agrupamentos desejosos de comunicar maior vigor à ação operária. É necessário deixar correr o tempo para ver se assistimos à aurora, na Polônia, de um bloco forte contrário ao marxismo, ou se essas dissidências são, no geral, meras discrepâncias táticas quanto à melhor linha a ser seguida, sem renunciar ao socialismo.
A reação das países do Ocidente
Em quarto lugar, a possível posição do bloco ocidental. Bloco? Até isto é duvidoso. Países europeus já deram a entender que não seguirão Washington, se a retaliação proposta ultrapassar o que consideram ser a medida certa. E, nessa medida, ambos — Estados Unidos e Europa Ocidental — já excluíram a reação militar, caso as tropas do Pacto de Varsóvia se limitem a agir dentro da reserva de domínio atribuída aos soviéticos pela partilha das áreas de influência efetuada em Yalta. A OTAN cobrirá exclusivamente a área prevista no tratado constitutivo da Aliança Atlântica. Se o Exército vermelho esmagar "só" a Polônia, as sanções serão econômicas, comerciais, diplomáticas, cuja efetividade dependerá da coesão real dos países não-comunistas. Quanto tempo durarão? Não se reduzirão à la longue a pífios protestos como aqueles ocasionados pelas invasões da Hungria e Tchecoslováquia? Numa primeira etapa, a distensão pelo menos hibernará, o que seria prejudicial aos russos.
Modelo "novo". No quê?
Caso a Rússia e o PC polonês consigam manobrar a crise e absorver os choques provocados pelo surgimento da turbulência reivindicatória do operariado (que aprofundou dentro de "Solidariedade" uma divisão), certamente, nesta época de modelos, teremos mais um: o modelo polonês. Arquivados hoje os modelos chinês e iugoslavo, apresentar-se-ia agora um terceiro, gerado também no mundo comunista: o modelo representado pelo regime de Varsóvia, com aparências de novidade.
Que características teria ele? Aumentaria a liberdade de comércio dos 4.300.000 pequenos proprietários rurais que reclamam contra a taxação arbitrária e empobrecedora de seus produtos? Possuem a terra, mas os frutos vão para o Estado, que paga pouco e mal. E admitir-se-ia o sistema de autogestão, mais ou menos real, das empresas industriais e comerciais pelos que nelas trabalham?
Mas se tal é o novo modelo polonês, não se percebe no que ele se diferencia essencialmente do já embolorado regime iugoslavo. E, por conseguinte, o que tal modelo apresenta de novo.
Se as liberdades realmente concedidas aos poloneses forem tão diminutas que se possa comparar com dificuldade ao sistema dirigista iugoslavo, então é o caso de se perguntar: é válido reconhecer o novo regime polonês como algo de fato diferente, em profundidade, dos outros regimes vigentes na Europa Oriental?
Além disso, de que grau de liberdade política desfrutaria a população polonesa?
* * *
Todas essas são interrogações cuja colocação ajuda a compreender qualquer das variantes pelas quais poderá enveredar a situação polonesa.
Sobretudo, não se vê bem a razão das névoas e obscuridades em meio às quais o assunto é muitas vezes apresentado através do noticiário da imprensa. Tais notícias, ao menos tanto quanto nos tenham chegado ao conhecimento, omitem em boa medida tratar do assunto e dar resposta às questões básicas que o observador lúcido se formula.
As substituições de títeres de Moscou na chefia do governo polonês não mudaram a situação de penúria do povo: em Varsóvia (em cima) como em Breslau (Wroczlaw), filas para compra de alimentos fazem parte da rotina para a população
Tanques na praça da prefeitura de Stettin (Szceczin), para esmagar a revolta dos poloneses contra a escassez de pão, em 1970