Outra pesquisa, esta realizada apenas entre estudantes universitários, foi publicada em 1975 (Murad, J. E., Costa Filhos O., "The drug abuse among university students in Brazil", VI Congress of Pharmacology, Helsinky, Finland, July 1975) e revelou que, apenas entre universitários, o consumo de drogas era maior, atingindo quase 25% dos questionados. Ai também a maconha ocupava o segundo lugar, sendo utilizada por 30,6 por cento dos viciados, enquanto a anfetamina o era por 39,6 por cento.
Tudo leva a crer que, atualmente, devido às restrições legais impostas à prescrição das anfetaminas e ao rígido controle de sua fabricação e comercialização, a maconha já seja a droga mais difundida, não só entre os estudantes como nos diversos meios sociais.
A imprensa diária vem publicando com frequência pronunciamentos de autoridades diversas externando sua preocupação com o aumento do consumo de tóxicos entre a população em geral e, mais particularmente, no meio estudantil.
No artigo anterior, citamos as declarações do Sr. Arnaldo Niskier, Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, proferidas durante o I Seminário Nacional de Prevenção ao Uso de Tóxicos, a respeito da venda de drogas em portas de escolas. Durante o mesmo seminário, representantes da área médica, jurídica e policial também se pronunciaram no mesmo sentido.
O Seminário foi realizado em agosto de 1981. Antes, em março de 1981, o Major da Polícia Militar de São Paulo, Edson Ferrarini, em palestra pronunciada para professores e diretores de escolas municipais, alertou para o fato de que 10% dos estudantes matriculados nas escolas de 1.° e 2.° graus da capital do Estado de São Paulo são viciados ou já experimentaram drogas.
Mais recentemente, em janeiro de 1982, a imprensa noticiou que o Conselho Federal de Entorpecentes, órgão criado há um ano e encarregado de implantar a política de combate aos tóxicos em todo o Brasil, vai realizar no presente ano o primeiro levantamento científico sobre os tipos de drogas e entorpecentes mais usados no País.
Segundo o presidente do Conselho, Arthur Castilho, o levantamento será uma tentativa de apurar as causas reais do consumo de drogas pela juventude; serão distribuídos formulários-padrões entre estudantes do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre. A campanha visa informar e alertar os jovens sobre o perigo do uso de drogas e será feita de maneira a evitar despertar uma curiosidade contraproducente.
* * *
É louvável que autoridades e pessoas responsáveis se pronunciem, desejando encontrar uma solução para tão grave problema. Lamentamos, entretanto, o fato de que alguns eclesiásticos — cuja preocupação por esse problema seria mais do que justa e compreensível — parecem interessados quase exclusivamente no trabalho de agitação de uma eventual questão social, e não em preservar a juventude da tragédia do vício.
Por fim, queremos lembrar, tal como o fizemos no artigo anterior, que o esclarecimento e a repressão são indispensáveis, mas não suficientes. E quando mal conduzidos podem levar a resultados opostos aos desejados.
E recordamos também que a maneira mais eficiente de subtrair a juventude do caminho dos tóxicos é apresentar a ela um ideal contrário ao prazer hedonista, ao egoísmo, à libertinagem. Um ideal cheio de fé, de sacrifício e de heroísmo, a que ela se consagre inteiramente com o entusiasmo e o desprendimento característicos dessa fase da vida.
Esta é, em seu aspecto mais profundo, a verdadeira solução do problema.
Ronaldo Baccelli
nosso correspondente
LISBOA — Se é verdade que o Portugal de hoje é uma nação territorialmente pequena e economicamente débil, politicamente agitada e moralmente enfraquecida, isso deve-se ao fato de ter havido homens que a descristianizaram.
Por outro lado, se é incontestável ter sido Portugal uma nação heroica, grande e forte, isso deve-se àquelas admiráveis figuras que souberam enaltecer o nome do país por sua santidade, bravura no campo de batalha ou pelo valor no trabalho.
Tais figuras, houve-as em quase todas as épocas, mas sobretudo naqueles quatrocentos anos que se sucederam à fundação da nação portuguesa no século XII. Dom Afonso Henriques, o primeiro Rei, foi uma delas. Entretanto, é bom lembrar que as vitórias de sua espada não foram devidas apenas à sua bravura, mas principalmente à bênção que ela trazia dos claustros do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra onde vivia um santo chamado Teotônio.
