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| Ivinhema | (continuação)

publicar em 3 de maio de 1984 (um dia após sua chegada), exprime com clareza seus propósitos: "Eu, como Bispo, em nome da Diocese de Dourados, estou inteiramente solidário com o sofrimento de meu povo. Farei o que estiver ao meu alcance para que se chegue a uma solução pacífica, sem derramamento de sangue, e a contento das necessidades dos mais de 1.000 chefes de famílias ocupantes da área".

É razoável que D. Teodardo ressalte o direito à vida dos invasores. Desconcerta, porém, vê-Io passar sob silêncio o direito dos proprietários à terra. Não se trata de negar qualquer desses direitos, mas sim de reconhecê-los e fazer com que eles se exerçam segundo os limites e modos estabelecidos pela Lei de Deus.

Mais tarde, quando o Governador Wilson Martins e o Secretário de Segurança Pública, Aleixo Paraguassu, dirigiram-se ao Bispo de Dourados pedindo-lhe que aconselhasse os invasores a desocupar a área, obtiveram a surpreendente resposta: "Não serei eu a trair esse povo; se eles decidirem resistir, eu os aconselho a evitarem a violência, estou do lado deles e qualquer decisão será respeitada por mim" ("Centro Informativo Católico", 22-5-84 e "Folha de S. Paulo", 14-5-84).

Ou seja, D. Teodardo queria evitar a violência, mas "respeitaria" qualquer decisão dos "posseiros". É uma forma singular de conceder apoio a um movimento ilegal em sua própria essência.

Na Missa que celebrou no local, em 13 de maio último, o Bispo resolveu prestar "esclarecimentos" sobre a posição da Igreja no caso, defendendo novamente a permanência dos acampados na terra alheia. Para justificar esse pressuroso e incondicional apoio, citou o episódio dos assaltos a depósitos de alimentos, ocorridos recentemente no Nordeste brasileiro: "Eles foram qualificados de ladrões e salteadores - afirma o Bispo - mas o Cardeal D. Aloísio Lorscheider disse que aquilo não foi crime nem pecado, porque o povo estava com fome, alguém tinha e ninguém deu. Então o povo tem direito a tirar onde ele se encontra".

Por analogia, conclui o fogoso Prelado: "Alguém que toma um pedaço de chão para produzir pão, isso pode ser chamado de assalto, de roubo? Ou isso não é um direito que a pessoa tem quando de outra maneira não pode matar a fome de seus filhos?" ("Jornal da Tarde", 14-5-84).

É curioso notar a repentina mudança de posição de D. Leitz. De simples pessoa solidária, que acataria "qualquer decisão", passa a ser o doutrinador; pois é evidente que estas palavras suas tinham a finalidade de justificar o ocorrido e, portanto, levar os invasores a manterem-se firmes em seus propósitos. Em outras palavras, estava em curso o trabalho de "conscientização" magistralmente descrito no livro "As CEBs... das quais muito se fala, pouco se conhece - A TFP as descreve como são" (Plinio Corrêa de Oliveira, Gustavo Antonio Solimeo e Luís Sérgio Solimeo, Editora Vera Cruz, 6ª edição, São Paulo, 1983).

Aliás, em declarações à imprensa, o Prelado confirma que essa "conscientização" já vinha sendo realizada há tempo pela CPT: "Acusam a Pastoral da Terra [de ter planejado a invasão], mas este pessoal nada mais fez do que um trabalho de conscientização do trabalhador .... O que ela [a CPT] fez foi esta gente ser mais gente, isto é, gente pensante, consciente de seus direitos".

Compreende-se, assim, que o Bispo não tenha poupado esforços para analisar, no próprio local, os frutos da obra "conscientizadora", agora numa etapa avançada de desenvolvimento.

...e pulou a cerca

Em sua primeira visita aos posseiros, o Bispo de Dourados "teve sua missão muito dificultada pelo difícil acesso à área, devido ao esquema de segurança montado pela Polícia Militar. Os entraves começaram quando ele e o grupo de religiosos chegaram à Fazenda Santo Angelo, porque, a fim de impedir a entrada ou saída das pessoas, o porão foi trancado com cadeado. Mas D. Leitz não desanimou e pulou a cerca. A seguir, teve que andar três quilômetros a pé, ao fim dos quais encontrou a barreira da Polícia Militar. Convenceu o comandante do destacamento a ceder-lhe passagem e continuou seu trajeto até o local onde estavam acampados os invasores" ("Folha de Londrina", 4-5-84).

