A praça de São Marcos, em Veneza — a feérica cidade italiana construída sobre as águas do mar Adriático — é de uma beleza que se situa nos limites da fantasia.
Sua incomparável harmonia torna-a semelhante a uma estupenda sala de mármore cujo teto é o céu, e cujas paredes são formadas por maravilhosos monumentos: Basílica de São Marcos, Fábrica Nova, Torre do Relógio, Procuradoria Velha...
Como sala bem decorada, a praça é acolhedora e recolhida. Sem os ruídos de veículos, os visitantes podem admirá-la com as centenas de pombos — tão domésticos que, frequentemente, lhes pousam nas mãos.
É riquíssima em cores: os mármores brancos da Procuradoria, o vermelho do Campanário (situado ao lado da Basílica e com 99 metros de altura, em estilo românico), as colunetas policrômicas, os mosaicos dourados e as cinco refulgentes cúpulas da Basílica.
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A Basílica de São Marcos é um dos mais admiráveis monumentos religiosos do mundo, tanto pela originalidade do estilo (no qual se nota a influência bizantina), como pela variedade e riqueza de seus ornamentos.
Construída no ano de 829 para guardar as relíquias do Evangelista São Marcos, o patrono da cidade, foi destruída por um incêndio em 976 e reconstruída pelo Doge São Pedro Urséolo.
A fachada da Basílica é, ao mesmo tempo, sólida e leve pelo incontável número de motivos decorativos de seus mármores e mosaicos, tendo sido concebida num estilo que certos espíritos pseudo-equilibrados reputariam perfeitamente extravagante. O plano inferior da fachada é essencialmente formado por cinco portas emolduradas por arcos românicos. Sobre a porta central, colocados em colunas de mármore, havia quatro cavalos de cobre dourado, de tamanho pouco maior que o natural.
Os cavalos foram trazidos de Constantinopla (atual Instambul, na Turquia), como despojos de guerra, por ocasião da IV Cruzada, quando era doge de Veneza o ambicioso Dândolo.
Fogosos, como que se precipitando no espaço, eles atraíam a atenção de todos os visitantes, e constituíam uma das obras-primas de Veneza.
Não há cavalo vivo que exprima tão bem as qualidades desta espécie animal, como aqueles de bronze.
Pois bem, eles foram de lá retirados não há muito, segundo notícia de um diário paulistano. — Fato sem maior alcance? Não. Precisamente o contrário, na ordem dos valores imponderáveis.
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Em que sentido?
A fachada da Basílica de São Marcos é um dos fundos de quadro do pensamento contra-revolucionário no mundo (entendido o termo de acordo com o ensaio "Revolução e Contra-Revolução" do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira). Não porque ela seja particularmente contra-revolucionária, mas pelo fato de esboçar um equilíbrio de beleza, de ornato com gravidade, que consiste numa das mais belas harmonias que têm sido até agora realizadas.
O estilo veneziano é, aliás, muito grave. Não se encontram nele os exageros da Renascença — como as musculaturas ostentadas nas obras de Michelângelo ou os sorrisos adocidados dos quadros de Rafael. A arte veneziana antiga é tão amena, distinta, nobre e atraente, que ela representa um dos pontos de equilíbrio mais elevados atingidos pelo espírito humano e — por que não dizê-lo? — do espírito católico. Mesmo quando não focaliza temas religiosos.
Aqueles cavalos, por exemplo, não constituem, de si, um tema religioso. Mas houve um olho católico que os viu e teve a arte suficiente para os fixar naquilo que se poderia chamar um superinstantâneo incomparável, um instantâneo mental.
Tocar, portanto, naqueles cavalos é violar um dos elementos que compõem o fundo de quadro no qual se consubstanciam as realizações contra-revolucionárias do espírito humano ao longo dos séculos.
Os cavalos estavam dispostos numa simetria hierática e viva. Não o hierático frequentemente frio, hirto, mumificado. Embora trazidos da capital do Império Bizantino, durante da IV Cruzada, os cavalos da Basílica já estavam como que incorporados ao panorama artístico de Veneza, num contexto verdadeiramente católico.
Substituídos por cópias — evidentemente estas jamais serão como os originais — os cavalos de Veneza deixam assim a fachada de São Marcos. Saem do palco, do mundo das legendas e das fábulas. São retirados do lugar onde deveriam sempre estar, para se tornarem peças de museu no interior da Basílica.
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Qual a razão alegada para essa medida? — A poluição.
Afirma-se, aliás, que devido a um conjunto industrial hipopotâmico de um bairro de Murano, vários palácios de Veneza (o Ca d'Oro, por exemplo) estão sob a ameaça de terem inundadas suas salas térreas. Não conhecemos as explicações técnicas do fenômeno, mas o fato, a ser real, é lamentável.
