O primeiro e o último olhar de Jesus

O mês de maio, mês de Maria, é também, a justo título, o mês das mães. Época oportuna, portanto, para se meditar sobre o papel a ser desempenhado por toda verdadeira mãe, cujo modelo excelso é a Mãe de Deus. E também para se refletir a respeito do amor filial, virtude divinamente praticada pelo Filho de Deus encarnado.

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O mundo contemporâneo — particularmente o ocidental e cristão — vem sendo há séculos abalado por crises resultantes de uma Revolução universal, una, total, dominante e processiva (cfr. Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, "Revolução e Contra-Revolução", "Catolicismo" n.°100, abril de 1959).

Essa Revolução haveria, pois, de conspurcar também o amor materno, fazendo-o fenecer, ao longo das gerações. Assim, cada vez menos os homens foram conhecendo mães modelares.

O que representa tal conspurcação, tal desdouro?

Para compreendê-lo, consideremos o Homem perfeito, o Homem-Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo. Em sua Humanidade Sacrossanta, Ele passou os nove meses presumíveis no claustro puríssimo de Nossa Senhora, para nascer então em Belém, nas condições que conhecemos. E quando seus olhos divinos se abriram pela primeira vez para esta Terra, fitaram a face dAquela que resume em Si todas as maravilhas do universo: Maria! E o Menino Jesus, que desde os primeiros instantes de sua vida humana tinha pleno uso da razão, certamente deu, com esse primeiro olhar, o primeiro sorriso para sua Mãe Santíssima.

Com que amor o terá feito? Que palavras terá dito em silêncio? Porque a Rainha da Criação é mais bela que o Reino... E se Deus, após ter criado o mundo, viu que todas as coisas que tinha feito "eram muito boas" (Gen. I, 31) e, como que satisfeito, "descansou no sétimo dia" (Gen. II, 2), o que se terá passado com o Menino Jesus? Maria é, como afirma São Luís Grignion de Montfort citando São Leão Magno e São Bernardo, o paraíso terrestre do novo Adão — Jesus Cristo — e o especialíssimo mundo de Deus, onde há belezas e tesouros inefáveis (cfr. "Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem", Ed. Vozes, Petrópolis, 6ª. ed., 1961, p. 19).

Podemos, entretanto, supor que no primeiro olhar que Jesus dirigiu a sua Mãe, Ele tenha movido seus bracinhos e feito pela primeira vez o Sinal da Cruz. E que Ela, entendendo perfeitamente esse símbolo do Sacrifício ao qual seu Filho estava destinado, com amor indizível, O tenha adorado naquele primeiro lance, vivo, crucificado e vitorioso.

Aqueles olhos divinos que se erguiam até Ela, haveriam de baixar ainda sobre a Virgem Santíssima no momento em que o Redentor exalou seu último suspiro no Calvário. Podemos imaginar o instante em que os dois olhares se cruzaram. A Terra era como que um oceano de pecado, naquele momento em que satanás alcançara aparente triunfo. Mas, havia para olhar algo de tão belo ou talvez mais, na despedida, do que quando o Salvador entrou para a vida humana: era a face de Maria Santíssima. E tal beleza excedia, em seu campo próprio, todos os horrores que no plano do mal O circundavam. O amor dEla era muito maior na linha do belo do que o próprio deicídio, no terreno do hediondo.

Ele desejou, portanto, um afeto de mãe quando abriu os olhos. E quis um afeto de mãe quando os fechou... Entre o primeiro e o último olhar de Jesus, que nexo magnífico! Que vinculação incomparável!

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Isso basta para se compreender o quanto vale o afeto materno e qual seu papel na formação dos homens. Pois todas as mães cristãs que nos precederam no sinal da Fé, eram convidadas a exprimir algo — uma como que cintilação — do que Nosso Senhor viu em Maria Santíssima. E assim, nas maiores alegrias, nas ternuras mais delicadas como nos abandonos mais terríveis, Convinha que a lembrança daquele olhar materno acompanhasse a cada um.

