HÁ VINTE e cinco anos, em abril de 1959, o n° 100 de "Catolicismo" apresentava a bela imagem gótica de Nossa Senhora de Marthuret, ocupando toda a primeira página. Título: "Revolução e Contra-Revolução". Autor: Plinio Corrêa de Oliveira. Nossa folha honra-se de ter estampado em suas páginas, pela primeira vez, um estudo de tanta transcendência.
Neste quarto de século de existência, a irradiação do extraordinário ensaio de autoria do Presidente do Conselho Nacional da TFP, à maneira de um raio de luz, vem clarificando os espíritos de muitos, turbados pelo ambiente de confusão e obscuridade criado pela Revolução em nossos dias.
Essa obra do grande pensador católico foi, de início, o livro de cabeceira dos sócios e cooperadores da TFP de nossa Pátria. No decorrer desses vinte e cinco anos, tornou-se ademais a pedra angular doutrinária de mais de uma dezena de sociedades coirmãs, em quatorze nações.
Além de servir de esteio para a expansão admirável da TFP brasileira, "Revolução e Contra-Revolução" inspirou a fundação de TFPs e entidades congêneres em quase todo o Ocidente, na Austrália e na África do Sul. E continua sendo o elo de ligação doutrinária, o conduto através do qual circula a seiva que vivifica a grande família das TFPs, sociedades afins e bureaux em que se desdobra, para atuar no mundo inteiro, a ação em prol da tradição, família e propriedade.
"Revolução e Contra-Revolução" alcançou duas edições em português, cinco em castelhano, três em italiano, três em inglês e duas em francês.
A obra contém profunda análise da sociedade contemporânea, como também apresenta a tática para evitar que ela se precipite no abismo comunista.
O ensaio acentua a importância da Revolução nas tendências e nas ideias - prévia e mais profunda que a Revolução nos fatos.
O que move e desencaminha essas tendências no homem, anteriores às próprias ideias? No plano natural, essencialmente duas paixões desordenadas, das que mais servem ao processo revolucionário: o orgulho e a sensualidade. E qual o slogan concebido em termos metafísicos, que melhor exprimiu o espírito da Revolução? Liberdade, igualdade, fraternidade. Bem entendido, liberdade sem freios, igualdade absoluta, fraternidade falsa daí decorrente.
O autor do estudo apresenta a Revolução como um processo cinco vezes secular, um longo sistema de causas e efeitos. Tal processo, que nasceu em zonas da alma e da cultura do homem ocidental, vem produzindo, desde o século XV até nossos dias, sucessivas convulsões.
No século XV, a Renascença preparou os espíritos para a eclosão da Pseudo-Reforma protestante do século XVI; a Renascença e o Protestantismo prepararam, por sua vez, o terreno para o advento da Revolução Francesa, no século XVIII; e a Revolução Francesa preparou o caminho para a explosão da Revolução comunista no século XX.
Em janeiro de 1977, no n° 313 de "Catolicismo", o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira acrescentou uma terceira parte ao texto do ensaio. Nela o autor demonstra como a III Revolução - a comunista - se encontra em verdadeiro apogeu. Além do domínio tirânico que exerce sobre grande número de países, o comunismo maneja com terrível eficácia as táticas da guerra revolucionária psicológica. Esta tem em vista duas grandes metas: 1) iludir e adormecer paulatinamente os "neutros" irredutíveis; 2) dividir a cada passo, desarticular, isolar, atemorizar, difamar, perseguir e bloquear os adversários.
A terceira parte da obra analisa também o processo de "autodemolição" da Igreja denunciado por Paulo VI, a "Ostpolitik" vaticana e a infiltração apocalipticamente sinistra do comunismo nos meios católicos.
O ensaio, por fim, abre os olhos do leitor para uma IV Revolução que está nascendo.
