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Mártires da Sociedade das Missões Estrangeiras

RELÍQUIAS DE UMA EPOPÉIA

Caio V. Xavier da Silveira

nosso correspondente

PARIS — Rue du Bac, n.° 128. Bem no centro de Paris, a dois passos da capela onde Nossa Senhora apareceu em 1830 a Santa Catarina Labouré, erguem-se imponentes, em estilo francês do século XIX, os dois grandes edifícios da Direção Geral e do Seminário Universitário da Sociedade das Missões Estrangeiras.

Aí foram formados, sobretudo no século passado, os heroicos missionários que no Extremo Oriente lutaram pela conversão da China, do Tibet, do Japão, da Coréia e do Vietnã. O resultado obtido no apostolado com esses povos foi magnífico. Em particular no Vietnã, a Fé Católica penetrou a fundo em extensos veios da população, permitindo a férrea resistência ao comunismo em nossos dias.

Tão grande obra custou a muitos missionários um esforço sobre-humano, frequentemente o sacrifício da própria vida. A história de alguns desses homens que chegaram até o holocausto total de sua existência está perpetuada em objetos vários, expostos na Sala dos Mártires, situada nesse Seminário Universitário.

O carrasco hesitante

Logo à entrada, num grande painel, aparecem os nomes dos mártires das Missões Estrangeiras entre dezembro de 1670 e 16 de abril de 1975. São cerca de 180 nomes. Vinte e três deles estão sublinhados: foram declarados Bem-aventurados pela Santa Igreja.

Adiante, em vitrinas, podem-se ver objetos a eles pertencentes, instrumentos de seu suplício, sentenças de morte etc. Acima dessas vitrinas, grandes quadros mostram cenas de alguns dos martírios. Foram pintados por católicos do povo, contemporâneos desses acontecimentos. O tamanho dos personagens figura nos quadros em função de sua importância. O maior é o mártir. Depois, os carrascos; em seguida os mandarins que, montados em elefantes, presidiam ao suplício; os soldados aparecem em tamanho ainda mais reduzido; e finalmente um rendilhado constituído pelo povinho, que a tudo presenciava contrito. Um dos quadros mais antigos representa o martírio do Bem-aventurado Cornay, em Tonquim, Vietnã, no ano de 1837. Seu corpo foi esquartejado sobre um tapete vermelho. Por ordem imperial a cabeça devia ser cortada em último lugar. A vítima passava pelo terrível suplício de se ver despedaçada viva. Uma vez cortada sua cabeça, o carrasco corria o fio do cutelo por sua boca, acreditando com isso incorporar a si a coragem que reconhecia e admirava no mártir. O tapete vermelho ali está em uma das vitrinas, manchado de sangue e cortado pelos sucessivos golpes que despedaçaram o mártir.

Outro quadro que sensibiliza o visitante é o do martírio do Bem-aventurado Dumoulin-Borie, também em Tonquim, em 1838. Condenado a ser decapitado, sua cabeça só caiu ao nono golpe. O carrasco, tendo tido contatos com o condenado enquanto esperava a sentença imperial, só teve ânimo para ir à execução após embebedar-se. Tonto, não teve sucesso nos oito primeiros golpes, produzindo terríveis feridas no Pe. Dumoulin-Borie, a quem o carrasco admirava. Após a execução, este foi punido com vergastadas pelo mandarim. Diante do mártir, no chão, vê-se a canga: trave de madeira pesadíssima que os prisioneiros levavam ao pescoço até a hora da morte. Essa canga se conserva na Sala dos Mártires: mede 2,65 metros de altura por aproximadamente 40 cm de largura. Excepcionalmente, permaneceu inteira, pois eram habitualmente cortadas em pedaços, e estes guardados como relíquias pelos cristãos.

Um lugar especial é reservado às correntes que prenderam o Bem-aventurado Théophane Vénard. Junto se encontram estatuetas, sua trança, seu breviário e sua consagração como escravo de Nossa Senhora, segundo a fórmula de São Luís Maria Grignion de Montfort, assinada com o próprio sangue. Tendo vivido na mesma época de Santa Teresinha do Menino Jesus, e antecedendo-a na morte, era um dos quatro santos da predileção dela, pelo valor com que combateu e morreu.

