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| Ivinhema | (continuação)

da gleba antes da partida, mas advogados da Comissão Pastoral da Terra – mais "experientes" no assunto – orientavam os invasores a não se identificarem!

Poder espiritual! Para os posseiros, o Poder Judiciário e a Polícia não estão habilitados a decidir uma questão estritamente temporal: a defesa do legítimo proprietário contra aqueles que efetuaram uma ocupação ilegal de suas terras. O poder espiritual, representado pela autoridade do Bispo, pratica uma indevida e escandalosa interferência no âmbito temporal ao decidir como deverão agir os posseiros!

Acabaram, pois, se retirando sem deixar indicação do nome ou endereço... e com as mãos livres, portanto, para novas incursões na propriedade alheia. Os invasores deram um prazo de mais ou menos 15 dias para o governo decidir sobre seu destino, alegando que "se nenhuma decisão for tomada na próxima quinzena, a maioria pretende fazer justiça com as próprias mãos". Conforme eles próprios declararam, retornarão à gleba Santa Idalina ou invadirão outras. "Pretendemos reunir – afirmou um deles à imprensa – todas as famílias de posseiros dispersas durante a retirada de Ivinhema para obtermos mais força".

Outro, seguindo a regra geral de não se identificar, aduziu: "Agora nosso nome é boia-fria, posseiro, invasor e outros usados por aí. Enquanto não tivermos onde morar não teremos nome, nem respeito dos outros".

Embora timbrassem em parecer pobres, os posseiros recusaram-se terminantemente a aceitar ofertas de trabalho que se lhes faziam, preferindo passar o dia construindo barracas de lona, com uma justificativa bastante rara: "Nós queremos terra .... nosso tempo é escasso [sic!] e não pretendemos permanecer neste local por vários dias" ("O Panorama", 19-5-84).

O próprio governador disse que tais pessoas não falam em emprego ou coisa semelhante, mas sim em "terras". O chefe do Executivo tencionava levá-los para Miranda, mas não sabia se eles iriam ficar satisfeitos, passando a trabalhar e produzir, ou se recusariam a proposta sob pretexto de que a região não é boa ("Jornal da Manhã", Dourados, 30-5-84). As glebas que o Governo do Mato Grosso do Sul pretende oferecer já estavam em vias de ser entregues aos posseiros, cada uma delas com área de 4.360 hectares.

A própria SOMECO chegou a oferecer a venda ao governo de área onde poderiam ser alojados esses posseiros. Como, entretanto, não seria possível abrigar a todos, essa proposta não teve continuidade.

Haveria alguma lógica interna nessa sucessão de recusas?

O Bispo fala claro

Segundo D. Teodardo Leitz, os grandes proprietários agrícolas precisam liquidar sua hipoteca social, para não mais incorrer em pecado social, o que vem a ser um "pecado coletivo". Prossegue, categórico, o Bispo: "No caso específico de Ivinhema, a colonizadora SOMECO concentra uma enorme área e eu acho que a tarefa e a obrigação de uma colonizadora é colonizar, aliás, o próprio nome já diz isto. Acontece que ela colonizou apenas uma pequena parte .... Nas negociações havidas entre ambas as partes em litígio, foi aventada a possibilidade da SOMECO vender um pedaço de terra ocupada. Só que ela fez uma oferta para cerca de 120 famílias por preço tão exorbitante (700 mil cruzeiros por hectare à vista) que nem o Governo tem esse dinheiro e muito menos a Igreja. Assim não pode, porque tem de ser um preço acessível ao pobre. Preço este que poderia muito bem ser pago em suavíssimas prestações, mediante o resultado das colheitas, pois parte delas seria vendida e, pouco a pouco, no decorrer dos anos, eu disse anos, no plural, se pagasse aquela terra".

E à declaração anterior, o Prelado acrescentou esta frase surpreendente: "Mas perante Deus, perante a Igreja e [sic!] do Santo Padre o Papa João Paulo II, a empresa tem a obrigação de oferecer parte de suas terras para este fim".

Dentro da barraca armada pelos "posseiros", D. Teodardo - a cena é posterior ao despejo dos invasores - relembrou que os episódios que se haviam desenrolado não constituíam uma invasão, já que os posseiros tinham a intenção de pagar a área ocupada (!!). Continuou a falar, mesmo contra a vontade de alguns assessores que pediram ao Prelado que controlasse seus nervos...

