Continuação
E o colunista Edward Shorter defende opinião semelhante, analisando a derrocada generalizada dos candidatos de esquerda nas eleições americanas: "A razão, penso, é que os eleitores norte-americanos estavam extremamente desgostosos com o esquerdismo dos anos 60 e com o feminismo dos anos 70, inculcados sobre eles como se o passado norte-americano tivesse sido destruído e o futuro estivesse completamente dissociado do passado" ("Toronto Star", 8-11-80).
Almirante Jeremiah Denton, herói de guerra no Vietnã, é o novo senador por Alabama.
General Daniel O. Graham, diretor da American Security Council (Conselho Norte-americano de Segurança).
Os organizadores da Nova Direita reagiram com ânimo aos contra-ataques e publicaram uma lista de senadores e deputados que desejam derrotar em 1982. Comentou o líder da Moral Majority, Jerry Falwell, em tom irônico, que os esquerdistas que sobreviveram a 1980, devem renunciar a suas vias destrutivas ou "preparar-se para ficar desempregados".
A Nova Direita ampliou o escopo de sua posição anti-esquerdista, não se limitando a reagir aos ataques de esquerdistas ou permissivistas avançados. Deram um passo além. Alguns do principais de seus dirigentes tornaram públicas suas reservas a vários membros da nova administração, lamentando o sabor Nixon-Ford que esta parecia adquirir. Levando adiante sua determinação de lutar contra a esquerda onde quer que esteja, incluíram na lista de pessoas a serem derrotadas em 1982 também legisladores do Partido Republicano. O influente Howard Phillips, manifestando firmeza doutrinária, expressou com clareza a atual posição preponderante nos arraiais da Nova Direita: "Nós, que somos fiéis à causa conservadora e que nos preocupamos com a sobrevivência de nossa nação, em nossa hierarquia de valores devemos manter mais alta a lealdade a nossos princípios do que a lealdade a Ronald Reagan ou qualquer outro candidato ou partido" ("Conservative Digest", novembro de 1980).
Admite-se como provável que os problemas econômicos tiveram sensível importância no resultado das eleições de 80. Não se poderia, portanto, debitar cegamente a inclinação para a direita do eleitorado apenas a considerações ideológicas. A própria Sra. Schlafly, observadora perspicaz, afirmou: "Isto significa que a ERA e o aborto foram os grandes temas da campanha eleitoral? Não necessariamente. Acreditamos que a inflação e a defesa nacional foram os grandes temas. Mas foram os temas morais como ERA e aborto que lançaram gente nova no processo político e nas urnas no dia da eleição" ("Eagle Forum", novembro de 1980).
Das palavras da Sra. Schlafly se tira importante conclusão. O fenômeno significa que, na prática, as fronteiras dos temas políticos e morais tendem a se confundir nos Estados Unidos. A defesa do feminismo e do aborto, aparentemente distante da defesa das teses políticas favoráveis ao comunismo (détente, por exemplo), já é, na maior parte das vezes, suficiente para a caracterização de esquerdismo. E a propugnação dos direitos do nascituro e de uma justa e proporcionada desigualdade entre os sexos, já configura, mesmo sem alusão a temas políticos, a defesa de posições próprias à Nova Direita.
Esse conjunto de acontecimentos — mesmo que se possa ponderar, como foi dito acima, sobre a importância dos fatores econômicos — indica clara marcha do centro norte-americano para a direita. Correntes de expressão na Europa lamentam a dissociação do público de posições favorecedoras da détente, isto é, de uma política de mão mole e confiança ampla em relação aos russos. Na Alemanha, a ala esquerda do SPD deseja um distanciamento em relação ao governo Reagan e teme uma nova administração enérgica.
Na América Latina, é de se presumir como provável a cessação da inábil conduta de política dos "direitos humanos" de Carter.
O avanço militar marxista sobre a América Central, onde o auxílio estratégico e militar de Cuba permitiu a vitória sandinista e já preparava o mesmo em El Salvador, não terá a apatia vizinha da cumplicidade com que a administração Carter observou a queda de Manágua. Cuba (isto é, a Rússia) armava os guerrilheiros e Washington boicotava a ajuda aos governos agredidos.
Nenhum sorvete deve ter amenizado o amargor da derrota sofrida pelo ex-senador George McGovern, amigo de Fidel Castro.
E no Brasil? Este artigo julga contribuir para a consideração profícua das manifestações inequívocas de descontentamento do eleitorado norte-americano, apresentando o que pretende ser uma descrição do fenômeno, sua gênese, estado atual e perspectivas futuras. Ao que saibamos, o público brasileiro não teve em suas mãos uma análise cabal da nova posição do público norte-americano. Desta forma, não dispunha com facilidade de dados suficientes sobre tema que lhe interessa de perto.