É sabido que Marx, como a generalidade de seus mais notórios sequazes, não viu na ditadura do proletariado o lance terminal do processo revolucionário. A IV Revolução suporá a derrocada da ditadura do proletariado em consequência de uma nova crise, mediante a qual o Estado por sua vez se auto demolirá e desaparecerá. Então - segundo os autores comunistas - surgirá um estado de coisas cientificista e cooperativista, no qual o homem terá alcançado um grau de liberdade, igualdade e fraternidade até aqui insuspeitável.
Como se dará isso? O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira pergunta se a sociedade tribal sonhada pelas atuais correntes estruturalistas não dá uma resposta a essa indagação.
Nas tribos, a coesão entre os membros é assegurada sobretudo por um comum sentir, do qual decorrem hábitos comuns e um comum querer. A razão individual, nelas, fica circunscrita a quase nada, isto é, aos primeiros e mais elementares movimentos que seu estado atrofiado lhe consente. Tal é o preço da fusão coletivista tribal.
A razão outrora hipertrofiada pelo livre exame, pelo cartesianismo etc., divinizada pela Revolução Francesa, utilizada até o mais franco abuso em toda escola de pensamento comunista, agora é atrofiada e tornada escrava a serviço do totemismo transpsicológico...
* * *
"Catolicismo", ao relembrar tópicos essenciais dessa obra, deseja prestar, neste 250º aniversário de seu lançamento, justa e merecida homenagem ao insigne autor. Ao varão católico que, escrevendo tal ensaio, tornou-se o protagonista de uma epopeia: o nascimento e a atuação das quinze TFPs disseminadas pelo mundo.
NOVA YORK - A Sociedade Americana de Defesa da Tradição, Família e Propriedade enviou ao presidente Reagan carta acompanhada de um resumo de suas principais atividades nos últimos anos. A missiva acentua a concordância da TFP norte-americana com o desejo expressado no discurso de Reagan sobre o estado da União, de "não recuar" e de "levar a cabo a tarefa".
Em resposta, o Chefe de Estado norte-americano dirigiu ao presidente da entidade a seguinte carta:
"Obrigado pela sua missiva de apoio e por me ter proporcionado um atualizado repertório das atividades da Sociedade Americana de Defesa da Tradição, Família e Propriedade.
"Estou muito satisfeito pelo apoio que sua sociedade tem me concedido em diversas ocasiões e gostaria, por isso, de expressar a todos os seus membros meus melhores desejos de contínuo crescimento e prosperidade da TFP. Os tempos atuais trazem aos EUA inúmeras possibilidades de fazer o bem, mas também impõem pesadas responsabilidades. Com sua ajuda e o auxílio de todos os norte-americanos patriotas, sei que nossa nação pode sobrepujar todos os desafios que estão por vir".
João de Castro
A CHUVA TINHA cessado tão repentinamente como viera. O calor sufocante, que até então dificultava a campanha de rua para venda de livros da TFP, desapareceu como que por encanto. A brisa agradável fazia esvoaçar as capas e os estandartes rubros que marcam a presença dessa entidade nas praças públicas. Aproveitei para ir abordar um jovem que fixava intensamente os cooperadores da TFP.
Barbudo e atarracado, o rapaz ouvia-me, com discreta atenção, explicar o livro sobre as Comunidades Eclesiais de Base (1). Havia, entretanto, um certo ar de debique por trás daquela atenção cortês, que me deixava um pouco intrigado. Afinal, quando acabei de mostrar o livro a ele, o rapaz desfez o mistério de sua atitude:
– Sou agente pastoral, fui seminarista e saí do seminário no último ano, para dedicar-me às CEBs. Conheço bem o assunto, portanto. Você está enganado, achando que queremos um socialismo totalitário. Existem muitas formas de socialismo; nós não sabemos ainda como será o socialismo que vai ser implantado no Brasil. Será algo inteiramente novo.
