Péricles Capanema
Os partidos democrata-cristãos da América têm uma entidade supranacional com sede em Caracas para coordenar suas ações e servir como fórum para troca de opiniões e ideias. Chama-se Organização Democrata-Cristã de América (ODCA). A mencionada entidade dispõe de uma revista de informações e doutrinas, o "Informe ODCA". Seu n.° 36, de outubro de 1976, publica resumo de duas conferências do sociólogo Roberto Bosc, de alto interesse para brasileiros preocupados com as intenções do Kremlin a respeito do País.
Bosc declara-se católico, e, sem fazer uma análise crítica, apresenta para conhecimento dos políticos da Democracia Cristã um plano russo para conquista de países da América Latina. Como o estudo não foi difundido senão em círculos reduzidos, julgo interessante apresentá-lo à consideração dos leitores de "Catolicismo".
Roberto Bosc esteve dez vezes na Rússia, tendo lá feito dois estudos de extensão universitária. Ele viaja com seus alunos de Paris quase todos os anos à Rússia.
Afirma ter feito cursos na Universidade Patrício Lumumba, onde, segundo ele, formam-se futuros líderes comunistas do Terceiro Mundo. Ali estudam mil latino-americanos. Como se vê, é um professor universitário com boas chances de conhecer o que se passa na matriz do comunismo...
Entre as matérias ensinadas figuram, naturalmente, em lugar de destaque, as várias etapas da conquista do poder, meta constante dos PCs. Sofrendo cronicamente da falta de apoio popular, como atuar sobre um país, com vistas a implantar o marxismo? Além do golpe de Estado repentino, as outras hipóteses comportam necessariamente a transformação gradual.
Eis um dos planos ensinados a futuros líderes:
Incentivar a ascensão da burguesia do país e colocá-la em choque com os principais países do mundo capitalista. Para se manter nas posições de mando, tal burguesia procura alianças com militares progressistas e intelectuais de esquerda. O governo adota posição "anti-imperialista", rompe a aliança militar com os Estados Unidos, mas mantém os laços econômicos e diplomáticos.
Caminha-se aqui para o controle de todas as inversões estrangeiras e das atividades da burguesia do país, embora se lhe permita ainda o lucro. O comércio exterior também é controlado. Isto se fará pela mudança da legislação. O autor afirma ter visto na Rússia, no Centro de Investigação Jurídica, professores que preparavam livros destinados à transformação do Direito Civil nos países onde há boas possibilidades de tal plano lograr êxito. Esta mudança na legislação consolida a segunda etapa do processo.
Assim as chamam os soviéticos, porque elas podem ser efetuadas antes de o governo ser socialista. O PC ainda é fraco, sendo ilusória a tentativa de tomar o poder. Mas pode promover um pouco de violência, para forçar o governo a andar. Nessa etapa localiza-se a execução da Reforma Agrária, cujo objetivo não é aumentar a produção — sabem os comunistas que ela baixará — mas destruir a antiga classe dos proprietários rurais. Inclui-se nessa fase também a nacionalização dos meios de comunicação social.
Sobre a importância da Reforma Agrária nos planos russos, afirma Roberto Bosc: "... uma reforma agrária que foi um fracasso de primeira categoria. A coletivização das terras no tempo de Stalin foi um fracasso e até hoje o campo russo não recuperou a força que tinha há cinquenta anos. [...] É preciso fazer uma reforma agrária [...]. Pode ser que as cooperativas sejam uma boa solução, [...] o essencial não é este modelo único, mas romper as estruturas semifeudais ou burguesas, com o fim de destruir a classe dos antigos proprietários" .
Promove-se ativa educação baseada nos postulados do marxismo-leninismo e combatem-se os princípios religiosos que impedem a adesão popular aos ditames do PC.
Durante todas as etapas anteriores, trabalhou-se no sentido de aumentar e consolidar o partido leninista. Nesta fase, a numerosa classe operária, já trabalhada pelo comunismo, alia-se aos camponeses e parte da classe média, tendo em vista galgar o poder.
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Tais etapas não são matematicamente cronológicas. A execução do plano depende de circunstâncias concretas. Em sua aplicação, lembra Bosc, os comunistas fixam muito sua atenção na ajuda que o Clero de esquerda, militares progressistas e parte da classe média podem conceder ao processo revolucionário.
Cita mesmo um fato sintomático. No Museu do Ateísmo, em Leningrado, há uma foto do sacerdote guerrilheiro da Colômbia, Pe. Camilo Torres. Na perspectiva marxista, ao atuar como aliado, tal sacerdote contribuiu para a difusão do ateísmo.
