Gregório Lopes
Recebi há pouco um livro de autoria de Mons. Iniesta, Bispo Auxiliar de Madrid. A impressão sugerida pela capa é confrangedora. Aparece a fotografia do Bispo tendo como fundo, em vermelho berrante, um desenho que insinua uma multidão em revolta. O título da obra parece forjado para causar sensação, em letras vermelhas sobre fundo preto: "Papéis Proibidos" (Edições Sedmay, Madrid, 1977).
A leitura do livro não só confirma, infelizmente, a impressão desoladora causada pela capa, mas ainda a acentua e a explicita, como veremos.
Não nos é possível, nem é nosso intuito, num simples artigo de jornal, tratar de tudo quanto foi despejado nas 216 páginas dessa obra, por um autor que parece empenhado em participar do misterioso processo de "autodemolição" da Igreja, segundo a expressão de Paulo VI. Entretanto, um ou outro ponto é interessante dar a conhecer a nossos leitores, para que se possa avaliar com que desinibição o progressismo dito católico vai expelindo seu conteúdo venenoso, mesmo na católica Espanha, utilizando-se até de um membro da Hierarquia, que escreve e atua sem qualquer punição que se conheça.
Basta folhear qualquer compêndio de História recente, ou mesmo interrogar testemunhas ainda vivas, para se ter uma ideia dos horrores cometidos pelos comunistas durante a revolução russa. Os fatos são por demais conhecidos para nos determos sobre eles. Bastar lembrar o esmagamento do levante anticomunista ocorrido na Hungria, em 1956, ou o Muro de Berlim.
D. Iniesta, porém, em seu escrito, parece ter sido acometido por uma amnésia fundamental em relação a todos esses fatos públicos e notórios. E chega a afirmar, pura e simplesmente, que, no passado, "a Igreja se opôs às liberdades democráticas, como ocorreu em face dos movimentos da Revolução Francesa, do Liberalismo, da Revolução Russa, etc." (p. 22).
Para não haver dúvidas a respeito de seu pensamento, o Bispo espanhol explica que usa o termo democracia "no sentido mais amplo da palavra", que vai "desde as democracias de tipo ocidental [...] até as denominadas 'democracias progressistas' ou 'populares' dos países comunistas" (p. 21). A tirania comunista situa-se, portanto, de modo explícito dentro de seu conceito de liberdade democrática...
Mas não é só o conceito de liberdade do autor que se aproxima do marxismo, mas também o conceito de igualdade. Ele aspira para a Igreja uma igualdade parecida com aquela que Marx desejava para a sociedade em geral. Ou seja, igualdade tão radical quanto possível. Por isso diz: "A Igreja deve acentuar dentro de si mesma tudo o que une e iguala, e deve reduzir ao máximo tudo o que diferencia [...]. Devemos continuar enterrando ornatos frívolos, dignidades, prerrogativas, distâncias e títulos" (pp. 140-141).
É claro que, com tal concepção de igualdade, D. Iniesta não pode nutrir simpatias pelo instituto da propriedade privada, admitido pela doutrina da Igreja e por documentos do Magistério Eclesiástico como um dos fundamentos da sociedade, pois decorre ele diretamente da natureza humana. Assim é que, depois de repetir os surrados jargões da esquerda contra a sociedade capitalista, e de não esconder suas simpatias pelo marxismo, o Bispo Auxiliar de Madrid tem anelos por "uma Igreja que reexamine sua atitude teológica ante o direito de propriedade, esse mito que logo descobriremos, mesmo no pensamento cristão, ter pés de barro" (p. 150).
A Igreja não deve impregnar os costumes...!
Um dos aspectos mais delicados da atuação da Igreja é, e sempre foi, o que se exerce no campo da Moral. O empenho especial que caracterizou no passado os Pastores de alma, quando tratavam de problemas morais, é notório. Compreende-se tal posição, pois é um ponto da doutrina católica e da experiência comum que os homens, com facilidade, se veem atraídos, por força do pecado original e da ação do demônio, para a concupiscência, com a consequente perda da própria alma, além de propiciar o escândalo que arrasta os demais.
Ora, o Prelado chega a pôr em dúvida que a Igreja ainda queira exercer seu essencial múnus moral no âmbito da sociedade humana. São suas palavras: "Na ordem da opinião pública não parece que a Igreja possa, nem talvez queira, como em outros tempos, monopolizar e impregnar os critérios de atuação ética da sociedade, dando fórmulas confessionais a todos, como se estivéssemos ainda num país de Cristandade. Praias, modas, costumes, espetáculos, literatura... "(p. 71).
Luz verde, por conseguinte, para todas as formas de permissivismo moral. Abdicação, por parte da Igreja — ou daqueles que ainda se dizem Igreja — de uma de suas mais graves obrigações, à qual Ela não pode esquivar-se, sob pena de perder a identidade consigo mesma.
