A propósito do XVI centenário do 1.° Concílio de Constantinopla e o 1550.° aniversário do Concílio de Éfeso, o Exmo. Sr. Bispo Diocesano, D. Antonio de Castro Mayer, enviou ao Clero e fiéis a seguinte circular:
"Caríssimos cooperadores e amados filhos.
Quis o Papa João Paulo II destacar, com especial solenidade, a passagem do XVI centenário do 1º. Concílio de Constantinopla e o 1550.° aniversário do Concílio de Éfeso.
Não é difícil encontrar razões que justifiquem essa solenidade especial. Os dois Concílios têm, no Cristianismo, suma importância, porque asseguraram a pureza e integridade da Fé contra as inovações heréticas que então surgiram. No primeiro Concílio de Constantinopla, encerrado em 9 de julho de 381, a Igreja reivindicou a integridade da Fé contra os macedonianos, assim chamados pela relação com Macedônio, Patriarca da Cidade Imperial. Estes, seguindo as pegadas dos arianos, destruíam o dogma fundamental de toda a Revelação, a Santíssima Trindade, pois negavam a divindade da Terceira Pessoa Divina, o Espírito Santo.
Por sua vez, o Concílio de Éfeso, terminado em setembro de 431, defendeu essa mesma integridade da Fé, contra outro Patriarca de Constantinopla, Nestório, e seus asseclas. Estes negavam a divindade de Jesus Cristo, e, consequentemente, a Maternidade Divina de Maria Santíssima. Nestório distinguia no Salvador duas pessoas, a pessoa divina, o Filho de Deus, e a pessoa humana, o homem Jesus Cristo. Apenas o homem nos teria salvado com a morte na Cruz. Infeccionava, pois, o Dogma da Redenção que, no caso, seria obra de puro homem, e perderia seu caráter de reparação condigna e superabundante, oferecida a Deus pelos pecados dos homens.
Em decorrência desta heresia, Maria Santíssima deixaria de ser a Mãe de Deus, pois teria concebido, no seu seio puríssimo, apenas o homem Jesus. Sua intercessão passaria para a classe comum da intercessão dos Santos.
O primeiro Concílio de Constantinopla reafirmou solenemente a verdade revelada do Mistério da Santíssima Trindade, definindo a divindade do Espírito Santo; e o Concílio de Éfeso ensinou, de modo categórico, definitivo, que em Jesus Cristo há uma só pessoa, a Pessoa do Filho de Deus, na qual subsistem duas naturezas, realmente distintas: a natureza divina, pela qual Jesus Cristo é verdadeiro Deus, e a natureza humana, que O faz igualmente verdadeiro homem. E Maria Santíssima, declara o Concílio, como Mãe de Jesus Cristo tornou-se verdadeiramente Mãe de Deus, pois a relação materna termina na pessoa do filho.
Mantiveram assim aqueles dois Concílios a Fé Católica, íntegra e sem deturpações.
Ora, nas relações com Deus, que são as relações fundamentais do homem, nada há mais importante do que a pureza e a integridade da Fé.
Com efeito, pela Fé cremos, com certeza absoluta, verdades que superam nossa capacidade intelectual, somente porque Deus as revelou. Com isso, prestamos homenagem à transcendência inefável de Deus, e reconhecemos a vassalagem que Lhe devemos por ser nosso Criador e Soberano Senhor. A heresia se opõe à Fé, precisamente, porque nega esse direito soberano de Deus. De fato, o herege reivindica para si o julgamento das verdades reveladas, rejeitando as que lhe parecem incompreensíveis, ou contrárias a conclusões científicas. Dessa maneira, arvora-se em juiz do pensamento divino. Renova a rebelião de Lúcifer, que pretendia igualar-se a Deus, decidindo, por si, a verdade e o erro.
Daí a importância suma de conservar a Fé, na sua pureza e integridade. Pois, como na aceitação de cada uma das verdades reveladas prestamos nossa homenagem à Suma Sabedoria de Deus, assim, na rejeição de uma só delas há a recusa de nossa vassalagem a Nosso Senhor e Soberano. O mesmo se diga de uma verdade revelada, cujo conceito culposamente deturpamos.
A Fé comanda toda nossa vida religiosa. A retidão do culto que prestamos a Deus, depende da pureza e integridade da Fé; pois Deus, Suma Verdade, não pode satisfazer-Se com um culto que desconhece sua Palavra. Também da pureza e integridade da Fé depende a retidão de nossa caridade, que jamais pode praticar-se a expensas da Fé. São João, o Apóstolo do amor, não teme em afirmar que aquele que não aceita a doutrina de Jesus Cristo, nem saudá-lo devemos (2ª. Carta, 10).
Eis que a Fé, pela qual cremos firmemente as verdades reveladas por Deus, é o fundamento indispensável de nossa salvação. "Sem Fé é impossível agradar a Deus" (Heb. XI, 6).
