Terceiro Segredo de Fátima: mistério para o público

A. A. Borelli Machado

O transcurso do 65.° aniversário da primeira aparição da Virgem Santíssima em Fátima torna oportuno recapitular o que se sabe a respeito das partes já reveladas do Segredo de Fátima, e descrever a singular trajetória percorrida até aqui pela terceira parte, zelosamente afastada do conhecimento público pelas Autoridades eclesiásticas, sob cuja guarda tem estado e continua até o momento.

Um pedido de Nossa Senhora, não atendido

Como é sabido, Nossa Senhora comunicou aos privilegiados Videntes, Lúcia, Francisco e Jacinta, no dia 13 de julho de 1917, um Segredo que não deviam contar a ninguém. As crianças sofreram inúmeras pressões para revelá-lo, mas sempre e constantemente resistiram do modo mais heroico. Os autores que escreveram a história de Fátima narram com vivacidade os maus bocados por que tiveram de passar as tenras crianças.

Francisco e Jacinta levaram para o túmulo o "seu" Segredo. O menino entregou sua bela alma a Deus no dia 4 de abril de 1919. Nossa Senhora veio buscar Jacinta para o Céu no dia 20 de fevereiro de 1920.

Ficou assim como única depositária do Segredo, Lúcia, a mais velha dos três Videntes, a quem Nossa Senhora conserva nesta vida para o cumprimento de uma missão. "Tu ficas cá mais algum tempo — disse Nossa Senhora a Lúcia, depois de lhe comunicar que levaria em breve Jacinta e Francisco para o Céu. Jesus quer servir-Se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração" (2ª. Aparição, 13 de junho de 1917).

Terminadas as Aparições, e após a morte de seus primos, Lúcia ingressou no Instituto de Santa Dorotéia. Como freira dessa Congregação, Lúcia teve diversas visões, nas quais lhe foi revelada primeiramente a devoção dos cinco primeiros sábados (visão de 10 de dezembro de 1925, em sua cela, na Casa das Dorotéias, em Pontevedra, Espanha) e posteriormente o pedido formal de Nossa Senhora da consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria, a ser feita pelo Papa em união com todos os Bispos do mundo (visão de 13 de junho de 1929, na Capela das Dorotéias em Tuy, Espanha).

Através de seus confessores e do Bispo de Leiria, a Irmã Lúcia fez com que o pedido de Nossa Senhora chegasse, ainda nesse ano, ao conhecimento do Papa Pio XI, o qual prometeu tomá-lo em consideração. Mas Fátima não tinha, nessa época, nem de longe a projeção internacional que depois adquiriu, e que vem desde então crescendo sempre mais, até os nossos dias.

Em 2 de dezembro de 1940 — já em pleno curso da II Guerra Mundial — a Irmã Lúcia dirigiu-se diretamente ao Papa Pio XII, em carta pessoal ao Pontífice, pedindo novamente a consagração do mundo ao Imaculado Coração, com especial menção da Rússia, e a extensão a todo o orbe católico da devoção dos cinco primeiros sábados. Em troca, a Santíssima Virgem prometia impedir a propagação dos erros da Rússia, converter esta nação, e abreviar os dias de tribulação com, que tinha determinado punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de várias perseguições à Igreja e a Sua Santidade, o Papa.

No dia 31 de outubro de 1942, em Radiomensagem a Portugal por ocasião do encerramento do ano jubilar das Aparições de Fátima (25.° aniversário), Pio XII consagrou a Igreja e o gênero humano ao Imaculado Coração de Maria. Em 1952, por meio de uma Carta Apostólica, Pio XII consagrou os povos da Rússia ao Puríssimo Coração de Maria.

Esses atos agradaram certamente a Mãe de Deus, como a Irmã Lúcia soube por uma revelação, mas infelizmente não preenchiam todas as condições postas por Nossa Senhora para o cumprimento de suas promessas. Em particular, faltara a solene união de todos os Bispos do mundo, ao ato de consagração feito pelo Santo Padre. Também é notório que a devoção dos cinco primeiros sábados consagrados ao Imaculado Coração de Maria não alcançou na Igreja uma propagação sequer comparável à das nove primeiras sextas-feiras, dedicadas à reparação das ofensas ao Sagrado Coração de Jesus.