Comemora-se no presente ano o nono centenário do nascimento do grande santo que amparou e protegeu a pátria lusa em seus primeiros passos. Nascido em 1082, sob o pontificado de São Gregório VII, Teotônio tinha ascendência nobre. Embora fosse natural de Valença do Minho, recebeu educação na Sé Catedral de Coimbra onde teve por mestre o Arcediago Dom Telo, prestigiosa figura do Clero, que viria a ter influência determinante na sua ação futura.
Desde logo revelou São Teotônio um "agudo e perspicaz engenho", bem como uma série de edificantes virtudes e uma grande vocação religiosa ("Vida do Bemaventurado Padre Santo Theotonio, Primeiro Prior do Real Mosteiro de Sancta Cruz de Coimbra de Cônegos Portugueses do Patriarcha Sancto Agostinho", Coimbra, Anno 1650, pp. 3 e 4).
Entre os vinte e os vinte e sete anos foi ordenado Sacerdote e como se mostrasse "todo santo entre o povo de Deus" (op. cit., p. 7) não tardou que seus superiores começassem a chamá-lo para cargos de responsabilidade. O primeiro destes foi o priorado da Sé de Viseu. Lá se conservou durante alguns anos até lhe pedirem que se tornasse Bispo daquela cidade.
Assustado, São Teotônio não quis aceitar o cargo. "Por que todas as cousas deste mundo tinha este Apostólico varão por muito vis, danosas e caducas; portanto, fugindo como de peste das honras temporais, se conservava torre fortíssima de humildade a que todos olhavam".
Foi então que decidiu partir para a Palestina, onde permaneceu durante um ano. Depois de ter visitado com santa devoção os lugares que Nosso Senhor Jesus Cristo percorreu, regressou ao Condado Portucalense, mais fortalecido na sua já admirável humildade e decidido a permanecer na obscuridade e no anonimato. Mas como suas virtudes crescessem, ele foi se tornando cada vez mais notado e solicitado. Por isso, resolveu empreender mais uma viagem à Terra Santa. Ali conheceu, desta vez, os Cônegos Regrantes de Santo Agostinho, em cuja irmandade entrou, levado pelo entusiasmo que lhe despertaram a disciplina da Ordem e a santidade da vida daqueles religiosos.
Embora estivesse na disposição de ficar na Terra do Santo Sepulcro até ao dia da morte, São Teotônio viu-se, ao fim de algum tempo, na necessidade de voltar a Portugal.
Novamente em Viseu, o santo continuou a ser admirado por suas altas virtudes, entre as quais também sobressaía a devoção a Nossa Senhora.
Conta-nos o Prof. João Ameal em seu livro "Santos Portugueses" (Livraria Tavares Martins, Porto, 1957, p. 17) que a Rainha Dona Teresa (mãe de Dom Afonso Henriques), sentindo-se um dia muito cansada, mandou um pagem pedir a Teotônio que abreviasse o santo Sacrifício da Missa que ele costumava demorar para melhor adorar Nosso Senhor presente na Hóstia. São Teotônio "respondeu ao pagem do recado que dissesse à Rainha sua senhora que outra Rainha estava no Céu, muito mais nobre e melhor sem comparação do que ela, à qual com muita reverência e muito vagar havia de celebrar aquela Missa..."
Quando São Teotônio se preparava para realizar a terceira viagem à Terra Santa, operou-se um acontecimento que mudou o rumo de sua vida: o jovem Dom Afonso Henriques, herdeiro do Condado Portucalense, proclamou-se Rei dando assim origem a um novo Estado independente na Península Ibérica.
Guerreiro destemido e hábil estadista, Dom Afonso era também um verdadeiro homem de fé. Durante seu reinado ele não deixou, portanto, de proteger e fortificar a Igreja em Portugal. No âmbito dessa obra tão meritória e ainda com o objetivo de mostrar sua fidelidade ao Papa Inocêncio II, o monarca português incentivou e favoreceu largamente a construção do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra para os Cônegos Regrantes de Santo Agostinho.
