Gilberto Miranda
Sobre a onda de terrorismo que na última década invadiu vários países do Ocidente, provocando instabilidade e tensão, conduzindo a opinião pública mundial a momentos dramáticos, e em alguns casos levando à derrocada governos estabelecidos, pairavam ao mesmo tempo uma dúvida cruciante e uma certeza unânime.
Por um lado, cada um dos movimentos terroristas parecia autônomo e vinculado apenas a problemas locais, com lideranças próprias, doutrinas autóctones e métodos adaptados a cada país. Não havia provas que permitissem afirmar uma origem e propulsão única para todos, ou mesmo para a maioria de tais movimentos.
Mas havia também uma certeza moral, amplamente admitida por uma espécie de consenso universal. A de que, por trás de cada movimento terrorista e de cada ato terrorista, deveria estar uma longa manus que — não era difícil concluir, e fazia parte do consenso — funcionava a partir de Moscou.
Qualquer cidadão dotado de bom senso e com isenção de ânimo, a quem se perguntasse sobre o assunto, muito provavelmente responderia que o terrorismo era comandado pelo comunismo. Sem precisar de provas, que não as teria, mas concluindo com base na resposta mais adequada à clássica pergunta: a quem aproveita?
Embora a fonte do terrorismo internacional fosse tão universalmente admitida, não havia um catalisador que determinasse a aglutinação desse consenso em uma ação antiterrorista que atingisse suas raízes, começando pela denúncia formal das suas vinculações.
Por que não surgia essa denúncia? Estrabismo político? Indecisão? Conivência? Existem aí dúvidas e certezas de outro gênero, que caberá à História estudar.
Mas a imprensa internacional e os estudiosos do assunto vêm trazendo esclarecimentos que é bom conhecer desde já.
Uma afirmação curiosa, que lança alguma luz sobre o tema, fê-la Samuel T. Francis, especialista em terrorismo internacional, membro do “staff” da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, em recente artigo: "Aqueles membros da comunidade de inteligência dos Estados Unidos que tinham melhores informações [sobre a vinculação da Rússia com movimentos terroristas na América Central] teriam seus memorandos engavetados e suas carreiras amputadas se expusessem seus conhecimentos aos superiores. A atitude dominante em Washington era de que a União Soviética era bastante madura para querer comprometer-se com o terrorismo internacional" (1).
A esdrúxula situação dos funcionários do serviço secreto norte-americano, impedidos pela administração Carter de transmitir ao governo as informações que o próprio governo lhes paga para obter, só é compreensível na hipótese de que os referidos informes entrassem em choque com a política externa norte-americana. Ou seja, para prosseguir com a política de détente era necessário ignorar certas verdades, mesmo que evidentes. Como os fatos falavam em sentido contrário, tanto pior para os fatos...
Represadas dessa forma nos desvãos da burocracia governamental, as informações tendiam a encontrar algum caminho de evasão.
Por isso não espanta que, concomitantemente com a ascensão do novo governo norte-americano, estejam se acumulando na imprensa internacional extensos e bem fundamentados relatórios, alguns oficiais, que denunciam as vinculações do terrorismo com a Rússia. As denúncias são tantas e de tal gravidade, que parecem um verdadeiro desabafo dos serviços de inteligência. Faremos a seguir referências a algumas das mais significativas, tal como no-las apresentam figuras de destaque do jornalismo internacional.
Além de numerosos artigos e notícias publicados na imprensa, a alguns dos quais nos reportaremos, dois livros recentes servem de base a tais denúncias: "A Rede do Terror", da escritora esquerdista Claire Sterling, e "Terrorismo: Ameaça, Realidade, Resposta", de Robert Kupperman e Darrell Trent.
Em linguagem sintética e viva, o famoso jornalista George Will põe em evidência o entrelaçamento de movimentos terroristas dos diversos países, e suas relações com o bloco comunista: "Nos anos 70, japoneses que foram treinados no Líbano, e municiados com armas da Tchecoslováquia entregues em Roma por um comunista venezuelano, assassinaram 26 pessoas (a maioria porto-riquenhos em peregrinação) no aeroporto israelense de Lod. Um almirante espanhol foi assassinado por uma organização terrorista basca, treinada em Cuba e no Iêmen do Sul por alemães orientais, palestinos e cubanos, que usavam explosivos comprados de terroristas irlandeses, com os quais tiveram seu primeiro contato na Argélia, sob os auspícios da KGB soviética" (2).