Como a proporção e a harmonia entre a grandeza e a bondade teriam se mantido entre os homens, se todas as mães permanecessem inteiramente mães, ou seja, católicas! Como a palavra doçura tomaria outro sentido! E como a majestade da dignidade materna seria grandiosa, e a luta de classes teria sido difícil numa sociedade em que a mãe soubesse ser autenticamente mãe de seus filhos! Em que todos, plasmados por mães como deveriam ser, soubessem exercer um papel análogo ao delas em relação àqueles que lhes são subordinados. E todos os que devem obedecer, agissem à maneira de filhos para com os que exercem o mando sobre eles.

A imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho, venerada em Genazzano, perto de Roma, exprime com adequação as relações entre o Divino Infante e sua Mãe Santíssima.


Para pessoas de bom gosto, um salão rolante

Nelson Ribeiro Fragelli

nosso correspondente

ROMA — Viaja-se muito de trem na Europa. A rede ferroviária de cada país é extensíssima. Para qualquer lado correm comboios, geralmente lotados.

Entretanto, o prazer de viajar quase desapareceu, porque se está esvaindo a ideia de conforto dos velhos tempos. Conforto, hoje, resume-se em ir de um ponto a outro da maneira mais rápida e sem nenhum contratempo. O que se vai tornando difícil conseguir nesta Europa cada vez mais socialista. Fazer uma excursão, por breve que seja, sem ser atrapalhado por uma greve, é felicidade rara! Greve de funcionários ferroviários, greve dos controladores do tráfego, greve nas usinas elétricas... eis um fim de semana estragado ou uma visita perdida.

Assim, ganhar tempo e atingir o destino sem interrupções de funcionários reivindicativos tornam-se o supremo conforto do viajante moderno. Os trens mais confortáveis são, portanto, os mais rápidos. Precisamente os preferidos por certo gênero de homens de negócios ou executivos.

Sisudos em suas poltronas, ocupam-se de relatórios, redigem memorandos, entretêm-se com suas pequenas calculadoras, consultam agendas, ainda que estejam atravessando o esplendoroso rio Loire povoado de castelos, as encostas nevadas do Mont Blanc, nos Alpes, ou percorrendo encantadoras aldeias austríacas: Não conversam. Se alguém arrisca um elogio a um castelo ou a uma abadia histórica que acabou de ver, é mais ou menos considerado como criança por esses "sérios" adultos.

Os vagões-restaurantes, onde até quinze anos atrás podia-se passar bons momentos diante de pratos e vinhos que alimentavam saborosas conversas, vão desaparecendo. O carrinho de sanduíches e biscoitos servidos com café sintético ou coca-cola está se impondo à generalidade dos trens.

Felizmente é preciso notar que na segunda classe dos comboios não expressos ou rápidos, ainda se encontra cor e sabor nas viagens, sobretudo na Itália. É um entra-e-sai contínuo de trabalhadores do campo, estudantes tagarelas, senhoras a tricotar e a bater língua bem mais rapidamente que agulhas, militares, pequenos comerciantes, professoras — todos sempre prontos a manter uma prosa. E conversa na Itália não existe outra senão a sonora e vivaz, agradavelmente animada por um fundo de sabedoria, própria a herdeiros do vigor com que floresceu outrora, nestas terras, a civilização cristã. Estão sempre informados sobre o Brasil, onde infalivelmente têm amigos ou parentes. E também prontos a discorrer sobre suas cidades ou aldeias natais, tão pitorescas e cheias de história.

Entretanto, as condições do mundo moderno forçam o europeu a preferir os expressos, rápidos e diretos. E assim o condenam a cair nas poltronas de certa categoria dos sisudos e insípidos homens de negócios. Ali, silencioso, quase triste, suavemente embalado pela marcha veloz e monótona do macio vagão, no sem-sabor da modernidade, por vezes o europeu hodierno é assaltado por nostalgias que frequentemente constituem as asas do sonho.

