Em face da ação subversiva do Clero

TFP chilena põe em xeque o Episcopado de seu país

Cristóbal Varas

SANTIAGO DE CHILE. — O ano de 1983 foi árduo e difícil para o país. Depois de uma década de aparente consolidação política e econômica, diversas circunstâncias — tanto de ordem interna quanto externa — concorreram para que ele fosse sendo envolvido por uma atmosfera de confusão, de crises mais ou menos artificiais nos diversos planos da vida nacional, e de desalento em importantes setores da sociedade.

Paralelamente, a fermentação revolucionária latente nas diversas camadas sociais que durante o período pós-Allende desenvolveu-se devido à ausência de um sadio debate ideológico — emergiu subitamente à luz do dia, golpeando fortemente a sociedade chilena.

Foi o que se viu, no decorrer do último ano, a propósito das "jornadas de protestopacífico" convocadas por setores de esquerda, que conduziram o país a um perigoso estado de tensão e violência. Os alicerces da nação pareceram estremecer. A população pôde presenciar, atônita e confundida, as investidas sucessivas de uma esquerda que aparecia com força, "élan" e audácia inusitados. A delicada situação político-institucional do pais tornou-se conhecida além de suas fronteiras, e o continente inteiro percebeu com preocupação que o Chile estava arriscando seu destino de nação livre.

Como teria sido possível chegar tão subitamente a essa situação? Como pensar que a esquerda política — tão diminuída e desprestigiada após o levante cívico-militar contra o regime de Allende — por suas próprias forças pudesse pôr em xeque os setores sadios da nação? Por acaso haveria algum fator oculto, ou ao menos pouco realçado pelos meios de comunicação de massa, que desse a chave para explicar como se teria chegado a essa difícil situação?

Diversas vozes fizeram-se ouvir pela imprensa diária, tentando dar explicações convincentes, mas repetiam lugares comuns, apresentavam interpretações superficiais, ou abordavam temas secundários.

Os últimos dias do ano iam chegando, o clima político permanecia carregado, e as exigências da esquerda tornavam-se cada vez mais arrogantes. No dia 8 de dezembro — festa da Imaculada Conceição da Virgem Maria — ouviu-se uma clarinada de alerta em toda a nação. A Sociedade Chilena de Defesa da Tradição, Família e Propriedade-TFP publicou nas páginas do influente diário "El Mercúrio" uma Reverente e Filial Mensagem ao Arcebispo de Santiago, D. Juan Francisco Fresno, manifestando-lhe sua preocupação pelo rumo que os acontecimentos nacionais estavam tomando, e pedindo-lhe sua intervenção para solucionar o que constitui, na opinião da entidade, o maior e mais grave problema do país: a subversão eclesiástica. A carta aberta proclamava: "Em nome da Fé, pretendem levar-nos a um regime ateu, sanguinário e despótico, um regime títere de Moscou — A TFP documenta amplamente esta realidade e pede a Deus, à Virgem e à Igreja, remédio para tal situação, porque o Chile não quer sucumbir".

Pedindo vênia ao Sr. Arcebispo para "expor respeitosamente, com toda a franqueza que as circunstâncias exigem, um problema cuja extensão e gravidade cresce dia a dia", a TFP andina passa a apresentar "uma situação que dilacera nossos corações de católicos".

Crise político-institucional encobre subversão religiosa

Fazendo alusão aos profundos anelos de estabilidade institucional dos chilenos, a entidade afirma desassombradamente: "Uma parcela do clero muito bem colocada na estrutura eclesiástica de Santiago, tendo à sua disposição influentes meios de expressão da Igreja e aplicando técnicas e métodos característicos da guerra revolucionária total, prepara uma convulsão social e religiosa de um alcance que o homem comum nem em sonhos seria capaz de conceber".

A TFP explicita em seguida o que constitui o maior obstáculo para a normalização do país, afirmando categoricamente que o pressuposto fundamental da paz social consiste em eliminar radicalmente a infiltração esquerdista na Igreja e erguer as barreiras ideológicas contra o marxismo. "Se tudo isso se desse, o comunismo ficaria reduzido a uma mínima e controlável expressão. Este jamais conquistou por si só o apoio das maiorias. Sua nocividade torna-se terrivelmente contagiosa quando conta com a colaboração eclesiástica. Razão teve ‘Che’ Guevara ao afirmar que a identificação entre o catolicismo e a revolução a torna invencível".

Rumo à "nicaraguização" do país

A carta aberta da TFP assinala que "reduzido o comunismo a seu próprio tamanho, e erguidas, altas e ufanas, as barreiras ideológicas, morais e religiosas que defendem o povo contra o marxismo, torna-se fácil o entendimento sobre os destinos do país".

