Daniel Ortega, chefe da Junta de Governo da Nicarágua, durante a entrevista concedida à imprensa, em dezembro último, na capital equatoriana.
O correspondente de "Catolicismo" no Equador, Sr. Martin Viano, ao participar de entrevista coletiva concedida em dezembro último pelo chefe da Junta de Governo da Nicarágua, Daniel Ortega, na cidade de Quito, interrogou o líder sandinista sobre dois aspectos da revolução comunista vitoriosa naquele país. Primeiramente perguntou-lhe se era objetivo dos sandinistas exportarem o "modelo" nicaraguense para outros países da América Central, através da promoção de revoluções sociais. E solicitou que o chefe guerrilheiro esclarecesse se a Nicarágua auferiu ou não vantagens com a vitória da revolução sandinista — como aumento de liberdade e prosperidade econômica — pedindo-lhe para apresentar, caso pudesse, estatísticas controladas por técnicos alheios ao governo nicaraguense.
Ortega evitou responder com objetividade às perguntas, enveredando pela senda do despistamento e das evasivas:
"Eu gostaria de dizer que esta é uma acusação que temos sofrido por parte dos Estados Unidos, que não entendem realmente que as mudanças na América Central obedecem à injustiça econômica que experimentam nossos povos.
"Talvez convenha remontar um pouco à História para nos darmos conta de que, no século passado, a Nicarágua já sofrera intervenção norte-americana. E no início do século, também houve intervenções militares dos Estados Unidos. E não havia triunfado a revolução bolchevista e muito menos a revolução cubana. Há um pouco de subestimação da capacidade dos povos de poder determinar uma política de mudanças. E sempre se trata de atribuir a outro [a capacidade] (1) de impulsionar e produzir a transformação. Neste caso, dá uma revolução técnica.
"A revolução nicaraguense não foi feita para ser exportada, para expandir-se. A revolução, por princípio, não se pode exportar. As revoluções nascem onde há condições. Onde não há condições, simplesmente não pode haver revoluções. Não se pode criar — por assim dizer, de maneira forçada, artificialmente — as revoluções".
E inicia sua tentativa de responder à segunda pergunta formulando um estranho convite:
"Quanto aos benefícios da revolução nicaraguense, vá à Nicarágua, se não tiver ido lá...
"Há uma estatística, reconhecida por organismos internacionais — pela Unesco, por exemplo — sobre os êxitos alcançados pelas conquistas democráticas. [Um deles] foi alcançado poucos meses após a Revolução, com a campanha nacional de alfabetização. Aí se conseguiu reduzir o analfabetismo de mais de 50% a 10,7%.
"E outra estatística, reconhecida mundialmente, sobre algo que sistematicamente sucedia em nosso país e que era tido como normal: a morte de crianças com menos de um ano devido a poliomielite [o que não ocorre mais].
"Foi uma medida democrática. E a revolução procurou dessa forma erradicar essa mortalidade infantil [causada] pela poliomielite. E os organismos mundiais de saúde avaliaram, ratificaram essa conquista da Nicarágua. E há três anos que na Nicarágua não ocorre um só caso de poliomielite".
* * *
É importante consignar que as palavras de Daniel Ortega carecem de objetividade. No tocante à resposta dada à primeira pergunta, convém acentuar que a guerrilha sandinista contou, como é público e notório, com o irrestrito apoio de Cuba e da Rússia, sem o qual não teria alcançado êxito. Portanto, foi uma revolução exportada por esses países. Por outro lado, a revolução nicaraguense não constitui um fenômeno espontâneo, e sim resultado de um conjunto de fatores — uns naturais, como a inconformidade popular contra o governo precedente, outros artificiais e induzidos (2) — que foram canalizados e aproveitados pelos sandinistas para derrubar a ditadura de Somoza.
E quando o líder sandinista afirma que a revolução nicaraguense "não foi feita para ser exportada", nega a evidência. Pois é sobejamente conhecido o apoio concedido pelo governo da Nicarágua aos guerrilheiros de El Salvador.
Por si só, o caráter comunista do governo sandinista já o coloca na posição de propagador mundial de revoluções, pois o comunismo é internacionalista e utiliza-se de suas vitórias como trampolim para novas conquistas. E o caráter marxista-leninista da revolução nicaraguense foi abertamente reconhecido por Humberto Ortega, irmão de Daniel Ortega e ministro da Defesa, quando em outubro de 1981 declarou ao jornal "La Nación" (9-10-1981), de São José da Costa Rica: "Nossa força moral é o sandinismo, mas nossa doutrina é o marxismo-leninismo".
E a pobre enumeração de benefícios que o sandinismo teria trazido à Nicarágua, feita por Daniel Ortega, é de molde a provocar o riso até mesmo dos ingênuos. Empreender uma revolução sangrenta e alcançar como objetivos dignos de menção a redução dos analfabetos de 50% para 10,7% da população e a supressão da poliomielite, é ridículo.
Talvez Ortega não se sentisse à vontade para falar sobre os temas de liberdade e prosperidade econômica, como lhe foi solicitado nas perguntas formuladas, pois certamente já conhecia — e com que riquezas de pormenores — o conteúdo do relatório da "Comissão Permanente de Direitos Humanos" da Nicarágua, divulgado recentemente por Marta Baltodano, coordenadora da instituição. Segundo o referido relatório, em 1983 ocorreram 1.169 prisões sem causa justificada, além de 15 mortes, 207 casos de desaparecimento, 104 casos de tortura, 99 violações do direito de reunião e 46 violações da propriedade privada. O documento não se refere aos presos políticos, cujo número, entretanto, segundo referências do próprio ministro da Agricultura da Nicarágua, Jaime Weelock, atingia sete mil já em 1981.