Assim é que precisamente um industrial — certamente mais saudosista do que homem de negócios — desejoso de desabafar seu gosto (e o de tantos outros) pelo viajar em grande estilo, resolveu ressuscitar o legendário trem das aventuras de romances, o Orient Express, entre Londres e Veneza. Os jornais de todo o mundo escreveram muito a respeito da insólita iniciativa, aliás muito bem sucedida.

Percorrendo depósitos de velhas estações ferroviárias, comprando arcaicos vagões-leitos e restaurantes, conseguiu recompor o Orient Express, tão semelhante aos primeiros quanto possível.

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O antigo Orient Express começou a circular em 1883. A viagem era então uma aventura que fascinava as mentalidades românticas do século XIX. Paris — Viena — Bucareste. O Danúbio era atravessado de barco. De novo por ferrovia, chegava-se ao Mar Negro, onde vapores austríacos, serenos como os grandes veleiros até havia pouco em uso, levavam os passageiros a Constantinopla dos contos incríveis.

Era ainda a época do bom gosto. A sociedade europeia admirava a pujança e influência dos impérios centrais. A Alemanha, sob o impulso da Prússia, se enriquecia e esforçava-se para se impor cada vez mais ao mundo, quer nos campos de batalha, quer nos salões. A colossal Rússia dos Czares ostentava um fausto que parecia deixar intimidadas as potências ocidentais. A gloriosa Áustria-Hungria, sob o cetro dos Habsburgos, tinha em Francisco José a figura do patriarca venerável que sustentava com garbo e doçura as tradições mais caras do Sacro Império. As três potências eram então fortemente marcadas pelos estilos ainda da velha França de antes da Revolução de 1789.

O Orient Express era de algum modo um salão imperial rolante, que, deixando as encantadoras margens do Sena, saudava o Danúbio e conduzia o europeu para as terras legendárias e por vezes insidiosas do decadente império otomano.

Os vagões-leitos eram recobertos pela boa tapeçaria oriental, iluminados por lustres de bronze e cristal. No restaurante podia-se encontrar cardápios variados e cozinheiros notáveis. Nos compartimentos de poltronas em fino couro marroquino e esmaltes franceses, movimentavam-se passageiros de todo gênero. Diplomatas ingleses, agentes governamentais, hindus, egípcios e árabes em costumes regionais, reservados alguns, misteriosos quase todos. Serventes e comissários multiplicavam suas amabilidades. Diz-se que espionavam, não se sabe precisamente para quem. Com frequência para lados adversários concomitantemente. Esse trem fantástico não servia apenas de salão para famílias em vilegiatura, mas também era palco de tramas comerciais, intrigas internacionais, contatos diplomáticos, foco de informações políticas obtidas em meio à fumaça dos charutos ou ao borbulhar da champagne. Crônicas da época relatam pactos ocultos ali firmados e até maquinação de crimes. Verdade? Romance?

Hoje, cansado da monotonia da civilização industrial, afogado no depauperamento geral dos estilos de vida, desejoso de respirar um pouco ares dos antigos esplendores, numa homenagem ao mundo do sonho, mesmo com a conotação de mistérios e perigos, restaura-se algo do brilho e da legenda do passado. Valores estes dos quais muitos de nossos contemporâneos têm confessado sentir saudades.

No Orient Express, muitos podem matar as saudades do luxo e distinção de outros tempos.


Repercussão internacional de documentos das TFPs

As sociedades de Defesa da Tradição, Família e Propriedade e entidades afins de treze países publicaram, a partir de 9 de dezembro do ano passado, em 46 jornais dentre os maiores de 17 nações do Ocidente, substancioso estudo em forma de Mensagem à opinião pública. Intitulado "O socialismo autogestionário: em vista do comunismo, barreira ou cabeça-de-ponte?", o documento é obra do conhecido pensador católico brasileiro Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional da TFP brasileira.