Do Bem-aventurado Augustin Schoffler está conservada a sentença de morte, gravada em caracteres chineses numa estaca, que fora fincada ao lado do lugar de seu martírio: "Quarto ano do Imperador Tü-Düc, quarta lua, segundo dia. A despeito de severa proibição contra a Religião de Jesus, o chamado Augustin, sacerdote europeu, ousou vir aqui clandestinamente para pregá-la e seduzir o povo. Preso, confessou tudo. Seu crime é patente. Que o Sr. Augustin tenha a cabeça cortada. É o VEREDICTO". Corria o ano de 1851.

Dois séculos de perseverança clandestina

Particularmente tocantes são os crucifixos e medalhas da Santíssima Virgem que os católicos japoneses transmitiram de geração a geração, desde a grande perseguição que sofreram em princípios do século XVII, a partir da qual o Japão se fechou inteiramente aos missionários. Eis um pouco de sua história, narrada a quem visita a Sala dos Mártires.

Em 15 de agosto de 1549, São Francisco Xavier, o primeiro missionário do Japão, desembarcou em Kagoshima. Ele e seus sucessores trabalharam com êxito, e no início do século XVII os católicos japoneses eram 300 mil. Após perseguições, alternadas com fases de favores por parte das autoridades, a partir de 1613 prevaleceu o extermínio violento. O Japão isolou-se do mundo, todos os missionários estrangeiros foram banidos e a cristandade nipônica quase se extinguiu. Não estão alheios às perseguições os hereges holandeses, que promoveram intrigas contra os missionários junto ao trono japonês.

Em 1859 o Japão aceitou abrir novamente alguns de seus portos aos navios estrangeiros. As Missões Estrangeiras de Paris foram encarregadas imediatamente de retomar a evangelização do país. Em 1865 o Pe. Petitjean inaugurou uma igreja em Nagasaki, observando certo dia aproximar-se um grupo de uns vinte japoneses. Estes olharam cautelosamente e lhe disseram: "Mostrai-nos a imagem de Santa Maria". O Sacerdote satisfez-lhes o pedido. Dentro da imobilidade de suas fisionomias, um imperceptível sorriso modelou seus lábios: "Sim, é Ela mesma. Nosso coração é então o mesmo que o vosso".

Nas semanas seguintes, outros grupos se manifestaram, apresentando objetos de piedade e livros de doutrina, velhos de 300 anos. Formularam eles novas perguntas: "Onde estão vossos filhos? — E o Chefe do Reino de Roma que vos envia?"

Mais de 20 mil cristãos clandestinos foram assim descobertos na região de Nagasaki. Sem Sacerdotes, durante dois séculos e meio tinham continuado a se batizar entre si e a conservar a essência da Fé. Nagasaki tornou-se em 1927 a sede do primeiro Bispado japonês.

Os nobres convertidos do "Reino Eremita"

A parte final dos mostruários é reservada aos mártires da Coréia. A evangelização dessa península constitui na História da Igreja um fato duplamente excepcional. Primeiramente, de modo contrário ao habitual, foram os nobres, os mandarins e os homens de letras os primeiros a serem tocados pela graça e se converterem. Em segundo lugar, foram leigos não batizados — e portanto pagãos — os primeiros "missionários" desse país.

A Coréia, por seu isolamento do resto do mundo, e mesmo dos outros países do Oriente, era conhecida como "o Reino Eremita". Repudiava visitantes de qualquer espécie. Não abria suas portas às embaixadas estrangeiras senão no Ano Novo. Nessa festa recebia tradicionalmente uma embaixada do imperador da China, que lhe enviava presentes. Aconteceu, entretanto, que em 1777 membros dessa embaixada levaram de Pequim livros católicos. Tais livros foram lidos pelos letrados do reino, que se entusiasmaram pela doutrina do Papa de Roma. E a tal ponto aderiram a ela, que tomaram a decisão de passar a viver segundo os preceitos católicos. Assim o fizeram, de maneira incipiente, mas muito fervorosa.

Sete anos mais tarde, um deles, tomando parte na embaixada que ia a Pequim retribuir as amabilidades do imperador, recebeu o Batismo. De volta a seu país, organizou um embrião de Igreja, batizando vários de seus compatriotas. Em 1785, ocorreu o primeiro martírio: Thomas Kim, um dos recém-batizados, forçado a apostatar, recusou-se valentemente, tendo morrido em meio a torturas.