A escritora Claire Sterling afirma que "há uma grande evidência de que a URSS e seus satélites fornecem o apoio necessário a terroristas cujos atos violentos têm conturbado o Ocidente na última década". E acrescenta existirem "provas maciças de que a União Soviética e seus aliados estão por trás de uma rede mundial de terror, cujo objetivo é a desestabilização da sociedade democrática ocidental. Eles fomentam essa organização com armas, treinamento e asilo político".
"A rede consiste numa multidão de grupos terroristas, socorrendo-se uns aos outros e recebendo ajuda externa indispensável e não totalmente desinteressada" (3).
Da mesma forma, os autores Robert Kupperman e Darrel Trent afirmam que a "a União Soviética sustenta indiretamente os terroristas internacionais, através de um sistema complexo de intermediários" (4).
"As raízes da rede do terrorismo podem ser localizadas diretamente no Congresso Tricontinental, realizado em Havana, em janeiro de 1966. Naquele encontro, mais de 500 delegados aprovaram resoluções acentuando a necessidade de estreitar a cooperação entre os países socialistas e os movimentos de libertação nacionais, com o objetivo expresso de delinear uma estratégia revolucionária mundial em oposição à do imperialismo norte-americano" (5).
As atividades terroristas podem ser agrupadas, grosso modo, em duas categorias: terrorismo urbano e guerrilhas. Embora uma forma não exclua a outra e possam ambas ser conduzidas de comum acordo rumo a um objetivo determinado, cada uma aplica técnicas com características próprias. E há também divisão de tarefas mais ou menos bem delimitada, ficando o terrorismo urbano sob a orientação da OLP, enquanto os guerrilheiros são treinados e orientados por Cuba. São os dois polos do terrorismo internacional.
Sterling demonstra que "a Rússia transformou os dois ‘polos magnéticos’ do terrorismo — Cuba e a ‘resistência’ palestina — em subsidiários completamente dominados. Ela argumenta que nenhum dos bandos terroristas apontados em seu livro poderia ter trabalhado sem ajuda de Cuba ou dos palestinos, ou de ambos" (6).
"Enquanto os cubanos iam, em grande número, treinar guerrilhas no Oriente Médio, a União Soviética organizava cursos extensivos sobre guerrilhas para os palestinos, na URSS, Alemanha Oriental, Tchecoslováquia, Hungria e Bulgária. Em 1977, mais de 50 destes cursos eram ministrados no bloco soviético, sendo que 40 deles dentro da própria URSS, e envolviam milhares de guerrilheiros. Além disso, todas as formações de guerrilha palestinas, totalizando 16 mil homens, são hoje equipadas com armas do bloco soviético. O que se está tornando mais evidente agora é o quanto estas ligações entre grupos terroristas têm sido forjadas propositadamente e continuam a ser mantidas pela União Soviética, Cuba e os palestinos" (7).
O líder palestino Mohammed Ibrahim al-Shaier disse que "centenas de oficiais superiores palestinos formaram-se em academias militares soviéticas". E informou também que "2.000 palestinos estão estudando nas escolas soviéticas, e que o número de bolsas de estudo reservadas para a OLP é de 300 por ano, principalmente nos campos científico e técnico" (8).
"Nos últimos anos, a KGB, direta ou indiretamente, tem financiado ou treinado terroristas em centros menos permanentes fora da URSS — em Cuba, Chile, Alemanha Oriental, Tchecoslováquia, Líbia, Iêmen do Sul e Coréia do Norte —para atividades específicas" (9).
"Depois do Afeganistão, é difícil evitar a conclusão de que Moscou tem uma política ativa de expandir sua esfera de influência, sempre que possível e a qualquer custo.