Depois do 2.° Concílio do Vaticano, irromperam na Igreja dúvidas e ambiguidades, incompatíveis com a pureza e integridade da Fé. O testemunho é de Paulo VI. São essas dúvidas e ambiguidades, aliás, já existentes antes do Concílio, que deram origem a correntes de opinião que não se ajustam à Fé Católica, tradicional, e põem em risco a autenticidade do culto divino e a salvação eterna das almas.
Dois pontos, sobretudo, tratados no 2.° Concílio do Vaticano têm dado ensejo a posições distoantes da verdade tradicional, revelada: a liberdade religiosa e o ecumenismo. Pontos, aliás, que se interpenetram, e sobre os quais a Igreja tem doutrina definida.
Assim, sobre a liberdade religiosa, podemos resumir em três itens o ensino oficial do Magistério eclesiástico: a) ninguém pode ser coagido, pela força, a abraçar a Fé Católica; b) o erro não tem direito nem à existência, nem à propaganda, nem à ação; c) este princípio não impede que o culto público das religiões falsas possa ser, eventualmente, tolerado pelos poderes civis, em vista de um bem maior a obter-se, ou de um mal maior a evitar-se (cfr. Alocução de Pio XII, de 6-XII1953).
A TRINDADE EM SUA GLÓRIA, miniatura de Jean Fouquet (sec. XV), no "Livro de horas de Étienne Chevalier", Museu Condé, Chantilly (França). — Os Concílios de Constantinopla e Éfeso condenaram as heresias de Macedônio e Nestório, que negavam, respectivamente, a divindade do Espírito Santo e a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Com o princípio de bom senso, que tolera a eventual existência de religiões falsas, a doutrina da Igreja atende mesmo às condições de fato de uma sociedade, religiosamente, pluralista. Não admite, porém, nem poderia admitir, no homem, um direito natural de seguir a religião de seu agrado, prescindindo de seu caráter de verdadeira ou falsa. Aceitar semelhante direito em nome, por exemplo, da dignidade humana, envolve uma profunda inversão da ordem das coisas. Pois a dignidade do homem, que toda ela procede de Deus, passaria a sobrepor-se à obrigação fundamental que tem esse mesmo homem com relação a Deus: a de cultuá-Lo na verdadeira Religião.
Outra posição, lesiva dos direitos divinos, está implícita naquele princípio: o Estado deveria ser necessariamente neutro em matéria religiosa. Deveria sempre dar plena liberdade de profissão e propaganda a qualquer culto. Atitude esta que contradiz o ensino católico tradicional, uma vez que, criatura de Deus, também a sociedade, como tal, tem o dever de cultuá-Lo na Religião verdadeira, e de não permitir que cultos falsos possam blasfemar o Santíssimo Nome do Senhor (cfr. Leão XIII, Encíclicas "Immortale Dei" e "Libertas"). Não é difícil verificar-se que este princípio falsíssimo do Liberalismo corre em meios católicos como doutrina oficial.
Intimamente relacionada com a liberdade religiosa está a questão do ecumenismo, como é ele entendido e praticado. A liberdade religiosa, que acabamos de ver, dá ao homem pleno direito de seguir sua religião, ainda que falsa, e impõe ao Estado o dever de atender aos cidadãos no uso de semelhante direito. A liberdade religiosa, pois, favorece, quando não impõe, pluralismo religioso.
Ora, acontece que, numa sociedade, dilacerada por esse pluralismo, a identidade de origem de todos os homens, os mesmos problemas que resolver, as mesmas dificuldades que enfrentar, despertam nos indivíduos o anseio de buscar uma unidade de fundo religioso, visto que a comunhão na convicção religiosa é um meio excelente de congregar esforços, para a conquista do bem comum e do interesse público. Daí os movimentos visando chegar à união das várias religiões, mediante a aceitação de princípios comuns a todas elas, sem exigir a renúncia às características específicas de cada uma, que continuaria distinta das outras.
Semelhante ecumenismo muitos o restringem às confissões que se dizem cristãs.
Assim concebido, o ecumenismo tem os seguintes corolários: 1. a verdade é colocada ao lado do erro, em igualdade de condições; 2. aceita-se, como coisa natural e normal, que a salvação seja possível em qualquer religião; 3. afasta-se o proselitismo, que seria um divisor e não um catalizador; 4. chega-se, logicamente, a aconselhar, aos não católicos, a fidelidade e o afervoramento no erro em que se encontram, não faltando quem equipare religiões cristãs falsas à Igreja Católica, ao pensar que o Espírito Santo como da Igreja, assim daquelas confissões também se serve, como meio de encaminhar seus adeptos à salvação no seio de Deus.
Não obstante essas consequências, diametralmente opostas à verdade católica, um tal ecumenismo é aceito em meios católicos. Há mesmo tentativas de promover uma formação religiosa ecumênica, a ser ministrada, em comum, aos adeptos de várias confissões cristãs.