Não abalado em sua fé por esse martírio, mas desejoso de maior perfeição, esse primeiro grupo de fiéis escolheu e "nomeou" dentre seus membros um "bispo" e quatro "sacerdotes". Somente mais tarde é que, melhor instruídos em consequência de novas embaixadas a Pequim, o referido grupo solicitou a vinda de um Padre. O Bispo de Pequim enviou-lhe um missionário chinês, o qual foi descoberto e executado em 1801.

Transcorreram trinta anos. Os cristãos coreanos já eram vários milhares, perseverando na Fé, embora sem Sacerdotes. Dirigiram eles então uma súplica ao Papa, pedindo missionários. Leão XII confiou a perigosa evangelização da Coréia às Missões Estrangeiras de Paris.

Finalmente, em 1836, os Padres Maubant e Chastan entraram na "terra das manhãs calmas". No ano seguinte, Mons. Imbert uniu-se a eles. A vitalidade da Igreja na Coréia atingiu então seu clímax... e a perseguição também.

Num caso de extremo perigo para seus fiéis, Mons. Imbert afirmou: "O bom pastor dá a vida por suas ovelhas". Para fazer cessar as perseguições, entregou-se juntamente com seus dois outros companheiros. Foram supliciados em 21 de setembro de 1839, em Seul.

André Kim organizou, entretanto, o reingresso dos missionários. Preso em 1845, morreu no ano seguinte. Em 1866, o regente do reino decidiu acabar definitivamente com as missões, desencadeando a "grande perseguição". Dos 25 mil católicos, a metade pereceu no patíbulo; dois Bispos e sete missionários tiveram a mesma sorte.

Mais tarde, em 1875, um edito real pôs fim à perseguição, e a liberdade tão custosamente adquirida foi oficialmente reconhecida aos cristãos dez anos mais tarde (1884).

É curioso notar que a Sala dos Mártires ostenta bem menos relíquias vindas do Coréia do que do Vietnã. Isso porque na Coréia as primeiras conversões deram-se nas classes mais elevadas. E nestas os gloriosos mártires não despertaram tanta atração e uma devoção sensível como sucedeu com o povo miúdo vietnamita. Os primeiros cristãos de Tonquim colhiam com grande respeito tudo o que pertencera ou havia tocado em seus Padres imolados. Os nobres e intelectuais coreanos fervorosamente convertidos, afeitos sobretudo ao aspecto doutrinário do Cristianismo, negligenciavam as relíquias.

* * *

Sobre o estado atual do Catolicismo em cada um desses países, admiravelmente regados com sangue, muito se poderia dizer. Este artigo limita-se a notar que de um deles a Providência continua mais claramente a pedir o sangue dos católicos: o Vietnã. Inúmeros são os refugiados em todo o mundo, e especialmente na capital francesa, que presenciaram muitos martírios, tendo mesmo nos narrado vários deles. Falam também de seu próprio sofrimento — frequentemente verdadeiro martírio moral — para chegar ao mundo livre, escapando da mais terrível das perseguições que até hoje se abateu sobre sua pátria: o comunismo. Flagelo em relação ao qual a Igreja novamente sairá vitoriosa. Prevendo-o em 1917, na Cova da Iria, Nossa Senhora ali igualmente predisse seu aniquilamento. Este não tardará se os verdadeiros católicos orarem e lutarem, a exemplo dos missionários do Oriente, cuja pugna heroica descrevemos acima.

Alguns instrumentos de suplicio e de martírio de dois Padres missionários.

Cordas que serviram para estrangular os Bem-aventurados Paulo Min, Pedro Dirong e Pedro Truat, em 1838, no Tonquim.

Casa Generalícia e Seminário Maior das n.° 128, em Paris.

Na Sala dos Mártires, relíquias preciosas testemunham o heroísmo dos missionários do século passado, especialmente na Indochina, Japão e Coréia.


Águias e besouro

Plinio Corrêa de Oliveira

Pode ser difícil para um homem — ou melhor, para um grupo de homens desviar um curso de água. Ser-lhe-ia mais difícil ainda desviar de seu leito o Amazonas. "Difícil, não; impossível!" — objetará alguém. - Impossível? Em termos. A própria impossibilidade tem matizes, pois teoricamente é condicionada pelo número de homens, pela qualidade e pela quantidade dos instrumentos, pelo tempo disponível etc. Impossível no sentido mais forte do adjetivo, seria verter num dedal o conteúdo de um copo d'água. Digo-o para evidenciar que, por vezes, certas pequenas operações estão mais fora do alcance do homem do que outras, entretanto gigantescas. Assim, fazer caber em um artigo de jornal matéria de si muito ampla, pode ser mais difícil do que redigir dez longos artigos.

