Eduardo Queiroz da Gama
Comemorando-se a 19 de março deste ano o 450° aniversário do nascimento do Bem-aventurado José de Anchieta, é particularmente oportuno ressaltar aspectos pouco conhecidos da vida e obra do extraordinário missionário, que tantos trabalhos empreendeu, além de oferecer ingentes sacrifícios para consolidar a vitória de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre o paganismo reinante em terras brasileiras, no século de seu descobrimento.
O estado de barbárie em que jaziam os indígenas de nosso País, quando aqui aportaram os primeiros portugueses, é descrito pelo próprio Anchieta em seu poema épico "De gestis Mem de Saa", composto para celebrar as glórias e feitos daquele Governador-geral do Brasil:
"Envolta, há séculos, no horror da escuridão idolátrica, houve nas terras do Sul uma nação, que dobrara a cabeça ao jugo do tirano infernal, e levava uma vida vazia de luz divina. Imersa na mais triste miséria, soberba, desenfreada, cruel, atroz, sanguinária, mestra em trespassar a vítima com a seta ligeira, mais feroz do que o tigre; mais voraz do que o lobo, mais assanhada do que o lebréu, mais audaz do que o leão, saciava o ávido ventre com carnes humanas" (1).
Hoje, ao contemplarmos um mapa onde se delineia o perfil geográfico deste imenso Brasil, aflora-nos, com justa razão, a ideia de que a conquista de território tão extenso e a conversão dos ferozes indígenas que o habitavam só pode ter sido obra de gigantes. E sabendo serem homens de estatura física comum aqueles que, por especial desígnio da Providência, descobriram, dilataram nossas fronteiras e trouxeram ao grêmio da Santa Igreja os bárbaros habitantes desta nação, resta-nos somente considerar que tais intrépidos varões eram dotados de almas insaciáveis de grandeza. De grandeza temporal, sem dúvida. Bem o demonstram as imensidões e riquezas que conquistaram. Mas, sobretudo, sôfregos de grandeza espiritual. Prova-o sua constante preocupação em manter nas vias da Fé católica a Pátria que construíram com desmedidos esforços.
Se o Brasil de nossos dias, apesar das graves e profundas crises — de ordem religiosa, política, social, econômica e cultural — que o abalam até os fundamentos, vai emergindo no panorama mundial como potência de primeira grandeza, devemo-lo especialmente ao vigoroso impulso dado pelos que iniciaram a obra de colonização e catequese. Não se contentando apenas em formar novo país, eles lançaram os fundamentos de uma grande nação.
Entre os que marcaram nossa História com o fogo de sua alma, o zelo de admiráveis trabalhos e a heroicidade de uma dedicação sem limites, eleva-se como gigante o Bem-aventurado José de Anchieta. De tal maneira brilhou este apóstolo da gentilidade, que constitui difícil tarefa comentar sua pessoa e obra no exíguo espaço de um artigo. Principalmente se tivermos em vista o elogio feito a ele pelo segundo Bispo do Brasil, D. Pedro Leitão, o qual conferiu ao Beato Anchieta o sacramento da Ordem: "A Companhia é um anel de ouro e o Padre Anchieta é a pedra preciosa" (2).
Um de seus primeiros biógrafos o descreve como "um José na castidade, um Abraão na obediência, um Moisés nos segredos do Céu, um Job na paciência, um Elias no zelo e um David na humildade. Um portento de maravilhas e um assombro do mundo" (3).
Em meio a tantos e tão belos atributos, preferimos consagrar nossos comentários a outros aspectos, como que olvidados pela História, a respeito do Beato Anchieta: sua indomável combatividade e o ódio à heresia, que o levaram a pregar e a empreender aquilo que se poderia denominar a primeira Cruzada em terras brasileiras: a expulsão dos franceses calvinistas do Rio de Janeiro.
A invasão à Baía de Guanabara ocorreu principalmente devido a motivos religiosos.
Anchieta caracterizou, mediante candentes palavras, esse ato de agressão: "De há pouco tempo, com o correr silencioso dos anos, erguem a cabeça altivos, e arrastados pela cobiça querem para si o que os lusos com grande trabalho alcançaram... Mais ainda: com o coração infeccionado pela heresia e com a mente opressa pelas trevas do erro, não só se afastam do reto caminho da crença, mas procuram perverter, com falsas doutrinas, os míseros povos índios, de todo ignorantes".
