| Agitações de maio a junho | (continuação)
Primaz D. Avelar Brandão resolveu emitir o seguinte parecer sobre a situação nacional: "Tudo pode acontecer. Se não tivermos cuidado, o acúmulo e cultivo das tensões poderão nos levar a um confronto. Para que não haja um período de confronto ou guerra civil..." ("Folha de S. Paulo", 6-5-84 - Ver outras declarações no quadro da página 5).
Pouco depois, como por encanto, as palavras do Arcebispo de Salvador tomaram significado. A 15 de maio iniciou-se em Guariba e Bebedouro (SP) a greve dos boias-frias, que se alastrou, como fogo em palha seca por vasta região do Estado, chegando até Uberaba, em Minas Gerais.
A invasão da Fazenda Santa Idalina, em Ivinhema (MS), e a greve dos boias-frias de Guariba e Bebedouro (SP) foram o foco de irradiação da erisipela de agitações-relâmpago que convulsionaram o País nestes últimos dois meses.
A relação dessa cadeia de agitações encontra-se estampada nas páginas 20 e 21.
Sem negar que verdadeiros carentes participem dessas agitações (aliás, a presença deles é necessária para torná-las verossímeis), parece-nos indispensável apontar algumas peculiaridades desses "pobres" da "Teologia da Libertação" - pois é em nome dela que se procura deflagrar uma revolução social no País:
1) São invadidas quase sempre terras de particulares - É curioso, mas raramente se registram casos de invasão de terras devolutas, quando mais de 60% do território nacional pertence ao Estado.
2) Os posseiros costumam ser irredutíveis em suas preferências.
Uma vez invadida uma propriedade, só aquelas terras "satisfazem" os invasores. Os governos federal, estaduais e municipais têm sido solícitos em oferecer glebas em terras devolutas, com pouco êxito. Raramente suas propostas foram aceitas. Em geral, o motivo da recusa prende-se ao fato de as terras oferecidas estarem distantes da zona invadida.
3) Quando são desempregados, só aceitam o tipo de emprego que procuram - Foi o que ocorreu recentemente em Porto Alegre, com os "desempregados" que armaram acampamento diante da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
4) Com frequência, os invasores exigem o impossível - É o caso de empregados em greve. Sempre há uma ou duas exigências que os patrões não podem atender sem danos para seus legítimos direitos. Em vista disso, os patrões recusam o acordo e a greve continua.
Com "pobres" assim orientados, não é difícil prever que as conversações visando um acordo se arrastem por muito tempo, obrigando muitas vezes as autoridades a empregar a força.
Esta tática de exigências é indispensável, pois qualquer acordo significa o esvaziamento da agitação, o que de nenhuma maneira interessa a seus organizadores.
Evidentemente, para conseguir a obstinação e a intransigência daqueles que são rotulados de "oprimidos", é necessário antes "conscientizá-los". Em outros termos, eles devem estar convencidos de seus "direitos", de maneira a não ceder ante qualquer promessa, nem mediante ameaça de repressão.
Da eficácia deste trabalho preparatório depende o futuro do movimento grevista ou da invasão.
No Brasil, ele é realizado sobretudo pela esquerda católica, na qual ocupa papel capital o trabalho das CEBs. Elas utilizam requintadas técnicas de doutrinação sub-reptícia, da exploração sistemática da inconformidade popular (gerada muitas vezes pela atual crise econômica) ou do aproveitamento de atritos entre trabalhadores e proprietários. Este processo está demonstrado em todos seus pormenores no livro "As CEBs... das quais muito se fala, pouco se conhece - A TFP as descreve como são" (Editora Vera Cruz, São Paulo, 1983, 6. ed., p. 133).
Dentre os referidos "pobres", já "conscientizados", são escolhidos os mais agressivos para formar os piquetes grevistas, que dirigirão o movimento.
A "conscientização" antecede e prepara a deflagração da agitação. O piquete garante a continuidade da mesma. Somente com piquetes bem organizados a manifestação pode alcançar êxito pois, do contrário, os dirigentes perderiam o controle do movimento, ou não conseguiriam mantê-lo por muito tempo. A presença de piquetes em uma manifestação atesta, portanto, a artificialidade do movimento.