Desse modo, condensar em dois artigos certos aspectos da publicidade feita em torno da visita de Lech Walesa a João Paulo II dá-me a impressão de ser quase tão impraticável quanto verter a água de um copo em um dedal. Contudo, começo por descrever o complicado fundo de quadro do assunto.

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Não há quem ignore estar o povo polonês trabalhado por crescente descontentamento com o regime comunista vigente em seu país. O que pode levar à derrocada do regime. Segundo a versão tida por indiscutível (quanto a mim, acho-a de todo em todo improvável), a Rússia ocuparia então a Polônia. E sujeitá-la-ia a uma carga ainda mais igualitária e policialesca. Tragédia para a Polônia e também tragédia para o mundo. Pois, sempre segundo a saga corrente, o Kremlin conservaria nas garras a Polônia, ainda que tivesse de enfrentar o perigo de uma ação norte-americana libertadora, ou seja, de uma guerra mundial, eventualmente atômica. — Logo a Rússia, pondero eu: ela que se manifesta incapaz de deglutir o Afeganistão, pequeno como um besouro, teria a pretensão de dominar a nobre águia branca da Polônia, e de enfrentar depois o perigo de uma luta com a superpotente águia norte-americana!

Vistas as coisas a partir da saga, compreende-se que Walesa tome dimensões de figura mundial. Se o movimento que ele lidera derrubar o governo de Varsóvia, teremos a catástrofe. Se não o derrubar, teremos a paz. Para a Polônia, o ideal seria, assim, que Walesa alcançasse êxito tão grande quanto o consentissem os russos. Nem uma linha além disto, pois do contrário poderá vir a hecatombe. Obter esse êxito, e graduá-lo com tanta precisão, eis o que numerosos — e muito ilustres — poloneses dele esperam. E não só poloneses, como pacifistas extremados do mundo inteiro. Se bem que, entre os próprios poloneses, também haja uma corrente de peso, a qual deseja derrubar o governo de Varsóvia, certa de que nada sucederá.

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Face a tal quadro, quais as metas imediatas e mediatas do Vaticano? As primeiras estão claramente enunciadas no discurso de João Paulo II. Consistem em que Walesa opere exatamente a graduação necessária para ganhar algum tanto de terreno — algum tantinho — sem provocar a guerra. Para o que, João Paulo II deu a Walesa a acolhida hors série que se viu.

Contudo, não me parece verossímil que o Vaticano, tão lúcido em sua diplomacia bimilenar, se deixe impressionar pela carantonha com que os homens do Kremlin fitam o Ocidente, e se esqueça de que os homens da carantonha, terríveis quando vistos deste lado do mundo, estão sendo espancados no Oriente pelo anão afegão. Por que então temer a carantonha?

Mistérios do mundo detrás da cortina de ferro. Mistérios do mundo eslavo. Mistérios do jogo comunista internacional. Mistérios do século XX. Um dia se verá claro em tudo isso. Não é minha intenção dissertar sobre tão vasto tema. Não tentarei verter no dedal o oceano.

Mas creio dar uma contribuição sugestiva para a elucidação do assunto, pondo em evidência que jornais romanos de centro, de centro-esquerda e de esquerda — e em medida nada pequena também jornais paulistanos — deram à acolhida proporcionada por João Paulo II a Walesa uma publicidade acentuadamente maior do que lhe concedeu o cotidiano oficioso da Santa Sé, "L'Osservatore Romano".

* * *

Neste fato, o que há para discernir e "subdiscernir"?

Walesa não é senão um particular. O líder de uma corrente operária. E líder a tal ponto controvertido que, segundo tem afirmado mais de um analista internacional, João Paulo II lhe dispensou tão ressonante acolhida precisamente para lhe conferir o "quantum" de prestígio que lhe falta para o seu difícil trabalho de regulagem.

Ora, neste rumo, o Vaticano teve o concurso decidido das três maiores organizações sindicais da Itália. Cito-as na ordem de sua importância numérica: CGIL comunista, CISL católica e UIL socialista.