Combatidos na Europa pela Igreja e por Príncipes fiéis a Ela, muitos foram os protestantes que tentaram estabelecer-se no Novo Mundo. Apesar das múltiplas tentativas, não lograram se fixar no Brasil.
Acentuando-se na França do século XVI a divisão entre católicos e protestantes, um cripto-calvinista, membro da Ordem de Malta, o Vice-almirante Nicolas Durand de Villegaignon, auxiliado pelo Conde de Coligny, calvinista confesso, Almirante de França, empreendeu a invasão do Rio de Janeiro. Era intenção sua fundar a França Antártica, destinada "a servir a Deus de acordo com o Evangelho reformado e a servir de refúgio para todos quantos desejassem fugir às perseguições" (4).
Os franceses chegaram ao Rio de Janeiro em 10 de novembro de 1555, fortificando-se na ilha das Palmas, hoje conhecida como ilha de Villegaignon. A 10 de março de 1557, uma segunda esquadra, comandada por Bois-le-Comte, sobrinho do Vice-almirante, fundeou na Baía de Guanabara, trazendo reforços aos protestantes. Quatorze pregadores da doutrina calvinista, entre eles Pedro Richier, Guilherme Chartier, escolhidos pelo próprio Calvino, acompanharam Bois-le-Comte.
Após discussões a respeito da doutrina da pseudo-Reforma, alguns desses pregadores e outros calvinistas dissidentes foram obrigados por Villegaignon a retornar à França. Obnubilado pela pretensão de seu conhecimento dos Evangelhos — na verdade desvirtuado — Villegaignon estava mais propenso a fundar sua própria seita religiosa.
Não obstante essas querelas doutrinárias, desde o início os franceses mantiveram bom relacionamento com os índios tamoios, aumentando neles o ódio que já nutriam em relação aos portugueses. Sob a influência dos franceses, redobraram os tamoios os ataques às fazendas dos lusitanos e a aldeias de índios catequizados.
A notícia da chegada dos franceses preocupou enormemente os missionários jesuítas, principalmente o Beato Anchieta: "Deu esta nova muito que entender aos portugueses e índios daquela banda, e sobre todos a Anchieta e mais religiosos missionários, que consideravam introduzida guerra, dissipadora dos sossegos necessários para a conversão das almas" (5).
Devido à inoperância do Governador-geral Duarte da Costa, só com sua substituição por Mem de Sá, realizada em 1556 por D. João III, iniciaram-se os preparativos para expulsar os invasores do Rio de Janeiro. A nomeação de um homem da envergadura de Mem de Sá — a quem o Brasil deve sua estabilidade política dos primeiros tempos — ocorreu devido aos contínuos pedidos que o Pe. Nóbrega e Anchieta enviaram à Corte, solicitando que se adotassem medidas sérias e eficazes para livrar o Brasil da presença dos hereges.
A alegria com que os missionários, principalmente o Pe. Nóbrega e o então Irmão Anchieta, acolheram o novo Governador-geral, pode-se aquilatar por estas palavras: "Eis que, liberta dos perigos do mar e de há muito esperada, uma esquadra fundeia na baía a que todos os Santos legaram nome. Trazia, salva das fauces do oceano, um singular herói, de extraordinária coragem, Mem, que do sangue de nobres antepassados e de seiva ilustre de longa ascendência, herdara o nome de Sá".
Isto ocorreu no início de 1558. Em fins de novembro de 1559, enviado pela rainha D. Catarina d'Áustria (regente na minoridade de D. Sebastião, após a morte de D. João III), chega à Bahia Bartolomeu de Vasconcelos Cunha, comandando uma esquadra com reforços solicitados pelo Governador-geral.
Em janeiro de 1560, partia Mem de Sá para o Rio de Janeiro. Acompanhavam-no o Pe. Nóbrega e o incansável Anchieta, que comporia mais tarde seu poema épico, "De gestis Mem de Saa".
