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os medíocres fizeram tantas leis, tantos regulamentos, instituíram tantas repartições públicas, que nenhuma fuga das almas superiores, para fora dos cubículos dessa mediocridade organizada, é possível. Sem terem a intenção de o fazer, os medíocres impõem, entretanto, às almas de largos horizontes, a ditadura da mediocridade.

Como todas as ditaduras, também esta só se prolonga quando chega a monopolizar os meios de comunicação social. Cada vez mais as mediocracias vão penetrando nos jornais, no magazine, no rádio e na televisão.

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E se fosse só isso! O ecumenismo, com a infatigável e vã tagarelagem de seu diálogo, é bem a religião dos mediocratas. Uma espécie de seguro, ou de resseguro, para a vida e para a morte, mediante o qual todas as religiões são solicitadas a dizer em coro que indiferentemente com qualquer delas, os homens podem alcançar para sua saúde, seus negocinhos e sua segurança, e mesmo depois da morte, um bom convívio com Deus.

Nesta perspectiva, parece que a Deus é indiferente que se siga qualquer religião. Pode-se até blasfemar contra Ele e persegui-Lo. Pode-se até negá-Lo. Ele é indiferente a todos os atos dos homens. Olimpicamente indiferente. Ecumenicamente indiferente. Como aliás os medíocres, por sua vez, tenham eles ou não algum Crucifixo, algum Buda de louça ou cerâmica, ou algum amuleto, nos locais em que dormem ou em que trabalham, são olimpicamente indiferentes da Deus.

Na atmosfera relativista dos paraísos cubiculares mediocráticos, Deus é — segundo o brocardo italiano — um ente "con il quale o senza il quale, il mondo va tale quale".

Nesta perspectiva também, Deus pagaria aos homens na mesma moeda. Poder-se-ia então dizer que a humanidade é, para Ele, o formigueiro (ou nó de víboras?) "con il quale o senza il quale, Iddio (o Senhor Deus) va tale quale".

Tão frequentes nas direitas e nos centros, não só da França como do mundo inteiro, a mediocracia e o indiferentismo religioso são corolários um do outro. Como, por sua vez, esse indiferentismo não é senão uma forma de ateísmo. O ateísmo dos que, mais radicais (em certo sentido) do que os próprios ateus convencionais, não tomam Deus a sério. Ao passo que o ateu, se tivesse a evidência de que Deus existe, O odiaria... ou, talvez, O serviria... Mas, em todo caso, O tomaria a sério.

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A esse ateísmo ecumênico e relativista corresponde uma específica modalidade de deterioração moral.

O menino segura a rosa, símbolo do socialismo francês. Este esmagará a flor, como também destruirá a família e deformará as gerações futuras.

A sensualidade, ateia por essência, andava outrora de braços dados com os mais exasperados desatinos do luxo, com os escândalos da prostituição, com os dramas do crime. Ela era vistosa, teatral, rocambolesca. Correspondia ela ao ateísmo ululante e desbragado das massas revolucionárias de fins do século XVIII e do século XIX, que vibravam entoando a "Marselhesa", o "Çà-ira", ou a "Internacional".

Mas esses cânticos estão fora de moda. Talvez os adotasse como símbolo de seu governo algum plutocrata que a Propaganda levasse à direção do Estado, e que para fazer demagogia escolhesse algum desses cânticos como seu prefixo musical.

Aberrações destas figuram na ordem do dia.

Mitterrand, por exemplo, acaba de adotar a música própria de seu governo. Ele não é um burguês carunchado mas um marxista "no vento". Por isso adotou a marcha composta por Lully para os dragões do regimento do Marechal-Duque de Noailles.

Vitória da tradição? Ninguém se iluda. Ostensiva afirmação do indiferentismo reinante. Todos os ilogismos, todas as contradições que outrora teriam "urrado por se encontrarem juntas", passeiam de braços sob o signo da mediocridade e da indiferença.

Ora, foi especialmente o governo de Giscard o paraíso de todas estas formas de mediocracia apoiada em uma fração do eleitorado que não queria outra coisa.

Chegou, com o período pré-eleitoral, a pugna. Os medíocres se defenderam à maneira deles. Mediocremente. Sem convicção, nem coerência, nem entusiasmo, nem impacto. O que podia acontecer-lhes senão perder?

A lição aproveitará pelo menos aos medíocres de outros países? Temo que não. Pois se há coisa que o medíocre não faz, é aproveitar a lição do vizinho. Por definição, ele só vê perto. E só enxerga o dia de hoje, como eu acima disse.

A Revolução dos Cravos em Portugal foi recebida com a mesma euforia que os meios de publicidade conferem à vitória de Mitterrand na França. Hoje, seis anos após o golpe de 25 de abril, os portugueses só guardam recordações amargas do socialismo. Lição que os medíocres não aprenderam.