Existe, assim, uma verdadeira máquina para "fabricar" e dirigir tais agitações que, apesar de serem muitas vezes pequenas, impressionam enormemente.
A atuação das autoridades visando coibir agitações propulsionadas por piquetes deveria, antes de tudo, impedir a formação destes, ou então dissolvê-los. A rapidez e energia utilizadas em desbaratar piquetes poderia evitar o posterior uso da violência, às vezes necessária, e sempre explorada pelos organizadores da agitação.
Por outro lado, a dissolução dos piquetes, empreendida pela autoridade policial, justifica-se pela própria ilegalidade destes. Os piqueteiros coíbem a liberdade de trabalho dos operários ordeiros.
A repressão violenta empregada pelas autoridades contra as manifestações serve, muitas vezes, para exaltar o ânimo dos participantes indecisos. Como é indispensável reprimir a agitação a fim de evitar seu alastramento, as forças da ordem deveriam, antes de tudo, ser hábeis em detectá-la e preveni-Ia. Caso a manifestação esteja em andamento, con-vina sobretudo empregar com argúcia a energia na tarefa de dissolução dos piquetes.
Outra providência seria a identificação e cadastramento dos piqueteiros, o que possibilitaria comprovar a existência de agitadores profissionais nas manifestações.
Tais providências quase não têm sido tomadas pelas autoridades, o que permite aos organizadores do caos impressionar o País com pequenas convulsões.
Se detivermos nossa atenção no contingente humano empregado nas agitações, chegaremos à conclusão de que se atribui a elas proporções e importância ilusórias.
Em Ivinhema os invasores eram em número de 1.300. Em Guariba e Bebedouro noticiou-se que 5.000 boias-frias participaram das greves e depredações. No Rio de Janeiro, 600 motoristas participaram do bloqueio ao trânsito. (No segundo bloqueio, havia somente 70 manifestantes). Em São Paulo, menos de 23% dos motoristas da CMTC aderiram à greve.
Tais agitações, no seu conjunto, parecem ameaçar a estabilidade política e social do Brasil. Contudo, vistas uma a uma, elas adquirem proporções diminutas. Podem ser comparadas a bombas (por vezes são simples rojões) que não possuem poder de destruição, mas cujo estampido faz-se ouvir à distância, causando forte impressão.
A ampliação dessas agitações é realizada, o mais das vezes, pelo noticiário de certos órgãos de comunicação, em geral tendencioso, impreciso e alarmante.
Não afirmamos, entretanto, que os fatos noticiados pelos jornais careçam de importância e gravidade. Constatamos, isto sim, que há uma sistemática tendência em atribuir aos vários movimentos contestatários - isoladamente e no seu conjunto - proporções irreais.
Por outro lado, pronunciamentos de membros da Hierarquia eclesiástica, a exemplo do emitido pelo Cardeal D. Avelar Brandão, auxiliam enormemente a formação de uma imagem distorcida do movimento contestatário. E contribuem para espalhar no seio da classe dos proprietários um estado de apreensão, quando não de pânico.
Essa ação conjugada sobre a opinião
pública o noticiário tendencioso e sensacionalista, associado aos pronunciamentos de influentes membros do Episcopado - constitui uma das mais bem arquitetadas formas de ação da guerra psicológica revolucionária em nossos dias.
Esse pânico, criado artificialmente através de todo um show de pequenas agitações, habilmente orquestradas, vem acompanhado de apelos de personalidades de esquerda - em geral eclesiástica - concitando as classes dirigentes a capitular (a renunciar, por vezes, ao próprio direito de propriedade), para evitar o agravamento da crise.
Ora tal apelo é feito em tom de ameaça, ora, de maneira mais sutil, em forma de conselho (que o torna mais eficiente). "Ceder para não perder", é o lema de sempre.
Não é raro ainda que se elogie este ou aquele proprietário, esta ou aquela autoridade, como pessoas "esclarecidas" por terem cedido logo.