Mem de Sá chegou à Baía de Guanabara a 21 de fevereiro do mesmo ano. A ocasião era propícia para o ataque. Villegaignon encontrava-se na Europa (para onde retornara à busca de reforços, em fins de 1559), e Bois-le-Comte estava caçando em Cabo Frio. Entretanto, seu plano de tomar a fortaleza de surpresa, num ataque relâmpago, não pôde ser executado.
Logo após sua chegada, Mem de Sá aprisionou um navio francês surpreendido na baía. A pequena galé destacada para essa tarefa teve que enfrentar cerrado fogo lançado pelos canhões da fortaleza, os quais só silenciaram após providencial explosão num depósito de pólvora. O Beato Anchieta narra o episódio com um entusiasmo que poderá chocar progressistas de nossos dias: "A nau rendida é ligada à popa da nossa: a fortaleza tenta impedir-lhe a volta com projéteis incendiários, e o monstro de ferro vomita suas bolas de fogo. Com a ajuda divina, em vão as balas cortam os ares: antes, a pólvora explode no paiol inimigo devido a uma centelha, e o fogo em turbilhão num momento envolve e engole desprevenidos a sete soldados. Infelizes! Começam já a sentir as chamas do inferno em que os ímpios corações, manchados pela heresia, sofrerão o eterno castigo que seus crimes merecem".
Tal é a linguagem de um Bemaventurado, infelizmente quase desconhecida do grande público. Esta faceta da personalidade de Anchieta não terá sido silenciada porque ela se opõe frontalmente a um falso espírito ecumênico, reinante em ambientes católicos de nossa época?
Reconhecendo não ser possível tomar a fortaleza devido à falta de pequenas canoas para o desembarque, Mem de Sá pede ao Pe. Nóbrega que viaje a São Vicente a fim de consegui-las. A 15 de março, com a chegada das canoas repletas de índios, o Governador-geral iniciou o ataque, dominando a fortaleza após dois dias e duas noites de renhidos combates. Impossibilitados de resistir ao ímpeto dos portugueses, os franceses e tamoios refugiaram-se no litoral.
Dentro do forte, nenhum objeto religioso foi encontrado. Somente armas. E mais uma vez o indômito Anchieta, contrariando os espíritos eivados de um falso ecumenismo de nossos dias, increpa a heresia: "Entram finalmente nas casas desertas. Dentro se achava número enorme de munições, cuja força não pôde segurar os Franceses. Mas não se encontrava ali a imagem da cruz resplandecente, nem a dos santos que habitam o reino dos céus, por cujos merecimentos e preces o Rei supremo se inclina ao perdão e abranda piedoso a cólera justa e santa, protege os reinos terrestres e enche de dons abundantes as almas humanas. Encontrava-se aí um grande móvel, cheio de livros que encerram doutrinas crivadas de impiedades e erros. Martinho Lutero os compôs com mente perversa e mandou a seus filhos observá-los à risca. Enraivado, muitas blasfêmias arrojaram contra o Papa, Sumo Pontífice e contra a Igreja, Esposa de Cristo. Muitas outras vomitou de seus lábios impuros João Brêncio, raça de Lutero e digno de infâmia paterna; e o petulante Melanchton, de coração malcheiroso. Também aí estava a fera que os abismos do inferno há pouco arrotaram de suas vasas imundas, dragão inchado de todo o veneno que o mundo preparou em seus monstros. É Calvino, a serpente de coleio variado e horrendo, que abraça no rolo de suas espirais o forte, vibra olhares de fogo e agita a língua trífida em ruídos de morte. É este quem te protegerá contra a força celeste, ó ímpio francês?"
Imprudentemente, Mem de Sá não fundou nenhum estabelecimento português no Rio de Janeiro, o que permitiu aos franceses continuar vivendo entre os índios e receberem reforços de sua pátria. Por isso, a tranquilidade que gozaram os moradores das vilas de São Vicente e São Paulo de Piratininga foi transitória, pois os tamoios continuaram seus ataques a essas povoações.