Seis diários, dos mais importantes de Paris, recusaram-se a estampar a Mensagem das TFPs. A empresa de publicidade proprietária de dois deles chegou a romper o contrato de publicação anteriormente assinado. Em face dessa situação, as treze TFPs lançaram, em 26 órgãos de imprensa dos principais de 12 países ocidentais, um Comunicado, também de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, intitulado "Na França: o punho estrangulando a rosa", chamando a atenção das nações do Ocidente para a atitude de poderosos órgãos de imprensa franceses — situados em posições ideológicas de centro-esquerda, centro e direita — os quais se negaram a transcrever o texto da referida Mensagem, sem alegar para isso nenhuma razão. O que faz supor o receio de tais empresas jornalísticas privadas de serem estatizadas pelo regime autogestionário de Mitterrand, caso estampassem o trabalho de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira (cfr. "Catolicismo", n.°s 373-374 e 376, janeiro-fevereiro e abril de 1982).

A repercussão internacional alcançada pela Mensagem e pelo Comunicado merece ser realçada, tendo as diversas TFPs recebido até o momento, a propósito desses documentos, um considerável número de correspondências, que já excedem o total de 8 mil.

Reagan responde

Por sua vez, o presidente da TFP norte-americana, John Russel Spann, enviou ao chefe do Executivo de seu país, Ronald Reagan, a Mensagem das treze TFPs, acompanhada de missiva datada de 20 de dezembro p.p.

O Presidente norte-americano, através de sua assessoria, remeteu em 5 de abril último ao Sr. John Spann a seguinte resposta: "O Presidente Reagan solicitou-me que agradecesse sua carta, que acompanhou a Mensagem das Sociedades de Defesa da Tradição, Família e Propriedade. Ele bem compreende a contradição entre os princípios que estão por trás das várias formas de socialismo e aqueles que sustentam o sistema norte-americano de liberdade. O Presidente considera com apreço a iniciativa dessa publicação, capaz de permitir assim aos outros de ver algumas das dificuldades inerentes ao abandono de nossas noções tradicionais sobre a liberdade humana". A carta é assinada por Anne Higgins, Assistente Especial do Presidente e Diretora do Setor de Correspondência.


Brasil, Argentina e Inglaterra face a um inimigo comum: o poderio soviético

Na qualidade de Presidente do CN da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família Propriedade — TFP — o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira dirigiu ao ilustre Presidente da República João Batista Figueiredo, um telex sobre alguns aspectos de peculiar alcance da guerra das Malvinas, para o Brasil e toda a América do Sul. Na missiva, datada de 4 do corrente, analisa ele também a eventual tomada de posição de nosso País ante aqueles aspectos da conflagração. Análogo telex foi enviado pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira ao Chanceler Saraiva Guerreiro.

Bem entendido, o título e os subtítulos não figuram na missiva e foram introduzidos no texto para a comodidade do leitor.

Ao divulgar a presente missiva, cumpre especificar aos olhos do público um ponto que fôra supérfluo realçar ao Sr. Presidente da República.

Grande e nobre é o sentimento da solidariedade continental entre as nações sul-americanas, unidas pela proximidade geográfica, como pela profissão comum da Santa Fé católica, pela afinidade da raça e a íntima semelhança dos idiomas.

Esta solidariedade nos leva a sentir como certo que a grande maioria da nação irmã argentina, vivamente ciosa embora dos seus direitos sobre as Malvinas, de nenhum modo aprovaria que daí resultasse a incursão de tropas soviéticas, "cubanas", ou outras análogas, em seu território nacional. E que a esta luz concorda sem subterfúgio com a máxima evangélica: "Quaerite primum regnum Dei et justitiam ejus, et haec omnia adjicientur vobis" — "Buscai primeiro o Reino de Deus e sua Justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo" (Mt. VI, 33). Não sabemos como, na eventualidade de julgar necessário para seu país o recurso de tropas comunistas, agiria o governo Galtieri. É certo, porém, que em nenhum caso a solidariedade internacional nos obrigaria a aplaudir que nosso Governo acolhesse em nossos portos, e fornecesse nossas riquezas, para tropas dos inimigos de Deus.