D. Teodardo Leitz (à direita), carregando víveres destinados aos posseiros das terras pertencentes à empresa SOMECO, dirige-se ao acampamento dos invasores.

Em outras oportunidades ainda, quando lá esteve celebrando Missas, o Prelado chegou mesmo a fazer várias vezes este percurso a pé, carregando suprimentos para os posseiros.

Assim agindo, o Bispo dava mostras de ser para os invasores amigo incondicional, "conscientizador" abnegado e zeloso assistente. Poder-se-ia mesmo afirmar que D. Teodardo, por seu contínuo empenho, tornara-se pessoa chave em todo o episódio.

"Sem terra"... e "sem nome"

Conhecem-se mil peripécias do drama... e muito pouco acerca dos protagonistas.

"Os invasores - em sua maioria jovens, sem que tenham as mãos calejadas pelo trabalho nas lavouras ou a pele curtida pelo sol - estão bem instruídos e não informam nada sobre o grupo que está atrás deles, no caso os organizadores do movimento que culminou com a invasão. Afirmam apenas que isso tudo foi organizado por eles mesmos" ("Correio do Estado", Dourados, 5 e 6-5-84).

O Governador Wilson Martins fez todo o possível para cadastrar os ocupantes, mas não obteve êxito: "Eles se recusaram a dar os nomes... O governo não está afim [sic!] de fornecer nomes de ninguém para a Polícia ou fazendeiros. Queremos é tentar auxiliá-los dentro do que nos é possível" ("Jornal da Manhã", Campo Grande, 30-5-84).

Certamente, o fato de vários invasores serem reincidentes - cadastrados há pouco menos de um mês nas regiões de Entre Rios e Jequitibá, conforme relatório do diretor-geral do Departamento de Terras e Colonização de Mato Grosso do Sul, Euclydes de Faria, referido por "O Correio do Estado", 10-5-84 desestimulou-os de mostrar suas identidades.

Euclydes de Faria afirmou que jamais municiaria elementos que adotam esse tipo de atitude – negar-se a fornecer seus nomes – e, além disso, não se podia perder de vista que o direito de propriedade deve ser preservado.

Os invasores ocupam a gleba Santa Idalina, pertencente à empresa SOMECO, no município de Ivinhema. Segundo o testemunho unânime das autoridades, nenhum dos posseiros era residente naquele município.

O repórter Valdir Francisco Guerra, em artigo para "O Panorama", de Dourados (5-5-84), afirmou, peremptoriamente, que mais de mil dentre os "posseiros" "que conquistaram a fazenda SOMECO" vieram do Paraná, onde se verificou, no ano passado, invasão análoga em áreas da fazenda Anoni, também consideradas "ociosas".

De qualquer modo, várias famílias (em número de doze, segundo alguns) procediam do Paraguai, conforme o testemunho unânime das autoridades, e nenhuma era do próprio Município de Ivinhema.

Somente este ponto já levanta uma questão: que "generosos" financiamentos teriam propiciado a concretização de planos tão ousados? Seria admissível que simples particulares, sem contato entre si, excogitassem ideias tão pouco viáveis por serem sumamente onerosas quando postas em prática?

Outro fato estranho: não existiam famílias no local – apenas homens – e no máximo quatro mulheres, embora o relatório da Secretaria de Segurança, conforme noticiou a imprensa, registrasse apenas uma. Esse é mais um dado a desmentir que o movimento se tratasse de um deslocamento de famílias, à maneira de ciganos.

A frieza e o método de ação dos invasores fazem supor, de seu lado, um longo trabalho de premeditação e "conscientização", a cargo de equipes especializadas.

Nos escritórios da SOMECO, um de seus diretores, Oswaldo Casarotti comentou estarrecido: "Há 22 anos estou aqui e nunca vi ato de violência tão organizado como este, contra uma propriedade particular. De repente, até as autoridades passaram a suspeitar de que não somos proprietários da área invadida. Compramos toda essa terra de terceiros, e temos documentos que comprovam tudo. Quanto aos invasores, não sei quem está por trás deles" ("O Progresso", Dourados, 4-5-84).