"Ao contrário, quando se cria o equívoco e a defesa dos direitos humanos se confunde com agitação social e liberdade para a guerrilha, catequese se confunde com marxismo e teologia com subversão, o problema da convivência pacífica torna-se insolúvel".

"Queira-se ou não, esta é a medula da crise chilena. Se a Igreja dissipasse com clareza meridiana tal confusão, a pacificação e a normalização institucional se tornariam objetivos acessíveis e fáceis de realizar. Mas se persistir este caos ideológico — cuja consequência lógica e natural é o caos político — as medidas de exceção serão inevitavelmente o único meio para tentar atalhar em seus efeitos o mal que não foi corrigido em suas causas".

"Do contrário poderemos cair na ‘nicaraguização’ do país, isto é, a implantação de um regime pró-comunista, com sacerdotes como Ministros de Estado, e com 'Igreja Popular' e 'comunidades de base' como células de apoio na opinião pública, as quais rapidamente se transformariam em organizações de delação e intimidação contra os adversários do regime".

"Portanto — adverte o documento — ou cessa a presente confusão ideológico-religiosa, ou não escaparemos à alternativa repressão-nicaraguização".

Na senda de uma guerra religiosa

No caso de a situação descrita continuar se agravando, as apreensões da TFP vão mais longe: "O grande medo que vem assaltando os chilenos consiste em perceber que o país encontra-se, não precisamente diante de uma explosão de descontentamentos populares, mas a poucos passos de um enfrentamento entre um ponderável setor da estruturaeclesiástica — que não duvidamos em considerar que seja o mais dinâmico — e o Estado. Ou — o que no caso concreto seria pior — diante da capitulação deste frente àquele.

"Pois, como veremos, está em germe uma guerra religiosa muito singular, na qual se invertem os papéis tradicionais: a instalação de uma pseudo-ordem cristã correria esta vez por parte da religião, e a defesa de resíduos cristãos da Civilização Ocidental, por parte do Estado".

Não há subversivos mais radicais que certos sacerdotes

A valorosa TFP andina constata logo "com tristeza, sim, mas com toda clareza", as atitudes escandalosas de uma parte importante do clero de Santiago, e passa a documentar amplamente esta realidade, citando trechos de boletins dependentes do Arcebispado de Santiago, e que se difundem amplamente em 60 paróquias populares, situadas em zonas onde as desordens, durante o ano, atingiram maior violência.

A gravidade das afirmações feitas nas referidas publicações "deixa claro que no Chile não há atualmente instituição nem pessoa alguma tão radicalmente subversiva quanto o são alguns eclesiásticos. Enquanto os partidos políticos e os dirigentes sindicais fazem esforço — ao menos na aparência — para moderar suas posições, o setor do clero mais diretamente ligado a certa 'pastoral aggiornata' avança sem inibições até o extremo do esquerdismo".

Alerta da TFP repercute em todo o país

Um manifesto desse porte, escrito com tanta reverência e respeito, mas chamando as coisas por seu nome, e abordando em profundidade a medula da crise chilena nos dias presentes, publicado numa data tão simbólica para os católicos — festa da Imaculada Conceição — não podia deixar de impressionar a nação.

O impacto foi enorme, e não demorou em fazer-se sentir através das mais variadas repercussões e dos mais borbulhantes comentários. O país estremeceu de norte a sul. Boa parte das conversas girou em torno do tema. Ficaram relegados a um discretíssimo segundo plano os debates sobre economia, tão enaltecidos pela imprensa; os devaneios de velhos políticos com um público que até agora se lhes mostra tão apático; e os débeis lances publicitários de uma esquerda política desgastada e sem originalidade. As conversas nos escritórios, nas rodas de família, e até nos pitorescos cafés que se alinham em torno do passeio central Ahumada, giraram em torno da polêmica político-religiosa levantada a propósito do manifesto da TFP. O país real, o Chile verdadeiro, pôde manifestar-se amplamente, deixando esquecido, por assim dizer, o "país aparente", que os desgastados clichês publicitários, sem relação com os reais problemas do país, procuram apresentar.

As numerosíssimas cartas de apoio, cupons de pedido, chamadas telefônicas e visitas recebidas na sede principal da TFP — situada na Avenida Holanda, em Santiago — tiveram o caráter de um verdadeiro plebiscito em favor do manifesto da TFP andina.

Réplicas do Arcebispo de Santiago e autoridades eclesiásticas

Diante de tão graves acusações formuladas pela TFP, e do respeitoso pedido a D. Juan Francisco Fresno para que tomasse medidas enérgicas para o bem do Chile, a opinião nacional esperava avidamente uma resposta da autoridade eclesiástica.