O Brasil ante a guerra das Malvinas

Senhor Presidente. — A leitura dos jornais torna claro que o agravamento crescente da crise anglo-argentina, concernente às Ilhas Malvinas, poderá colocar a qualquer momento nosso Governo em circunstâncias de tomar atitudes mais e mais próximas de um envolvimento. Diplomáticas de início, econômicas logo em seguida, podem essas medidas chegar a ser de tal peso no curso dos acontecimentos que, por fim, qualquer dos incidentes inesperados, tão frequentes numa guerra, pode afetar nossa Nação, a ponto de a arrastar a uma condição de beligerância, em que ela bem sente, entretanto, que não pode nem deve entrar.

O envolvimento que a Nação não quer

No momento em que estas e outras grandes cogitações da mesma ordem estarão por certo presentes ao espírito de V. Excia., a quem cabe a gloriosa mas gravíssima responsabilidade de fixar o roteiro que o Brasil há de seguir, está na índole da abertura política implantada por V. Excia. ao longo de seu mandato, que de V. Excia. se acerquem com respeito, direi mesmo com patriótico afeto, todos os setores da opinião nacional, a fim de que assim, no momento das graves deliberações, V. Excia. tenha presente o pulsar de coração do Brasil inteiro.

A TFP, e a fibra conservadora e cristã da opinião nacional

Entre essas correntes, Sr. Presidente, V. Excia. conhece que está a TFP, cuja voz se vem fazendo ouvir de ponta a ponta de nosso território, com ressonância suficiente para pôr em vibração — em muitos lances, com quanta intensidade! — a fibra conservadora e cristã que é uma das prestigiosas e incontestáveis componentes da mentalidade nacional.

Nessas condições, Sr. Presidente, peço vênia para manifestar a V. Excia. o que ocorre à TFP acerca da atual conjuntura internacional.

Presença naval soviética. Um símbolo. Uma ameaça

Está especialmente no ângulo de visão da TFP um dado da atual conjuntura, a que o noticiário dos meios de comunicação social não tem conferido todo o realce adequado: é — já antes da conflagração — a presença naval soviética nós mares sulinos, a qual permanece estável, tendo a seu alcance a zona que pouco depois entrou a conflagrar-se. E que tomou ipso facto o caráter de símbolo do firme propósito russo de tirar partido dos acontecimentos que se desenrolarem.

Tirar partido em proveito do que, Sr. Presidente? De modo óbvio, em favor da expansão ideológica e colonialista do poderio soviético.

Tentáculos soviéticos na Argentina — na América do Sul

Tirar partido onde? De modo também óbvio, não só nos frios e escarpados penhascos das Malvinas, porém, segundo os bem conhecidos estilos do expansionismo soviético, para se estender eventualmente Argentina adentro, até onde puder. Ou seja, para que os tentáculos de Moscou alcancem o querido país, nosso vizinho e nosso irmão. — E por que só ele, se tão mais longe, pela América do Sul inteira, estes tentáculos já se desdobraram, e em outras ocasiões estenderam o terror, a insegurança e a desordem?

As esquerdas se acercam da Casa Rosada

Essa simbólica presença naval russa, a despertar a esperança de um apoio pelo menos diplomático e econômico de Moscou e de seus satélites à Argentina, o consenso geral não tem duvidado em a relacionar com as sucessivas visitas dos embaixadores da Rússia e da China à Chancelaria, e com a ostensiva aproximação ocorrida na Argentina, diretamente em virtude da ocupação das Ilhas, entre o governo — até então militantemente anticomunista — do Gen. Galtieri e as esquerdas argentinas de toda sorte.