"O apoio da OLP possibilita o uso soviético do Afeganistão como base para uma futura exportação do terrorismo para o mundo muçulmano. Mais cedo ou mais tarde, Moscou espera ver um caminho aberto rumo ao Irã ou ao Paquistão, pela Ásia Central. Essa rota levaria os soviéticos às fontes de petróleo e aos portos de águas quentes do Golfo Pérsico, há muito tempo seu centro de aspirações, como Stalin e Molotov explicaram a Hitler em 1940" (10).
" À parte a ideologia, é interessante notar as principais áreas em que se sabe darem os russos assistência ao terrorismo: Oriente Médio e norte da África (Líbia, Argélia, a Organização de Libertação da Palestina e seus componentes), África do Sul (através de Angola, Moçambique e Zâmbia) e agora, a América Central. Tais regiões são notáveis por duas razões:
"Primeiro, cada uma delas situa-se próxima a uma 'rota marítima' ou ‘ponto de choque’ de valor estratégico imenso — o Golfo Pérsico e o Estreito de Gibraltar, no caso do Oriente Médio e norte da África, o Cabo da Boa Esperança na África do Sul, e o Canal do Panamá e os portos do sul do Golfo do México, na região do Caribe.
"Segundo, cada uma dessas áreas está associada com recursos naturais de importância vital para os Estados Unidos e outras economias capitalistas avançadas, bem como para o desenvolvimento econômico do terceiro mundo" (11).
"No centro dos conflitos soviéticos, no Oriente Médio e Sul da África, trava-se a luta pelo acesso aos críticos recursos de matérias-primas, como petróleo, gás natural, e minerais raros como cromo e cobalto (12).
É sintomática a afirmação de George Will: "Os alvos [terroristas] nunca incluíram um regime sob patrocínio soviético" (13).
Aflora, por fim, a grande preocupação atual dos serviços de inteligência do mundo ocidental: a possibilidade de os movimentos terroristas terem acesso ao uso de armas atômicas. Bastam as duas referências abaixo para se compreender que a hipótese não pode ser descartada.
"Seria muita tolice acreditar que um grupo pequeno e dedicado não possa construir uma bomba atômica de pouca potência, com rendimento entre algumas centenas de toneladas e um quiloton" (14).
O senador Alan Cranston, da Califórnia, observou em conferência pronunciada em San Francisco que "acredita que grupos como a Organização de Libertação da Palestina, as Brigadas Vermelhas da Itália, ou os grupos Baader-Meinhoff da Alemanha Ocidental poderiam obter uma bomba atômica, desde que tivessem a ajuda de outra nação. E advertiu que a possibilidade existe, pois o líder radical da Líbia, Kadafi, anunciou a oferta permanente de um bilhão de dólares por uma arma nuclear, no mercado negro" (15).
Os textos que vimos citando falam por si mesmos, e julgamos desnecessário acrescentar-lhes comentários.
Para concluir, mencionaremos um depoimento insuspeito, porque emitido pelo próprio Leonid Brejnev. Para se compreender o sentido profundo e real desse depoimento, no entanto, é necessário ter-se em vista que "a assistência soviética ao terrorismo — que os marxistas chamam 'movimentos nacionais de libertação' — é uma parte integrante da estratégia de guerra política de Moscou. Na ideologia marxista-leninista, o terceiro mundo é a ‘colônia econômica’ dos países capitalistas avançados. A ‘libertação’ deve provir, no ponto de vista soviético, de uma combinação de 'luta armada' (isto é, terrorismo e guerra de guerrilhas) e ação política disciplinada, tanto na colônia quanto no Estado imperialista" (16).
Respondendo às denúncias de envolvimento no terrorismo internacional, feitas contra a Rússia pelo governo norte-americano, Brejnev afirmou, durante a visita de Kadafi a Moscou (é sumamente significativo que, para negar a participação de seu país no terrorismo, ele tenha escolhido como interlocutor um dos expoentes desse mesmo terrorismo), que "os imperialistas não têm consideração pelas aspirações dos povos e nem pelas leis da História. Os dirigentes norte-americanos qualificam de terrorismo a luta por essas aspirações"... (17)
Como é fácil compreender, diante dos princípios de estratégia comunista acima mencionados, a negação expressa pelo secretário-geral do PCUS significa mais propriamente uma confirmação. Depois que o ex-presidente Carter chegou à "brilhante" conclusão de que Brejnev mentiu a propósito do Afeganistão, é muito natural concluirmos nós que também a mencionada negação elimina dúvidas e conduz à certeza...