O Segredo assume proporções de interesse mundial

Na carta de 2 de dezembro de 1940 ao Papa Pio XII, a Irmã Lúcia já apontava os frutos dessa consagração, como acima ficou dito: o estancamento da propagação do comunismo, a conversão da Rússia, a abreviação dos castigos materiais e espirituais que pendiam sobre a humanidade pecadora. Ora, estes pontos eram então inteiramente desconhecidos do público, pois constam justamente das partes do Segredo até então não reveladas.

Começa, pois, aqui a caprichosa e surpreendente história da divulgação dos famosos Segredos.

Em 1941, o Cônego Galamba de Oliveira, destacado elemento do Clero de Leiria, preparava uma nova edição de seu precioso livrinho sobre Jacinta. Para isso, julgou conveniente pedir ao seu Bispo que desse ordem à Irmã Lúcia de escrever tudo o mais de que pudesse ainda lembrar-se a respeito da vida de sua prima. A primeira edição do livro do Cônego Galamba estava baseado em duas Memórias já redigidas pela Vidente. A primeira, escrita em 1935, tinha em vista primordialmente narrar a vida de Jacinta. Na segunda, datada de 1937, a Irmã Lúcia se estendia um pouco mais sobre as Aparições de Nossa Senhora, e tornava públicas, pela primeira vez, as Aparições do Anjo.

Em atenção à nova ordem do Bispo de Leiria, a Irmã Lúcia acabou surpreendendo o mundo com a revelação das duas primeiras partes do Segredo. E a explicação era simples: ela não podia falar sobre a vida espiritual de Jacinta, toda centrada nos Segredos, sem manifestá-los! O relato é datado de 31 de agosto de 1941.

O Cônego Galamba de Oliveira intuiu acertadamente que a Irmã Lúcia, talvez constrangida por compreensíveis relutâncias interiores, não dissera tudo o que ainda tinha a dizer. Instou pois novamente o Bispo de Leiria que ordenasse à Vidente de fazer um histórico completo das Aparições: "Mande-lhe, Senhor Bispo, .... que escreva TUDO. Mas TUDO. Que há-de dar muitas voltas no Purgatório por ter calado tanta coisa". É a própria Irmã Lúcia que relata o episódio, ocorrido no Bispado de Leiria, e que deu origem ao quarto manuscrito — o mais completo — sobre as Aparições de Fátima. O precioso documento leva a data de 8 de dezembro de 1941.

Foi então — e só então — que os acontecimentos de Fátima, mais bem circunscritos, até então, a Portugal e a alguns ambientes católicos de outras nações, tomaram uma dimensão verdadeiramente internacional. Os livros sobre o assunto se multiplicaram por toda parte. Os principais autores, além de interrogarem as testemunhas ainda vivas, tiveram acesso aos manuscritos da Irmã Lúcia (os quais, entretanto, só vieram a ser publicados muito mais tarde, em 1973, por iniciativa do Pe. Antonio Maria Martins, S.J.).

As duas partes do Segredo, que começaram então a ser divulgadas a partir de 1942, tiveram o condão de projetar Fátima para o zênite das cogitações de todo o orbe católico, extravasando mesmo para o mundo não católico (em particular no mundo muçulmano, onde o nome Fátima, de origem árabe, parece despertar ressonâncias especiais: sinal promissor de conversão desse vasto mundo?).

Irmã Lúcia redige a terceira parte do Segredo

As obras de Deus, entretanto, caminham frequentemente devagar. Resta ainda por revelar a terceira parte do Segredo (ou, mais simplesmente, "o terceiro Segredo", como se costuma falar).

A este respeito, a primeira informação digna de registro é a da própria Irmã Lúcia, em seu quarto manuscrito, onde ela declara que "advertidamente" nele nada omitiu de quanto podia ainda se lembrar sobre as Aparições, salvo, evidentemente, a terceira parte do Segredo, que não tinha até então ordem de revelar.

