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Reforma Agrária em Portugal: uma injustiça e um fracasso

Ronaldo Baccelli

nosso correspondente

Até a revolução de abril de 1974, a exploração agrícola e pecuária do solo português estava, na sua quase totalidade, confiada à livre iniciativa de pequenos, médios e grandes agricultores. Enquanto os primeiros se distribuíam sobretudo pelo norte do país, os últimos tinham predomínio no sul, nas províncias do Ribatejo e Alentejo onde a fraca densidade populacional, a escassez de água, a ausência de montanhas e outros fatores, favoreciam a existência de grandes propriedades rurais chamadas herdades.

Depois daquela revolução, implantou-se em Portugal um regime marxista que, já pela sua natureza, já pelos seus fins, é contrário à iniciativa privada. Esta viu-se, portanto, abandonada e desfavorecida, ou até caluniada e perseguida como foi o caso das herdades do Alentejo.

Reforma Agrária: pretexto do PC para a conquista do poder

Alegando injustiças sociais e um mau aproveitamento das terras, os comunistas declararam necessária a aniquilação das herdades, a expulsão dos seus legítimos proprietários e a realização de uma Reforma Agrária que garantisse um futuro melhor aos camponeses e à agricultura portuguesa.

Essa Reforma Agrária, como o leitor adiante verá, foi um verdadeiro fracasso. Mas apenas um fracasso enquanto Reforma Agrária. Pois, realizada pelos comunistas, ela não tinha, na verdade, o objetivo de favorecer os camponeses, mas, pelo contrário, usá-los como instrumentos para uma revolução que fosse capaz de implantar a tirania comunista em Portugal.

Lenine dizia que era necessário criar dificuldades às classes trabalhadoras para que elas se revoltassem. Os fatos demonstraram que o verdadeiro interesse do PC era, efetivamente, a conquista do poder e não o bem dos trabalhadores.

Naquele campo, não foram os comunistas tão longe quanto desejariam. Alcançaram, no entanto, e pelos processos mais violentos como é sabido, alguns resultados preocupantes, oportunamente denunciados pelo Sr. Pedro Roseta, conhecido membro do Partido Social Democrata: "Em determinadas zonas, certas leis não são aplicadas por não serem da conveniência do PC [...]. Por outro lado, aquele partido totalitário detém a autoridade de fato em determinados concelhos da região alentejana. Essa autoridade não se exprime apenas pelo poder político que, de fato, aí exerce. O PC comporta-se como [...] verdadeiro proprietário de quase todas as unidades coletivas de produção, dispondo a seu bel-prazer de bens que pertencem a todos os portugueses e exercendo intolerável pressão sobre as populações, nomeadamente detendo um poder absoluto sobre o acesso ao emprego e ao bem-estar. Por outro lado, diversos direitos fundamentais da pessoa humana não podem aí ser exercidos em virtude do clima de terror que o PC mantém. As próprias liberdades de expressão, de reunião, de associação, estão, de fato, limitadas" (1).

Miséria para todos

Observe o leitor as fotos desta página. Em cima, uma fila junto a um posto de venda de frutas na cidade de Beja. Enquanto a escassez de alimentos obriga essas pessoas a longas e, por vezes, mal recompensadas esperas (como nos países socialistas), os "generosos" autores da Reforma Agrária, inutilizaram cerca de 11 toneladas de batatas (foto da esquerda) (2).

Eis aqui um testemunho do "zelo" comunista pelas dificuldades das classes trabalhadoras.

Vejam-se agora as consequências da coletivização da terra e da mão-de-obra, ou seja, a substituição da iniciativa privada pela iniciativa única e ditatorial do PC e das células que ele criou para substituir os legítimos donos das terras — as Cooperativas Agrícolas e as Unidades Coletivas de Produção (UCP):

• Até a revolução de 25 de abril de 1974, Portugal produzia cerca de 600 mil toneladas de trigo por ano. Com a introdução da Reforma Agrária, essa cifra desceu para 200 mil toneladas anuais.

• Até 1974, Portugal comprava apenas 200 mil toneladas de trigo por ano. Atualmente, importa 4 vezes mais, isto é, 800 mil toneladas (3).