Houve muita informação tendenciosa ou incompleta, alguns ataques desatinados, lamentações, camuflagem. Mas tal atitude não consiste em informar com objetividade e isenção de ânimo.
O presente artigo espera ajudar a todos que desejam formar uma visão abarcativa desse assunto fundamental para a determinação dos destinos próximos do mundo.
A vitória conservadora nos Estados Unidos coloca, de imediato, problemas candentes no relacionamento do mundo não-comunista. O eleitorado norte-americano manifestou inequivocamente seu desagrado com a oscilação anêmica da administração Carter. A política deste tinha como uma de suas características concessões lentas, paulatinas e, tanto quanto possível, indolores, em face dos russos. No meio da descida, alguns golpes brutos, como o do Afeganistão, despertavam veementes protestos verbais e ocasionavam escassas medidas econômicas de retaliação, de eficácia duvidosa.
Reagan foi favorecido com o descontentamento popular e sua eleição se deve, entre outros fatores, a uma plataforma de defesa mais consistente do que a de Carter. Confirmando a extensão do desagrado da nação, vários deputados e senadores de orientação esquerdista viram-se surpreendentemente batidos.
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A Europa, mal acostumada pela hesitação habitual em Washington, já se preparava para a censurável "détente divisível". Os encargos da defesa ficariam com os norte-americanos, os europeus ocidentais se dedicariam a lucrativo comércio com o Leste, evitando despertar a susceptibilidade russa. O caso afegão deslizaria vagarosamente para o olvido, ver-se-ia a Polônia como reserva de domínio soviética e, desde que não cessassem as trocas e o fluxo de divisas, no Velho Mundo entre os dois blocos reinaria inalterável boa vizinhança. No máximo, enfáticos e inoperantes protestos diplomáticos, rapidamente esquecidos. O panorama seria este.
O resmungo mal-humorado da "maioria silenciosa" dos Estados Unidos estremeceu as perspectivas do futuro.
O governo da Inglaterra viu-se prestigiado e remoçou. A conduta da Sra. Thatcher, a cognominada "Dama de Ferro", recebeu apoio inestimável. Não está mais só, a propor medidas eficazes de defesa diante do crescente poderio militar comunista. O mal-estar reinante no regime de relações especiais vigente entre Londres e Washington parece tender ao fim.
Esmaeceu o brilho da vitória social-democrata na Alemanha. A manifestação eleitoral teuta havia sido um apoio com reservas a Schmidt. Seu partido subiu de 214 a 218 deputados. Entretanto, o parceiro liberal (PLD), favorável à livre empresa e considerado o freio da coligação, subiu de 39 para 53 representantes. Os democrata-cristãos, que no parlamento alemão adotam linha tendente ao conservadorismo, continuaram a ter a bancada partidária mais numerosa, com 226 assentos. Schmidt portanto não tem carta branca do eleitorado.
No campo internacional conjetura-se sobre possíveis atritos entre Bonn e Washington, caso o governo alemão teime em continuar sua "Ostpolitik" concessiva e perigosa. O chanceler belga, Henri Simonet, analisando o eventual aumento da tensão internacional, chega a afirmar: "O que mais me preocupa agora é o impacto que a tensão terá sobre as relações entre Washington e Bonn, dentro da Aliança [Atlântica]" ("Jornal do Brasil", 9/ 11/80). Discorrendo sobre o tratado de limitação de armas estratégicas, o SALT-2, censurado por Reagan durante a disputa eleitoral, sob a alegação de que consagrava a superioridade militar soviética, assevera Simonet, preocupado: "Que vai fazer o novo presidente com o tratado SALT-2? É certo que, se ele decidisse não continuar a ratificação no Congresso, contrariando os europeus, isso seria incontestavelmente uma grave crise no interior da Aliança".
Em outras palavras, o ministro do Exterior belga adverte o novo governo sobre a má vontade europeia em relação a uma política realista em face dos russos. Desejariam continuar no clima ilusório, fatal a longo termo, ocasionado pela distensão enganosa dos últimos anos.
A perspectiva de uma rachadura grave entre Washington e as capitais da Europa Ocidental introduz, no panorama político, a possibilidade próxima da virtual "finlandização" do Velho Mundo. Mostraria que na Europa continental nada de enérgico se tolera em relação a Moscou, embora platonicamente continuem as declarações de aliança entre os Estados Unidos e os países não-comunistas do outro lado do Atlântico. A lenta, sagaz e obstinada política soviética colheria magistral vitória. Resta observar se, no decorrer dos fatos, se cristalizará tal hipótese ou um bom senso perspicaz levará os europeus a se alinharem com os Estados Unidos.
