Santiago Fernandez
Impelido pela força de sucção de sua meta radical, o furacão socialista autogestionário investiu contra as escolas na Espanha. O impacto foi mais sentido pelas escolas privadas, nas quais estão matriculados mais de 3.200.000 alunos — aproximadamente 38% da população estudantil —, sendo a maioria destes estabelecimentos de ensino mantidos pela Igreja.
A reforma do ensino, impulsionada pelo Partido Socialista Obrero Espanhol (PSOE), lesa a liberdade da Igreja e o direito —anterior ao Estado — dos pais sobre os filhos. Além disso, o Partido Socialista pretende impor gradualmente aos jovens educandos uma mentalidade — a autogestionária. E também uma doutrina — a socialista —, sob forma de slogans bem característicos.
Tudo faria pensar num embate renhido entre católicos e não católicos a respeito do assunto. Entretanto, considerando a arena desse enfrentamento ideológico, dir-se-ia estarmos diante de um touro sem chifres, de raça inferior, e de um toureiro sem capa nem espada.
Não estão presentes ainda as milícias marxistas para confiscar os bens da Igreja. Ou para recrutar adolescentes e fazê-los marchar pelas ruas com a efígie da foice e o martelo no peito, o punho ao alto, enquanto suas vozes infantis bradam sinistramente: "Não temos pai nem mãe, somos filhos de Lenine!" Ao menos por enquanto, isso não sucedeu. De futuro, ninguém sabe até que extremos pode atingir a marcha gradual da autogestão socialista (1).
Do lado católico, não faltaram os protestos de pais, professores, alunos, religiosos e até de Prelados. Porém, a chama hispânica parece evanescida. O repúdio não esteve à altura da ofensiva socialista. Virá a sê-lo ainda?
A disputa a propósito da Lei Orgânica do Ensino (LODE), como sucede na imaginária confrontação entre touro e toureiro, acima enunciada, parece dominada pelo poder talismânico do diálogo. Diante da complacência sorridente de autoridades eclesiásticas, os dirigentes socialistas avançam, tendo à sua frente o caminho aberto. Até que abismos poderá conduzir a Espanha tal diálogo entre a cúpula episcopal espanhola e o PSOE?
Em 12 de outubro de 1982, na iminência de eleições nacionais, a TFP espanhola publicou Carta Aberta ao Partido Socialista Espanhol-PSOE, sob o título: "O socialismo espanhol e a doutrina tradicional da Igreja" (2). Nela, a TFP ibérica expunha os pontos programáticos do PSOE — entre eles a reforma do ensino — perguntando aos católicos se conheciam esses pontos. Inquiria também se os textos do PSOE estavam bem interpretados. Por fim, o documento exprimia perplexidade ante a ambígua posição assumida pela Conferência Episcopal em face de um programa tão contrário à Igreja. A TFP espanhola prosseguia, com seu documento, a senda aberta pela célebre Mensagem de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: "O socialismo autogestionário: em vista docomunismo, barreira ou cabeça de ponte?" Tal Mensagem fora subscrita pela TFP hispânica juntamente com as outras doze TFPs coirmãs e autônomas.
O Partido Socialista ibérico não deu resposta à carta-aberta. A Conferência Episcopal não se pronunciou, e a palavra que in extremis poderia ter salvo a Espanha do Leviatã socialista não se ouviu. E o PSOE venceu as eleições, com importante — e talvez decisivo — concurso de votos católicos. De lá para cá, com férrea gradualidade, o socialismo vem aplicando seu programa. A matança dos inocentes, isto é, o aborto, foi aprovada pelas Cortes. A última esperança de ser evitada a promulgação da lei reside atualmente na decisão que deverá tomar o Tribunal Constitucional e, em última instância, o Rei Juan Carlos I.
A 28 de fevereiro do ano passado, o quotidiano madrilenho "ABC" anunciava na primeira página: "Sem religião nas escolas". Semanas depois, o ministro da Educação exibia o projeto socialista de ensino (3). Este expõe, logo de início, alguns princípios do socialismo autogestionário. E, prudentemente, numa primeira fase de aplicação, ainda tolera alguns vestígios do regime anterior. Vários artigos do projeto concedem ao Estado os instrumentos para a extinção gradual desses restos. As propriedades, de momento, não serão confiscadas, mas os proprietários de escolas privadas — instituições religiosas, na maioria — ficam reduzidos, na expressão de um religioso, "a varrer o pátio", e responder perante os tribunais trabalhistas por decisões cuja responsabilidade será de outros. Sim, por decisões que eles não tomarão, porque um conselho — não faltou quem o chamasse de soviet — assumirá, em virtude da lei socialista, o controle e a gestão da escola, mas não as responsabilidades...