• Até 1974 eram os donos das herdades que sustentavam as despesas relativas à lavoura e ao pagamento dos camponeses, seus empregados. Depois de 1974 passaram a ser os cofres da nação, sendo que os gastos acumulados até 1980 (em créditos agrícolas, ocupação e mau uso das terras, dilapidação do patrimônio agropecuário das herdades etc.) elevavam-se a 50 bilhões de escudos (mais de 60 bilhões de cruzeiros). Dessa avultada soma, 12 bilhões de escudos foram para o Crédito Agrícola de Emergência, um organismo bancário criado em 1975 para financiar as atividades do PC na zona da Reforma Agrária. Por isso, 95% desses 12 bilhões foram dados como irrecuperáveis (4).

• Em 1974, o salário dos trabalhadores rurais era de 140 escudos por dia. Em 1980 — apesar da inflação — era apenas de 180 escudos por dia para os camponeses que trabalhavam nas cooperativas ou nas UCPs, enquanto que, para os que trabalhavam no setor privado, era de 400 ou 500 escudos por dia (5).

Tais resultados, parecia prevê-los o Papa Leão XIII, há quase 100 anos, na Encíclica "Rerum Novarum", de 15 de maio de 1891: "Assim, substituindo a providência paterna pela providência do Estado, os socialistas vão contra a justiça natural e quebram os laços da família.

"Mas, além da injustiça do seu sistema, veem-se bem todas as suas funestas consequências: a perturbação de todas as classes da sociedade, uma odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos, porta aberta a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias; o talento e a habilidade privados dos seus estímulos e, como consequência necessária, as riquezas estancadas na sua fonte; enfim, em lugar dessa igualdade tão sonhada, a igualdade na nudez, na indigência e na miséria".

A recuperação da iniciativa privada

Embora demasiado tarde, o governo da Aliança Democrática compreendeu que o único meio para a recuperação da agricultura alentejana e da trêmula economia portuguesa, consistia em revitalizar a iniciativa privada.

Com esse objetivo, foi criado o Programa de Financiamento a Arrendários Rurais (PAR), em cujo diploma de origem se afirma que "serão criadas condições para que as atividades agrícolas e pecuárias sejam levadas a efeito predominantemente em propriedades próprias, o que estimulará necessariamente a produtividade dos solos" (6).

Tal documento dá ocasião a que se recorde, uma vez mais, a doutrina tradicional da Igreja, sempre sábia e atual:

"... a própria natureza exige a repartição dos bens em domínios particulares, precisamente a fim de poderem as coisas criadas servir ao bem comum de modo ordenado e constante" (7).

"A propriedade particular [...] é de direito natural para o homem: o exercício deste direito é coisa não só permitida, sobretudo a quem vive em sociedade, mas ainda absolutamente necessária" (8).

Embora não se tenha feito eco destas palavras junto aos camponeses — fato lamentável — eles procederam como se as tivessem ouvido.

Alguns "desiludidos com a chamada reforma agrária [...] pediram a dissolução das uniões cooperativas de produção em que estavam integrados" (9). E outros, como a velha Conceição Maria (foto), de 83 anos, trabalhadora da herdade do Paul, lamentaram a injustiça que lhes fizeram ao expulsar o seu legítimo patrão (10).

Foi assim que, nos últimos, meses de 1980, se operaram devoluções de terras a centenas de agricultores (11). Os resultados desta medida, tão urgente, justa e necessária, são já visíveis em muitos casos, apesar da encarniçada oposição e das constantes ameaças das UCPs. Algumas chegaram à agressão física como foi o caso do agricultor Antonio Matias:

"Eu tinha vindo a um funeral a Ponte de Sôr — recordou — quando cinco homens [...], todos eles dirigentes de cooperativas, se atiraram a mim e me moeram de pancada. [...] "E tudo isto [...] porque me recusei a fazer parte da Cooperativa do Granal, na Ervideira. Eles bem que me ameaçaram, dizendo que se não fosse para eles, haviam de me castigar. Mas eu, nem que morra, me ligarei a esses bandidos.

"Eles chamam-me ‘fascista’ porque eu trabalho sem parar mais a minha mulher e os meus dois filhos. Não ligo para as greves deles, pois penso que são manipuladas. E é por todo o meu trabalho que consegui fazer de uma terra bem ruim, como é a minha, um autêntico jardim. [...]

"É por eles saberem que nós, como menos, somos capazes de produzir mais, que somos melhores agricultores do que eles, que não nos deixam trabalhar em paz — disse-nos, por fim, Antonio Matias" (12).