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Concretizada a rachadura, torna-se quase inevitável o abandono da Europa e, na ordem dos fatos, a instalação de um protetorado soviético. A política norte-americana passaria a ter como primeira preocupação o Canadá, México, Argentina e Brasil, que se veriam chamados pelas exigências da nova ordenação internacional, a constituírem os primeiros do bloco contrário ao imperialismo hegemônico dos russos. Hipótese contristadora, pois equivaleria à derrocada da Europa, mas que revela, de soslaio, as responsabilidades que a História vai colocando no ombro de algumas nações emergentes neste fim de século.
A China não é considerada obstáculo real ao comunismo russo por competentes analistas internacionais. A razão é simples: ela é comunista. E a dependência japonesa de suprimentos externos coloca esse país em posição de extrema vulnerabilidade.
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Outra questão de importância maior para a nova administração republicana será a gestão da crise do petróleo, com suas óbvias implicações estratégicas.
A prolongada guerra de atrito entre o Iraque e o Irã deu ocasião a substancial aumento do preço do petróleo e criou possíveis oportunidades de intervenção russa na região. A vida dos três colossos econômicos — Estados Unidos, Europa e Japão — depende do fluxo normal do ouro negro. Por isso, convulsões naquela zona instável estão ocasionando e - quem sabe? - ainda ocasionarão profundas repercussões no mundo inteiro.
Já Lenine previu o controle das fontes supridoras de matéria-prima como etapa na derrota das nações capitalistas. Ou os Estados Unidos coordenam, com a ajuda dos países interessados, uma política de contenção da agressão russa a essas regiões, ou Moscou as dominará paulatinamente, encostando assim um punhal na carótida do Ocidente. Há esperanças de que homens de espírito lúcido substituam os inexperientes e vacilantes policy-makers que deram as cartas no período Carter.
Para terminar, uma palavra sobre a América Latina.
A perigosa resvalada de países da América Central em direção ao castrismo — ocorrida durante os últimos anos, quando a Rússia, por intermédio de Cuba, armou, treinou e financiou guerrilhas e atos de subversão — talvez encontre barreiras no ânimo redobrado das populações atingidas. Esperam estas com razão não ter mais a má vontade da diplomacia norte-americana, até janeiro praticamente inerte, em face das manobras do imperialismo soviético na região. E que a significativa frase de Tomás Borge, ministro do Interior da Nicarágua, não se realize. Ei-la: "Cuba ontem, Nicarágua hoje, El Salvador amanhã".
A vitória de Reagan fortaleceu a primeira-ministra inglesa, Sra. Thatcher, e enfraqueceu a política frouxa do chanceler alemão Schmidt em relação à Rússia
Em Bagdad, iraquianos socorrem vítima de um bombardeio iraniano. A guerra entre os dois grandes produtores de petróleo agravou ainda mais a possibilidade de uma intervenção russa no Golfo Pérsico, podendo assumir o controle das principais fontes de suprimento de óleo ao Ocidente.
Santo Inácio de Loyola, acometido de grave enfermidade, jazia em seu leito. Os Padres jesuítas que se encontravam em Roma naquela ocasião, prevendo para breve a extinção daquela vida extraordinária — a do Fundador de uma nova milícia religiosa, profundo psicólogo e mestre da. vida espiritual — convocaram o pintor Jacopino del Conte para deixar à posteridade um quadro do Santo.
O artista felizmente ainda conseguiu imprimir na tela os traços que podemos admirar na foto acima. Essa obra foi executada nos últimos instantes de vida de Santo Inácio, pois naquele mesmo dia veio a falecer. Por isso, a pintura manifesta algo de vitalidade e força que nem o famoso quadro do pintor espanhol Coello — reproduzido ao pé desta página — pôde externar. Este não teve oportunidade de retratar a figura de Santo Inácio em vida, tendo tomado como modelo para seu trabalho a máscara mortuária em cera, ou fac-símile desta, que o Pe. Ribadeneira, S.J. — conhecido biógrafo do Fundador da Companhia de Jesus — possuía em Madrid desde 1584.
Os mesmos Padres que encomendaram o quadro a Jacopino del Conte, após o falecimento de Santo Inácio providenciaram a confecção de sua máscara mortuária em gesso, da qual se tiraram duas cópias: uma de cera e outra de gesso. Este último é reproduzido nas duas fotos ao alto da página.
Entretanto, apesar de autêntico e impressionante, o modelo feito a partir da máscara mortuária não é capaz de espelhar os matizes do olhar penetrante do condestável da Contra-Reforma, além de configurar ligeira inchação dos lábios, própria ao estado cadavérico.
Na pintura de Jacopino del Conte, entretanto, transparecem traços de alma dignos de análise. O rosto é de um espanhol bem característico. Mais precisamente, de um basco que sempre conservou suas qualidades de antigo guerreiro, cheio de energia e determinação.