Essas organizações facilitaram o ensejo da visita de Walesa (eu ia escrevendo Lula, mas corrigi a tempo), convidando-o para conferências em Roma, recebendo-o no aeroporto de Fiumicino com discurseira e copiosa claque, e proporcionando-lhe contatos com bem fornidos auditórios operários.

A visita a Roma, assim desencadeada, tornaria natural um pedido de audiência de Walesa (que viajava à maneira de celebridade, com familiares e séquito numeroso) ao Sumo Pontífice. Bem entendido, o fruto essencial da viagem, ou seja, a suplementação de prestígio, adviria a Walesa incomparavelmente mais do Vaticano do que dos sindicatos italianos. Este o fundo de quadro. Veremos adiante que João Paulo II concedeu essa suplementação com liberalidade principesca.

Por ora faço notar que ao mero particular que é Walesa, aguardava em Fiumicino, com o trio sindical, o próprio Mons. Achille Silvestrini, Secretário do Conselho para Assuntos Públicos da Santa Sé.

Pequeno mistério no meio de outros tão maiores: menciono Mons. Silvestrini porque o designa taxativamente "L'Osservatore Romano" do dia 14 de janeiro p.p., se bem que as agências noticiosas tenham afirmado estar presente não ele, mas Mons. Coppa, da Secretaria de Estado. Por que e para que esse lapso? Ignoro-o. Matiz dentro dos matizes. Mistério menor em meio a mistérios maiores.

João Paulo II, entre Gierek, ex-secretário do PC polonês, o Cardeal Wyszynski e Henryk Jablonski, presidente da República Popular da Polônia, por ocasião da viagem do Pontífice à sua terra natal. Naquela época, não se havia tornado patente o descontentamento popular atual, que ocasionou a queda de Gierek dos cargos que ocupava na hierarquia do PC e governo poloneses.


O terrível genuíno e o temível balofo

Plinio Corrêa de Oliveira

O dirigente sindical polonês Lech Walesa visitou João Paulo II no dia 15 de janeiro p.p. E recebeu honras de chefe de Estado. Assim, logo ao chegar, foi recebido a sós por João Paulo II em sua biblioteca privada. Em seguida tiveram acesso à sala a esposa e o padrasto de Walesa. E, por fim, todo o séquito dele. "João Paulo II quis reservar ao líder sindical polonês Lech Walesa [...] as honras que o protocolo vaticano prescreve para os chefes de Estado, e que outrora eram reservadas aos soberanos do Sacro Império Romano. De fato, com a audiência de ontem, o Papa Woytila deu a Walesa e ao sindicato "Solidariedade" uma verdadeira e genuína investidura, juntamente com a indicação de uma linha de comportamento, quando disse que o surgimento deste sindicato se enquadra no esforço das semanas do outono (na Polônia), que não foi voltado contra ninguém, mas foi e é voltado exclusivamente ao bem comum". É o que comenta, entre desvanecido e ufano o cotidiano de Roma "L'Unità" (16-1-81), órgão oficial do próprio Partido Comunista Italiano (PCI). Por que essa ufania? Por que esse desvanecimento com a "investidura" dada a Walesa, isto é, ao líder de uma corrente que parece criar tantos obstáculos aos títeres que Moscou aboletou no governo de Varsóvia? Mistério. Mistério... Quanto é misterioso o Kremlin, desde os tempos sombrios de Ivã, o Terrível, até Leonid Brejnev, o Temido (por todos, exceto pelos heroicos afegãos).

João Paulo II recebeu Walesa, sua esposa e o padrasto, em audiência na Sala do Consistório, uma das mais famosas do Vaticano.

Falava eu do que se passou na biblioteca de João Paulo II. O ponto alto da visita de Walesa ao Sumo Pontífice veio em seguida. "L'Osservatore Romano" (16-1-81) narrou que, feitos os recebimentos na biblioteca, a audiência a Walesa prosseguiu "na Sala do Consistório, na presença de numerosos representantes da comunidade polonesa residente na Itália e de jornalistas de diversos jornais italianos e estrangeiros". Sim, na legendária Sala do Consistório, uma das mais célebres e suntuosas do Vaticano, a qual prolonga, em nossos dias, os esplendores do século XVII, em que foi inaugurada. A sala conhecida no mundo inteiro porque nela os

Continua