Carlos Wenzel
Em artigo publicado na edição do mês passado, apresentamos alguns aspectos do início da epopeia de Santa Joana D'Arc, bem como a narração do seu martírio, na praça do Mercado Velho, em Rouen. Com este segundo artigo, encerramos nossas considerações sobre a Santa guerreira, celebrada pela Igreja a 30 de maio, no dia de sua morte, ocorrida há 550 anos.
Vimos como a jovem de Domremi convenceu o Delfim Carlos de que era legítima sua sucessão ao trono da França. E como a própria Joana D'Arc fez com que se armasse um exército para libertar Orleans, sitiada pelos ingleses.
Carlos VII reuniu finalmente um exército em Blois. Joana iniciou a marcha, ao som do "Veni Creator", empunhando, seu estandarte branco, bordado com flores-de-lis douradas, tendo no centro a imagem de Nosso Senhor e a inscrição: Jesus, Maria.
Somente um símbolo vivo de Pureza e Cavalaria poderia comover aqueles capitães armagnacs, mais aventureiros que soldados. Joana D'Arc exigiu deles que abandonassem suas mulheres de vida airada e se confessassem.
O cerco de Orleans, que durara sete meses, foi levantado por Santa Joana D'Arc numa semana. Esse resultado miraculoso era devido inteiramente a sua intervenção pessoal.
Joana previu que, avançando pela margem direita do Loire, os ingleses não atacariam. Ela anunciou o lugar por onde entraria em Orleans. A um capitão inglês predisse que ele morreria "sem sangrar": com efeito, pereceu ele afogado. Enfim, antevendo o momento em que os ingleses cederiam, ela, apesar de trespassada por uma flecha no ombro, impeliu os soldados ao ataque, quando os capitães já ordenavam a retirada. E, fincando seu estandarte na trincheira inimiga, exclamou: "Tudo é vosso, entrai".
O efeito da libertação de Orleans, efetuada em 8 de maio de 1429, foi prodigioso. De todos os lados afluíram franceses atraídos pelos milagres de Joana, ansiando, como ela, que o Rei fosse coroado em Reims. Este, indolente, deixou-se conduzir por essa vaga humana de peregrinação e de cruzada.
A marcha para o norte, mais do que uma campanha militar, foi um cortejo triunfal — em que o estandarte de Joana penetrou de cidade em cidade, as quais se entregavam sem resistir — até transpor os umbrais da Catedral de Nossa Senhora de Reims. Neste lugar histórico da monarquia francesa, Carlos VII recebeu, num domingo, do Arcebispo de Reims a unção sagrada e a coroa. "Agora, disse-lhe a Donzela entre lágrimas, realizou-se a vontade do Senhor".
Joana D'Arc sabia que sua missão somente estaria cumprida quando a França fosse inteiramente libertada. Dirigiu-se, portanto, com o exército a Paris e, aguardando o ataque inimigo, estabeleceu-se na Abadia de Saint-Denis.
Sempre houve e haverá, porém, no mundo, um tipo de políticos que, como dizia Churchill, tendo a escolher entre a vergonha e a guerra, sacrificam a honra e acabam não evitando a guerra. O grande estadista inglês referia-se à política capitulacionista de Chamberlain, que assinou o acordo de Munique em 1938, fortalecendo Hitler. Este, logo depois, empreendeu várias agressões, dando origem à II Guerra Mundial. O Chamberlain francês daquela época era o influente conselheiro do Rei, La Tremoille. Mas, enquanto Chamberlain era esguio e securitário como seu inseparável guarda-chuva, Tremoille, corpulento e gordo, parecia ter por deus o próprio ventre.
O conselheiro de Carlos VII bem notava que se a capital fosse tomada, o élan de reconquista inculcado por Joana ao povo francês seria incontenível. Ora, seu poder assentava-se na inércia do Rei... Em vista disso, arquitetou La Tremoille com o Duque de Borgonha um "acordo de paz", isto é, uma entrega incondicional.