O conselho autogestionário assume as funções que cabem ao proprietário da escola, podendo convocar este quando julgar necessário, sem conceder-lhe direito de voto. O conselho, constituído como assembleia, admite presidente, secretário e chefe de estudos nas escolas estatais, e diretor nas escolas privadas, nomeados pelo próprio conselho. Além destas figuras, formam parte do pequeno soviet delegados dos alunos, professores, pais, pessoal de serviço e uma representação minoritária do proprietário.
Poderiam os pais, professores e alunos entrar num acordo para preservar, dentro deste sistema, o caráter autônomo da escola? A lei, à sorrelfa, não deixa lugar a ilusões. O socialismo se reserva a regulamentação das associações de pais e de alunos, e instrui seus militantes para ingressar nessas associações e vinculá-las ao partido onipresente. Qual será a sorte dos professores privados, reduzidos pelo projeto a empregados estatais, quando o sindicato socialista UGT-FETE, já combinado com o partido socialista, fizer-lhes sentir suas pressões?
Pairando sobre as miríades de conselhos, o projeto estabelece um Conselho Escolar do Estado, espécie de Soviet supremo das escolas, com a participação de sindicalistas, representantes dos governos nacional e regionais, de universidades, personalidades do mundo pedagógico escolhidas pelo partido, e também representantes das escolas. Porém estes não poderão constituir maioria. Por sua vez, esse original Conselho supremo não exercerá poder decisório. Será apenas um órgão consultivo. O governo socialista decidirá todas as questões.
Para fechar o cerco às escolas privadas, o projeto socialista determina a suspensão das subvenções públicas aos estabelecimentos que não se submeterem. Estes, para subsistir, deverão aumentar drasticamente as quotas cobradas aos alunos. Ora, só reduzido número de pais poderá pagar tais quotas, levando-se em conta a escalada de impostos com que o regime vem sobrecarregando o contribuinte. As escolas que se submeterem serão obrigadas a fornecer ensino gratuito, ficando elas na inteira dependência financeira do governo socialista. "Enquanto houver um só vidro quebrado numa escola pública, não daremos uma moeda aos colégios privados", tinha já ameaçado o dirigente socialista Victorino Mayoral, durante campanha eleitoral (4).
A poderosa Federação Espanhola de Religiosos (FERE), que congrega sacerdotes, religiosos e freiras dedicados ao ensino, e a Confederação Espanhola de Centros de Ensino (CECE), que reúne a maioria dos proprietários de escolas privadas, mantinham uma atitude de diálogo e colaboração com o PSOE em matéria educacional. Assim o reconheceram o Pe. Martinez Fuentes, presidente do CECE, e o Pe. Aquilino Bocos, presidente da FERE. Este último também dera a entender que a entidade que preside verse-ia obrigada a denunciar possíveis abusos (5).
Ambas organizações se pronunciaram nesse sentido, quando a estarrecedora notícia do projeto chegou ao conhecimento do público, embora elas procurassem manter invariavelmente o clima de diálogo com o Partido Socialista.
A Conferência Episcopal Espanhola, em sua XXXVIII Assembleia Plenária, emitiu uma declaração sobre o assunto. Empregando uma linguagem branda — que não se coaduna com o grave risco a que estão expostas as escolas católicas em virtude da LODE — a Hierarquia espanhola aponta a falta de garantias para as escolas privadas, ocasionada pelo projeto quanto a: 1) salvaguarda da autonomia e da identidade desse tipo de estabelecimentos escolares; 2) preservação da autoridade de seus proprietários.
O Episcopado lamenta também no documento que se pretenda impor um modelo político a tais colégios (6).
As mencionadas FERE e CECE, na mesma época, formularam críticas doutrinárias, denunciando o caráter autogestionário do projeto.
Além das duas entidades, também apontaram a autogestão como princípio básico do projeto: 1) a oposição nas Cortes; 2) a Federação de Sindicatos Independentes do Ensino-FSIE; 3) a Confederação Católica de Associações de Pais de Alunos; 4) publicações privadas especializadas.
Muito incomodado, o Partido Socialista, sibilinamente, procurou, repetidas vezes, atenuar a acusação de que a lei é autogestionária, mediante a afirmação de que ainda não se trata da autogestão total (7). E Mons. Yanes, Presidente da Comissão Episcopal de Ensino, fez uma apreciação complacente da lei, afirmando: "Não se pode dizer, na verdade, que a LODE seja uma lei laica .... ou que seja uma lei que imponha a autogestão em sentido estrito" (8).