Na Irlanda do Norte, há anos o IRA vem espalhando o terror (à esquerda).
As Brigadas Vermelhas da Itália já fizeram numerosas vítimas, como esta, em Roma (à direita).
Referências
(1) Samuel T. Francis, Soviet Support of Terrorism, "New York Times", 8/3/81.
(2) George Will, Exposing the Soviets as the Masterminds of World Terrorism, "Newsday", 19/ 3/ 81.
(3) Candis Cunningham, O apoio indispensável à "rede do terror" em atividade no Ocidente, "O Estado de S. Paulo", 19/4/81.
(4) Curtis Wilkie, Killer Bees: U. S. Must Prepare for Terrorism, Study Says, "St. Louis Post-Dispatch", 8/3/81.
(5) Candis Cunningham, art. cit.
(6) George Will, art. cit.
(7) Candis Cunningham, art. cit.
(8) PLO Says "Hundreds" Were Trained by Soviet, "New York Times", 18/2/81.
(9) Ray S. Cline, O terrorismo soviético no mundo, "Midstream Magazine", apud "O Estado de S. Paulo", 19/4/81.
(10) Ray S. Cline, art. cit.
(11) Samuel T. Francis, art. cit.
(12) Ray S. Cline, art. cit.
(13) George Will, art. cit.-
(14) Curtis Wilkie, art. cit.
(15) Larry Liebert, Sen. Cranston. Warns of Terrorists with A-Bombs, "San Francisco Examiner", 3/2/81.
(16) Samuel T. Francis, art. cit.
(17) Ao receber Kadafi, Brezhnev responde acusações dos EUA, "O Estado de S. Paulo", 28/4/81.
Plinio Solimeo
“Oh! exclamou o Divino Mestre às portas de Jerusalém no Domingo de Ramos. Se ao menos neste dia, que te é dado, tu conhecesses ainda Aquele que te pode trazer a paz! Mas agora isto está encoberto aos teus olhos. Porque virão para ti dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão, e te apertarão por todos os lados; e te derribarão por terra a ti e aos teus filhos, que estão dentro de ti. E não deixarão em ti pedra sobre pedra: porque não conheceste o tempo da tua visita" (Lc. 19, 41 a 44).
Não houve pormenor dessa predição divina que não se tivesse cumprido em toda sua extensão.
Vários dos profetas do Antigo Testamento, ao proclamarem os castigos que se abateriam sobre a Cidade Santa ao longo dos séculos, apresentavam uma prefigura do que seria sua destruição final pelas hostes de Tito. Citaremos alguns trechos.
Assim se exprime o profeta Sofonias ao anunciar os castigos que cairiam sobre a Cidade de David por causa de sua idolatria:
"Esquadrinharei Jerusalém com lanternas, e castigarei os homens que, mergulhados em sua borra, dizem nos seus corações: O Senhor não faz bem nem mal". E, mais adiante, acrescenta: "Eu atribularei os homens... e o seu sangue será derramado como o pó e suas entranhas como o lixo. Nem sua prata, nem seu ouro poderão salvá-los no dia da cólera do Senhor" (Soph., 1, 12, 17-18).
Por sua vez, Jeremias, após a devastação de Jerusalém pelos caldeus, lamenta-se à vista das ruínas da cidade deserta:
"O Senhor destruiu, sem nada poupar, tudo o que havia de belo em Jacó. E, em seu furor, arruinou as fortificações da filha de Judá. Lançou-as por terra; e conspurcou o reino e seus príncipes" (Lm.., 2, 2).
No ano 37 de nossa era, subindo Calígula ao trono imperial de Roma, para premiar Herodes Agrippa, seu companheiro de infância e ardoroso partidário, por sua fidelidade, fê-lo rei da Judéia, submetida aos romanos. Agrippa, que reinou de 37 a 44, construiu vários edifícios em Jerusalém, fortificando e ampliando suas muralhas.
