Nelson Ribeiro Fragelli
PARIS - Na França, a todo instante, encontram-se recordações de seu passado, repleto de acontecimentos notáveis. Percorrê-la é esquadrinhar, seja qual for a direção tomada, paragens da História. Tão numerosos são seus monumentos e os restos respeitáveis semeados através dos séculos, que frequentemente não se sabe onde deter a vista.
Tantas relíquias históricas perduram desde a conversão de Clóvis, dos heroicos tempos das Cruzadas, do esplendor do gládio e da sabedoria de Carlos Magno, da difusão da Fé por Cluny, das cargas de cavalaria empreendidas pela donzela Santa Joana D'Arc. Muitas tradições veneráveis nos reportam ainda à luta da Casa de Lorena contra a pseudo-reforma protestante, até os últimos fulgores da dinastia dos Capetos. E no plano religioso, em época mais recente, às grandes aparições marianas do século passado, na Rue du Bac, em Salette ou Lourdes.
Em tal epopeia histórica, Paris representou quase que ininterruptamente o principal papel. De um ou outro modo, ela foi o centro e a expressão mais nobre desse grandioso conglomerado humano que constituiu, segundo São Pio X, o povo eleito do Novo Testamento.
A conversão de Paris, por consequência, teve para a França e para a Cristandade uma importância única. Pesquisar os fatos ligados a ela é honrar as próprias origens da Civilização Cristã, além de contribuir para o enriquecimento dos conhecimentos históricos.
Conta Jacques Hillairet, em seu livro "Évocations du Vieux Paris", tomo I, que — segundo antiga legenda cristã, cujo início remonta ao século VI, retomada e desenvolvida no século IX por Hilduíno, Abade de Saint-Denis, e difundida largamente no século XIII por Jacques de Voragine, na célebre "Legenda Áurea"— São Dionísio, Bispo da Santa Igreja, acompanhado por Eleutério e Rústico, veio do sul da França para iniciar a evangelização de Lutécia (nome romano da futura Paris). Vendo a já grande cidade tomada por cultos idólatras e ocupada por ricos patrícios romanos, submetida à possante corporação dos "Nautae Parisiaci", São Dionísio deteve-se à entrada da cidade, no lugar Onde os galo-romanos sepultavam seus mortos.
Existiam ali também pedreiras de onde se retiravam as pedras para a construção de Lutécia. Algumas delas, subterrâneas, eram habitadas por pobres, servos, camponeses e colonos. Numa delas se instalou o Santo, e ali começou a formação dos primeiros cristãos. Era a primeira sede de reuniões daqueles primeiros fiéis, o primeiro palácio episcopal, a primeira Catedral de Paris. Foi também lá que o prefeito Sisinius Fesceninus, autorizado pelo imperador Domiciano, no fim do século I, prendeu o Santo e seus dois companheiros. O apóstolo de Paris começou naquele local seu martírio, que terminaria com a decapitação, efetuada no flanco sul da colina de Montmartre (*).
No século VI uma capela, dedicada a Nossa Senhora dos Campos (Notre-Dame des Champs), foi construída sobre essa pedreira, que assim se tornou sua cripta. Ela foi sempre intensamente visitada por peregrinos. Luís VI destinou uma verba especial para sua iluminação durante a oitava da festa de São Dionísio. Em 995, os beneditinos da Abadia de Marmoutiers, perto de Tours, tornaram-se proprietários dela e lá fundaram, em março de 1804, um primeiro convento.
Na Capela de Notre-Dame des Champs foram celebrados os funerais da primeira esposa de Luís XII, dos dois filhos de Francisco I e de sua esposa, antes de serem transladados para a Basílica de Saint-Denis, sepulcro dos Reis de França. A partir de 1603, uma rica igreja foi construída sobre aquele venerável lugar. Era a igreja do Carmelo da Encarnação, das carmelitas reformadas por Santa Teresa d'Ávila.
O mencionado autor Jacques Hillairet, em seu "Dictionnaire historique des rues de Paris" (Les Editions de Minuit, Paris, 7.a edição, 1967, vol. I, pp. 629-630), relata com pormenores as transformações por que passou aquele templo religioso, bem como a veneranda cripta. A. Revolução Francesa demoliu o convento carmelita e sua igreja. As religiosas foram expulsas. A cripta, cujas abóbadas haviam desabado, ameaçava desaparecer debaixo dos seus escombros. Uma rua foi aberta no local onde se erguera o mosteiro.