No modo de olhar, nota-se que o Santo descortina um horizonte mental vasto e longínquo, universal. Por isso, sua fronte como que se ilumina, como a indicar uma inteligência aberta a todas as esferas do conhecimento, apta a analisar os mais diversos assuntos e temas.
Contudo, não deixa de observar também as etapas intermediárias. Não se trata, portanto, de um espírito que sobe a considerações teóricas perdendo a noção da trajetória, descolando-se da realidade. Pelo contrário, Santo Inácio sabe examinar todos os detalhes do caminho.
Ele repousa a vista tranquilamente nas últimas profundidades do que vê, sem necessidade do esforço que precisa fazer o homem de vistas curtas para discernir algo distante. Santo Inácio, não: sabe voar até as estrelas sem deixar de notar o obstáculo representado por um grão de areia. E percorre com igual serenidade todas as etapas intermediárias, adaptando facilmente a vista, ou seja, a inteligência, a todas as distâncias.
Daí o distendido de sua face, a amenidade de sua fisionomia.
Em aparente contradição com esse aspecto distendido, nota-se em seu olhar e nariz uma determinação total, absoluta e estável. Na serenidade, ele entretanto se mobiliza imediatamente para qualquer coisa, a qualquer momento.
Nessa aparente contradição entre o distendido da face e a firmeza da deliberação, vemos um prodígio de ordenação da inteligência. Tem-se a impressão de que Santo Inácio descolou seu pensamento de todos os aspectos inferiores de sua inteligência, ou que pudessem conduzir a considerações secundárias, para manter suas cogitações no plano do fim último estabelecido em função da glória de Deus e da meta derradeira a alcançar. E todo o restante de sua "bagagem" intelectual, ele colocou em repouso para não atrapalhar no essencial seus pensamentos e atividades. De tal maneira que suas faculdades de alma pudessem funcionar como que em estado puro.
O que o tornou capaz disto? A vontade bem ordenada, em consonância com a inteligência. Como se sabe, Deus imprimiu um cunho hierárquico às potências da alma humana, como a todas as criaturas visíveis e invisíveis. Assim, a inteligência deve guiar a vontade, e esta deve governar a sensibilidade. Decorrem do pecado original os atritos entre os apetites sensíveis e a vontade guiada pela razão. Mas a vontade, rainha reduzida a governar súditos em estado de contínua tentação de revolta, tem meios para vencer sempre... desde que não resista à graça de Deus (cfr. Rom. 7, 23-25).
Compreendemos então essa prodigiosa consonância entre inteligência e vontade na alma de Santo Inácio. A tal ponto ambas se harmonizam que se diria que elas se fundem. E de tal maneira ele tem o domínio das duas potências (e, consequentemente, também da sensibilidade), que pode focalizar com a mesma atenção, penetração e lucidez os objetos mais remotos, como também os mais próximos. Sempre com a mesma serenidade, sem se cansar, como o vemos no quadro.
Isso o tornava capaz de resolver os mais complexos problemas do governo da Companhia de Jesus, da diplomacia ou das missões jesuíticas, com a mesma facilidade com que poderia verificar se seu sapato estava bem limpo para apresentar-se a uma audiência importante. Dominando as distâncias e as situações, ele é tão senhor de si no momento de fazer algo banal como limpar o sapato, quanto, por exemplo, na hora de assestar importante golpe contra um adversário, em prol da Contra-Reforma.
Sua inteligência, bem como sua vontade, estão postas igualmente nas últimas consequências do que almeja. Por isso, ele está disposto, a todo momento, a qualquer tipo de mobilização ou guerra, sem o menor susto, hesitação ou estranheza.
A tal ponto o Fundador da Companhia de Jesus governava sua alma, que por assim dizer a inteligência se transformava em vontade, e esta em inteligência. Nessa inter-relação, ambas as potências como que se fundem. E aí parece encontrar-se o aspecto mais recôndito da possante personalidade de Santo Inácio de Loyola, realçada neste quadro que analisamos. Como também a explicação mais profunda das qualidades naturais e do tipo de virtudes heroicas praticadas por esse esteio da Contra-Reforma.
Será objetivo tirar tantas consequências da análise de uma simples pintura? — poderá perguntar o leitor?
Respondemos valendo-nos de uma metáfora. Um bom observador, olhando uma gaivota voar baixo — junto à praia, por exemplo — sabe entretanto perceber que ela é senhora das alturas. Basta discernir o estilo sobranceiro com que ela percorre os ares...
SANTO INÁCIO DE LOYOLA — Pintura de Jacopino del Conte, executada em Roma, no próprio dia da morte do Santo (31 de julho de 1556).
Máscara mortuária de Santo Inácio, vista de frente e de perfil.
SANTO INÁCIO DE LOYOLA — Quadro pintado por Sánchez Coello em Madrid, no ano de 1585, tendo o artista baseado sua obra numa cópia da máscara mortuária do Santo.