Parecendo ignorar que o Casamento indissolúvel é não só um preceito da doutrina católica, mas também da própria Lei natural, D. Iniesta investe contra ele. Sempre, evidentemente, com as distinções clássicas dos divorcistas de todo naipe, entre casamento católico indissolúvel e casamento civil. Diz expressamente: "Sou partidário de que na Espanha seja concedido o divórcio civil aos que não creem" (p. 14).
Como faria melhor o Prelado hispânico se se dedicasse à conversão dos incrédulos, em lugar de procurar defender o pseudodireito daqueles que não creem de transgredir a Lei natural.
Enfim, D. Iniesta parece querer uma revisão cabal da doutrina da Igreja, para adaptá-la aos pruridos revolucionários do momento. É por isso que afirma sem rebuços: "Os conceitos de autoridade, propriedade privada, família, fé, como fermento crítico..., devem ser repensados teologicamente" (p. 12).
É oportuno citar aqui um texto, onde o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, com limpidez de pensamento, em sua obra "Revolução e Contra-Revolução", apresenta a verdadeira face da realidade:
"A sensualidade, revoltada contra os frágeis obstáculos do divórcio, tende por si mesma ao amor livre. O orgulho, inimigo de toda superioridade, haveria de investir contra a última desigualdade, isto é, a de fortunas. E assim, ébrio de sonhos de República Universal, de supressão de toda autoridade eclesiástica ou civil, de abolição de qualquer Igreja e, depois de uma ditadura operária de transição, também do próprio Estado, aí está o neobárbaro do século XX, produto mais recente e mais extremado do processo revolucionário".
A religiosa sempre foi um símbolo da maternalidade da Igreja. Seja dedicada à contemplação, orando e sacrificando-se pelo bem de todo o Corpo Místico de Cristo, seja em atividades apropriadas à psicologia feminina, como o exercício constante da caridade nos hospitais e nas tarefas pedagógicas — e em muitas outras circunstâncias —, tudo o que era feito por uma religiosa via-se sublimado, cheio de unção sobrenatural, fazendo às almas um bem proporcionado, ou até maior, do que aquele feito aos corpos.
Infelizmente, o ativismo que, nos últimos anos vem deteriorando grande número de Ordens e Congregações, desfigurou a verdadeira imagem da freira, reduzindo-a a ser uma pessoa a mais no mundo, e impedindo que ela faça aquele bem específico à Igreja e à sociedade em geral que só uma religiosa é capaz de fazer.
Na rampa da atual decadência, eis que D. Iniesta desce agora mais baixo, e propugna a introdução da religiosa, já de uma vez, na luta sindical, e portanto, operando a metamorfose por onde ela se tornará instrumento da luta de classes.
Diz o Prelado: "Parece-me claro que uma religiosa possa entrar no mundo do trabalho normal e, pela mesma razão, na luta sindical e em suas estruturas". E prossegue: "Deveriam entrar para trabalhar como uma qualquer, procurando não desempenhar tarefas de direção, e menos ainda ter atitudes paternalistas, mesmo que, por hipótese, pudessem fazê-lo" (p. 118).
Ora, se uma freira em nada deve distinguir-se de uma operária comum, então para que ser religiosa? Qual o significado de sua consagração a Cristo?
O teor do livro "Papéis Proibidos" é de tal nível que, chegando ao final, D. Iniesta sentiu a necessidade de inserir um texto onde explica ao leitor que não é comunista, mas luta pela "justiça".
A única defesa válida de sua posição — e essa o Bispo Auxiliar de Madrid não a faz — consistiria em demonstrar que suas afirmações diferem substancialmente das que os comunistas fazem. Mas disso ele se guarda bem. E sai mais adiante com uma invectiva violenta contra os que não propugnam aquilo que ele chama de justiça: "São hereges os cristãos que não lutam pela justiça, deformam a mensagem, deveriam converter-se ou deveriam sair da Igreja" (p. 214).
É curioso observar essa atitude de intransigência contra todos os que não concordam com sua colocação do problema da justiça. O Bispo espanhol tão aberto e compreensivo em relação ao marxismo, paradoxalmente demonstra uma férrea severidade contra os que rejeitam essa posição concessiva. Dois pesos, duas medidas...
Mons. Iniesta, Bispo Auxiliar de Madrid, defende graves erros doutrinários em seu livro "Papeles Prohibidos".
Jean Goyard
PARIS — Com seu esplendor, a capital francesa é, talvez, de todas as cidades do mundo a mais procurada. Vir à Europa, para muitos, é vir a Paris. Todas as nacionalidades aqui são encontradas. Brasileiros, naturalmente, por toda a parte. Muito abertos à cultura e à língua francesas, não é raro vê-los nas ruas, praças e museus, como diante dos monumentos parisienses.