Como tudo isso deve causar dor à alma do verdadeiro católico, pois Veneza constitui uma das mais expressivas representações do maravilhoso que resta no mundo! E a Revolução igualitária e anárquica deseja extirpar da face da Terra tudo que é maravilhoso para substituí-lo por um mundo caótico, sujo e amoral, no qual vamos entrando.
À frente do grande arco central da fachada superior da Basílica de São Marcos, os quatro cavalos de cobre dourado dominavam a praça fronteiriça.
A homenagem indevida, a personagens sem mérito para tal, através da instalação de estátuas em praças públicas, é própria a suscitar as formas de censura mais variadas.
Já o Pe. Manoel Bernardes, clássico da literatura portuguesa do século XVII, refere-se ao assunto em sua conhecida obra "Nova Floresta", ao tratar de um fato ocorrido na antiga Roma. Ali haviam sido erigidos arcos triunfais e estátuas a diversos varões, sem que entre estes figurasse Catão. Como alguns amigos lhe apontassem a lacuna, o velho Catão respondeu: "Maior crédito meu é que perguntem os vindouros por que não me puseram estátua, do que por que a puseram".
Em Campinas, cidade paulista que conta com mais de 600 mil habitantes, não são os vindouros mas os próprios contemporâneos que se perguntam o porquê de um singular monumento erigido em homenagem a Josip Broz Tito, chefe do governo iugoslavo de 1946 a 1980, durante o qual, com mão férrea moveu dura perseguição à Igreja. Uma de suas vítimas, lembradas com veneração e respeito pelos católicos em todo o mundo, foi o Cardeal Stepinac, condenado a 16 anos de prisão em Lepoglava, onde morreu sem ter podido receber o chapéu cardinalício que lhe fora concedido pelo Papa Pio XII.
Tito procurou projetar-se, a partir de 1948, inaugurando uma forma atenuada de comunismo, desligada de Moscou, através de uma experiência autogestionária como fórmula capaz de atingir a longo prazo o regime marxista.
Para homenagear o chamado "Marechal de Ferro", como ficou conhecido Tito, o Consulado da Iugoslávia encarregou-se de oferecer à Prefeitura de Campinas o seu busto em bronze. Este foi colocado no orifício de um pedestal vazado, ladeado por duas "asas" com forma de "charutos" em alinhamento, e que fica situado na área agora denominada Praça Marechal Tito, um canteiro existente entre duas pistas asfaltadas no bairro Vila Nova, em Campinas.
Nessa cidade não há imigrantes de origem iugoslava, e ninguém soube identificar a Sociedade Amigos da Iugoslávia, cujo nome figura na placa do pedestal, como sendo uma das entidades promotoras.
De modo lacônico, a inauguração do monumento foi noticiada pelo "Diário do Povo" de Campinas (11-5-82). Diz a notícia, sob o título de "O fim de semana foi de inaugurações em toda cidade":
"O Prefeito Francisco Amaral cumpriu extensa agenda, entregando obras na periferia, estando nessa programação a inauguração do Monumento ao Marechal Tito. [...] A cerimônia contou com a presença do secretariado municipal, do cônsul geral da República Socialista Federativa da Iugoslávia, membros da Sociedade Amigos da Iugoslávia, autoridades estaduais e populares".
Na foto que ilustra a notícia da inauguração aparecem apenas 19 pessoas junto ao exótico pedestal. De modo diverso, provavelmente, a agência noticiosa de propaganda do PC na Iugoslávia deve ter aproveitado o evento, alardeando que no Brasil tal é o conceito de Tito que lhe levantaram um monumento...
O Poder Público utilizou espaço e dinheiro para exaltar a memória de um ditador comunista, ao qual a população de Campinas não sabe porque deve prestar homenagem, dedicando-lhe ampla praça e esdrúxulo monumento.
Realizou-se recentemente a 30.a Assembleia Geral Extraordinária da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, na qual foram eleitos os membros da mesa do Conselho Nacional e os da Diretoria Administrativa e Financeira Nacional, que deverão exercer seu múnus no biênio 1982-1984.
A mesa do Conselho Nacional ficou assim constituída: Presidente o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira (vitalício), e Secretário o Prof. Paulo Corrêa de Brito Filho. O cargo de Vice-Presidente permanece vago, como homenagem à memória do último titular, Prof. Fernando Furquim de Almeida, falecido no ano passado. O Conselho Nacional é formado por 13 membros natos, que são os sócios que assinaram a ata de fundação da entidade, em 1960.