Pouco depois, o Pe. Nóbrega e o Beato Anchieta partiram para Iperoig, a fim de ajustar um tratado de paz com aqueles índios. Alcançaram êxito no tocante às tribos mais próximas de São Vicente. Mas algumas do Rio de Janeiro, e principalmente as de Cabo Frio, continuaram hostis e sob influência dos franceses. Durante a mencionada estadia, como refém entre os tamoios, o Bem-aventurado Anchieta compôs seu famoso poema "De Beata Virgine Dei Matre Maria", escrevendo os versos nas alvas areias da praia.
Com a vinda do sobrinho do Governador-geral, Estácio de Sá, para o Brasil, recomeçaram os preparativos para expulsar definitivamente os hereges franceses da Baía de Guanabara. Após aportar na Bahia em fins de 1563, Estácio de Sá dirigiu-se para o Rio de Janeiro, onde fundeou sua esquadra fora da baía, em 6 de janeiro de 1564. Sem travar combates, navegou até São Vicente, a fim de consertar as avarias de suas naus e conseguir reforços. Quando partiu de Itanhaém a 22 de janeiro de 1565, recebeu as bênçãos do Pe. Nóbrega, que mandou o Beato Anchieta e o Pe. Gonçalo de Oliveira acompanhar o sobrinho de Mem de Sá. Anchieta seguia-o na qualidade de conselheiro.
Nos dois anos de combates que se seguirão, o Apóstolo do Brasil desempenhará saliente papel. Antes mesmo de começarem as batalhas, sua intervenção decidirá o rumo dos acontecimentos.
Atrasando-se a nau capitânea da esquadra, devido a maus ventos, os índios comandados pelo bravo cacique dos Termiminós, Araribóia — batizado com o nome de Martim Afonso (que já desempenhara grande papel nas batalhas de 1560) — impacientaram-se com a demora em iniciar os combates e com a falta de víveres. Era intenção deles voltar ao Espírito Santo, sua terra de origem, abandonando assim os portugueses. Descobrindo a causa do descontentamento, o Beato Anchieta tranquilizou-os, prometendo-lhes comida para logo, bem como a breve chegada da nau de Estácio de Sá. O taumaturgo e profeta, indicando um ponto no céu, afirmou que antes do pôr-de-sol já teriam chegado navios trazendo alimentos, e que a nau capitânea arribaria logo depois. O que realmente ocorreu.
Com essa milagrosa previsão, o Bem-aventurado Anchieta reteve preciosos combatentes para a santa guerra que ele mesmo incentivava.
A primeira providência que tomou Estácio de Sá quando chegou ao Rio de Janeiro foi construir uma paliçada em terra firme, fundando a chamada "Vila Velha", no morro "Cara de Cão", à sombra do Pão-de-Açúcar. Pouco depois de iniciados os combates, novamente o Beato Anchieta intercedeu para o bom andamento da empresa. Sendo os tamoios arqueiros temíveis, de força e pontaria prodigiosas, índios e portugueses começaram a temer-lhes as setas. Anchieta e o valoroso Pe. Gonçalo de Oliveira encorajaram-nos com ardentes palavras. Logo depois entravam os nossos na refrega, pondo em fuga tamoios e franceses.
Por ordens de seus superiores, o Bem-aventurado Anchieta seguiu a 31 de março de 1565 para Salvador, a fim de se ordenar sacerdote. Quando partia do Rio de Janeiro, Estácio de Sá pediu-lhe que convencesse o Governador-geral da necessidade de enviar reforços da Bahia para expulsar definitiva e rapidamente os hereges. Dessa missão desincumbiu-se o Beato Anchieta com sucesso.
Mem de Sá, em novembro de 1566, partiu para o Rio de Janeiro comandando uma esquadra para prestar auxílio a seu sobrinho. O Apóstolo do Brasil, recém-ordenado Sacerdote, com 32 anos de idade acompanhava-o, juntamente com o Beato Inácio de Azevedo (que morreria mártir em futura viagem de regresso ao Brasil). Este chegara a Salvador em agosto do mesmo ano, na qualidade de Visitador dos Jesuítas.