Essas agitações têm, portanto, duas finalidades:
a) incendiar o Brasil, mediante o incremento da luta de classes, visando forçar a aplicação de reformas socialistas;
b) levar as classes dirigentes, através da guerra psicológica revolucionária, a capitular diante do processo de comunistização do País.
Neste contexto, as agitações que tiveram seu ponto inicial em Ivinhema e Guariba constituem dois lances típicos da guerra psicológica comunista. Em conclusão, convém acentuar que a esquerda católica - impulsionadora dessas agitações - presumivelmente estaria preparando outras "surpresas" para o futuro. Talvez para amanhã...
D. Avelar Brandão Vilela.
Piqueteiro lança pedra em ônibus, durante a greve de motoristas, em São Paulo.
Ateando fogo nos canaviais - técnica eficaz para semear o pânico - os manifestantes de Guariba levaram os usineiros à capitulação.
A DECLARAÇÃO DO CARDEAL Brandão Vilela de que "o acúmulo e cultivo das tensões poderão nos levar a um confronto", abriu uma série de pronunciamentos alarmistas de eclesiásticos, todos no sentido de afirmar que o País se encontra à beira de uma explosão provocada pela indignação popular. Vejamos alguns tópicos dos pronunciamentos mais significativos:
• D. FREDERICO DIDONET, Bispo do Rio Grande (RS), alertou para "a ameaça de uma convulsão social que paira no horizonte carregado de sinais de crescentes insatisfação e descrença". Defendeu também a necessidade da "união de todos na afirmação e reivindicação dos justos direitos, através de um processo de conscientização pacífica, ordeira, patriótica e responsável". Após criticar a corrupção administrativa, o Prelado afirmou que ela "vai chegando a um ponto de saturação, num desafio suicida à paciência e resistência de um povo sempre mais marginalizado, que pouco participa do fruto de seu trabalho e que pode cansar de uma espera tão longa e sofrida" ("Zero Hora", Porto Alegre, 7-5-84).
• D. ANGÉLICO SÂNDALO BERNARDINO, Bispo-Auxiliar de São Paulo e responsável pela Pastoral Operária, comentando as declarações de D. Avelar Brandão, afirmou não acreditar "que o povo brasileiro faça uma revolução por causa de um sistema eleitoral; mas é capaz de fazer uma revolução, como outros povos já fizeram, contra a nojenta opressão socioeconômica a que está submetido" ("Folha de S. Paulo", 8-5-84).
• D. IVO LORSCHEITER, Bispo de Santa Maria (RS) e Presidente da CNBB, no programa radiofônico "A Palavra do Pastor", afirmou que não se pode mais perder tempo na busca de soluções para a crise do Brasil, e que não se pode esperar que se "multipliquem as explosões de violência, como as que a televisão registrou na semana passada em diversos pontos do País [referindo-se, certamente, aos acontecimentos de Guariba], indícios de que a paciência dos brasileiros pode estar se esgotando" ("Zero Hora", Porto Alegre, 23-5-84).
• D. LUCIANO MENDES DE ALMEIDA, secretário-geral da CNBB, declarou que a crise pela qual atravessa o Brasil "está requerendo medidas eficazes e urgentes, para que não cheguem tarde demais. Estamos realmente com o corpo social doente e seria lastimável que o indicador desta doença fosse a explosão"("Folha de S. Paulo", 5-6-84).
• D. CLAUDIO HUMMES, Bispo de Santo André (SP), declarou que cabe à Igreja "reconhecer a existência de uma luta de classes e engajar-se nessa luta, não para incentivá-la, mas para tentar superar os conflitos sociais e apontar na direção de uma nova sociedade na qual o trabalho tenha prioridade sobre o capital". E acrescentou: "A Igreja tem de promover a consciência de classe, pois somente se houver consciência crítica entre os injustiçados é que a sociedade de classes será superada em favor de uma organização social justa e fraterna. É preciso ter consciência da injustiça para podermos lutar contra ela. E só chegaremos à justiça, à igualdade e à fraternidade quando houver prioridade do homem trabalhador sobre os lucros do capital" ("Folha de S. Paulo", 7-6-84).