Passado o Terror revolucionário, e estando o povo cansado de tanto sangue, as carmelitas retornaram. Movidas pelo desejo de preservar essa relíquia, outrora venerada como das mais santas, elas conseguiram recuperar parte do seu antigo domínio. E ali, num pequeno quadrilátero localizado na esquina de duas novas ruas, edificaram um novo Carmelo, com capela em estilo ogival do século XII. Era um conjunto de proporções bastante modestas, mas através do qual se tinha acesso à antiga pedreira de São Dionísio, situada debaixo de uma casa da rua Pierre-Nicole. Luís XVIII, em 1817, restituiu às religiosas algumas obras de arte do antigo convento carmelita.
A cripta entretanto se achava muito arruinada. Em 1855 concluiu-se uma primeira restauração. Posteriormente foram colocadas algumas placas comemorativas, como por exemplo a lápide do Bem-aventurado Reginaldo, antigo benfeitor da capela. Uma segunda restauração (que praticamente remodelou a cripta) foi terminada em 1895 e procedeu-se no ano seguinte à solene consagração.
"... aqui se fazem belos milagres"
A noite da Fé, contudo, descia sobre essa relíquia arquitetônica. Quatorze anos depois, o Carmelo foi fechado, e suas instalações cedidas a uma garagem e uma casa editorial. As janelas conventuais, encimadas por uma pequena cruz em relevo, bem como as arcadas do claustro que se podiam entrever, durante muito tempo estiveram ainda em pé, solitárias, como a lembrar aos transeuntes o vazio em que á impiedade crescente ia lançando a humanidade, ao banir o sobrenatural.
Desde 1963, dois grandes prédios modernos ocupam esse lugar, atualmente na rua Henri Barbusse, n.° 25, no XIVe. arrondissement. Restou apenas, esquecida, a cripta de São Dionísio, hoje em dia situada no subsolo desses edifícios.
Os parisienses contemporâneos não se voltam mais para aquele que lhes trouxe a Fé e morreu por eles. A cripta não é visitada. O culto divino deixou de ser ali prestado. Por aqueles espaços onde outrora desfilaram solenes carmelitas tomadas pelo ardor de Santa Teresa, reis e príncipes, que buscavam os fundamentos de seu Reino Cristianíssimo, além de peregrinos provenientes de todas as partes da França, hoje se vê o desenrolar da vida banal e frequentemente vulgar de uma época já quase sem fé.
Abandonada e fria, nela se encontram apenas uma imagem de Nossa Senhora e outra de São Dionísio sustentando a própria cabeça decapitada (fato que se deu por ocasião de seu martírio), colocadas no altar principal. Num altar lateral, uma lápide indica a presença ali do corpo do Bem-aventurado Reginaldo, frade dominicano, falecido no século XIII e beatificado por Pio IX em 1876: "... durante séculos os parisienses vieram honrá-lo e rezar neste santuário". Uma outra, a propósito da ação do Bem-aventurado Reginaldo, diz: "... aqui se fazem belos milagres e se curam toda espécie de febres".
"O Rei passará, Ele os fará sentar-se e lhes servirá ... e lhes distribuirá os oceanos dessa felicidade tão plena", afirmou São Dionísio numa carta ao Bispo Tito, também ali inscrita em lápide. O grande Santo parecia profetizar os dons que a Providência deveria conceder a esta nação que se tornaria a "Filha Primogênita da Igreja".
Por esta estreita escada sem ornatos (à esquerda), o visitante desce à cripta de São Dionísio (embaixo), que foi sede episcopal do Apóstolo de Paris.
A frente da imagem da Virgem, no altar principal da cripta, há uma outra, de São Dionísio, que sustenta nas mãos a própria cabeça decapitada.
Altar do Bem-aventurado Reginaldo, da Ordem dos Dominicanos (século XIII). Sepultado na famosa cripta, foi beatificado pelo Papa Pio IX, em 1876.