PÚRPURA QUE EVOCA O SANGUE

Paulo Henrique Chaves

ROMA — Segundo antigas crônicas, o Apóstolo Santo André abençoou as colinas de Kiev e profetizou o triunfo do Cristianismo na Ucrânia. São Clemente, terceiro Sucessor de São Pedro, foi exilado por Trajano na Criméia, onde morreu mártir; ele exerceu uma influência indelével sobre a Igreja ucraniana. Quinhentos anos depois, o Papa Martinho I, também exilado, morreu martirizado junto às costas da Ucrânia, pela unidade da Igreja universal.

No momento em que se faz silêncio a respeito da dura perseguição sofrida pelos católicos detrás da cortina de ferro — silêncio observado até mesmo pelo Vaticano, imerso em sua "Ostpolitik" — uma voz relembra o que ali se passa com aqueles que conservam a Fé, concorrendo assim para despertar o Ocidente adormecido em seu conforto, seus prazeres, suas riquezas. Essa voz é a do Cardeal Josyf Slipyj, Arcebispo-mór de Lvov e Primaz da Ucrânia, que apresentou em Roma um corajoso relato da Igreja ucraniana durante seus 35 anos de perseguição, no número de março deste ano da revista "Ajuda à Igreja que sofre". O Cardeal passou 18 de seus 89 anos de vida em diversos campos de concentração na Sibéria, nas regiões árticas, na Ásia Central e em Mordóvia.

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Dez Bispos, 1.400 Padres, 800 freiras e dezenas de milhares de fiéis morreram pela Fé desde abril de 1945, quando a Igreja ucraniana teve suas atividades proibidas pelas autoridades comunistas.

"Tempos amargos se abateram sobre a Igreja Católica ucraniana. Nós, fiéis desta Igreja, somos obrigados a fazer batizar clandestinamente nossos filhos, a casar-nos, a confessar-nos e a enterrar os mortos às escondidas. Nossos Padres sofrem nos asilos psiquiátricos, onde são destruídos psiquicamente... Jamais no passado os fiéis da Igreja de Cristo foram perseguidos como em nossos dias... Dos meus 34 anos de vida, 14 já transcorreram em prisões, em campos de concentração e institutos psiquiátricos... Sem o apoio de toda a Cristandade, os crimes no mundo dos sem-Deus não terão fim... Suplicamos a nossos irmãos católicos que defendam a Igreja Católica ucraniana". — Esse é o brado lancinante de um jovem fiel, Josyf Terelia, que em 6 de março de 1977 escrevia sobre as bordas de um tecido a Paulo VI.

Citando correspondências clandestinas com a Ucrânia, o Cardeal Slipyj afirma que a Igreja Católica ucraniana conserva sua vitalidade na Rússia, onde conta com pelo menos quatro milhões de fiéis, que permanecem unidos a Roma. Pais crescidos num Estado ateu dão agora a seus filhos educação religiosa. Uma senhora de 35 anos afirmou diante de um tribunal, sem hesitação, ter feito batizar seus quatro filhos e lhes ensinar o catecismo. No ano passado, a superiora de uma Congregação religiosa, enviando saudações de Páscoa, assim se dirigiu ao Cardeal Slipyj: "Adoramos o Santíssimo Sacramento dia e noite... algumas filhas se casaram". O que significa que algumas freiras jovens pronunciaram seus votos perpétuos.

Em maio de 1980, quando foi encontrado na cidade de Zymna Vada o cadáver do Pe. Ivan Kotyk, de 60 anos, massacrado a porretadas na fábrica onde trabalhava, seus paroquianos ousaram sepultá-lo publicamente, cantando hinos religiosos. Havia tanta gente que o cortejo fúnebre estendeu-se por 600 metros...

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Apesar de mais de 60 anos de bazófia e propaganda ateia, o regime comunista não obteve o sucesso esperado. Os contínuos apelos da imprensa dirigidos à juventude —até mesmo à juventude comunista organizada — exortando-a a não tomar parte nas cerimônias religiosas, demonstram claramente que considerável parte da população permanece unida à Fé católica. Acrescenta o Cardeal que "esta Fé é de tal maneira forte que afasta a juventude da influência comunista e a conduz a Deus. Somente quem viveu no inferno comunista pode compreender o papel que a Igreja desenvolve em minha pátria como mestra da Fé e da Moral".

Aludindo ao dia em que Deus o levará desta vida, o Purpurado (com 89 anos), conclui: "Pretendo valer-me desta ocasião, que talvez seja a última, para satisfazer o desejo de meus irmãos martirizados".

O Cardeal Slipyj com o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, na sede da TFP em São Paulo, onde o Purpurado foi homenageado em 1969.

Casamento religioso na Ucrânia. — Apesar da perseguição comunista, há um renascer do sentimento religioso no país, onde se têm verificado numerosas ordenações sacerdotais clandestinas, segundo relatório divulgado pelo Cardeal Slipyj em Roma.


A pompa barroca de Lima

O PERU, nosso vizinho do Pacífico, apresenta para nós, brasileiros, um interesse específico, não só por sua proximidade geográfica, como também pelas afinidades de espírito, dentro da família ibero-americana. A arte barroca, por sua vez, com todos seus contornos de alma e de modos de vida, foi o crisol de onde brotou o que há de mais significativo na arquitetura de ambos os países.