A esquadra de Mem de Sá aportou no Rio de Janeiro em 18 de janeiro de 1667. Após descanso de um dia, moveu-se um ataque definitivo contra os franceses, no dia 20 de janeiro, festa de São Sebastião, Padroeiro da recém-fundada vila. Estácio de Sá comandou a investida contra a principal praça do adversário, o forte de Uruçumirim, construído sobre o atual Outeiro da Glória. Nesse combate, recebeu uma flechada no rosto, vindo a falecer em consequência dos ferimentos, cerca de um mês depois.
Embora condoído com o ferimento mortal recebido pelo sobrinho, Mem de Sá prosseguiu a luta, expulsando os franceses da ilha de Maracajá (atual ilha do Governador), onde eles também se haviam fortificado. Alguns franceses ainda escaparam da morte, refugiando-se em Cabo Frio, sendo aí massacrados em 1575, por uma expedição comandada pelo então Governador da cidade do Rio de Janeiro, Antonio Salema.
O Bem-aventurado Anchieta assistira a toda essa luta comprazido, abençoando, rezando e incentivando os que defendiam a Fé católica contra o invasor calvinista.
É possível que os progressistas reprovem sua conduta, considerando-a extremada. Um Bispo esquerdista contemporâneo, como D. Pedro Casaldáliga, considerando a batalha pela posse da Baía de Guanabara, possivelmente tomaria o partido dos franceses. E não seria uma hipótese absurda esse Prelado dedicar-lhes algum poema, análogo ao que compôs em memória de "Che" Guevara...(6).
Bem diferentes eram as cogitações do Beato Anchieta. Para ele urgia empreender todos os esforços para expulsar o herege francês. Uma vez realizada essa tarefa, poderiam então ele e os demais missionários empenhar-se tranquila e ardorosamente na conversão e educação dos indígenas.
Concluída a missão de incentivar e apoiar a autêntica cruzada, que empreendeu com ardor militar, continuou o Apóstolo do Brasil a ingente tarefa de tornar realidade suas proféticas palavras:
"Já teu nome se espalha até aos confins do universo, ó Cristo, como torrente de penetrante perfume, chegando até aos Japões, os mais afastados da terra. Arrancada às trevas e iluminada pelo sol fulgurante da luz divina, também virá um dia adorar-Te a nação que se ceva agora em carnes humanas. A terra em que sopra o Sul, conhecerá o Teu nome e ao mundo austral advirão os séculos de ouro, quando as gentes brasílicas observarem Tua doutrina".
Com as bênçãos de Maria Santíssima e as preces que no Céu a Ela dirige o Bem-aventurado Anchieta, tais promessas um dia se cumprirão em sua plenitude — assim o esperamos — apesar das crises que hoje se acumulam como negras nuvens sobre nossa Pátria.
Notas
(1) Pe. Joseph de Anchieta, "De gestis Mem de Saa", edição comemorativa do IV Centenário do nascimento do Pe. Anchieta, Ministério da Educação, 1934, pg. 93.
(2) Celso Vieira, "Anchieta", Pimenta e Mello & C., Rio de Janeiro, 1929, p. 175.
(3) Pe. Simão de Vasconcelos, "A Vida do Venerável Pe. José de Anchieta", Lello & Irmãos, Editores, Porto, 1953, p. 90.
(4) Jean de Léry, "Viagem à Terra do Brasil", apud Augusto Tasso Fragoso, "Os Franceses no Rio de Janeiro", Biblioteca do Exército-Editora, Rio de Janeiro, 1965, p. 31.
(5) Pe. Simão de Vasconcelos, op. cit., p. 63.
(6) Plinio Corrêa de Oliveira, "A Igreja ante a escalada da ameaça comunista", Editora Vera Cruz Ltda., São Paulo, 1976, p. 20.
"O último tamoio" — Pintura de Rodolfo Olmoedo, Museu Nacional, Rio de Janeiro. — Poucos anos após serem derrotados no Rio de Janeiro, juntamente com os calvinistas franceses, os índios tamoios foram vitimados por grave epidemia que os dizimou inteiramente.
Casa em que nasceu o Apóstolo do Brasil, em São Cristóvão da Laguna, na ilha de Tenerife, arquipélago das Canárias.
Anchieta ainda moço. Quadro de pintor anônimo, que se encontra em Tenerife.