(*) A propósito do período histórico em que São Dionísio, primeiro Bispo de Paris, realizou o seu apostolado e selou com sangue a sua Fé, bem como sobre a identificação desse Santo com São Dionísio, o Aeropagita, discípulo de São Paulo, a que se referem os "Atos dos Apóstolos", cap. 17, v. 34 - tema este que não abordamos no presente artigo -, pairam divergências entre os historiadores.
Parece-nos oportuno, entretanto, a título de informação, aduzir aqui alguns dados sobre a questão.
O conceituado historiador francês Rohrbacher sustenta que "os mais antigos martirológios situam o martírio de São Dionísio, o Aeropagita, no dia 3 de outubro, sob o império de Adriano, que começou a reinar no ano de 119. Consta que a colina em que o santo foi decapitado com seus companheiros tomou o nome de Monte dos Mártires ou Montmartre". E pouco adiante acrescenta o historiador francês que "São Dionísio chegou às Gálias no século primeiro, o bispo de Atenas e o Bispo de Paris são o mesmo personagem, e se trata verdadeiramente de São Dionísio, o Aeropagita; e os argumentos dos contraditores não são irrefutáveis" (cfr. Rohrbacher, "Histoire Universelle de l'Église Catholique", Gaume Frères et Duprev, Éditeurs, Paris, 4a. edição, 1864 - tomo III, livro XXVII, pp. 22-37).
Eis o relato do martírio de São Dionísio, conforme a "Legenda Áurea", do Bem-aventurado Jacques de Voragine, da Ordem dos Pregadores e que faleceu como Arcebispo de Gênova, no fim do século XIII. A narração, entretanto, poderá apresentar lacunas, imprecisões e mesmo erros, do ponto de vista da crítica histórica estritamente científica. Nem sequer foi o objetivo de seu autor redigir um compêndio de História. Mais que isso, sua "Legenda Áurea" tem em vista possibilitar ao leitor — dentro da fidelidade à doutrina da Santa Igreja — como que degustar a auréola sobrenatural e maravilhosa que orna a existência dos católicos que levam a prática das virtudes a um grau heroico, isto é, dos Santos:
"Tal era a graça celeste que refulgia em São Dionísio que, com frequência, os sacerdotes idólatras sublevaram contra ele o povo, o qual, mais de uma vez, acorreu com armas visando matá-lo. Mas, bastava ao Santo fitar a multidão, que esta perdia sua ferocidade e lançava-se a seus pés; ou então, apoderava-se dela um pavor, fugindo todos à sua simples aparição.
Contudo, o demônio invejoso, vendo que todos os dias seu campo se adelgaçava, triunfando a Igreja através de numerosas conversões, excitou em Domiciano tal crueldade, que este imperador decretou, para todos os cristãos que fossem encontrados, a obrigatoriedade de sacrificar aos ídolos, sob pena de perecer mediante suplícios.
O prefeito Fesceninus, enviado de Roma a Paris para perseguir os cristãos, deparou São Dionísio pregando ao povo. Imediatamente, fê-lo prender, esbofetear, escarnecer, zombar, amarrar com correias bem ásperas e comparecer diante dele, juntamente com São Rústico e Santo Eleutério. Ora, como os Santos persistissem em confessar a Deus diante do prefeito, [...] eles foram flagelados por doze soldados, depois do que, carregados de pesadas correntes, foram lançados na prisão.
No dia seguinte, São Dionísio foi estendido nu sobre uma grelha, debaixo da qual ardia fogo violento. Ele, contudo, cantava louvores ao Senhor: "Vossa palavra é provada perfeitissimamente pelo fogo, e vosso servidor a ama exclusivamente" (cfr. Ps. CXVIII, 140). Retiraram-no, então, das chamas para lançá-lo como repasto às feras, tanto mais ferozes quanto se as haviam deixado muitos dias sem comer. Mas quando elas correram para se precipitar sobre ele, o Santo opôs-lhes o sinal da Cruz, e elas tornaram-se mansíssimas. Foi ele, a seguir, lançado numa fornalha; o fogo, porém, ao invés de causar-lhe dano, extinguiu-se. Fizeram-no sair afinal, e trancaram-no na prisão com seus dois companheiros, e um grande número de fiéis.