D. Teodardo irritou-se quando ouviu dizer que o movimento dos "Sem Terra" foi organizado pelos comunistas: "Somos acusados de não respeitar o 7º mandamento que diz 'não roubar'. Mas estes ocupantes não roubaram nada, somente procuraram chegar a um acordo para ficar nesta terra desocupada, não cultivada, das muitas que tem a SOMECO. Então, não desrespeitamos o 7º mandamento, pois quando entrei na área ninguém me tirou o sapato ou minha camisa. Essa gente aqui é sofrida e ordeira. Gente de rosto macilento. A gente vê na cara dos ocupantes que eles não têm o que comer, são subnutridos, mas mesmo assim, mantêm aquela vontade de produzir a sua alimentação. Por isso, nós vamos continuar lutando pelo direito que eles têm. E vou aproveitar até mesmo a amizade que tenho com alguns homens do Governo para conseguir melhorar a triste sorte desta gente, porque, afinal, não é somente um problema para a Igreja, que se comprometeu a fazer um trabalho preferencial em favor dos pobres .... É também uma obrigação do Governo. A Igreja vai acionar todas as suas possibilidades para que esta gente não passe tantas necessidades. Por este motivo, ofereci uma área pertencente à Diocese de Dourados, para os que não têm para onde ir, ficarem acampados. Por exemplo, as famílias que vieram do Paraguai. Coisa que fizeram muito bem, já que naquele país elas não tinham nenhuma segurança e nenhum direito.

"Este povo precisa ficar em algum lugar, até que saia uma solução melhor. Nada mais certo que dar-lhes um pedaço de terra da Igreja, um local onde não sofrerão nenhum tipo de constrangimento, pois eu estarei fazendo tudo para que isto não aconteça" ("Folha de Londrina", Paraná, 19-5-84, reportagem especial sobre Ivinhema).

Num sermão, pronunciado pouco antes da ordem de despejo, o Bispo de Dourados, afirmou que "a solução não deve ser encontrada sob o aspecto frio da lei" ("O Panorama", Dourados, 13-584), o que equivale a propugnar "soluções" em que a lei esteja pouco presente.., ou inteiramente ausente.

Até onde nos conduzirão tais "soluções"?

Sensação de ter sido "usado"

Num clima de tensão, os soldados discutiam com os agentes da Pastoral, que criavam pretextos para dificultar o despejo. Religiosos e políticos - entre os quais o deputado Sérgio Cruz (PMDB), que chegou a acampar no local, foram responsáveis por agressões de alguns invasores contra jornalistas que pretendiam assistir à "assembleia dos posseiros". Muitos membros da imprensa foram hostilizados, sob acusação de terem "traído o povo" ao relatarem fatos que os ocupantes prefeririam ocultar das vistas indiscretas dos leitores.

É interessante notar como esses pretensos defensores da liberdade de informação cerceiam a circulação de notícias que lhes podem ser desfavoráveis...

Assim reagiram certos líderes. E as bases?

Comenta-se, na região, que centenas de homens, desiludidos, ao deixarem a área invadida, saíram com a certeza de que apenas foram "usados" para fins que eles próprios não entenderam. Instigados a se instalar em terras onde poderiam, conforme lhes informaram, plantar, colher e ter vida melhor, ingenuamente acreditaram nas promessas... e cultivam agora apenas amargura e frustração.

A quem aproveitou tudo isso?

"Cidade de lona"

Desalojados da gleba Santa Idalina. 450 pessoas, na sua maioria homens, começaram a montar, numa área de quatro hectares na Vila de São Pedro, em Dourados, uma pequena "cidade de lona".

O Bispo local passou a comandar pessoalmente uma campanha de arrecadação de comida, roupas e remédios para esses posseiros remanescentes, que habitam provisoriamente o terreno cedido pela Diocese, o qual pertence aos Cursilhos de Cristandade. D. Teodardo Leitz solicitou ao governador terras ociosas no Estado, pois "cabe às nossas autoridades resolver o problema".

A metade dos invasores voltou para seus municípios de origem, principalmente Mundo Novo, no Extremo Sul do Estado.

Orador faz uso da palavra, na assembleia realizada na casa de Cursilhos de Cristandade, tendo à sua esquerda o Bispo de Dourados.

Assembleia discute: CPI para a CPT?

O vice-líder do PDS na Assembleia Legislativa, Djalma Barros, acusou o secretário de Justiça, Juarez Marques Batista - ligado ao movimento dos "Sem Terra" - de ser "o homem que organizou a invasão da gleba Santa Idalina, em Ivinhema".

Juarez foi defendido pelo líder do PMDB, que reclamou provas do pedessista, embora tenha admitido que o secretário, em caráter oficial, inclusive trocou correspondência com a SOMECO tentando adquirir a gleba, o que somente não se consumou pelos "preços exorbitantes da colonizadora (SOMECO)" ("O Panorama", Dourados, 10-5-84).