Acima o plano russo. Roberto Bosc não trata, entretanto, de um ponto nuclear. Se o partido comunista, durante o desenvolvimento do mencionado processo, habitualmente longo, é pequeno e muito combatido, como pode ter esperanças fundadas de orientar os acontecimentos na direção desejada? Será que a descrição pormenorizada das forças auxiliares e a factibilidade de sua utilização pelo PC é dada noutro curso, ao qual não esteve presente o sociólogo? Sem forças muito mais potentes trabalhando nesta direção, o processo não se desenvolveria rumo a seu ponto final. Como se fará, nos bastidores, a conjunção de esforços?
Este ponto não é tratado nas conferências de Bosc. Mesmo porque muitas dessas medidas, constantes das etapas intermediárias, fazem parte de programas de partidos democrata-cristãos. Tocar no ponto nevrálgico de como se pode, num país com PC pequeno, levar adiante um programa de décadas, favorecedor do comunismo, seria desvendar cumplicidades ocultas, cuja eficácia provém precisamente da ambiguidade na qual elas vivem. Residiria aí a razão do silêncio?
No Chile, apenas à guisa de exemplo, o papel da Democracia Cristã como preparadora da ascensão da coligação Unidade Popular (que conduziu Allende ao poder), foi magistralmente descrito pelo saudoso ex-diretor da TFP brasileira, Fábio Vidigal Xavier da Silveira, em seu famoso ensaio "Frei, o Kerenski chileno", publicado em 1967, no auge do prestígio desse ex-mandatário andino.
A quem deseje analisar com maior segurança e amplidão de horizontes o lento deslizar de inúmeras nações rumo ao comunismo, apesar do PC ser fortemente minoritário, deixo aqui uma outra matéria para reflexão, além da já citada importância das forças políticas auxiliares do programa comunista: a mudança de mentalidades.
Tais forças auxiliares tornam-se organizações políticas de destaque porque correspondem à mentalidade e princípios de vasta camada da população. Como se atua nas psicologias para ir levando imensos contingentes humanos de posições conservadoras para a aproximação paulatina ao programa do PC?
A matéria é muito vasta, transcende os limites estreitos de um artigo, cujo fim principal foi apresentar o programa descrito por Roberto Bosc. Fica à acuidade do leitor explicitar esse ponto final.
Missa de réquiem na Catedral de San Salvador, por seis guerrilheiros da Frente Democrática Revolucionária (FDR) mortos em combate com o Exército. Atrás dos sacerdotes, um guerrilheiro ergue o punho cerrado (saudação comunista). — Os comunistas fixam muito sua atenção na ajuda que o Clero de esquerda, militares progressistas e parte da classe média podem conceder ao processo revolucionário, diz Roberto Bosc.
"Meio século de epopéia anticomunista", obra lançada no ano passado (ver "Catolicismo" n.° 354, junho de 1980), a qual narra a atuação da TFP desde sua fundação em 1960, como também a pré-história da entidade, acaba de ser editada em inglês pela Foundation for a Christian Civilization, de Nova York.
Com 460 páginas fartamente ilustradas, o livro focaliza os cinquenta anos da epopeia conduzida pelo prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional da associação, contra o comunismo e sua versão religiosa, o "progressismo". E chama a atenção para a posição de relevo que o Brasil ocupa no mundo de hoje, juntamente com os demais países latino-americanos, tanto do ponto de vista estratégico como geopolítico.
Assinalam os promotores da edição norte-americana da obra que, apesar de seus contrastes físicos e culturais, o continente latino-americano encontra-se unido pelo vínculo comum de sua adesão à Igreja, formando a maior população católica do globo. Tais características levam-no a tornar-se um aliado natural dos Estados Unidos na resistência ao imperialismo comunista.
Além disso, pela sua situação geográfica, por seus recursos naturais e potencial energético, o Brasil ocupa uma posição chave em relação ao confronto ideológico entre o Ocidente e o Oriente, fato que não passa despercebido aos estrategistas de Moscou. Pelo contrário, há várias décadas a Rússia tem envidado esforços para conquistar os países sul-americanos, seja através da guerra psicológica, seja mediante a infiltração ou a violência.
Os estudiosos norte-americanos especializados em assuntos brasileiros — os chamados brazilianists — muitos dos quais já têm tratado da TFP em seus livros, passam a dispor, a partir de agora, de um substancioso documentário a respeito da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, a mais antiga das várias entidades congêneres e autônomas, existentes atualmente em treze países.
Colocando ao alcance do público norte-americano a presente edição de "Meio século de epopeia anticomunista", a Foundation for a Christian Civilization tem em vista proporcionar estímulo, princípios doutrinários e métodos de ação no sentido de defender o Ocidente contra a investida comunista. E visa também apresentar a história do confronto, verificado nas últimas décadas, entre os agentes do comunismo internacional, de um lado, e os herdeiros e propugnadores da civilização cristã, de outro.