Celebrava ele ali a Missa, quando, no momento da Comunhão do povo, Nosso Senhor Jesus Cristo apareceu-lhe aureolado de imensa claridade; depois tomou Ele o Pão e lhe disse: "Toma isto, meu dileto, pois tua maior recompensa é de estar coMigo". Foram eles em seguida conduzidos à presença do juiz, que os submeteu a novos suplícios. Por fim, os três confessores da Trindade tiveram a cabeça cortada a golpes de machado, diante do ídolo de Mercúrio.
Incontinenti, o corpo de São Dionísio levantou-se, e sob o influxo de um Anjo, precedido de luz celestial, carregou a própria cabeça entre os braços, num trajeto de duas milhas — desde o lugar chamado Monte dos Mártires até aquele que, pela providência de Deus, ele escolheu para repousar. Nesse local, os Anjos fizeram ressoar acordes melodiosos, em meio à multidão dos que ouviram e creram em Jesus Cristo."
Murillo Galliez
Em artigo publicado num número anterior deste jornal ("Catolicismo" n.° 361, janeiro de 1981), transcrevemos e comentamos dados numéricos bastante significativos, mostrando o envelhecimento e a redução das populações de países da Europa Ocidental como fruto da limitação da natalidade.
Na presente colaboração teceremos algumas considerações sobre as causas que determinaram essa tendência ao próprio extermínio, observada naquelas nações. Os dados informativos que aqui apresentamos, do mesmo modo que os do artigo precedente, foram extraídos do livro "La France ridée" ("A França enrugada", Librairie Générale Française, Paris, 1979, de autoria de Gérard-François Dumont, com a colaboração de Pierre Chaunu, Jean Legrand e Alfred Sauvy).
* * *
Por que motivo nações inteiras, altamente civilizadas, industrializadas, em fase de pujança econômica, livres de guerras ou de outras crises que ameacem sua sobrevivência, vão se lançando assim no rumo inexorável da autodestruição?
À primeira vista, poder-se-ia dizer, de modo superficial e apressado, que tal suicídio populacional se deve à difusão dos contraceptivos e à liberação do aborto.
Na verdade, porém, a causa mais profunda é outra. Contraceptivos e aborto são apenas os instrumentos de que se valem as pessoas, já intoxicadas até a medula por uma mentalidade antinatalista, para impedir que as crianças venham ao mundo.
Esse estado de espírito já precedia de muitos anos a difusão maciça dos contraceptivos e a prática generalizada do aborto. Durante a década de 60, numerosos inquéritos efetuados em maternidades na França, apontavam que 40-50% das crianças nascidas não eram desejadas pelas mães. Interrogadas sobre se teriam evitado o nascimento, caso houvessem tido a possibilidade de fazê-lo, quase todas respondiam que sim.
A oferta superabundante do maior, mais poderoso e mais diversificado arsenal antinatalista que jamais houve sobre a face da Terra, encontrou já preparado um mercado que o acolheu com sofreguidão e dele faz uso exaustivo. E assim, na voragem das pílulas, dos dispositivos, das ligaduras, vasectomias e abortos, a civilização atual, cada vez mais encharcada pelo neopaganismo, vai se lançando no abismo da extinção.
Como surgiu, porém, tal mentalidade? Ainda de maneira superficial e apressada poder-se-ia dizer que ela é fruto da propaganda que teve origem nos Estados Unidos, logo após a descoberta da pílula anticoncepcional em laboratório. A façanha do Dr. Pincus precisava, segundo os antinatalistas, ser conhecida e adotada no mundo todo... E para atingir tal meta, nada como uma maciça propaganda anticoncepcional a fim de criar mercado para o novo produto!
E fora de dúvida que nesse sentido vêm trabalhando, há muitos anos, praticamente todos os veículos de difusão de ideias. Imprensa, rádio e televisão, teatro e cinema derramam sem cessar, sobre uma população indefesa, toda sorte de sofismas, pressões psicológicas, persuasões ou meras insinuações, no sentido de que a gravidez deve ser mais ridicularizada que respeitada; as famílias numerosas encaradas com horror ou compaixão; a prática do aborto como solução inteiramente aggiornata; e a esterilização cirúrgica como algo que até confere status...