Em princípios de junho de 1943, a Irmã Lúcia foi atacada por uma pleurisia, inicialmente leve, mas que logo se agravou, apresentando febre bastante alta. No começo de julho, ela já estava melhor, mas voltou a recair, em consequência de uma infecção provocada por uma injeção deteriorada.

A saúde da Irmã Lúcia preocupava o Bispo de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, e os que o rodeavam na Cúria episcopal. Decidiu-se ordenar à Vidente que redigisse a parte ainda desconhecida do Segredo.

A Irmã Lúcia redigiu o famoso Segredo entre o Natal de 1943 e o dia 9 de janeiro de 1944. O Segredo está escrito numa folha de papel e colocado dentro de um envelope, o qual foi em seguida lacrado. Mas apenas seis meses depois, no dia 17 de junho de 1944, a pedido do Bispo de Leiria, o Bispo titular de Gurza. D. Manuel Ferreira da Silva, dirigiu-se, com alguns acompanhantes que ignoravam sua real missão, a Valença, cidade limítrofe com Tuy, na Espanha (da qual a separa o rio Minho), e onde recebeu, das mãos da Irmã Lúcia, que para ali também se deslocara, o precioso documento. Na mesma tarde o recebe D. José em uma propriedade sua, em Braga. Mais tarde, D. José o colocou em outro envelope maior, também lacrado, e do lado de fora escreveu, de seu punho e letra: "Este envelope, com o seu conteúdo, será entregue a Sua Eminência o Sr. Cardeal D. Manuel, Patriarca de Lisboa, após a minha morte. Leiria, 8 de dezembro de 1945. † José, Bispo de Leiria".

O envelope foi colocado na caixa-forte da Cúria, e daí saiu apenas em raríssimas ocasiões, simplesmente para ser contemplado por fora por algumas pessoas privilegiadas. De uma dessas ocasiões é a foto do Bispo de Leiria tendo à sua frente o precioso documento (a qual reproduzimos, a título de ilustração, nesta página).

O Segredo no Vaticano

Ao remeter o documento ao Bispo de Leiria — a informação é do PE. Joaquín Maria Alonso (La verdad sobre el secreto de Fátima/Fátima sin mitos, Cor Mariae Centrum, Madrid, 1976, p. 37) — a Irmã Lúcia sugeria ao Prelado que ele mesmo o guardasse, dispondo que fosse entregue, após a morte dele, ao Cardeal Cerejeira, então Patriarca de Lisboa. Em conversas pessoais com o Cardeal, D. José quis confiar-lhe desde logo o, envelope, mas o Patriarca de Lisboa preferiu que o documento continuasse na Cúria de Leiria.

Espalha-se então a notícia de que o Segredo está escrito e só poderá ser aberto em 1960, ou após a morte da Irmã Lúcia (se isto ocorresse antes de tal data).

Como era natural, à medida que os anos iam passando, a curiosidade mundial em torno do Segredo ia aumentando. Em determinado momento, a Sagrada Congregação do Santo Oficio pediu ao Bispo de Leiria que lhe remetesse o documento, "para evitar que algo tão delicado, destinado a não ser dado "in pasto" ao público, fosse parar, por qualquer razão, ainda que fortuita, em mãos estranhas" ("La Documentation Catholique", Paris, n.° 1490, 19-3-67, p. 543). A declaração é do Cardeal Ottaviani; prefeito da referida Congregação, em famosa conferência dada em Roma, em 11 de fevereiro de 1967, na aula magna da Pontifícia Academia Mariana Internacional, numa reunião preparatória do Cinquentenário das Aparições de Fátima.

Ao que consta, a Sagrada Congregação pedira inicialmente (em princípios de 1957) à Cúria de Leiria uma fotocópia de todos os escritos da Irmã Lúcia. Como entre estes estava o célebre envelope lacrado, o Bispo de Leiria não quis abri-lo nem fotocopiá-lo, remetendo-o tal qual estava para a Nunciatura Apostólica em Lisboa. Foi portador o então Bispo Auxiliar de Leiria, D. João Pereira Venâncio. O que permite situar a entrada do documento na Nunciatura em Lisboa antes de 4 de dezembro de 1957, quando faleceu o Bispo D. José Alves Correia da Silva. O Pe. Joaquim Maria Alonso afiança com foros de certeza que o Segredo estava ainda na Cúria de Leiria em fins de fevereiro de 1957, e que na segunda quinzena de março já fora entregue ao Núncio em Lisboa (op. cit., p. 41).