Na qualidade de membro dessa Ordem e acedendo às insistências de seu antigo mestre Dom Telo, São Teotônio entrou para o número dos doze frades fundadores, sendo por eles eleito Prior apesar de não o querer.
Mas foi exatamente essa destacada posição de São Teotônio que mais veio a beneficiar Portugal em sua cruzada contra os mouros, na luta pela conquista de novas terras e pela expansão da Fé de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Reconhecendo no Prior de Santa Cruz as qualidades de um autêntico varão de Deus, Dom Afonso foi-se-lhe afeiçoando cada vez mais. São Teotônio, por sua vez, votava ao Rei Conquistador uma amizade sempre crescente. E assim se pode dizer que em Santa Cruz passaram a decidir-se os destinos de Portugal. Naquele mosteiro revelava o Rei seus planos de batalha ao Santo Prior. E na data combinada, enquanto Afonso Henriques abria clareiras nos exércitos mouros, São Teotônio chamava os frades e todos os fiéis à oração para que as armas da nação recém-fundada saíssem vitoriosas. "... à boca cheia confessava devia as vitórias que dos inimigos alcançava mais às orações de Teotônio que ao esforço de seus exércitos..." ("Vida do Bem-aventurado Padre Santo Theotonio", p. 28); dizia o próprio Rei, que, deste modo, reconhecia a primazia do Poder Espiritual sobre o Temporal. Com efeito, não tinha limites a confiança que Dom Afonso Henriques depositava no Santo Prior de Coimbra.
Uma vez, estando o Soberano com febre altíssima que a medicina não curava nem atenuava, veio São Teotônio "e animando-o com palavras de muito amor lhe pôs as mãos sobre a cabeça lançando-lhe a bênção; logo a febre abrandou, el-Rei comeu, cousa que havia dias não fazia pelo grande fastio que tinha, e finalmente dentro em breves dias recuperou inteira e perfeita saúde" (op. cit., p. 41).
Em 1152, São Teotônio, já com 70 anos, renunciou ao priorado do Mosteiro de Santa Cruz. Durante os dez anos que decorreriam daquela data até a sua morte, ele estreitou relações com São Bernardo de Claraval de quem recebeu um bordão, com o qual curou milagrosamente muitos doentes.
Tendo crescido ainda mais sua fama de santidade, quis o Papa Anastácio IV distingui-lo com as honras prelatícias — mitra, báculo e anel — e o privilégio de dar a bênção ao povo.
A hora da despedida veio, afinal, em 18 de fevereiro de 1162. Com 80 anos de vida sempre votada ao serviço de Deus, São Teotônio sonhou nesse dia que São Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, mostrava-lhe uma escada que ia do claustro de seu mosteiro até o Céu: Vendo nisso um sinal de que estava para morrer, mandou reunir todos os frades para lhes dar a última bênção. No momento em que partiu para a vida eterna, sereno e de rosto alegre, estava presente o Rei Dom Afonso, que exclamou cheio de dor: "Primeiro sua alma há de entrar no Céu que o corpo na sepultura!"
No ano seguinte, 1163, no mesmo dia de seu falecimento, foi solenemente canonizado pelo Papa Alexandre III.
Sé românica de Coimbra, onde São Teotônio foi educado.
No artigo intitulado "No 450.° aniversário das Aparições de Guadalupe — Surpreendentes constatações do milagre", que "Catolicismo" publicou em seu n.° 372, saíram infelizmente, por erro de montagem do jornal, dois parágrafos com sentido truncado. São eles:
a) o último parágrafo da 3ª. coluna deve ser lido assim: "As emissoras de rádio da Cidade do México divulgaram a 11 de dezembro de 1955 a sensacional notícia de que ampliações fotográficas dos olhos da imagem guadalupana apresentavam nitidamente a figura de um homem, possivelmente Juan Diego. Essa constatação foi feita pelo cirurgião Dr. Rafael Torija Lavoignet, com auxílio de possante oftalmoscópio (Handbook, p. 73, ABC, art. cit., CRC, p. 27)".
b) o primeiro parágrafo após o subtítulo "O milagre e os progressistas", na 5ª. coluna, deve ser lido como segue: "Para os verdadeiros devotos da Santíssima Virgem, essas revelações representam nova lufada de ar fresco em meio a este mundo laico e poluído em que vivemos. O que significará para os ditos "católicos progressistas"?"