Isso traz uma consequência óbvia. Se por um lado, neste início de ano as lojas de comércio, confeitarias, restaurantes, livrarias estão sempre lotados, por outro, regurgitam ainda mais as agências de viagens, aeroportos e estações. Para tomar um avião, se não se previu tudo com antecedência, tem-se invariavelmente que enfrentar uma incerta fila de espera e disputar algum lugar à última hora.
Nos aeroportos, os alto-falantes anunciam partidas para todas as regiões do mundo. Árabes, japoneses, africanos, comumente embarcando com seus vistosos trajes nacionais: cores vivas, muito pano, em cada dobra a evocação de uma legenda — aliás, nada afim com a modernidade do aeroporto. Centenas de aviões chegam de todo o mundo. Um caudal humano continuamente sai dos balcões da alfândega, contente, por vezes eufórico, à procura da grande Paris, seus palácios e teatros, suas praças e restaurantes, sua história e sua grandeza.
Em meio a toda essa movimentação, é impossível não se notar entre as grandes companhias aéreas um vazio, constituindo como que uma sombra no aeroporto.
De fato, uma empresa choca pela vastidão de suas instalações e o despovoado de suas dependências: a Aeroflot, linhas aéreas soviéticas.
No aeroporto Charles de Gaulle seus imensos aviões pousam. Rolam pela pista. São seguidos por olhares com um misto de curiosidade e desconfiança. Estacionam e as portas são abertas. Não se vê sair o fluxo de passageiros dos outros aviões. Pingam fora alguns técnicos europeus que foram passar tecnologia a setores atrasados da indústria comunista; russos a pisar o mundo livre com pé incerto, acanhados e em trajes rústicos; alguns funcionários diplomáticos — e isso é tudo. Os passageiros da Europa livre sabidamente preferem suas linhas aéreas, ou as americanas, quando têm que ir a Moscou. Encerrar-se num desses tubulões da Aeroflot e ser dirigido por misteriosas mãos russas... não! O homem ocidental ainda não se sente à vontade para tal. Barreiras psicológicas ainda restam eretas entre ele e o comunismo.
Quer no aeroporto, quer em suas agências de Paris, o abandono pelos turistas é completo. Sua agência mais vistosa situa-se na famosa avenida dos Champs-Elysées. Posta ali para chamar atenção, ela atrai entretanto muito pouco. Imensa mas sombria, conflitante com a graça e a leveza francesas, ela se isola. Ninguém entra. Mesmo os que apenas passam por sua porta relutam em olhar. Se de um lado a vista do transeunte é atraída pelas imensas fotos de seu interior ostentando as maravilhas da Rússia do tempo dos czares, é certo também que, por outro lado, a foice e o martelo no alto de suas paredes repugna. E pendurado junto, em relevo, descomunal, a fisionomia metálica e agressiva de Lenine, parecendo sair da parede para ameaçar Paris, cuja graça e cujo charme para ele não eram senão dignos de destruição. No total, o transeunte prefere não olhar.
Por que a Rússia manteria uma imensa e inútil companhia aérea, claramente deficitária?
Um pedestre que a princípio prefere nem mesmo olhar para a agência da Aeroflot pode, entretanto, desprevenidamente aceitar um almoço numa aprazível pizzaria, toda envidraçada, com vista panorâmica para a avenida dos Champs-Elysées. E em cima da carranca de Lenine, a centímetros da foice e do martelo, deliciar-se com iguarias italianas. Nada como os ambientes italianos para distender. Massas em abundância, preços razoáveis. Movimentação alegre e ligeira. Um copo de bom vinho de Siena ou de um chiaretto basta para acabar de amolecer aquela barreira psicológica que separava a pessoa desprevenida de tudo o que vem dos mantenedores da Lubianka e do Gulag. A carranca é esquecida, e a foice russa penetra indolor um pouco mais fundo na flácida carne do homem ocidental. Seu bom senso foi amortecido e ele se habituou, nesse ponto específico, com a propagação dos russos. Da próxima vez, ele poderá substituir o vinho pela vodka, por mais insólito que seja combinar a bebida russa com a pizza. Triunfo da guerra psicológica revolucionária, que se vale de todos os meios, dispondo a todo momento de um fator específico, para levar insensivelmente cada grupo social, e até cada homem, a aproximar-se do comunismo, por pouco que seja.
Os carros estacionados sobre a calçada, rentes às vitrinas da Aeroflot, nos Champs-Elysées, são da polícia. Aí passam dias inteiros. Previnem eventuais ataques de grupos extremistas de direita (o que, aliás, tem tido como efeito despertar a atenção para a esquecida companhia de aviação).