Quando morreu, apesar da simpatia do novo imperador Cláudio, seu filho não chegou a governar senão minúscula parcela do reino, pois os romanos, temendo a fortificação da Cidade Santa, passaram quase toda a Judéia e Samaria para a jurisdição do procônsul da Síria. Jerusalém começou então a ser governada por procuradores romanos. Isso fez com que a antiga inimizade entre judeus e romanos se tornasse cada vez mais acirrada.
Os procuradores romanos em Jerusalém foram, em geral, despóticos e cruéis. Quando Gesius Florus tomou posse em 64, excedeu a todos os seus antecessores em dureza, injustiça e avareza. Aproveitando uma sedição popular, fez matar 10 mil judeus. Tal fato serviu de estopim para a revolta geral. A guarnição romana da cidade teve que se render, sendo traiçoeiramente apunhalada.
Facções tomaram o poder na Palestina, dilacerando-se mutuamente em guerras intestinas. Nessa ocasião, o imperador Nero enviou o hábil general Vespasiano para pôr fim às desordens na Judéia. Depois de tomar toda a Galileia e acercar-se de Jerusalém, Vespasiano retirou-se, chamado por seus partidários, que, depois de algumas vitórias, o aclamaram imperador.
Seu filho Tito, também general de valor, foi encarregado de reconquistar a Cidade de David para o Império, no ano 70.
Os historiadores baseiam-se principalmente em três autores para narrar a destruição de Jerusalém. O primeiro é Flávio Josefo, judeu, testemunha ocular dos acontecimentos, que acompanhou Tito na qualidade de intérprete. O segundo é o célebre Tácito (Cornelius Tacitus), nascido na Úmbria no ano 54 e muito fidedigno em suas narrações. Por fim, Suetônio, nascido no ano 70, tribuno militar, depois advogado e secretário do imperador Adriano, que escreveu a vida dos doze Césares. São portanto esses autores, contemporâneos dos acontecimentos, credenciados para tal narrativa.
Seguindo também autores modernos, basear-nos-emos nessas três fontes para o que se segue.
O Messias apresentara como caracterização da época em que se cumpririam os castigos por Ele anunciados o aparecimento de sinais no céu.
Eis que corria em sua normalidade a vida em Jerusalém no ano 65 quando, logo após a festa da Páscoa, às 3:30 h da madrugada, uma grande claridade, circundando o Templo, nele penetrou, iluminando-o por meia hora como se fora dia.
Numa outra noite, a grande porta do edifício sagrado, que dificilmente 20 homens conseguiam mover, escancarou-se por si mesma. E, na tarde do dia 21 de maio desse mesmo ano, foram vistos no ar numerosos esquadrões-fantasmas em ordem de batalha, girando em torno da cidade. É presumível que prenunciassem as legiões romanas que mais tarde sitiariam Jerusalém.
Dias depois, penetrando os sacerdotes no Santuário, à noite, ouviram grande ruído, com o aparecimento de vultos que se dirigiam para a saída do Templo, bradando: "Saiamos daqui, que este lugar não é mais nosso". Intérpretes supõem que eram os Anjos custódios daquele lugar que se afastavam.
Finalmente, durante um ano inteiro, os hierosolimitanos puderam contemplar no ar um cometa em forma de espada incandescente, com a ponta voltada para sua cidade deicida.
Segundo Tácito, os judeus não viam nesses sinais presságios de acontecimentos funestos, mas julgavam serem, de acordo com antigos livros dos sacerdotes, indícios de que da Judéia sairiam naquela época os mestres do mundo. Tanto Tácito quanto Suetônio, romanos e pagãos, como também o judeu Flávio Josefo, aplicam tais profecias a Vespasiano, que saiu da campanha na Judéia para ser imperador (apud Rohrbacher, "Histoire Universelle de l'Eglise Catholique", Gaume Frères, Libraires, Paris, 1843, tomo IV, p. 456).