Refiz-me logo da surpresa, pois a minha suspeita era de que o rapaz pertencesse a algum movimento clandestino tipo PC do B (no que talvez não estivesse errado...), e retruquei. Estabeleceu-se assim um diálogo, que procurarei transcrever a seguir:
– Olha, há muito tempo eu ouço essa história de que vocês querem um socialismo novo, diferente, que ainda não surgiu. Lembro-me de D. Helder afirmar isso lá pelo fim dos anos 60. Depois surgiu o socialismo de Allende, no Chile, que vocês da esquerda católica apoiaram, e era puro socialismo marxista. Agora, no caso da Nicarágua, também ouvi a mesma história, até que os sandinistas tomassem o poder. Resultado: mais um país socialista marxista, ou seja, comunista...
– Não, não, existem diferenças...
– ... que que na prática não mudam nada! O Clero da Nicarágua, em sua maioria, apoiou os sandinistas, dizendo que eles iriam fazer um socialismo novo etc. Agora estão coletivizando tudo, já se uniram com a Rússia, com Cuba e começaram a perseguir os católicos que não rezam pelas cartilhas das CEBs...
– Vamos deixar o exemplo da Nicarágua de lado. Nós aqui queremos fazer uma coisa inteiramente diferente, um socialismo que ainda não sabemos como vai ser. Está nascendo na prática, na vida das CEBs.
– Me estranha muito que vocês se ponham a demolir todas as estruturas vigentes, promovam toda espécie de agitações, de invasões de propriedade, de roubos em supermercados etc., sem saberem ainda no que é que vai dar isso, qual será o regime que vocês vão pôr no lugar! Os comunistas sabem bem o que querem, e são eles que vão tirar o proveito disso!
– Você não entende; o problema é desenvolver ao máximo o comunitarismo, a fraternidade! O cristianismo é o reino da fraternidade, ao contrário do egoísmo capitalista.
– Aí é que está o problema: vocês de fato estão destruindo toda a religião católica, transformando-a num mero movimento comunitarista, sem nenhuma vida de piedade, sem preocupação com a prática da moral, dos mandamentos...
– Você está exagerando. Existe...
– ... não estou exagerando, não. D. José Maria Pires não chegou a dizer que a prostituta representa uma forma de verdadeiro serviço a Deus, como lhe mostrei neste livro?(2). E não há tantas outras declarações que vão nessa mesma linha?(3). Depois, e o Mandamento que ordena não roubar, e o que proíbe cobiçar as coisas alheias? O que vocês fazem deles, promovendo tais invasões e roubos?
– Isso é secundário... O que eu quero dizer é que vocês condenam todo socialismo, como se não pudesse existir socialismo bom. Isso é um absurdo!
– Absurdo é essa sua afirmação; o que é, afinal, o socialismo? Não falemos, por enquanto, do marxismo. O socialismo é um sistema que exagera até ao absurdo o papel da sociedade, e, portanto, na prática, do Estado, embora as duas coisas não se confundam. O homem é visto apenas como uma decorrência da sociedade; ele dependeria inteiramente da sociedade, e, portanto, não viveria senão em função dela. E como não é possível manter esse domínio da sociedade sobre o homem senão por um meio artificial, como a coerção, a imposição, o homem acaba, no socialismo, ficando dominado pelo Estado. Ou então por essa multidão de associações compulsórias que lhe tiram toda liberdade. Isso é contrário à natureza do homem, que é livre por ser racional, por ter capacidade de dirigir sua vida, fazer suas escolhas, mas, sobretudo, por ser filho de Deus.
– Não, eu sou a favor da liberdade! Eu quero um socialismo que dê justamente ao homem essa liberdade que agora, no sistema capitalista, ele não tem.
NOTAS:
(1) Plinio Corra de Oliveira, Gustavo Antonio Solimeo, Luis Sérgio Solimeo, "As CEBS... das quais muíto se fala, pouco se conhece – A TFP as descreve como são", Ed. Vera Cruz, São Paulo, 1982.
(2) Op. cit., pp. 163-166.
(3) Gustavo Antonio Solimeo, Luis Sérgio Solimeo, "As CEBs... das quais muito se fala, pouco se conhece – A TFP as descreve como são / Comentários e Documentação Totais", Ed. Vera Cruz, vol. mimeografado, São Paulo, 1982, pp. 54-59.