Desembarque no Rio de Janeiro — Relevo de D. Mastroiani. — Dando continuidade a sua cruzada, Anchieta chega ao Rio de Janeiro, em 1565. O Pe. Nóbrega o destinara para acompanhar o indômito Estácio de Sá, na qualidade de conselheiro.
O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira quando jovem constituinte.
Quando ocorreu, em 19 de março de 1934, o 4° centenário do nascimento do Bem-aventurado José de Anchieta, encontrava-se a Assembleia Constituinte em plena atividade. Eleito deputado pela Liga Eleitoral Católica àquela Assembleia, o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira encaminhou a seu plenário votação de uma moção especial em homenagem ao Apóstolo do Brasil. Em sessão realizada nesse mesmo dia, o insigne pensador católico proferiu ardente discurso em louvor de Anchieta, que reproduzimos a seguir. Desta forma, associamo-nos às comemorações que se efetuam, em nossa Pátria, pelo transcurso dos 450 anos do nascimento do grande taumaturgo.
* * *
Requerimento n° 1 — • Refletindo o sentimento unânime da população paulista, que reconhecendo embora em Anchieta um motivo de legítima ufania para todo o Brasil, sente-se, no entanto, ligado a ele de um modo particular pelo glorioso papel que teve na fundação de São Paulo;
• Considerando que, no dia 19 de março, o povo brasileiro, justamente empolgado, comemorará o IV Centenário anchietano com celebrações entusiásticas, altamente expressivas da admiração que vota ao Apóstolo do Novo Mundo;
• Considerando que, a essas comemorações, já se associou o Governo Provisório, declarando feriado nacional o dia 19 de março próximo;
• Considerando que a Assembleia Constituinte, por sua vez, não pode deixar de render o preito de sua admiração aos méritos e serviços do Padre José de Anchieta, que estão indelevelmente inscritos na gratidão de todos os corações brasileiros:
• Requeremos que, na ata dos trabalhos de hoje, a Assembleia Constituinte consigne o profundo reconhecimento da Nação brasileira àquele que lhe dedicou todos os tesouros de sua virtude invencível e de seu engenho fecundo, elevando nossa História, logo nas suas primeiras páginas, a um grau de beleza que nenhuma outra Nação, mesmo entre as mais famosas e antigas, se pode gabar de haver superado.
• Sala das Sessões, 17 de março de 1934.
- Plinio Corrêa de Oliveira — Alcântara Machado — Cincinato Braga — José Carlos de Macedo Soares — Oscar Rodrigues Alves — Th. Monteiro de Barros Filho — Roberto Simonsen — Almeida Camargo — A.C. Pacheco e Silva — Ranulpho Pinheiro Lima - Alexandre Siciliano Jr. — Carlota de Queiroz — M. Whatelly — Henrique Bayma - Cardoso de Mello Netto — A. Hyppolito do Rego — Abreu Sodré — José Ulpiano —Barros Penteado — A. Moraes Andrade.
• O Sr. Plinio Corrêa de Oliveira — Peço a palavra.
• O Sr. Presidente — Tem a palavra, para encaminhar a votação, o nobre Deputado.
• O Sr. Plinio Corrêa de Oliveira —(Para encaminhar a votação) lê o seguinte discurso: — Sr. Presidente — Tendo eu recebido, da bancada a que me honro de pertencer, a incumbência de, em breves palavras, para encaminhar a votação, salientar, perante esta Augusta Assembleia, a oportunidade e a inteira procedência de uma homenagem especial a Anchieta, assaltou-me a persuasão angustiante da inviabilidade da tarefa para que fora destacado.
Realmente, louvar virtudes às quais o povo brasileiro vota uma admiração que já hoje alcançou o seu apogeu; engrandecer feitos que têm em si mesmos, e nos resultados que produziram, a maior das glorificações, de tal forma que se torna fraca a voz da maior eloquência, diante dos fatos que elevam seu louvor acima de qualquer elogio; não será isto temeridade, principalmente no seio de uma Assembleia em que tantos espíritos de escol já têm aplicado seu talento em celebrar Anchieta em obras de um valor incontestável?
E, involuntariamente, aflorou-me ao espírito a pergunta que o Apóstolo do Novo Mundo colocou no introito do poema que escreveu na areia branca do litoral paulista: "Sileam an loquar, Sanctissima Mater".