Enquanto na penumbra da capela de Saint-Denis, Joana orava numa vigília de armas, o futuro da França perigava. Carlos VII era assediado por La Tremoille que lhe aconselhava: "Paz! Paz! Composição!" — "Mas a paz, dissera Joana, nós só a teremos na ponta da lança". Carlos VII hesitava entre os dois partidos: o de Joana, que era o de Deus, e o de La Tremoille... Dir-se-ia que, então, no próprio Céu se fez um instante de silêncio, pois "os atos da Providência não são atos de fatalidade e ante uma indiferença cega à graça, Deus pode revogar as promessas de sua misericórdia" (*).
Em Paris, Joana D'Arc sofreu seu primeiro revés. Durante o assalto, apesar de ferida por uma flecha, ela manteve a ofensiva, provocando o pânico nas hostes inimigas. Mas, os capitães de Carlos VII ordenaram a retirada, e Joana foi arrastada à força — por ordem do Rei a Saint-Denis. Suas vozes ainda lhe diziam que permanecesse na Abadia "onde reboa o brado da França". Ela preparou-se então para novo ataque. Contudo, Carlos VII, confiando na promessa de Felipe "o Bom", Duque de Borgonha, de lhe entregar Paris, retornou com seu exército ao aprazível vale do Loire...
"A cidade [de Paris] teria sido tomada", comentou Joana. Na Abadia, num gesto característico dos cavaleiros da época, ela ofereceu suas armas à Mãe de Deus. No entanto, pressentiu que uma traição se consumava e que sua via dolorosa ia começar...
Abandonada pelos grandes da Corte, Joana D'Arc continuou, praticamente só, o combate. Em Compiègne, quando defendia a retirada de suas tropas, depois de uma incursão contra os borguinhões, encontrou a ponte levadiça do castelo já levantada, caindo prisioneira daqueles. E foi entregue pelos borguinhões aos ingleses em troca de um bom dinheiro. Carlos VII pouco fez para resgatá-la.
"Devolvam-me a Deus..."
O Cardeal de Winchester, através de Pierre Cauchon, Bispo de Beauvais, formou um tribunal de inquisição para julgá-la. Visava-se demonstrar que Joana era uma feiticeira a fim de invalidar a coroação de Carlos VII... Esse processo, apesar de todas as precauções de Cauchon, foi juridicamente fraudulento em seu conteúdo e em sua forma.
A Santa era interrogada continuamente por eclesiásticos, que deveriam tê-la amparado. Presa num cárcere civil com mãos e pés acorrentados, vigiada constantemente por brutais carcereiros dos quais ela tinha tudo a temer, nos quatro meses que durou seu processo, Joana D'Arc só encontrou refúgio, por alguns instantes, no celeste colóquio com suas "vozes".
Mas visando mover uma avalanche de calúnias que a soterrasse completamente, esse processo de condenação outra coisa não conseguiu erguer senão um pedestal de glória, sobre o qual a heroicidade de suas virtudes brilharia para todo o sempre na memória dos homens.
Nas respostas da jovem camponesa aos juízes, nota-se o sopro do Espírito Santo. Eis algumas, colhidas ao acaso:
- "Joana, diz o juiz com voz melíflua, como passaste desde o sábado?"
- "Estais vendo — replica a pobre cativa — da melhor maneira que me foi possível".
- Vistes os Anjos, corporal e realmente?"
- "Eu os vi com meus olhos corporais tão bem como vos vejo. Quando eles se afastavam eu chorava e bem quisera que me levassem".
- "Que vos disseram elas [as vozes]?"
- "Que vos respondesse intrepidamente".
- "Santa Catarina e Santa Margarida odeiam os ingleses?"
- "Elas prezam o que Nosso Senhor estima, e odeiam o que Ele detesta".
- "Joana, presumes estar em estado de graça?"
Essa pergunta capciosa a comprometeria, qualquer que fosse sua resposta. Se negasse: que confissão! Se afirmasse: que orgulho! Se não respondesse: que indiferença!
- "Se não estou, praza a Deus pôr-me nele; se estou, praza a Deus nele me conservar. Ah! se soubesse que não estou na graça de Deus seria a criatura mais aflita deste mundo... Entretanto, se eu estivesse em pecado, a voz, com certeza, não viria..."