A DAFN ficou composta da seguinte maneira: Superintendente o Sr. Plinio Vidigal Xavier da Silveira, Vice Superintendente os Srs. Caio Vidigal Xavier da Silveira, Eduardo de Barros Brotero e José Carlos Castilho de Andrade, e Vogais os Srs. Adolpho Lindenberg e Luiz Nazareno Teixeira de Assumpção Filho.
“A FRANÇA real é a França que sonha”, afirmou certo autor.
Levando mais longe a asserção, diríamos que toda e qualquer nação só tenderá à realização de sua missão histórica providencial na medida em que explicite seu próprio sonho, e o exprima em suas mais variadas manifestações culturais, artísticas, simbólicas, etc.
Sonho que não é quimera nem devaneio de fantasiosa imaginação doentia, mas sim sonho de realidades.
A cada povo corresponde um sonho. Na sucessão dos tempos, ele procurará transformar em realidade o sonho que lhe exprima as mais recônditas e autênticas aspirações de alma.
Se deitarmos os olhos em todos os povos que ficaram famosos na História, veremos como assim foi, porque, de algum modo, conseguiram conceber sua própria transrealidade de sonho, e concretizá-la efetivamente, em certa medida ou de certa maneira.
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Nesse sentido, Veneza serve-nos de exemplo dos mais eloquentes.
Consideremo-la no fastígio de sua glória, nos séculos XIV e XV.
A esplendorosa cidade dos doges vive toda voltada para as águas, procurando nelas o reflexo do modelo ideal de si mesma, e certa forma de beleza que aspira, mas não realiza inteiramente.
Vislumbra-se em todo o ambiente veneziano uma característica peculiar de sugestiva e enigmática melancolia, como de quem diz:
— "Eu, Veneza, sou linda nos meus palácios e monumentos, mas tenho tristeza por aquilo que não sou e vejo projetado em minhas águas".
É uma certa melancolia das águas paradas, do sonho não plenamente realizado, de um ápice não alcançado, mas que a cidade construída sobre a laguna esforçou-se para atingir em seus palácios.
E quando se passeia por seus canais, tem-se a sensação de se penetrar no mundo do sonho, numa cidade refletida nas águas... Isto porque Veneza tentou construir seu "sonho aquático"!
Ao mesmo tempo, dir-se-ia que ela guarda a convicção de que nunca os homens foram tão longe nessa meditação das águas, e na ponta de seu esforço ela descansa, a uma só vez gloriosa e tristonha, murmurando ao passante:
— "Ouvi! Eu tenho a felicidade que se pode usufruir na terra. Mas o melhor dessa felicidade está em sonhar, melancólica, com o mundo ideal que vejo refletido nas águas. Aprendei os mistérios da tristeza deleitável, da melancolia feliz, própria a esta terra de exílio, e vereis que em tais mistérios há mais felicidade do que em vossos risos".
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No píncaro de tudo isso, o espírito veneziano, católico e tradicional, assume a atitude de um contemplativo imerso numa outra existência, em direção à qual ruma a vida inteira. E com serena nobreza de alma o espírito tem a impressão de aproximar-se um pouco das fronteiras de uma como que cidade ideal, para além da qual se encontra o próprio Céu.
Veneza, a laguna, o mar! Quem não vê que o Adriático ali está como que a dizer aos venezianos:
— "Fazei ainda coisas mais belas, que eu, mar, virei expirar subjugado aos pés dos palácios e monumentos que construirdes!"
E a cidade, na festa da Ascensão de Cristo Nosso Senhor, de certo modo atende o pedido e aceita o desafio: o Doge, navegando pelo Lido na célebre gôndola Bucentauro (Casca de Ouro), realiza o simbólico desponsório da cidade com o mar, mediante a fórmula:
— "Desponsamus te, mare, in signum veri perpetuique dominii" (Desposamos-te, ó mar, em sinal de verdadeiro e perpétuo domínio).
A esquerda: na festa do desponsório de Veneza com o mar, o Bucentauro destaca-se ante a fachada do Palácio dos Doges, nesta pintura de Canaletto.
A Basílica e o Palácio dos Doges, na Praça de São Marcos, ponto monárquico da cidade das águas.
Embaixo: na praça de São Marcos, esvoaçam os pombos diante do esguio campanile junto à Basílica.
À direita: a torre marcada pelo leão do Evangelista, as figuras mitológicas que se perfilam sobre a colunata, o poste elegante com suas lanternas de luz dourada... em cada detalhe, a busca da perfeição. No conjunto, agradável harmonia. Veneza transforma em realidades seus sonhos.