A convergência dialogante entre a cúpula episcopal e o Partido Socialista não conseguiu abafar um mal-estar difuso. As demonstrações populares de protesto começaram. Primeiramente, centenas de alunos manifestaram seu desagrado diante do Ministério da Educação. As autoridades socialistas, tão compreensivas e dialogantes com feministas e homossexuais em circunstâncias semelhantes, ordenaram à polícia que dissolvesse a manifestação estudantil. Os jovens se dispersaram em face da mobilização policial.
Sentindo o chão pouco firme, o PSOE imprimiu velocidade irrefletida ao debate parlamentar, apesar dos protestos de deputados oposicionistas. O Partido Socialista fugiu da polêmica pela TV (sob controle estatal) e ameaçou prolongar as sessões das Cortes durante as festas natalinas, se os deputados não aprovassem o projeto. Manifestações de pais católicos foram organizadas em Las Palmas, Bilbao, Valença, Valladolid e Santander. Simultaneamente, a esquerda sofria significativa derrota eleitoral na Universidade Complutense de Madrid, a maior da Espanha.
Em 17 de dezembro, centenas de milhares de católicos desfilaram em Madri, debaixo de chuva, protestando contra o projeto. Segundo os organizadores, participaram entre 800 mil e um milhão de pessoas. A polícia da prefeitura socialista contou 250 mil. Portando numerosos cartazes, os manifestantes bradavam: "Maravall [o ministro da Educação] demita-se, o povo não te admite!"; "Uh, uh, uh, a LODE para Moscou!'; "Liberdade, LODE não!"; "Maravall demita-se com Guerra e com Felipe [Gonzalez]", "Vai acabar a ditadura de Maravall!". O governo concedeu apenas duas horas para a realização da monumental passeata. Quando um grupo de alguns milhares de populares quis se dirigir ao Ministério da Educação, a força policial cortou-lhe o passo.
Nenhum Bispo compareceu a essa manifestação. Notou-se a presença apenas de poucos sacerdotes e freiras. O conjunto do Clero brilhou pela ausência.
Quão diferente atitude verificava-se, nesses mesmos instantes, em outra parte da capital espanhola! Grande incêndio lavrara num antro de perdição, na madrugada anterior, provocando a morte de 80 pessoas, que se encontravam sob o efeito de álcool e de drogas. O Vigário de Madri dirigiu-se ao necrotério judiciário a fim de celebrar missa pelos que haviam morrido no ambiente de orgia (9). E o próprio Arcebispo de Madri oficiou missa pública pelos falecidos no antro do pecado (10). Contudo, não se celebrou nenhuma missa para evitar que o socialismo autogestionário cortasse as cabeças dirigentes nas escolas católicas e se apoderasse das almas, desde a mais tenra infância! Tal atitude poderia prejudicar o diálogo com o governo socialista...
Seguiram-se manifestações contrárias ao projeto, análogas à de Madri, em Barcelona e Cadiz. E realizou-se extraordinária passeata de 100 mil pessoas em Sevilha, paradoxalmente bastião eleitoral do socialismo!
Entidades católicas, influenciadas fortemente pelo Episcopado, procuraram desviar a reação católica para a posição que representa uma "terceira via": o chamado "pactoescolar". Este, na prática, aceita o essencial do projeto socialista e propõe a cogestão como meio — inaceitável e inteiramente ineficaz — de deter a derrapagem rumo à autogestão.
Ante proposta tão entreguista, rejubilou-se o PSOE que continua a avançar, gradualmente, sem maiores concessões. Lançando mão do que se convencionou chamar de "rolo compressor", os socialistas conseguiram a aprovação do projeto na Câmara de Deputados. Atualmente, o projeto está sendo debatido no Senado. As entidades contrárias à LODE já manifestaram a intenção de apelar ao Tribunal Constitucional, caso ela seja aprovada pelas Cortes, isto é, o Parlamento espanhol. Neste caso a sanção e promulgação do projeto ficará suspensa até a decisão do referido Tribunal.
Para concluir, uma constatação: é lamentável que o diálogo, manipulado como instrumento de baldeação ideológica inadvertida, venha proporcionando enormes dividendos à causa marxista, diluindo as energias morais dos que tentam defender os vestígios de civilização cristã em terras hispânicas.
Notas
(1) Explicando a via gradual da autogestão, Luis Gómez Llorente, um dos teóricos do PSOE, desabafou: "Se eu sei que tenho um tipo de milícia mais ou menos popular, então se pode correr muito mais". — Sérgio E. Fanjul, "Modelos de transición al socialismo", Ed. Manana, Madrid, Col. Martillo Pilon, vol. 13, 1977, p. 33.
(2) "ABC", 22-10-83. Cfr. "Catolicismo", n°. 384
(3) "El Magisterio Español", n° 10708, 17-6-83; "Vida Nueva", n°s 1411-1412, 14 e 21-1-84.
(4) "ABC", 9-3-83.