Sobre o ecumenismo, assim concebido, escreveu Pio XI a Encíclica "Mortalium animos" com data de 6 de janeiro de 1928, na qual o condena com energia.
De onde, uma renovação da Igreja, animada pelas orientações surgidas depois do Concílio, que aqui registramos, por atraente que seja, opõe-se à Fé, é inadmissível.
Como antídoto a essa infiltração perigosa e subtil que nos distanciaria do caminho da salvação, reafirmemos continuamente nossa crença na única Igreja de Jesus Cristo, Santa, Católica e Apostólica - "Credo in unam, sanctam Catholicam et Apostolicam Ecclesiam" — fora da qual não há salvação, "extra quam nullus omnino salvatur" (Conc. Lat. IV).
Com bênção cordial
† Antonio, Bispo de Campos
Campos, l.° de junho de 1981".
MADRID A Sociedade Cultural Covadonga, entidade afim à TFP, dirigiu apelo à Conferência Episcopal Espanhola, no sentido de que esta se pronunciasse categoricamente contra a introdução do divórcio no país. Tal manifesto foi estampado no diário "ABC", de Madrid, no dia 24 de maio p.p., antes ainda da aprovação da lei divorcista pelo Senado.
Covadonga está no momento empenhada numa campanha pública juntamente com outras entidades, religiosas e civis - visando recolher firmas em prol de um abaixo-assinado, no qual se pede a realização de um referendum sobre a lei em questão. A possibilidade dessa votação popular é prevista no artigo 87 da Constituição hispânica e mais de 300 mil pessoas já subscreveram a petição.
"É preciso que conste nos anais da História espanhola — diz o manifesto — que o sensus fidelium, representado pela posição de Covadonga e das diversas associações que estão pleiteando a realização de um referendum, não pactuou com a atitude permissivista de eclesiásticos e leigos ante o divórcio,
"E, é necessário também que fique registrado em nossa História que milhares, provavelmente milhões de espanhóis antidivorcistas sentem-se marginalizados na conjuntura atual".
A antipatia com que os círculos divorcistas encaram a perspectiva de um referendum comenta o documento de Covadonga "constitui de si uma prova patente de que existe uma poderosa posição antidivorcista arraigada em toda a população". Nessas condições, bastaria que a Conferência Episcopal Espanhola, em conjunto, assumisse uma posição clara e definidamente contrária ao divórcio, para que este não fosse introduzido na legislação.
Covadonga observa, entretanto, que, "nos vários pronunciamentos que fez sobre o assunto, com vistas a evitar confronto aberto com parlamentares, a Conferência Episcopal absteve-se de urna afirmação nítida contra o divórcio, na qual apelasse para a irreformabilidade do Direito Natural".
O manifesto transcreve extensamente manifestações individuais mais incisivas de diversos Prelados hispânicos, condenando o divórcio. Mas ressalta também a ausência, por parte do Episcopado tomado como um todo, de uma atitude clara, categórica e de larga repercussão, a esse respeito.
Conclui o documento: "A Sociedade Cultural Covadonga, em espírito de confiança, aguarda que a Hierarquia espanhola, através da Conferência Episcopal, ouça o brado angustioso de suas ovelhas, que lhe imploram uma tomada de posição salvadora, indispensável para preservar o próprio bem comum da sociedade espanhola".
Há três anos a Sociedade Cultural Covadonga vem combatendo as tentativas de introdução do divórcio na Espanha. Iniciando sua campanha em 21 de janeiro de 1978, aos pés da Virgem do Pilar, em Zaragoza, a associação lançou um apelo contra o divórcio às autoridades e ao público daquela nação ibérica. Sócios e cooperadores de Covadonga, percorreram, a partir de então, praticamente todo o território do país, difundindo 300 mil exemplares do manifesto.
O apoio que a entidade recebeu em virtude de tal iniciativa foi considerável. O referido apelo foi objeto de um abaixo-assinado de solidariedade, firmado por mil Sacerdotes espanhóis, que foi entregue às Cortes no dia 18 de maio de 1978.
Nesses últimos três anos, Covadonga prosseguiu em seu esforço de alertar a opinião pública de sua pátria, mediante publicações e campanhas. Destaca-se, entre suas atitudes, o manifesto dirigido às Cortes e ao público espanhol, publicado no diário "ABC", de Madrid, em 9 de novembro de 1980, sob título: "A luz brilha nas trevas (Jo. 1, 4) — A contusão moderna não encobre a claridade do preceito do Senhor: não separe o homem o que Deus uniu (Mt. 19, 6)" (cfr. "Catolicismo" n.° 360, dezembro de 1980).
E Covadonga conclama em seu último manifesto: "Chegou agora o momento de lançar o derradeiro brado de alerta. Que ninguém na Espanha se mantenha inerte! Com imensa tristeza constatamos que o câncer do divórcio já penetrou nas gloriosas terras de Fernando III o Santo".