Aqui está, prezado leitor, o balanço de seis anos de Reforma Agrária em Portugal. Uma "experiência" que custou o empobrecimento de incontáveis famílias e da própria nação.

Antonio Carlos Matias, agricultor do Alentejo, covardemente espancado por elementos das Unidades Coletivas de Produção, por se ter recusado a filiar-se à Cooperativa do Granal, na Ervideira.

Durante a fracassada "experiência" da Reforma Agrária em Portugal, esta nação conheceu a rotina das filas para a compra de alimentos, costume inexorável nos países comunistas.

Enquanto se agravava a escassez de gêneros, os promotores da Reforma Agrária no Alentejo inutilizaram cerca de 11 toneladas de batatas. Exemplo do interesse dos comunistas em resolver o problema da fome...

Conceição Maria, trabalhadora da herdade do Paul, tem 83 anos. "Oxalá Deus nos ajude e ao nosso antigo patrão", dizia ela, referindo-se à expulsão do legítimo proprietário do Paul.

(1) "Voz de Portugal", Rio de Janeiro, 2-11-79.

(2) João Garin, "Reforma Agrária: seara de ódio", Edições do Templo, Lisboa, 1977, p. 489.

(3) "Tempo", Lisboa, 17-4-80.

(4) "Tempo", Lisboa, 20-3-80.

(5) "Tempo", Lisboa, 17-4-80.

(6) "Diário de Notícias", Lisboa, 21-7-80.

(7) Pio XI, Encíclica "Quadragesimo Anno", 15 de maio de 1931.

(8) LEÃO XIII, Encíclica "Rerum Novarum", 15 de maio de 1891.

(9) "Voz de Portugal", Rio de Janeiro, 26-12-80.

(10) João Garin, op. cit., p. 571.

(11) "Voz da Verdade", Lisboa, 21-9-80.)

(12) João Garin, op. cit., pp. 578 e 580.


Salões ingleses tema para reflexão

A boa mesa é um prazer para o espírito. E o ambiente da sala de jantar, salão ou refeitório exerce, naturalmente, um papel importante nesse ato da vida cotidiana. E, por meio da linguagem das formas, esse ambiente pode influir nas almas positiva ou negativamente.

Este salão de jantar da mansão de Ickworth, em Suffolk, Inglaterra, pode servir-nos de exemplo. Embora concluído em 1830, Ickworth é um remanescente do estilo criado em Vicenza (Itália) pelo arquiteto Palladio, do século XVI. O edifício é constituído de duas alas, que se estendem em forma de U, tendo na base deste sua principal construção — a Rotunda — onde se encontra o salão de jantar que vamos analisar.

Chamam a atenção em primeiro lugar os aspectos brilhantes realçados pela luz do sol: o imponente lustre de cristal, o espelho e console dourados, a opulenta prataria.

Esta última, legado do século XVIII, está à altura das brilhantes conversas que marcaram essa época.

Mas todo esse brilho de engenho e ornamento está posto em, uma certa medida. Um de seus contrafortes é a seriedade, que se manifesta na cor da parede, nas cortinas e no jogo central de móveis, bem como, na sobriedade do estuque. Isso, mais a presença de quadros de antepassados da família dos Condes de Bristol, proprietários de Ickworth, dá ao salão uma certa expressão de profundidade e repouso. Com o que, o vistoso dos elementos de gala não podem ser qualificados de frívolos nem de objetos de ostentação.

Outra característica deste salão é sua amenidade, ao lado da lucidez e gravidade mencionadas há pouco. Os espaços da sala parecem estar calculados para um movimento humano, nem demasiado ligeiro, nem excessivamente solene. O teto não é alto demais e os espaços de circulação não são desmedidamente amplos. As plantas e flores não só contribuem para esta nota de amenidade, mas acrescentam uma expressão de vida e continuidade à sala. A vida aí transcorre em proporções humanas, impregnando o salão. Por isso, ele não tem ar de museu e qualquer um acharia normal saber que a família proprietária de Ickworth nele se reúne todos os dias para o jantar.

Brilho autêntico, reflexão séria, educada afabilidade. Três características de um salão e de uma família inglesa. Três qualidades representadas nos três antepassados, cujas figuras dominam a sala. O militar da direita é um avô que se sacrificou na luta. Ganhou condecorações e atingiu altas patentes. Sua honra brilha com toda autenticidade e ele ama esse esplendor, mas na justa medida do autêntico e do elegante.