D. Suzanna Cavenaghi Rechia, Ibirá (SP): "Cada CATOLICISMO que me chega às mãos, vem descansar minha mente, acalmar meu coração, e ajudar na luta do dia-a-dia, hoje tão corrompido".
D. Teresinha Abdo Assis, Pará de Minas (MG): "Leio e aprecio os artigos de CATOLICISMO, e desejo que sua linha de tradição seja abençoada por Deus".
D. Sebastiana Guerra de Almeida, Ivaté (PR):"Este Jornal tem sido muito útil à nossa família, pois nos traz ótimas informações, mais especificamente de cunho religioso, o que falta muito no mundo de hoje. As reportagens são bastante coerentes e correspondem aos nossos anseios".
Sr. José Joelson Henriques de Souza, Três Rios (RJ): "Considero este mensário um baluarte, uma frente de lutas constantes de homens de boa vontade, filhos da Virgem, por um mundo diferente com base nos valores do Cristianismo autêntico, sem mesclas de progressismos e ideologias anticristãs".
Sr. Francisco Tavares de Lima, Juazeiro do Norte (CE): "Muito aprecio este Jornal por sua combatividade ao comunismo em defesa da civilização cristã. Gostaria que nele fossem escritos mais artigos do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.
■ N.R.: Temos transcrito com muita frequência artigos do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, que não tem escrito para CATOLICISMO por encontrar-se excessivamente absorvido em outras ocupações.
Imaginemos, leitor, a grandiosa cena de Moisés adorando a Deus, que, no meio de uma sarça ardente, lhe aparece no alto do Monte Sinai. "E o Senhor apareceu-lhe numa chama de fogo .... E disse: Não te aproximes daqui: tira as sandálias de teus pés porque o lugar em que estás é uma terra santa. .... Cobriu Moisés o rosto porque não ousava olhar para Deus"... (Ex. 3, 2-6). As Escrituras narram o episódio com aquela simplicidade única, que, entretanto, confere ao texto sagrado uma vida, uma expressão, uma poesia e uma força, como só as palavras do Espírito Santa são capazes de conter.
Pois esse amor a Deus, expresso de maneira tão perfeita, não é senão uma pálida ideia da adoração que Nossa Senhora vota ao Criador. Adoração superlativa que o autor anônimo do célebre Ícone da Virgem de Vladimir — cuja fotografia estampamos nesta página — soube tão belamente representar.
Nesse quadro, que veneração sem medida pela Santidade do Menino, que é Homem perfeitíssimo! Que adoração sem limites pelo Deus ali presente! Que senso de grandeza transparece no ícone! A propósito dele convidamos o leitor a nos acompanhar em algumas reflexões.
* * *
Procuremos, de modo ordenado, quase como num filme em câmara lenta, descrever a sequência das reações que um bom católico poderia ter diante do ícone de Nossa Senhora de Vladimir. A fotografia aqui reproduzida, embora em branco e preto, dá uma ideia suficiente dessa obra-prima da arte religiosa bizantina, da qual o leitor encontrará também breve histórico no quadro abaixo.
Note-se, porém, que a beleza do quadro não se manifesta em todo o seu esplendor a observadores não habituados a analisar a arte bizantina ou de outro estilo oriental. É necessário que o ocidental aprofunde sua constatação do belo, que pode manifestar-se de modos bem diversos da emoção estética que se experimenta em relação a obras artísticas do Ocidente.
Logo ao primeiro olhar, a imagem causa uma impressão global, que tem, naturalmente, caráter todo individual. A medida que continuamos a observar a fotografia, tal impressão vai se explicitando, de modo que podemos decompô-la em seus vários elementos.
Dentro da impressão de conjunto sentimos, de início, uma certa estranheza pelos tons escuros do quadro, inclusive os da cútis da Virgem (serão consequência dos maus tratos que, em épocas passadas, sofreu a pintura?). Pois as tonalidades escuras parecem um pouco desfavoráveis para simbolizar a extraordinária delicadeza de alma de Nossa Senhora. Sentiríamos maior consonância se o rosto dEla e suas mãos fossem claras. Apesar disso, há algo nEla que agrada, combinando com a expressão de firmeza e seriedade que seus olhos manifestam.