Em virtude desses fatos e da evidente miséria reinante no país após a vitória do sandinismo, não é de se espantar que Daniel Ortega tenha evitado estender sua explicitação sobre as vantagens que a Nicarágua possa ter conquistado com a implantação do regime comunista...
(1) Todas as palavras colocadas entre colchetes visam tornar mais claras algumas expressões ou substituir falhas de gravação, durante a entrevista.
(2) Cfr. Péricles Capanema, "Nicarágua: conflitos entre Episcopado e governo?", in "Catolicismo" n° 362, março/ 1981).
O apoio russo à Nicarágua continua sendo notório, conforme atesta a presença do helicóptero soviético (foto acima), utilizado pelos sandinistas.
Em novembro passado, a TFP da Espanha distribuiu um comunicado à imprensa daquele país, assumindo enérgica posição em favor da iniciativa da Igreja de reiniciar o processo de beatificação e canonização dos mártires sacrificados pelo comunismo nos anos de 1936 a 1939.
Reproduzimos abaixo o texto integral do incisivo documento:
O anúncio feito pela Santa Sé — através do prefeito da Congregação para a Causa dos Santos — de reiniciar o processo de beatificação e canonização dos mártires do comunismo nos anos 1936-1939 provocou na Espanha as posições mais díspares. A respeito dos pronunciamentos eclesiásticos e civis contrários à reabertura dos ditos processos, a Sociedade Espanhola de Defesa da Tradição, Família e Propriedade — Covadonga apresenta ao público espanhol as seguintes ponderações:
1. A Igreja sempre considerou como de suma importância sua própria liberdade. Esta liberdade lhe vem do mesmo mandato de Jesus Cristo: "Ide, pois, ensinai a todas as gentes" (Mt. 28, 19).
2. Em consequência, a Igreja sempre se reservou o direito de exercer os atos de jurisdição espiritual, sem nenhuma pressão de caráter temporal. Entre estes atos, a beatificação ou canonização de pessoas mortas em odor de santidade figura como um dos mais característicos.
3. Assim, constitui uma verdadeira limitação da liberdade da Igreja a chuva de críticas por parte de personalidades eclesiásticas e civis contra a anunciada reabertura do processo de canonização dos católicos mortos no decorrer da guerra civil de 36.
4. Uma canonização ou beatificação não é simplesmente um ato de justiça praticado pela Igreja em relação a certos filhos insignes que morreram e que Ela considera dignos desta honra suprema. Há também outras considerações, como a necessidade de atrair a piedade dos fiéis para determinados intercessores, os quais, não sendo feita a canonização, permaneceriam no esquecimento e, em consequência, no desinteresse dos fiéis. A Igreja ao canonizar ou beatificar, propõe o santo como exemplo para os católicos. Não sendo feita essa canonização, privar-se-ia o povo de modelos enormemente necessários e valiosos.
5. A reabertura do processo de beatificação e canonização dos mártires tombados durante os anos da guerra civil é um primeiro passo para que sejam reconhecidos e proclamados pela Igreja numerosos martírios que, durante o Alzamiento, escreveram páginas gloriosas da História da Espanha. Este reconhecimento pode fazer um grande bem às almas e atrair muitas graças do Céu.
6. As manifestações das mencionadas autoridades eclesiásticas e civis, preocupadas unicamente com as eventuais repercussões políticas desta medida, não levaram em conta as considerações expostas acima. Com efeito, foi dito que tais canonizações dividiriam a Espanha. Convém acentuar aqui que não compreendemos qual possa ser esta divisão, pois, de duas uma:
a) Ou os comunistas evoluíram e hoje já não fariam o que fizeram nos anos da guerra; e, em tal caso, não há razão para que se sintam censurados pelo fato de que a Igreja condene uma ação que eles também condenam;
b) Ou os comunistas não evoluíram e, portanto, os de hoje fariam exatamente o mesmo que fizeram naquela época. Neste caso, é mais que legítimo que a Igreja procure alertar a respeito de sua nocividade a opinião pública nacional. E sem que se possa atribuir essa intenção principal nas canonizações em questão, é preciso dizer que tal efeito colateral tem bastante valor.
Quanto a nós, que não cremos em absoluto em nenhuma mudança do comunismo, parece-nos que este último não faz mais do que reconhecer sua fidelidade a si mesmo manifestando-se tão incomodado ante a referida atitude tomada pela Igreja.
7. Nestas condições a Sociedade Espanhola de Defesa da Tradição, Família e Propriedade — Covadonga protesta energicamente contra a onda de críticas que a notícia da liberação das canonizações causou, e manifesta seu mais caloroso aplauso às autoridades eclesiásticas que começaram a fazer justiça ao permitir o prosseguimento da canonização das vítimas do comunismo nos anos 1936-1939.
FOTOS DE SALESIANOS MARTIRIZADOS PELOS COMUNISTAS, encontradas no Cemitério de Valencia e facilitadas pelo Serviço de Recuperação de Documentos da Espanha: 1- Revmo. Pe. José Giménez; 2- Revmo. Pe. Antonio Maria Martin, Diretor das Escolas Salesianas de Valencia; 3- Revmo. Pe. Agustin Garcia; 4- Revmo. Pe. Julián Rodrigues; 6- Revmo. Pe. Recaredo de los Rios.