Mas onde Moscou espera algum proveito, nunca é de braços cruzados que o espera. E seu vezo de sempre, intervir, ora pela astúcia, ora pela força, para produzir ou apressar os acontecimentos dos quais conta depois auferir vantagem.

Uma vez desembarcados... quem de lá os tira?

E isto, ainda que o Governo argentino, como afirma, não tenha presentemente a intenção de pedir o apoio russo. Como se vê, esse apoio, concretizado na presença naval soviética, se posta prestativo no seu caminho. Nos vaivéns imprevisíveis de uma guerra, quem pode garantir que a ajuda episódica de uma força naval russa, de um momento para outro não seja útil, ou quiçá até indispensável, à Argentina? Para expulsar do território continental algum contingente britânico ali desembarcado, digamos... Descem então, muito naturalmente, os soviéticos, para uma mera operação de limpeza. Mas depois... depois quem de lá conseguirá tirá-los?

Uma vez desembarcados na Argentina os russos, o que inopinada mas facilmente pode ocorrer, se desenrolarão automaticamente, e como que em bobina, todas as consequências que, no mundo inteiro, se tornam plausíveis - e em quantos pontos se têm tornado reais - logo a partir da presença militar russa.

Antes de tudo, a velada remessa de novas tropas, se aos contingentes enviados a título de socorro não se reconhece desinibidamente uma crescente hegemonia. Depois... Depois... Para o entrever basta olhar para as consequências que, em longa esteira de humilhações e de dores, se têm desdobrado onde quer que tropas soviéticas deitem as garras. Para completar a previsão, é só excogitar aqui em que termos essa ameaça poderia concretizar-se dentro do atual panorama ibero-americano, mais especificamente dentro do atual panorama brasileiro.

As eventuais correrias de tropas russas, argentinas e inglesas ensejariam incursões em território deste ou daquele país vizinho. As incursões russas, favorecidas, bem entendido, por guerrilhas locais de inspiração comunista, se intitulariam de "libertadoras". E no país invadido, ficaria desfraldado o estandarte da subversão.

Com tudo isto, a esperança animaria e poria em ação os organismos comunistas e socialistas que Moscou mantém vivos em toda a América Latina, em todo o Brasil, Sr. Presidente. A "esquerda católica" se agitaria ainda mais atrevidamente, pregando mais ou menos veladamente a luta de classes, ao mesmo tempo que difundindo (com ardis dulçurosos todos seus) a inércia entre os não-comunistas. Por fim, os oportunistas, correriam de encontro ao sol que se levanta. E o terrorismo reabriria as feridas de outrora, em toda a América Latina, por meio de assaltos, sequestros, atentados!

Nos extremos confins desse horizonte macabro, a experiência dolorosa mostra que quem quisesse resistir a essa agressão do superpoder soviético teria de recorrer ao superpoder norte-americano. Era a vietnamização do Brasil, da América espanhola, que teria começado.

O que mais importa é preservar o Brasil, a América do Sul

Tudo isto, Sr. Presidente, conduz à conclusão de que, face à guerra das Malvinas, embora muito importe conhecer quem, em nome da Justiça, deve ficar com as Ilhas, se a Inglaterra, se a Argentina (e nossos corações de ibero-americanos propendem todos por esta última), algo importa mais ainda, incomensuravelmente mais. É saber se a Argentina, o Brasil, todo o Continente sul-americano continuarão inteiramente livres das ingerências, das intrigas, das ameaças, das incursões à mão armada, e por fim da hegemonia soviética.

Confiança em nossas autoridades

Bem sei que o quadro das consequências da tensão anglo-argentina não se reduz só a isso. Sei também que, para ponderar todos os outros aspectos da questão — numerosos, complexos, emaranhados — tem largo tirocínio e riquíssima bagagem informativa nosso atual chefe de Estado, em cuja preclara carreira de homem público figuram longos anos à testa do SNI.

Por isto, acerca de nenhum desses aspectos aqui cogito.