E as conversas nas diferentes rodas de amiguinhas e familiares orientam-se geralmente no mesmo sentido: "Fulana está esperando mais um filho? Que horror!" — "Sicrana já teve sete crianças? Coitada!" — "Beltrana submeteu-se a um aborto? É claro. Era a solução melhor para ela!"...
As pressões não são apenas psicológicas. Também as de ordem econômica são utilizadas, tais como:
• Leis tendentes a desagregar o patrimônio familiar, como a abolição do direito de primogenitura e a partilha obrigatória dos bens, como vimos no artigo anterior.
• Redução progressiva dos salários-família, desestimulando as proles numerosas.
• Construção de casas e apartamentos de tamanho reduzido, tornando difícil ou quase impossível alojar um casal com mais de dois filhos.
• Aliás, o combate às famílias numerosas constitui mais um elemento dentro de uma política demográfica cujo fim último será a lenta extinção da população. Pois elas são indispensáveis para o crescimento e até para a manutenção do número de habitantes. Um país em que os casais não tivessem mais que três filhos, veria o número de seus habitantes estacionar e depois decrescer.
Estudos demográficos recentes realizados na França mostram que cerca de 75% das crianças nascem de 25% das mulheres e que uma família com sete filhos contribui tanto para o equilíbrio populacional como cinco famílias com três filhos.
A diminuição das famílias numerosas é o fator quantitativo principal da diminuição da natalidade.
Elas é que sustentam numericamente a população de um país e, na sua maioria, situam-se entre as famílias católicas. Na França, entre 1920 e 1940, 68% dos recém-nascidos vieram de famílias de três ou mais filhos. Nessa época ainda havia um resquício de catolicismo tradicional, minoritário mas pujante, que seguia as normas da Encíclica "Casti Conubii", de Pio XI. O documento pontifício reafirmava a doutrina tradicional da Igreja de que a procriação é a principal finalidade do casamento. Tais famílias fecundas se recrutavam principalmente na Bretanha e na Vadeia, regiões conhecidas por seu catolicismo tradicional; foram elas que permitiram a grande recuperação da natalidade dos anos 1945-1964.
Na Alemanha atual a situação só não é pior devido à fecundidade dos camponeses católicos da Baviera.
Sendo de 2,10 o índice de fecundidade necessário para a reposição das gerações, conforme explanamos no artigo anterior, o governo que estabelecer uma política demográfica no sentido de favorecer a constituição de famílias com apenas dois filhos, ou, no máximo, três, estará levando a população ao envelhecimento e o país à decadência. Pois um número apreciável de mulheres em idade de procriar, por motivos diversos, não terá filhos; outras terão apenas um. Se as restantes tiverem apenas dois ou, quando muito, três, isso não será suficiente para equilibrar a balança. É necessário que haja famílias com cinco, seis ou sete filhos para que a população possa realmente crescer.
As pressões econômicas levam, portanto, a uma mentalidade antinatalista, principalmente através do combate às famílias numerosas.
Entretanto, a causa mais profunda dessa mudança de mentalidade é outra.
Minada há cinco séculos por uma crise universal, una, total, dominante e processiva (cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, "Revolução e Contra-Revolução", Parte I, Cap. III, "Catolicismo" n.° 100, abril de 1959), a Civilização Cristã deixou-se dominar progressivamente pelas tendências, ideias e instituições revolucionárias, voltando as costas para o modo de ser e de viver autenticamente católicos da Cristandade medieval. Desejando muito mais o gozo da vida terrena que a felicidade do Céu, rejeitando com horror tudo que signifique renúncia, sacrifício, dor e espírito de Cruz, o homem dominado pela Revolução tem a alma aberta para aceitar toda espécie de permissivismo, por mais ousado que seja, desde que apresentado com habilidade e na ocasião oportuna.
Embriagado com uma sensualidade onipresente e procurando afastar tudo o que se opuser à sua satisfação mais completa, o homem revolucionário aceitou a ideia de que a vida sexual visa antes de tudo o prazer e não perpetuar a espécie. E que os filhos, na medida em que sejam um estorvo ou uma consequência indesejável, devem ser impedidos de nascer. E isso por qualquer método, pois, segundo tal concepção, a mulher é dona absoluta de seu próprio corpo.