Ele soube encontrar acentos próprios, para louvar a mais elevada das criaturas, Aquela que, cantada pelos profetas já antes de seu nascimento, viu-se chamar bem-aventurada por todas as gerações que lhe sucederam.
Deverei também eu procurar palavras novas, para celebrar aquele que, na grandeza de suas virtudes e na força de seu gênio, parece uma bênção viva dAquela a quem, com tanto amor, ele cantou?
Não, o louvor só é necessário quando o esquecimento começa a cobrir com seu musgo uma memória gloriosa, ou quando a calúnia cobre de lama uma reputação imaculada.
Nem o esquecimento nem a calúnia empanam o brilho da glória de Anchieta, que é hoje o sol que fulgura no zenith da História Brasileira.
Seu vulto se ergue nas cabeceiras de nossa História, presidindo à formação da nacionalidade, com seu vigor de herói, e com sua virtude de santo.
As figuras congêneres, que vemos nas nascentes de um grande número de nações famosas, brilham, em geral, num ardor agressivo de heróis selvagens e implacáveis, conquistando a celebridade ora em guerras justas, ora em inqualificáveis rapinas.
Sua existência é discutida, e suas grandezas são fantasias tecidas pelo orgulho nacionalista, que se dissipam inteiramente pelo estudo imparcial da História. E isto desde Rômulo até Guilherme Tell.
Anchieta, pelo contrário, entrou para a História em um carro de triunfo que não era puxado por prisioneiros e vencidos, e nem a dor figurou no seu cortejo, nem os hinos de guerra celebraram seu triunfo e nem as armaduras foram seu paramento.
• O Sr. Arruda Falcão — O vulto insigne de Anchieta se renova cada vez maior em todas as etapas de nossa história.
• O Sr. Plinio Corrêa de Oliveira — Serviu-lhe de traje a túnica branca de sua inocência imaculada.
Constituia-lhe o cortejo pacífico uma raça que arrancara da vida selvagem e defendera contra o cativeiro, e uma Nação inteira, que ajudara a construir para a maior glória de Deus, abrandando o rancor dos homens e das feras, na realização da promessa evangélica: Bem-aventurados os mansos, que possuirão a terra.
Mas eu disse mal, Sr. Presidente, quando afirmei que a dor não figurara no seu cortejo triunfal: era ela o nimbo que o aureolava. Era a dor cristã do pelicano, que enche de amargura o mártir e o Santo, mas banha em suavidade quantos dele se acercam.
Ele passara sua vida a distribuir rosas... e os espinhos, guardara-os para si, nas labutas do apostolado.
Em Anchieta, vas electionis, brotara uma flor de virtude, e esta flor, ele a semeou por todo o Brasil: é a mansidão suave ligada à energia serena mas inexorável, que é o eixo de nossa alma.
Em seu livro sobre Anchieta, refere Celso Vieira: na Ilha das Canárias há um monte de cujo cume o excursionista pôde contemplar, graças a um curioso fenômeno visual, sua figura, projetada em sete cores sobre o Céu, numa visão magnífica de glória.
Anchieta é vulto culminante de nossa História. E o fenômeno visual que Celso Vieira descreve, outra coisa não é senão o símbolo grandioso do seu destino, e da Nação que haveria de fundar.
No momento presente, o Brasil atingiu, no seu roteiro histórico, uma culminância de onde se divisam, ao mesmo tempo, sendas tortuosas que conduzem para vales sombrios, e caminhos luminosos para novas escaladas.
Convém, pois, que, nesta hora de tremendas responsabilidades, retemperemos a fibra na contemplação reconhecida do maior vulto de nosso passado, e que, desviando nossos olhares dos abismos que nos solicitam, olhemos para o alto num gesto de confiança em Deus, antevendo, projetada em sete cores sobre o céu do futuro, a nossa Pátria engrandecida pela plena realização de sua missão história providencial.
* * *
Em seguida, é aprovado o requerimento número 1, do Sr. Plinio Corrêa de Oliveira e outros. (Anais da Assembleia Nacional Constituinte, vol. 15, pp. 516 a 519).