Acima de tudo, o Reino de Deus

Mas há uma máxima, Sr. Presidente, que os homens, arrastados no torvelinho das questões terrenas, são por vezes propensos a olvidar: "Quaerite ergo primum regnum Dei et justitiam ejus: et haec omnia adjicientur vobis" (Mt. VI, 33). Para o Brasil, para a Argentina, para os países irmãos da América do Sul, "procuremos antes de tudo o Reino de Deus e sua Justiça" e obteremos tudo o mais. Ou seja, acima de tudo mantenhamos afastado o inexorável inimigo de Deus, e a misericórdia deste nos galardoará com o resto.

Esta máxima evangélica, tão sublime e tão suave, não é habitualmente aquilatada em seu inteiro alcance pelos homens públicos de todo o mundo, nestes nossos dias laicos e agitados. Tornando-a presente a V. Excia., em espírito de cooperação respeitosa e cordial, estou certo de agir como melhor não poderia fazer o mais devotado de seus amigos, ou cooperadores.

E porque o veio cristão e conservador da alma brasileira é todo voltado para a observância enlevada dessa nobre e luminosa máxima, estou certo também de agir, quanto em mim está, para evitar ao nosso povo, dolorosos transes de alma, lembrando esta máxima ao Supremo Magistrado de meu País.

O povo brasileiro, ordeiro e inarredavelmente católico, por enquanto ainda desprevenido e tranquilo, que surpresa terá, Sr. Presidente, que vibrações de alma sentirá, e poderá extrovertidamente fazer sentir, caso as operações militares nas águas marítimas do Sul ensejem o desembarque de ingleses, e logo depois de russos, em território argentino! Russos, sim, russos soviéticos, os quais, na ordem profunda dos fatos, são inimigos tanto dos ingleses, quanto dos argentinos, como de toda nação que não professe seu tenebroso credo ateu, nem se resigne em lhes ser humilde escrava...

Que estranheza, que desconcerto, que sensação alucinante de estarem desidentificados da missão histórica da Terra de Santa Cruz, sentirão os brasileiros católicos e conservadores quando notarem que os recursos táticos da configuração geográfica do País, as riquezas de seu subsolo, de sua agricultura e de sua indústria estarão sendo úteis, em última análise, para desígnios dos inimigos de Deus, isto é, da superpotência ideológica e imperialista cumulativamente inimiga da Inglaterra, da Argentina, em suma, de tudo quanto não seja ateísmo e ditadura do proletariado!

A fim de poupar ao nosso povo o drama de consciência que agudamente sofreria com tudo isso, peço vênia para atrair para este ponto primacial a alta atenção de V. Excia.

Assim fazendo, mantenho-me fiel à vocação ininterruptamente seguida pela TFP, nestas décadas de atuação pública.

Queira V. Excia., Sr. Presidente, ver na presente mensagem o cristão patriotismo da TFP, bem como todo o desejo de cooperação que a anima em relação ao Governo nacional. É rogando pela pessoa ilustre de V. Excia., para que a graça de Deus o ilumine na procura das trilhas que seguiremos, e para que a Providência cumule de êxito a atuação de V. Excia. à frente do País, que com toda a TFP elevo preces a Nossa Senhora Aparecida, Rainha do Brasil.

A Ela suplicamos, acima de tudo, não consinta em que comunistas russos, inimigos de Deus, depois de eventuais andanças pelo território argentino, acabem por transformar em terra da foice e do martelo a Terra de Santa Cruz.

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

Presidente do Conselho Nacional

A agência UPI distribuiu esta foto do navio oceanográfico Akademik Knipovich entrando na bala de Ushuaia (extremo sul da Argentina), no dia 4 de abril p.p., informando que os russos estavam acompanhando os movimentos da frota britânica.

Em Belo Horizonte, propagandistas da TFP anunciam a carta do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira ao Presidente Figueiredo sobre a guerra das Malvinas.