Posteriormente, nossa observação se aprofunda, na análise mais atenta dos olhos da Mãe de Deus, do seu gesto, da sua atitude fisionômica. Tudo nEla reflete estabilidade, elevação, superioridade — enfim, para dizer numa só palavra: reflete majestade, muito própria à Rainha do Céu e da Terra. Quanto recolhimento! Ela tem o espírito voltado para as coisas mais altas — interiores, sérias, sem superficialidades. O olhar, luminoso, compensa de sobejo o que as cores escuras parecem recusar à consideração do observador.
Estamos em presença, então, da síntese de uma série de elementos positivos, ao lado de um negativo (o aspecto escuro do quadro). Fica uma impressão de que o pintor teria realçado a presença de todos os fatores positivos, que ele quis simbolizar com o ouro que aplicou nas vestes do Menino Jesus, quase inteiramente douradas, bem como nos ornatos claros que se veem nas bordas do manto da Virgem. Trata-se, porém, de um ouro que se tornou meio fosco, à maneira do que ocorreu com a pele. Poder-se-ia dizer que esse ouro escuro está para o ouro novo, como a cor escura da cútis pode ser considerada em relação à pele clara.
O ambiente escuro, contudo, realça os aspectos luminosos que aparecem de dentro do quadro, e eles vencem nobremente o que há de negro em torno. Prevalece um claro-obscuro, representado por uma certa penumbra, dentro da qual brilham reflexos dourados, como joias no fundo da vitrina mal iluminada de uma joalheria. Reluzem de cá, de lá, permitindo que nos fixemos no essencial: a grandeza, a seriedade, a nobreza da Personagem — virtudes presentes em tudo, intactas e de altíssimo grau. Além de uma acentuada nota de bondade materna.
Observando com admiração o ícone, a oração surge espontaneamente em nosso espírito: "Salve Regina, Mater misericordiae, vita, dulcedo et spes nostra..." É o comentário mais apropriado que se possa fazer, segundo nos parece, da extraordinária obra de arte sacra.
Haverá alguma outra virtude de Nossa Senhora que mais especialmente transpareça neste ícone?
Prestemos atenção na posição em que a Virgem sustenta o Menino, no trato dEla para com o Divino Infante e no dEle para com sua Mãe Puríssima. Quanto respeito e ternura! Não fosse a Mãe de Deus inteiramente senhora de suas ações e sentimentos, dir-se-ia que Ela quase não sabe para onde mover-Se de tanto adorar. E o faz do mais fundo de sua alma, rumo ao mais alto de suas excelsas cogitações.
O quadro reflete, pois, especial ternura, resultante de uma postura de alma muito estável, contemplativa e atenta, dentro do teor de uma vida que permite isto e que faz desse modo de ser seu próprio centro. As virtudes representadas nesse estado de espírito são os pressupostos do ato de adoração que a Virgem dedica ao Menino Jesus.
Podemos ver que se trata de uma alma que fez da ternura — isto é, da consideração atenta de um ser (no caso, seu Divino Filho) — o objeto de uma atitude mental que a transpassa de lado a lado. E que Ela não é apenas terna para com Deus encarnado, mas nEla encontram-se como que todas as ternuras de todos os tempos. Essas concentram e defluem dali, de seus braços e sua bondade, em relação ao Menino Jesus, mas também para com todo aquele que a Ela eleve uma oração.
Nesse ícone, quem é o Ente a Quem se dirigem tão excelsas ternura e adoração? É um Menino ao Qual é preciso dar leite. Mas que também é Deus. Não um Deus concebido apenas em abstrato, mas Nosso Senhor Jesus Cristo, aquele Homem hipostaticamente unido à Divindade. E, portanto, com as perfeições que se resumem na palavra Jesus Cristo. É maravilhoso, magnífico, empolgante, em suma, divino! Há um certo equilíbrio inefável, sacral, — repetimos — divino nessas palavras: Nosso Senhor Jesus Cristo, ou mais abreviadamente, no nome Jesus Cristo.