Daí conclui o mesmo autor (cfr. op. cit., p. 42), que o documento teria chegado à Santa Sé ainda em tempos do Pontificado de Pio XII, o qual faleceu em 9 de outubro de 1958. O Cônego Sebastião Martins dos Reis, autor de vários livros sobre Fátima, e geralmente tido como seguro em suas informações, crê, entretanto, poder afirmar que o Núncio e futuro Cardeal Fernando Cento só levou o documento para Roma entre outubro de 1958 e fevereiro de 1959. O que tornaria pouco provável que Pio XII tivesse tido tempo de tomar conhecimento do Segredo. De qualquer modo, carecem de fundamento sério as notícias de que o Pontífice teria chorado, ou, segundo alguns, até desmaiado, depois de ter lido o Segredo. Nega-o, aliás, categoricamente, o Pe. Leiber, íntimo colaborador de Pio XII: "Isso é completamente gratuito. Não houve nada disso" (cfr. PE. J. M. Alonso, op. cit., p. 43).

O que é certo — e disto possuímos dois testemunhos insuspeitos —é que João XXIII leu o Segredo.

O primeiro depoimento é o do Cardeal Ottaviani, na citada entrevista, na qual declara textualmente: "O Segredo chegou, pois, à Congregação para a Doutrina da Fé [então denominada do Santo Ofício], e —sempre fechado — foi transmitido a João XXIII. O Papa abriu o envelope e leu-o. E embora o texto estivesse escrito em português, ele me disse em seguida, que o tinha compreendido inteiramente. Depois ele mesmo recolocou o Segredo em outro envelope, lacrou-o, e o pôs em um desses arquivos que são como um poço profundo, negro, negro, no fundo do qual os papéis caem e ninguém vê mais nada. Portanto, é difícil dizer agora onde se encontra o "Segredo de Fátima" ("La Documentation Catholique", n.° 1490, 193-67, p. 543).

"La Documentation Catholique" explica que o Cardeal Ottaviani havia distribuído um texto escrito de sua conferência, mas estando já com a vista muito fraca, falou sem o texto. Daí resulta que o texto pronunciado (que a revista extraiu de uma fita gravada) é muito mais longo e sensivelmente diferente do texto escrito.

Não dispomos de elementos para saber se o texto que acaba de ser transcrito foi dito de improviso pelo Cardeal, ou se já constava do texto escrito. O fato é que se a intenção do Cardeal, falecido em 1979, era abafar a curiosidade efervescente em torno do Segredo — como se depreende do contexto de toda a conferência — ele talvez se tenha deixado arrastar pelo empolgante do tema, e provocou um resultado inteiramente contrário ao desejado. Com efeito, qual seria esse “poço profundo, negro, negro, no fundo do qual os papéis caem e ninguém vê mais, nada?” É óbvio que palavras tão enigmáticas — e, por que não dizer, intrigantes — não podiam deixar de atiçar ainda mais a curiosidade do público em torno do momentoso tema.

* * *

Um depoimento mais recente veio, entretanto, lançar nova luz sobre o assunto. Trata-se de uma carta, datada de 20 de junho de 1977, de Mons. Loris Capovilla, ex-secretário particular de João XXIII, Arcebispo titular de Mesembria, atualmente residente em Loreto. Transcreve-a o Pe. José Geraldes Freire — a quem era dirigida — em seu livro O Segredo de Fátima: a terceira parte é sobre Portugal? (Santuário de Fátima, 1977, pp. 136137).