(5) "El Alcázar", 4-3-83
(6) "Vida Nueva", 2-7-83
(7) "Vida Nueva", 2-7-83
(8) "Vida Nueva", n°s 1411-1412, 14 e 21-1-84
(9) "ABC", 18-12-83
(10) "ABC", 20-12-83
Flagrante simbólico do diálogo Igreja—PSOE: reunião dos Bispos Yanes, Delicado e Sebastian com o ministro da Educação, Maravall.
O ministro da Educação, José Maria Maravall, apresenta ao plenário das Cortes a Lei Orgânica do Direito à Educação (LODE).
A manifestação católica contra a LODE realizada em Madri, no dia 17 de dezembro p.p., reuniu cerca de um milhão de pessoas.
Abertura da XXXVIII Assembleia Plenária do Episcopado espanhol, em 20 de junho último. A Hierarquia emitiu nessa oportunidade declaração sobre a LODE.
Plinio Corrêa de Oliveira
Apesar de ter sido redigida a presente colaboração 29 anos atrás, é oportuno reproduzi-la junto com o artigo que analisa o projeto de lei socialista — exterminador da educação católica na Espanha. Embora sem promover sinistros desfiles infantis, como se vê abaixo, o PSOE pretende instaurar naquele país uma educação de cunho marxista, análoga à dos países comunistas, a qual extirpará das almas dos jovens o benéfico influxo da Igreja Católica.
Uma jovem camponesa de Castela considera, solícita e enternecida, o filho que tem ao braço.
Nota-se nela certa rusticidade, própria aos campônios. Mas uma rusticidade na qual é por assim dizer imperceptível a tal ou qual aspereza que o conceito de "rústico" contém. Pelo contrário, a vida do campo concentrou nessa jovem seus melhores efeitos. Seu semblante, seu porte, exprimem uma vigorosa plenitude de saúde de corpo e de alma. Mas uma plenitude à qual séculos inteiros de tradição cristã imprimiram seu cunho próprio. Nessa camponesa, que talvez saiba ler, há uma intensidade da vida de espírito, uma lógica, uma temperança, uma harmoniosa sujeição da matéria ao espírito, e ao mesmo tempo um frescor e uma delicadeza que só podem resultar de muita fé e muita pureza. Os traços fisionômicos, muito nítidos, são enérgicos. As sobrancelhas fortes, e de traçado muito definido, servem de moldura a um olhar penetrante e preciso. Mas há no rosto uma serenidade, uma candura, que o toucado alvíssimo parece acentuar com uma nota de louçania especial.
Trata-se de uma simples filha do povo. Mas de um grande povo, grandemente católico. Há nele tesouros de toda ordem, étnicos, históricos, morais, sociais, religiosos, que fazem desta humilde e altiva filha de Castela um modelo digno de despertar o talento de um grande pintor.
Todos estes tesouros estão voltados para a maternidade. Salta aos olhos o carinho delicadíssimo com que contempla seu filho, a consciência que tem de sua função protetora, a dedicação com que ela está por assim dizer mobilizada em todas as suas aptidões, em toda a sua capacidade de afeto (afeto profundo, sério, sem moleza, diga-se de passagem) em prol do filho que Deus lhe deu.
Feliz criança em cujo favor a Providência dispôs maravilhas da natureza e da graça, no desvelo de uma mãe pura e cheia de fé.
"Somos filhos de Lenin, não queremos pai, nem mãe...". Fazendo vibrar os ares com esta miserável canção, desfilam pelas ruas de uma cidade comunista estes pequenos escravos do Anti-Cristo, que trazem ao peito as insígnias de seu sinistro senhor: a estrela de cinco pontas, com a foice e o martelo.
São crianças que parecem formadas, não para uma vida civil comum, mas para a agressão, o insulto e a brutalidade. Nelas se nota que a capacidade de odiar foi despertada, excitada e fixada num grau de tensão habitual muito alto, para constituir nelas uma segunda natureza. Os olhos fitam a objetiva do fotógrafo, ou qualquer outro ponto do espaço, penetrantes de desconfiança, carregados de ódio. O andar deixa transparecer uma intenção malfazeja, que parece dar aos passos uma cadência feroz. Os transeuntes, que contemplam o cortejo, parecem animados de sentimentos análogos. Dir-se-ia filhos do ódio, cantando na cidade do ódio o hino do ódio!
E é bem natural que, para conseguir formar assim filhos da ira, se lhes tenha roubado o amor paterno e materno, se lhes tenha inspirado um ódio monstruoso contra a vida de família.
Piedade e impiedade, virtude e imoralidade, delicadeza temperante e forte, brutalidade desbragada e luciferina; em suma, civilização católica e comunismo, eis a alternativa trágica diante da qual o homem do século XX se encontra.