Aconselhada por um assessor, Joana pede para ser julgada em Roma, pelo Papa, mas Cauchon impõe silêncio ao tagarela: "Calai-vos, pelo diabo..."
Num momento, fatigada pelos debates, ela diz: "Venho da parte de Deus, nada tenho que fazer aqui. Devolvam-me a Deus de Quem vim".
Eles a enviaram ao Criador...
Em cima: Santa Joana D'Arc expulsa mulheres de má vida do acampamento militar (miniatura das "Vigílias de Carlos VII") • Ao lado: últimos momentos da vida de Santa Joana D'Arc, em afresco de Lenepveu, no Panthéon de Paris.
(*) H. Wallon, "Jeanne D'Are", Librairie de Firmin Didot et Cie., Paris, 1892, p. 214.
Fachada da Catedral de Reims, uma das mais belas relíquias do estilo gótico, onde eram sagrados todos os Reis de França.
Bibliografia
• H. Wallon, "Jeanne D'Arc", Librairie de Firmin Didot et Cie., Paris, 1892.
• Pierre Virion, "Le mystère de Jeanne D'Arc", Librairie Téqui, Paris, 1972.
• Régine Pernoud, "Vie et mort de Jeanne D'Arc", Haehette, Paris, 1953.
É muito conhecida a distinção que se costuma fazer em política — e em outros campos da atividade humana — entre "pombos" e "falcões". Na linguagem corrente, aliás, é bastante comum aplicar a predicados humanos termos oriundos de analogias com o reino animal: "Fulano é um leão" — "Sicrano é uma raposa" — "Mengano é um touro", e muitos outros, por vezes menos elogiosos...
Isto se fundamenta numa indiscutível intuição humana, que discerne, sem maiores raciocínios, analogias reais entre os seres de ordens diversas da Criação. Mais ainda: realçando as características de um animal em concreto, a analogia se enriquece indefinidamente e aumenta seu assombroso realismo.
As fábulas de Esopo ou de La Fontaine desenvolveram intencionalmente, e com sutil elaboração, esse singular senso humano das comparações com o reino animal.
Nas linhas que seguem, analisaremos alguns perfis de pombos. E como eles, justamente em virtude de suas peculiaridades, podem converter-se em precioso elemento de combate.
As comparações com os "pombos" humanos deixaremos à perspicácia do leitor. E as analogias mais protuberantes, as ressaltaremos usando reticências...
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- O que é um pombo? Em primeiro lugar, é um animal inofensivo. Não inspira, por conseguinte, medo ou desconfiança... Além disso, entre suas virtudes mais simpáticas está uma suave simplicidade, uma candura alada e cálida doçura. O suficiente para ter sido utilizado como símbolo sagrado pelo próprio Deus, no Batismo de Jesus (cfr. Lc. 3, 22). E Nosso Senhor, no Evangelho, aconselhou que os homens possuíssem a candura da pomba, aliada à astúcia da serpente (cfr. Mt. 10, 16).
O pombo evoca ao espírito as ideias de inocência, de bondade, de doçura que leva à generosidade. Mas possui também características, por onde pode ser empregado pelos exércitos.
É um animal sempre alerta. Não para atacar, mas para não ser atacado. Neste sentido, seus olhos são de uma cuidadosa vigilância... São, ademais, olhos que percebem de onde podem vir, não somente os perigos, mas os proveitos.
As duas artes mais salientes do pombo são: evitar o perigo a qualquer custo e regressar rapidamente para casa. Muitos imaginam que o pombo, por ser assim doce nas horas de paz, deixará que a ave de rapina devore suas crias sem o menor sentimento nem reação... Apenas esta arte de colocar-se a salvo é maior que a arte de retornar à casa e de usufruir ao máximo de suas comodidades.
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Como pode um pombo ser instrumentalizado para a guerra? Utilizando seu maravilhoso e preciso "radar" que lhe permite voltar ao próprio ninho. E a mensagem acabará chegando a quem controle o ninho... Por isso, já na Grécia antiga, os vencedores das batalhas eram anunciados às suas respectivas cidades por intermédio deles.