Declara textualmente Mons. Capovilla:

"1. No dia 17 de Agosto de 1959 o papa João XXIII recebeu das mãos do padre Paolo Philippe (então em Comissão do Santo Ofício) a carta guardada no Santo Ofício relativa ao chamado "Segredo de Fátima". E disse: "Reservo-me para a ler com o meu confessor" (Mons. Alfredo Cavagna).

2 — De facto, a leitura foi feita alguns dias depois. Mas, tornando-se ela difícil, mesmo por motivo de locuções linguísticas, foi pedido o auxilio do tradutor português da Secretaria de Estado, Mons. Paulo José Tavares (depois bispo de Macau).

3 — Foi dado conhecimento do conteúdo da carta a todos os Chefes do Santo Ofício e da Secretaria de Estado; e ainda a algumas outras pessoas.

De certeza, o Papa falou dele com os seus mais íntimos colaboradores.

4 — Depois da leitura do texto, o Papa fez uma nota pessoal, transcrita pelo seu secretário, Mons. Capovilla e incluída no sobrescrito que contém o "segredo".

5 — O Papa João não se pronunciou sobre o conteúdo. Disse que preferia remeter para outros (o seu sucessor?) a apreciação.

6 — O documento foi guardado na secretária do aposento de João XXIII, até sua morte.

7 — Paulo VI pediu informações sobre o documento logo após a sua eleição: não me recordo se em Julho de 1963 ou alguns meses depois. Pode presumir-se que tenha visto o "segredo".

Isto é tudo o que eu sei sobre o assunto".

Como se vê, Mons. Capovilla entra em detalhes que o Cardeal Ottaviani não esmiuçou. Quanto ao destino do documento, foi, durante anos — pelo menos durante o Pontificado de João XXIII — um simples móvel dos aposentos do próprio Papa. Não se vê bem como conciliar as declarações do Cardeal Ottaviani e de Mons. Capovilla, ambas pessoas muito bem posicionadas para serem tidas como corretamente informadas sobre o magno assunto.

Cabe ainda salientar, nas declarações de Mons. Capovilla, que o Secretário de Estado, então o Cardeal Domenico Tardini, também leu o Segredo, além dos colaboradores mais íntimos do Papa, entre os quais não há porque não incluir Mons. Capovilla, seu secretário particular. Assim, uma boa meia dúzia de personalidades, algumas das quais da mais alta categoria no Vaticano, tomou conhecimento do texto do Segredo. Dado importante a reter.

Por fim, registre-se a informação de Mons. Capovilla de que a leitura do Segredo por João XXIII se deu "alguns dias depois" de 17 de agosto de 1959.

Mensagem profética

Aproximava-se desse modo o ano de 1960, estabelecendo-se uma singular disputa — dir-se-ia uma, espécie de "queda-de-braço" — entre a opinião católica favorável à publicação do Segredo, e as autoridades eclesiásticas empenhadas em "esvaziar" as vantagens e a importância de sua revelação. De um lado e de outro se perfilavam — e ainda hoje se perfilam — as publicações e os autores católicos que vêm tratando do assunto.

Interessa acompanhar os diversos lances dessa disputa.

Em maio de 1955, o Cardeal Ottaviani esteve com a Irmã Lúcia, e obteve dela um esclarecimento importante a respeito da data apontada como marco para a revelação do Segredo. É o próprio Cardeal quem informa: "A mensagem não devia ser aberta antes de 1960. Perguntei a Lúcia: "Por que esta data?" Ela me respondeu: "Porque então ficará mais claro". O que me faz pensar que a mensagem era de tom profético, porque precisamente as profecias, como se vê na Sagrada Escritura, estão recobertas de um véu de mistério. Elas não são geralmente expressas em linguagem manifesta, clara, compreensível para todo mundo: os exegetas dedicam-se ainda hoje em dia a interpretar as profecias do Antigo Testamento. E que dizer, por exemplo, das profecias contidas no Apocalipse? "Em 1960 — disse-me ela — a mensagem se tornará mais clara" (cfr. "La Documentation Catholique", n.° 1490, 19-3-67, p. 542).

Outros lances ocorreram ainda ao longo das últimas décadas a respeito do Segredo. A descrição desses lances exigiria, entretanto, todo um estudo que ultrapassaria as dimensões deste artigo. Fica, talvez, para outra ocasião.