Significativamente, na ação judicial, a SOMECO não citou nominalmente todos os ocupantes dos 18 mil hectares invadidos.

Houve apenas nove pessoas mencionadas no processo, mas seus nomes não puderam ser identificados, porque alguns apareciam apenas como "José de tal".

Em contrapartida, em cada uma das barracas erguidas pelos ocupantes estava escrito o nome da Comunidade Eclesial de Base a que pertenciam.

Embora o INCRA de Campo Grande se tivesse deslocado até Ivinhema para iniciar o cadastramento das pessoas, a CPT da Diocese de Dourados manifestou-se contrária à medida, alegando que facilitaria a execução de um despejo judicial, como se verificaria mais tarde, depois de incompreensíveis e inusitadas delongas.

Relatório do Secretário de Segurança Pública afirma que toda a responsabilidade recai sobre a CPT, a qual - no dizer dos próprios invasores comandou a operação, que vinha sendo preparada há mais de seis meses em encontros do movimento dos trabalhadores Sem Terra e de Comunidades Eclesiais de Base, sob a justificativa de que a área da SOMECO estava ociosa há mais de 20 anos.

Acampados em terreno da Diocese, em Dourados, após a expulsão da gleba Santa Idalina, invasores estendem uma faixa na qual externam sua pretensão quanto à Reforma Agrária.

Um despejo que não é o fim

Logo que o Juiz Tenir Miranda expediu liminar de reintegração de posse em favor da SOMECO, o Governo estadual tomou providências para efetivá-la. O próprio Secretário da Segurança Pública dirigiu-se ao local a fim de coordenar a operação. O mesmo fez D. Teodardo Leitz. Soldados da Polícia Militar, sob o comando do Capitão Lacerda, impediam o acesso de estranhos ao local. Mesmo assim, o Bispo e colaboradores conseguiram entrar.

A propósito, é oportuno indagar que papel terá desempenhado D. Teodardo no momento crucial. Acompanhemos algumas peripécias desse singular epílogo...

Eram cerca de 8,30 horas do dia 14 de maio, segunda-feira. Acabava de ser oficiado um ato litúrgico.

O coronel Joli Paes, comandante militar, utilizando-se de um megafone, convocou os presentes para que o oficial de Justiça fizesse a leitura da ordem judicial.

Ninguém se mexeu, como se a ordem não lhes dissesse respeito. Os posseiros afirmaram que aguardariam a chegada do Prelado, pois somente ele daria a palavra final. Um invasor confidenciou a outro: "Se o Bispo disser para a gente sair, a gente sai; mas se ele achar que devemos ficar aqui, ninguém deve sair..."

Que uso fez o Antístite de sua enorme influência enquanto Bispo sobre suas turbulentas "ovelhas"? Chegando à área acompanhado de 25 colaboradores, foi ele efusivamente saudado por todos, com entusiásticas aclamações: "Bispo! Bispo!"

Sua primeira medida: exigir o desarmamento dos policiais, solicitação que não foi atendida pelo Secretário da Segurança Pública ("Folha de Londrina", 16-5-84).

D. Teodardo assinalou que sua autoridade não era suficiente para manter no local os ocupantes, por isso a lei seria cumprida; ele, porém, continuaria a prestar-lhes assistência.

Mais uma vez, nem uma só palavra que representasse a mais leve censura ao ato ilegal que fora perpetrado!

Acampamento de invasores da gleba da SOMECO, montado diante da Assembleia Legislativa em Campo Grande. Os posseiros transferiram-se, no dia 9 de junho, para o pátio da igreja São José.

Antes, pelo contrário, procurando dar ânimo aos invasores - que pareciam abatidos - D. Teodardo fez questão de afirmar: "... tudo farei para que seja respeitada a cidadania num país que garante, pela própria Constituição e pelo Estatuto da Terra, o acesso à terra daqueles que nela trabalham e querem ficar".

Espanta ver tal simplismo de conceituação jurídica nos lábios de um Príncipe da Igreja.

O Secretário da Segurança Pública, por sua vez, tentou cadastrar os ocupantes

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