Lima, onde residiu a Corte dos Vice-Reis durante quase três séculos, desenvolveu um estilo próprio. Outras cidades peruanas ostentam grandes monumentos religiosos, mas na capital peruana encontram-se as principais obras da arquitetura civil. Cidade onde apareceram místicos, ela também é marcada pelos tremores de terra, por vezes devastadores. Em 1684 e 1746 Lima foi destruída em sua melhor parte. Mas restaram alguns magníficos exemplos de arte colonial espanhola.

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Vejamos estes ângulos, banhados pela luz do sol, atenuada, em certa medida, pela neblina, que, com maior ou menor intensidade, recobre o céu limenho a maior parte do ano, contribuindo para formar a atmosfera mística e imaginativa da legendária capital do Vice-Reino.

O pórtico da Igreja de Santo Agostinho é frondoso e carregado, mas também vertical e altivo. É uma cascata imóvel de arabescos em pedra, mas suas colunas sugerem um movimento espiral em ascensão. Todos os esmeros barrocos entram em jogo, porém, numa sincera e ingênua busca da pompa sagrada. A suntuosa minuciosidade, lembrando prata lavrada, conjuga-se perfeitamente com uma alucinante e vivaz imponência.

O Palácio dos Marqueses de Torre Tagle é também uma fantasia. Em seu surpreendente pórtico, os grandes coruchéus repousam sobre massas de aparência mais pesada que as frágeis colunas principais, o que confere ao estilo uma impressão sonhadora. Em sua parte superior, veem-se duas colunas "aéreas", e termina em arabescos e coruchéus inopinados. Os balcões "miradores" são lugares de observação e comentário leve, como parecem sugerir as colunetas que os coroam.

Primoroso esforço da imaginação ordenada na conquista de novas formas "inúteis" e encantadoras: eis o que representa o conjunto. Em seu primor, falta-lhe uma certa lógica, mas sua vistosa liberdade mostra-se nobremente original e cortesmente superior.

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Maiores ocasiões para imprevistos oferecem os interiores, pois aproveitam os espaços por onde se transita. A nave direita da Igreja de São Pedro aguarda com um altar dourado, atrás de cada um de seus arcos, à maneira de sucessivos cortinados de arabescos de ouro sobre fundo vermelho. No último, uma placa de mármore indica jazer ali o coração do Conde de Lemos, Grande de Espanha.

Nos salões da mansão dos Condes de Fuente Gonzáles, os motivos dourados se multiplicam indefinidamente por um jogo de espelhos e portas de cristal. A porta do primeiro plano conduz a outra e atrás há um espelho. Do mesmo modo, o espelho contíguo reflete uma porta que leva a outros lugares.

Forma-se um verdadeiro arabesco de perspectivas e expectativas, que sugerem uma rica vida social, abundante em planos de observação. E preciso evocar nestes salões as numerosas perucas que meneiam, as sedas que roçam e os leques a abanar.

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Estreita harmonia vincula essas quatro ilustrações. São duas fachadas e dois interiores. As primeiras, de pedra, ostentam um valor perpétuo e fixo, de devoção ou de honra. Os outros dois, dourados, brincam suntuosamente com a alma de quem transita pelo ambiente. Dois exemplos da vida religiosa e dois da vida civil. Os primeiros se servem do luxo para elevar o espírito a considerações superiores. Os civis se utilizam do esplendor para realçar a vida social. Uns e outros surpreendem e atraem. Une-os uma artística e cerimoniosa continuidade.

Nos quatro exemplos existe um esforço de magnificência e um anelo de transcendência imaginativa. Ao lado de suas exuberantes ondulações barrocas, está presente o combate. Santo Agostinho esmaga os hereges e no pórtico do Palácio de Torre Tagle há um lema heráldico que recorda a lenda medieval da família: "El que la sierpe mató, y con la infanta se casó" — O que matou a serpente e se casou com a infanta. Em meio à dispersão visual das salas da mansão dos Condes de Fuente González, muito à maneira espanhola, encontram-se móveis de madeira negra. Ao fundo da nave lateral da Igreja de São Pedro brilha a estrela que guiou os conquistadores: a Cruz.

Incontáveis solenidades e celebrações eclesiásticas, oficiais e particulares, realizaram-se nesses belos monumentos de arte sacra e temporal. Das sacadas lançavam-se flores sobre as procissões e os salões se enchiam depois dos batizados.

Quatro imagens de uma época na qual a disciplina dos valores do espírito e o sentido das formalidades mantinham bem alto os fulgores da pompa.

Acima: nave lateral da Igreja de São Pedro (sec. XVII).

Uma beleza imponente resplandece no pórtico barroco da Igreja de Santo Agostinho (sac. XVII).

Ao lado: o cunho senhorial ressalta na fachada do Palácio dos Marqueses de Torre Tagle (sec. XVIII).

Cristais e espelhos multiplicam os arabescos dourados nos salões da mansão dos Condes de Fuente Gonzáles (sec. XVIII).