As duas partes conhecidas do Segredo

A FIM de que o leitor possa formar com mais facilidade uma ideia global de um assunto relativamente complexo e evitar assim que se constituam visões fragmentárias e dispersas a esse respeito, vão reproduzidas a seguir as duas primeiras partes do Segredo.

Primeira parte do Segredo: a visão do inferno

"Ao dizer estas últimas palavras — narra a Irmã Lúcia — [Nossa Senhora] abriu de novo as mãos como nos dois meses passados. O reflexo [de luz que elas expediam] pareceu penetrar a terra e vimos como que um grande mar de fogo e mergulhados nesse fogo os demônios e as almas como se fossem brasas transparentes e negras ou bronzeadas, com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que delas mesmas saíam juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados — semelhante ao cair das fagulhas nos grandes incêndios — sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizavam e faziam estremecer de pavor. Os demônios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosas e desconhecidos, mas transparentes como negros cavões em brasa".

A visão demorou apenas um momento, durante o qual Lúcia soltou um "ai!". Ela comenta que, se não fosse a promessa de Nossa Senhora de os levar para o Céu, os Videntes teriam morrido de susto e pavor.

Segunda parte do Segredo: o anúncio do castigo e os meios de evitá-lo

Assustados, pois, e como que a pedir socorro, os Videntes levantaram os olhos para Nossa Senhora, que lhes disse com bondade e tristeza:

Nossa Senhora: "Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração.

Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz.

A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra pior. Quando virdes uma noite alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre.

Para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja; os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas; por fim, o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-Me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz.

Em Portugal se conservará sempre o Dogma da Fé, etc.

Isto não o digais a ninguém. Ao Francisco, sim, podeis dizê-lo".

A esquerda: os três pastorinhos junto à igreja de Fátima, em 13 de julho de 1917, dia em que a Santíssima Virgem lhes mostrou o inferno e confiou o Segredo.

A direita: simples inscrição neste jazigo do cemitério de Fátima: "Aqui repousam os restos mortais de Francisco e Jacinta, a quem Nossa Senhora apareceu.

A fé no auxílio da Virgem externa-se na atitude desse peregrino em Fátima.

D. José Alves Correia da Silva, falecido Bispo de Leiria, tem diante de si o envelope contendo o bem guardado Segredo de Fátima, que deveria ter sido revelado após 1960.


Em dez anos, quatro prantos

Nos últimos dez anos o mundo conheceu vários avisos da Mãe de Deus, que Se manifestou através de imagens que choraram. Assim, em julho de 1972 verteu lágrimas em Nova Orleans (EUA) a Imagem Peregrina Internacional de Nossa Senhora de Fátima, já conhecida de nossos leitores.

Em 28 de julho de 1977, a UPI divulgava outro pranto de uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, na igreja do mesmo nome em Damasco (Síria).

Em 22 de abril de 1979, novo pranto, desta vez da imagem de Nossa Senhora das Necessidades da vila de Soalheira, em Portugal (cfr. "Catolicismo" n.° 344, agosto de 1979).

E, finalmente, o espantoso pranto de sangue da Virgem das Lágrimas em Granada (Espanha), conforme noticiamos na primeira página desta edição.

Sem entrar no problema da autenticidade e comprovação cientifica de cada uma dessas manifestações, observamos, contudo, um fato inegável para qualquer católico de boa fé: o mundo atual viola os Mandamentos de forma cada vez mais acintosa, o que de si justificaria que a Santíssima Virgem externasse de modo tão pungente o seu desagrado.

Imagem de Nossa Senhora das Necessidades, da vila portuguesa de Soalheira.

A imagem Peregrina Internacional de Nossa Senhora de Fátima que verteu lágrimas em Nova Orleans (EUA) em 1972.

À esquerda: Imagem de Nossa Senhora de Fátima, venerada na igreja do mesmo nome em Damasco (Síria).

A Virgem das Lágrimas, que no último dia 13 de maio chorou sangue (Granada, Espanha).