Para Djalma, é evidente "o fato de Juarez Batista ter entabulado negociações com a SOMECO para aquisição exatamente da área que foi invadida, suspendendo em seguida estes entendimentos para logo depois ocorrer a invasão. Juarez, segundo o deputado, foi municiado de mapas da região e os invasores, coincidentemente, se instalaram e chegaram até o local com relativa facilidade" ("Correio do Estado". 10-5-84).

Pensou-se em organizar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para detectar em que condições ocorreu a invasão e que forças a orientaram. Surpreendentemente, porém, essa proposta caiu no vazio...

O Secretário de Segurança Paraguassu definiu a ação como "um movimento organizado que partiu a um só tempo de vários municípios". Indagado a que atribuía a organização do movimento, disse não ter ainda informações garantidas, mas adiantou que a iniciativa "teve grande influência da Comissão Pastoral da Terra". Ao deixar a área de conflito, observou a chegada ao local de cinco padres, de uma freira e um leigo, dos quais não soube apontar nomes ("Correio do Estado", 1-5-84).

Preparou, dias depois, relatório sobre o episódio, que encaminhou ao Governo Federal: segundo esse estudo, todo o trabalho de ocupação da gleba foi organizado pela Comissão Pastoral da Terra - CPT (organismo vinculado à CNBB). conforme revelação feita à imprensa pelo próprio Secretário.

O Ministro Extraordinário para Assuntos Fundiários, General Danilo Venturini, afirmou que a invasão contou com "participação ativa de elementos estranhos à comunidade, e diversas origens regionais, dentro de uma orientação sugerida por alguns setores participantes da administração estadual" ("Correio do Estado", 8-5-84).

O líder do PDS na Assembleia Legislativa, deputado Nelson Trad, considerou-se injuriado por Dom Teodardo Leitz, Bispo de Dourados, pois este fez questão de ler em todas as missas do Município uma proclamação onde acusava o parlamentar de ter-se referido às irmãs que auxiliaram os posseiros como "baderneiras".

Retrucou o deputado, afirmando, entre outras coisas: "Bastaria recuar alguns passos no tempo .... mais precisamente depois de uma cerimônia de crisma em uma fazenda na Região da Grande Dourados, quando diante dos comensais que o recepcionavam com um almoço, sua reverendíssima justificou até certo ponto as atrocidades de Hitler, indagando aos presentes: 'Hitler não estaria certo?'"

Em raciocínio lógico, Nelson Trad acha que tal observação significa "comparsaria ideológica com as teses genocidas do abjeto ditador" ("Jornal da Manhã", Campo Grande, 30-5-84).

O deputado do PMDB Jesus Gaeta teceu severas críticas ao governador Wilson Martins por este ter-se omitido no caso da invasão, tendo-se solidarizado com o líder da bancada do PDS, Nelson Trad, que fora criticado pelo Bispo. Segundo o deputado peemedebista Jesus Gaeta, D. Teodardo Leitz está "travestido de Judas Iscariotes" ("Diário da Serra", Campo Grande, 30-5-84).

Comenta um articulista do mesmo jornal (Guilherme Filho) "que a Igreja (atualmente) consegue se colocar à esquerda do PMDB e da frente ampla que o constitui..."

Revolução em marcha

Políticos e jornalistas da Grande Dourados vieram a público denunciar que, uma vez estabelecido o precedente de Ivinhema - onde o Governo estadual, logo de início, mostrou-se disposto a entrar em "negociações" com os invasores - provavelmente longa série de fatos ocorreria na mesma linha, pondo em risco o direito de propriedade em todo o Estado.

A ser verdadeiro tal prognóstico, estaríamos em face da operação, há tempos descrita por D. Tomás Balduíno, Bispo de Goiás Velho, segundo a qual é preciso fazer "revolução agrária", e não apenas Reforma Agrária (cfr. "As CEBs... das quais muito se fala, pouco se conhece - .4 TFP as descreve como são", Plinio Corrêa de Oliveira, Gustavo Antonio Solimeo, Luís Sérgio Solimeo - Editora Vera Cruz, São Paulo. 1983. 6ª ed., p. 185).

* * *

O quadro acima suscita graves apreensões.

Teremos condições, ainda, de conter a maré montante desse caos premeditado?

Peçamos à Virgem Aparecida que conceda a todos, neste País, sadios sobressaltos que permitam alterar a situação tão penosa para os defensores da Fé e da civilização cristã.

Que cesse, sobretudo, o misterioso processo de "autodemolição" da Igreja – denunciado por Paulo VI –, que vai desagregando também, a passos largos, a ordem temporal.


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