A dama à esquerda reflete no porte distinção. O personagem colocado no lugar mais proeminente, ao centro, — provavelmente um dos Condes de Bristol que construíram o castelo — aparenta ser homem de reflexão e conselho. Sua figura parece transmitir à sala a principal nota de seriedade, que contrabalança com os aspectos brilhantes, mais próprios ao século XVIII. De sua cátedra imaginária ele parece dizer: "Depois do jantar, passai por esta porta e sentai-vos comodamente na biblioteca, e aí entregai-vos à boa leitura e à reflexão".

Tais características — é supérfluo dizê-lo — são muito europeias, e particularmente muito inglesas. E de modo mais especial, dessa Inglaterra empreendedora e dominante do século XIX e parte do XX. Em ambientes assim impregnados, semelhantes a este, circularam um Wordsworth ou um Disraeli, como um Churchill em sua infância.

* * *

Não precisamos sair da Ilha para examinar outro ambiente, impregnado de espírito diverso. Trata-se de outro salão de jantar, desta vez na mansão de campo Parham Park, em Sussex, construída em estilo Tudor e ainda hoje em uso. A decoração do refeitório é sobretudo de estilo isabelino de fins do século XVI, mas a nota medieval está muito presente e domina a cena.

Tudo é amplo. Grande chaminé, vastos espaços intermediários. A altura do teto, apesar da claridade da sala, não deixa de ser surpreendente. O conjunto convida a uma atitude de respeito, consideração e cerimônia. No entanto, não deixa de ser um ambiente propício à irradiação das personalidades, simbolizada, aliás, pelos colarinhos de renda e golas frísias do século XVI, que estão em relação à cabeça como o cálice em relação à flor.

Poderíamos distinguir três níveis de realidades ou de vida do espírito nesta sala. O primeiro é constituído pelo espaço térreo, por assim dizer enquadrado pelos lambris de madeira. Nesse ambiente transcorre a vida cotidiana, com movimentos compassados e polidos. Os lambris, talhados à maneira renascentista em estilo isabelino médio, comunica sua nota de aconchego e calma. Com os retratos, esse nível é ao mesmo tempo cotidiano e histórico, porém, sempre muito humano e concreto.

Um segundo nível encontra-se no espaço demarcado pelo término dos lambris e a gola que separa a parede do teto. Entre o branco das paredes, circula aí maior quantidade de luz, inclusive a iluminação noturna das velas. Os grandes quadros — que a foto não reproduz com nitidez — representam cenas de caça. Enquanto o nível anterior exprime a vida cotidiana e histórica de maneira elevada mas muito concreta, aqui parecem expressar-se com clareza prototípica as realidades simbólicas da vida. A analogia lança luz sobre o assunto. Explicar-nos-emos.

Para os antigos — ocidentais e orientais — a natureza servia de inesgotável fonte de alegorias da vida humana. Daí a abundância de fábulas, apólogos e refrões sobre animais. Isso era muito vivo especialmente para os medievais. Hoje, esse mundo cheio de significado parece uma Atlântida submersa, mas na época em que esta sala foi construída, era ainda forte.

As cenas de caça desse segundo nível são uma alegoria do que transcorre no primeiro nível, na atualidade e na História. A vida da própria dinastia Tudor, por exemplo, aqui representada por vários retratos que decoram o salão, foi uma contínua caça e contracaça humanas e políticas.

Se o primeiro nível é histórico e concreto, o segundo alegórico e racional, o terceiro é metafísico e admonitório. Referimo-nos ao teto com suas nervuras e reminiscências góticas. Ele parece feito de desenhadas estalactites de neve, prontas a cair a qualquer instante, figurando o mundo maravilhoso e feérico do gótico. Dir-se-ia que ele representa, na sala, a lembrança do passado medieval, dos princípios e normas mais puros, do ideal mais sacral que não foi seguido. Mas que subsiste por si mesmo e se acumula sobre nossas cabeças, como nuvens encantadas e benéficas.

Correram os séculos. As caçadas se repetiram. Mas o salão continua dominado pelo teto, com sua metafísica advertência, pelo fato daquele ideal ter sido abandonado. Pelo menos para quem levanta o olhar. Ou para os que, como nós, a estamos vendo de cima, nesta foto.

Salão de refeições da mansão de campo Parham Park, em Sussex, Inglaterra.

Sala de refeições da mansão de Ickworth, em Suffolk, Inglaterra.