Na época da invasão romana, a desordem era completa em Jerusalém. Três facções rivais, êmulas entre si em toda sorte de crimes e abominações, dominavam a cidade. A descrição de Flávio Josefo parece repetir o que escrevera Salomão, quase mil anos antes: "Tudo está numa confusão completa, sangue, homicídio, furto, fraude, corrupção, deslealdade, revolta, perjúrio, perseguição dos bons, esquecimento de Deus, contaminação das almas, perversão dos sexos, instabilidade das uniões, adultérios e impudicícias" (Sab. 14, 25-26).
O próprio Josefo afirma que, mesmo que os romanos não tivessem tomado a cidade, esta certamente seria destruída por algum terremoto, submergida por um dilúvio, ou abrasada por fogo do céu como as cidades malditas, porque não era possível que Deus suportasse por mais tempo com impunidade tantos crimes e sacrilégios.
Tito procurou por todos os meios evitar o derramamento inútil de sangue. E vinha com diretrizes de reconquistar pacificamente, se possível, aquela porção do Império. Mas os judeus foram tão irredutíveis, utilizaram tanto a fraude e a traição, que ele foi obrigado a ser implacável. Para mostrar até onde iria sua repressão à revolta, mandou crucificar todos os prisioneiros judeus diante dos muros da cidade.
Flávio Josefo narra que foram tantas as vítimas, que chegaram a faltar espaço para as cruzes e cruzes para os corpos; "Jam spatium crucibus deerat, et corporibus cruces" (cfr. Con. Joaquim Pinto de Campos, "Jerusalém", Imprensa Nacional, Lisboa, 1874, p. 252).
Como é tremenda a justiça de Deus! Quantos desses infelizes ou de seus pais possivelmente não teriam gritado, na Sexta-Feira Santa, "Tira-O, tira-O, crucifica-O! — Não temos outro rei, senão César" (Jo. 19, 15)? Agora, por ordem do César reinante sofriam eles o castigo que, trinta e sete anos antes haviam pedido para o Filho de Deus!
Os judeus, porém, longe de se atemorizarem, tornaram-se mais obstinados. Para poupar ainda a cidade da destruição, Tito fez abrir um valo em torno de Jerusalém, o que foi executado em apenas três dias! E tinha 7,2 km de extensão (cfr. Flávio Josefo, apud J. B. Weiss, "História Universal", Tipografia La Educación, Barcelona, 1927, vol. III, p. 828). "Virá um tempo em que teus inimigos te cercarão de trincheiras e te porão em grande aperto", dissera o Senhor... (cfr. Lc. 19, 43)
A fome e a desordem na Cidade Santa nos dias subsequentes foram indescritíveis. Segundo Flávio Josefo ("História dos Hebreus", trad. do Pe. Vicente Pedroso, Editora das Américas, São Paulo, Livro V, cap. 32), "a fome, que sempre aumentava, devorava famílias inteiras. As casas estavam cheias de cadáveres de mulheres e de crianças, e as ruas, de corpos de anciãos. Os moços, inchados e cambaleando pelas ruas, mais pareciam espectros do que seres vivos e o menor obstáculo os fazia cair". E, pior ainda, bandos de celerados, "mais cruéis que a mesma fome e que os animais ferozes, entravam naquelas casas, que eram mais sepulcro que lares, despojavam os mortos, tiravam-lhes até as vestes, e, acrescentando a zombaria a tão espantosa desumanidade, feriam com golpes os que ainda respiravam para experimentar se as suas espadas ainda tinham gume".
Várias vezes Tito ordenou a Flávio Josefo que subisse às muralhas e concitasse seu povo a depor as armas. Os judeus respondiam com injúrias.
O general romano, certo dia, ao ver os fossos que rodeavam as muralhas repletos de cadáveres já em putrefação, não pôde conter as lágrimas e, levantando os braços ao céu, tomou a Deus por testemunha de que não era o responsável por tantas desgraças (cfr. Com. Joaquim Pinto de Campos, op. cit., p. 254).