Durante uma cerimônia religiosa, no mesmo dia da publicação da carta aberta, os repórteres presentes interpelaram o Arcebispo de Santiago sobre o tema. "Não li ainda o documento de Fiducia", respondeu, acentuando as palavras e insinuando que não desejava ser consultado a respeito. No dia seguinte, D. Fresno, juntamente com os demais Bispos do país, iniciava uma reunião na casa de retiros de Punta de Tralca, o que o manteria distante de Santiago por vários dias.

Enquanto crescia a expectativa — e embora o Secretário geral da Arcebispado houvesse adiantado que "haveria uma resposta" — no quinto dia após a publicação, o Departamento de Opinião Pública do próprio Arcebispado emitia uma declaração, evitando abordar o mérito do grave assunto levantado. "Denunciamos — lamentava-se — que através destas campanhas procura-se, num sentido ou outro, constituir na Igreja Católica chilena um magistério paralelo".

"Não cruze os braços, Monsenhor!"

Sob este título, a réplica da TFP não se fez esperar. No dia seguinte, os diários destacavam trechos significativos da mesma: "Qualquer juízo que fosse emitido sobre a conduta da TFP só poderia ser considerado sério e eficaz sob a condição de responder clara e categoricamente as seguintes perguntas: a) os fatos expostos na Mensagem a D. Fresno estão documentados?; b) São verídicos?; c) Estão objetivamente analisados?"

"Com efeito — assinalam — é estranhável que em relação a este documento se proceda do mesmo modo que com "La Iglesia del Silencio en Chile", evitando cautelosamente o mérito do assunto".

Curiosa confissão

Em entrevista de imprensa durante o encontro episcopal de Punta de Tralca, o presidente da Conferência Episcopal Chilena (CECH), D. Bernardino Piñera, ao ser consultado sobre o pronunciamento da TFP deu uma resposta desconcertante: "De certo modo, todos nós nos estamos infiltrando uns aos outros. Porque as ideias circulam por todo o ambiente. Todos nos infiltramos. Provavelmente também há uma infiltração cristã nos grupos marxistas, como pode havê-la de marxistas em grupos cristãos. Quer dizer, uma infiltração no plano das ideias, da influência, é inevitável e é bom que ocorra".

Diante de tão inédito reconhecimento de causa, e dada a alta investidura do declarante, a TFP decidiu, no dia 22 de dezembro, através do "El Mercúrio", pedir um esclarecimento público de D. Piñera: "Respeitosa interpelação ao Sr. Presidente da Conferência Episcopal Chilena: "Boa", a infiltração de ideias e influência marxistas na Igreja?"

Nela se afirmava que, "como não houve desmentido das declarações de D. Piñera — que nos conste — elas causaram verdadeiro estupor. Pedimos com todo respeito um esclarecimento ou uma confirmação das mesmas".

Porque, "como pode ser bom que se propugne entre os católicos uma doutrina que nega a Deus e pretende erradicar seu culto da face da terra, dissolve a família e prega o amor livre, conculca o direito de propriedade e destrói a ordem social, mente, mata, tortura e vulnera todos os direitos de Deus e dos homens como jamais se ousou fazê-lo na história da humanidade?"

"Se nos deixarmos levar pela sã lógica, deveríamos concluir que estamos diante do que Paulo VI chamou de 'misterioso processo de autodemolição da Igreja'. Porque, que maiorexemplo de autodemolição pode haver que o de um Arcebispo comprazer-se com a difusão do câncer mortal comunista na alma dos fiéis?"

A Rádio Moscou arranca a máscara

Tanto em Santiago quanto no resto do país, a polêmica levantada pelas publicações da TFP alcançou grande repercussão. Um conhecido líder operário pediu recentemente às autoridades da Igreja que esclareçam os fiéis sobre as denúncias formuladas, "porque julgamos que a Igreja não pode fazer política, e se nosso pedido não for atendido enviaremos uma nota ao Sumo Pontífice".

Por sua vez, o secretário geral da CECH, D. Contreras, entrou na polêmica tentando, de modo exacerbado, desqualificar o documentado estudo da TFP. A entidade ofereceu uma réplica imediata às declarações do Prelado progressista.

Mais sintomática, porém, foi a atitude extremada assumida pela Rádio Moscou, que num recente programa denominado "Escucha Chile" externou sua indignação em face das atitudes públicas da TFP. Certamente, constitui um fato extraordinariamente significativo e revelador que a emissora do Cremlin, a qual defende a causa do comunismo internacional, venha em auxílio do Arcebispo de Santiago e manifeste tanto furor contra a TFP andina.

Na cidade de La Serena, a 600 Km ao norte de Santiago, cooperadores da TFP chilena realizam uma brilhante campanha.

Em Santiago de Chile, milhares de manifestos foram distribuídos nos pontos centrais da cidade.