Tempos depois, os pombos aparecem nas guerras civis romanas, e reaparecem quando São Luís IX, Rei de França, desembarca sua Cruzada em Damieta, no Egito, e os sarracenos avisam o sultão do Cairo por meio de pombos.
Sua velocidade é um fator propício como mensageiros. Chegam a atingir 150 km horários. Além disso, suas penas são recobertas de uma oleosidade especial que lhes possibilita enfrentar procelas, e seus olhos possuem uma terceira pálpebra, cristalina, que os torna aptos a atravessar tempestades de areia.
O instinto de regresso dessa ave é tão forte que uma pomba solta em Arras (França) nos anos 30, voltou a seu local de origem em Saigon (Indochina)! É também célebre o caso de um pombo-correio vendido em Caracas, capital da Venezuela, que regressou a Nova York. O trajeto Fortaleza-Belo Horizonte já foi coberto por mais de um pombo-correio, em tempo relativamente curto.
Alguns atribuem este prodigioso instinto à sua vista agudíssima. É uma hipótese plausível. Há, entretanto, casos de pombos que, transportados para lugares longínquos em caixas fechadas — e não dispondo portanto de memória visual — conseguem depois se orientar no voo de retorno. Conta-se o episódio de um pombo que, banhado acidentalmente de azeite e impedido de alçar voo, voltou para casa a pé! E há, finalmente, quem julgue tratar-se de uma extraordinária sensibilidade do coração columbino...
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Qual é a missão específica do pombo? Está dito: ser mensageiro. Fala-se até em "pombograma". O pombo comunica. É pouco? Segundo alguns autores, o segredo da arte da guerra está no controle das comunicações...
É uma ave inofensiva e doméstica; voa candidamente. Mas transporta uma carga bélica potentíssima: informações e ordens.
Na última Guerra Mundial foram utilizados sobretudo na Itália, norte da África e Birmânia, onde prestaram grandes serviços a seus donos: salvaram batalhões inteiros, tornaram possível a ocupação de grandes regiões, revelaram oportunidades táticas para importantes unidades. Tendo em vista alcançar segurança maior, duplicam-se as mensagens e os pombos.
Hoje em dia, o microfilme multiplica a eficácia dos correios columbinos. Por sua vez o treinamento se aperfeiçoou. Os operadores devem ser dotados de uma ampla reserva de cuidados e de paciência... Pouco a pouco, os cuidados na criação tornam pombos de raça mais apurada, capazes de transportar mensagens de lugares cada vez mais remotos em tempo mais breve.
É preciso recompensá-los sempre com a ração favorita. Do contrário, não haveria progressos. Muitas outras coisas se foram aprimorando. Existe agora treinamento para o retorno a pombais ambulantes. Selecionam-se raças de pombos de coloração mais escura, para não serem presas fáceis dos falcões ou gaviões.
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E os falcões? Por vezes, o falcão apronta das suas... Atualmente contudo, o mais frequente é que sejam mortos pelos criadores de pombos, que sistematicamente os exterminam a tiros de espingarda quando se aproximam dos pombais. E os pombos, além da boa vista e de múltiplos instintos de segurança, sentem-se protegidos por fatores alheios e superiores... Mostram até certa curiosidade em ver como são, afinal, seus tradicionais inimigos, os falcões.
Decididamente, La Fontaine, em seu francês incomparável, bem teria podido escrever uma fábula com o título: "O pombo e o falcão". Porque "pombos" e "falcões" os há entre os homens. E nem sempre é o "pombo" apenas o símbolo da candura, ou o "falcão" da belicosidade...
Paraquedistas em ação: morteiros? metralhadoras? lança-chamas? —Não: pombos.
Na era da guerra-relâmpago, o comandante de blindados continua utilizando pombos-correio...
O pombo-correio carrega em seu dorso potente carga bélica: informações e ordens.
Um pombo correio típico: olho seguro, predisposição à velocidade, ânimo para voar celeremente a seu destino...