O episódio mais tenebroso que ocorreu em meio de tantas desgraças, teve como protagonista uma judia chamada Maria, riquíssima, que tinha vindo a Jerusalém para as festividades. Tendo sido despojada de tudo que possuía, até do indispensável, no desespero, matou seu filho de colo, assou-o, comeu parte do corpo e guardou o resto para mais tarde. Quando os bandos de degenerados, atraídos pelo odor de tão nefando festim, penetraram na casa, ela lhes ofereceu os restos de seu filhinho. Os próprios facínoras; cheios de horror, fugiram, narrando o sucedido a toda cidade (cfr. Flávio Josefo, op. cit., Livro VI, cap. 31).
Aos que conseguiam evadir-se para o acampamento romano não estava reservada melhor sorte. Tendo um dos soldados romanos visto que alguns judeus engoliam seu ouro antes de fugir, espalhou a notícia. Os soldados árabes e sírios, pertencentes às tropas imperiais, precipitaram-se sobre os judeus que vinham refugiar-se no campo romano, abrindo-lhes o abdômen à procura do ouro. Em um só dia mais de dois mil judeus pereceram assim miseravelmente, testemunha Flávio Josefo.
Quando os romanos conseguiram penetrar na cidade, os sitiados refugiaram-se no Templo, continuando a combater. Tito teria recomendado — segundo Josefo muito insistentemente a seus soldados que poupassem o Templo. Embora Tácito, segundo Weiss, afirme que Tito julgava seu dever destruí-lo, para suprimir mais completamente a religião dos judeus e a dos cristãos, pois a segunda tinha os mesmos autores que a primeira. Arrancada a raiz, mais facilmente pereceriam os ramos (cfr. Bunsen, "Dios en la Historia", apud Weiss, "Historia Universal", t. III, p. 829). Apesar da recomendação, um soldado — "impelido por um movimento sobrenatural", observa Flávio Josefo — subindo aos ombros de um companheiro, atirou uma tocha ardente através da janela dourada, em uma das salas contíguas ao Templo. Era o dia 5 de agosto de 70.
O fogo propagou-se rapidamente por todas as dependências do edifício, no momento preciso em que os sacerdotes se preparavam para oferecer o último sacrifício da Antiga Aliança e já entoavam cânticos fúnebres ou murmuravam maldições contra Tito (cfr. Weiss, op. cit., tomo III, p. 830). O general romano — afirma Rohrbacher, seguindo o parecer de Josefo — fez tudo para que seus soldados auxiliassem a apagar as chamas. "Ele gritava, ameaçava, dava ordens aos brados e aos empurrões, para que apagassem o fogo. Os soldados, esquecendo-se das leis da disciplina que sempre observaram rigorosamente antes, e tão-só atentos à pilhagem e ao massacre, nem atendiam a seus gritos, nem respeitavam suas ordens, nem se inquietavam com suas ameaças" (Rohrbacher, op. cit., t. IV, p. 469). Weiss afirma que Tito desejou então ver o interior do Templo, onde não podia entrar ninguém, exceto o Sumo Sacerdote. Mas foi repelido pela fumaça intensa que o obrigou a retroceder.
Do edifício sagrado não sobrou, conforme predissera Nosso Senhor, pedra sobre pedra. "No dia 8 de Gordiaeos (2 de setembro de 70) —diz o historiador desta guerra — o sol amanheceu sobre as fumegantes ruínas de Jerusalém, cidade invejável se tivesse visto desde sua fundação tantos dias felizes quantos viu miseráveis durante este sítio". Abismado na contemplação de sua grandeza e fortaleza, exclamou Tito: "Isto não podiam fazer minhas legiões e máquinas de guerra; foi Deus Quem o fez, Quem precipitou os judeus deste baluarte" (Stade, "Historia del Pueblo de Israel", t. II, p. 671, apud Weiss, op. cit., p. 831).
A CONQUISTA DE JERUSALÉM — tela de Nicolas Poussin (século XVII), Museu de História da Arte de Viena.
Do Templo de Jerusalém não ficou pedra sobre pedra, conforme predissera Nosso Senhor. O atual "muro da lamentação" é apenas parte de uma muralha inferior, sobre a qual se erguia a face ocidental do Templo.