Não é de estranhar, portanto, que, para uma sociedade já impregnada desse modo de pensar, sendo-lhe dados os meios mais que suficientes para atingir o fim desejado, a explosão antinatalista se tenha verificado e transformado em verdadeira implosão populacional, ou seja, na autodestruição pelo envelhecimento e progressiva redução dos habitantes.
Em Estados verdadeiramente católicos, ao contrário, onde o povo respeitava os preceitos da Lei Divina e da Lei Natural, os problemas populacionais não se verificavam, pois eram resolvidos antecipadamente, dentro da organicidade e da temperança características de uma Civilização Cristã.
Sobre esse ponto é interessante o comentário feito por Pierre Chaunu, um dos colaboradores da obra citada, às páginas 154 e 155 da mesma. Após referir-se aos grandes desequilíbrios populacionais observados entre os povos pagãos, escreve ele:
"Frente a essas grandes rupturas ergue-se a bela continuidade mediterrânea. Diante do desafio de uma população crescente — 80 milhões vivendo em 2,5 milhões de km2, com uma densidade de 35 hb/km2, no ano de 1250 — o mundo cristão foi adotando, do século XI ao século XVI, a solução do casamento tardio. A Europa cristã utilizou largamente a ascese sexual da continência. A partir do século XVI ela não emprega mais que 50-60% da capacidade reprodutiva de suas populações. Esta solução oferece toda sorte de vantagens. [...] Evitando dissociar o complexo sexualidade-amor-procriação na instituição social do casamento, a ascese sexual da continência extraconjugal possibilitou um modo de auto regulação que afasta todo o perigo de explosão ou de implosão. [...] A Europa cristã era a única parte do mundo que havia conseguido suprimir as grandes oscilações plurisseculares. [...] A revolução industrial não modificou profundamente esse sistema maravilhosamente autorregulado. [...] Fora alguns tropeços, ele funcionou perfeitamente até a revolução contraceptiva dos anos 60, uma dose excessiva da qual, salvo um milagre, iremos todos perecer".
Está assim apontado o futuro da Europa que foi cristã e atualmente, em larga medida, é neopagã: a autodestruição pelo fato de se ter afastado da Lei de Deus, da prática dos mandamentos e da própria Lei Natural.
Notícias veiculadas recentemente pela imprensa francesa informam de que estaria havendo um recrudescimento da natalidade em vários países da Europa. Na França, em 1980, o número de nascimentos teria chegado a 795.000 — 38.000 a mais que no ano anterior — e o índice de fecundidade subido a 1,95.
Entretanto, esse fato não é suficiente para se chegar à conclusão de que esteja havendo uma reversão estável no sentido da maior natalidade. O próprio Sr. Gérard Callot, diretor do Instituto Nacional de Estudos Demográficos (da França), é cauteloso: "Ainda estamos longe do índice de 2,9 observado em 1964", comentou ele a respeito do eventual aumento da fecundidade.
Realmente, o prognóstico anterior parece continuar válido por dois motivos principais:
1) Os índices atingidos não são suficientes para a reposição das gerações; pequenas oscilações são comuns mesmo em fase de decadência.
2) As causas profundas que determinam a explosão antinatalista continuam sempre mais vivas e os meios para realizá-la estão sendo obtidos com facilidade crescente.
É uma derrocada que faz entrever o fim de um ciclo da História.
Este simpático casal de velhos, de algum recanto do interior da Itália, conserva em seu aspecto algo da dignidade e recato de outrora. Entretanto, o contingente predominante de anciãos que a atual onda de autodestruição demográfica faz prenunciar, será provavelmente constituída por homens sem fé nem esperanças.
Na Europa do Mercado Comum, as famílias com frequência não têm mais de dois filhos, o que é insuficiente para compensar o número de óbitos. Nesse ritmo, a população tenderá inexoravelmente ao envelhecimento.
Inquéritos efetuados na década de 60 em maternidades da França indicavam que as mães de 40-50% dos recém-nascidos teriam evitado o filho, caso houvessem tido possibilidade de fazê-lo.