David, reconhecendo o fundo de sua miséria, gravemente acrescida com seus pecados, compôs o conhecido salmo que todos nós humildemente repetimos. Que Nossa Senhora, por meio de sua intercessão onipotente e juntamente com sua oferenda perfeita, apresente ante o Trono do Altíssimo esse nosso canto: "De profundis clamavi ad Te, Domine: Domine exaudi vocem meam" — "Desde o mais profundo clamei a Vós, Senhor: Senhor, ouvi a minha voz" (Ps. 129, 1).
Embora concebido e executado por volta de 1030, em época anterior ao Cisma do Oriente (ocorrido em 1054), e, portanto, por mãos católicas, apostólicas e romanas, o famoso ícone conhecido atualmente como "Virgem de Vladimir" foi lamentavelmente, durante muitos séculos, custodiado por um clero que aderiu maciçamente ao mencionado cisma. E desde 1917 encontra-se em poder dos soviéticos.
Pintado em painel de tília por um artista anônimo - que pode seguramente ser qualificado de genial — em Constantinopla, capital do Império Bizantino, a Virgem de Vladimir foi levada em 1131 para Kiev, a mais antiga das cidades russas.
Lá, em meio a grandes cerimônias, foi emoldurada com ouro nas paredes do Mosteiro das Grutas, o "Petcherskaya Lavra". Em 1169, Andrei Bogoliubsky, jovem príncipe da cidade de Rostov, saqueou e reduziu a ruínas fumegantes a cidade de Kiev. Após arrasar o mosteiro, o príncipe levou consigo o ícone.
Conta-se que o cavalo que conduzia o precioso quadro de madeira a Rostov deteve-se e recusou-se a seguir adiante, ao passar em frente dos portões da cidade de Vladimir. Ali fixou-se o príncipe Bogoliubsky e por mais de dois séculos o Ícone da Virgem permaneceu nessa cidade, cujo nome associou-se à sua invocação.
Por duas vezes nesse período o ícone teve suas molduras roubadas: a primeira, de ouro, furtada por bandidos, e a outra, de pedrarias, foi arrebatada pelas hordas tártaras que, em 1237, ocuparam Vladimir. Em virtude desse ataque, o quadro perdeu também grande parte de seu colorido original
O Grão-Duque Vasili atribuiu a preservação da cidade de Moscou, assediada pelos tártaros em 1395, e a fuga de Tamerlão, chefe dos sitiantes, à proteção da Virgem de Vladimir. Desde então, o ícone foi transferido para a catedral da Assunção - situada no interior do Kremlin -, num nicho à direita da porta do santuário.
Eclodindo em nosso século a Revolução Comunista, o Kremlin foi fechado ao público e a Virgem de Vladimir levada para o Museu Histórico do Estado, edifício localizado na atual Praça Vermelha. Em 1930 foi novamente transferida, desta vez para o Museu Tretyakov, no outro lado do rio Moscou, onde ainda se acha.
Contudo, os mantenedores do regime ateu instalado na Rússia julgaram prudente conservar sem alterações as três principais igrejas existentes no interior do Kremlin, das quais a catedral da Assunção é a mais importante. Ela pode ser analisada ainda hoje (foto), ornada interiormente como no tempo em que ali estivera a Virgem de Vladimir, em poder não dos comunistas, mas de cismáticos inimigos de Roma.
* * *
Esse belo e afamado quadro desempenhará ainda algum papel na História, se levarmos em consideração as revelações de Fátima? Nelas, em 1917, pouco antes da Revolução Bolchevista, a Mãe de Deus revelou aos três videntes que a Rússia espalharia seus erros pelo mundo, prevendo grandes castigos se os homens nãos se convertessem. Mas concluiu sua Mensagem afirmando: "Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-Me-á a Rússia, que se converterá..."
A Virgem de Vladimir - pintada aproximadamente há 950 anos por um artista católico, na Constantinopla ainda fiel a Roma - poderá ser um penhor de tal conversão, Deus o permita! É o caso de lembrar aqui o conhecido adágio francês: "Quem viver, verá".
ÍCONE DA VIRGEM DE VLADIMIR.
Vista parcial do interior da catedral da Assunção, construída em 1479 no interior do Kremlin por Fioravanti di Bologna. Nela, durante mais de cinco séculos conservou-se o ícone da Virgem de Vladimir.