Eduardo Queiroz da Gama
AS MANIFESTAÇÕES de descontentamento popular que ora analisamos seguem avançada técnica de agitação. O roteiro que publicamos abaixo seria o gráfico de uma agitação ideal, como a gostaria de executar – com todas suas etapas teóricas – um especialista na matéria.
Raramente as contingências da prática permitem que a agitação passe metodicamente por essas várias etapas e, por outro lado, que conte com a totalidade das adesões e dos apoios aqui mencionados.
1 - Trabalhos de "conscientização", isto é, de formação de descontentes e revoltados. – Reuniões preparatórias de "conscientizados".
2 - Greves e piquetes.
3 - Comícios, passeatas, quebra-quebras, invasões de imóveis urbanos e rurais. Declarações de autoridades civis e eclesiásticas simpáticas à agitação.
4 - Paralisação de transportes coletivos, paralisação de trânsito, boatos, fechamento do comércio.
5 - As violências, as agressões verbais, os incêndios e as invasões se generalizam.
6 - Apoio da esquerda "católica": comparecem e se pronunciam favoravelmente Bispos, sacerdotes ou religiosas; fazem apelos "prudenciais" a que pessoas e instituições visadas pela greve cedam; outros apelos são inflamados (entrevistas, discursos, etc.). Apoio logístico – o encaminhamento de grupos populares para participar da desordem.
7 - Há autoridades cuja atuação é frouxa ou omissa. Declarações favoráveis de autoridades federais, estaduais ou municipais.
8 -Pronunciamentos das Forças Armadas.
9 -Paralelamente a todos esses fatos, os meios de comunicação social tendem frequentemente a exagerar a gravidade das tensões, bem como das agitações; sobretudo tendem a noticiar exageradamente o número dos participantes das agitações e a natureza dos atos praticados por estes.
AS GREVES dos trabalhadores rurais de Guariba e Bebedouro, no interior paulista, bem como outras que se lhes seguiram, orientaram-se segundo táticas de luta de classes tipicamente socialistas e desenvolveram-se com precisão e método (apesar de serem classificadas de "espontâneas"), rumo a objetivos bem definidos. Poderiam ser classificadas como episódios da guerra psicológica revolucionária empreendida no Brasil pelo comuno-progressismo, e como importantes lances da nova guerrilha-show que se alastra pelo País.
Afirmar, entretanto, que as greves ocorridas nos canaviais e laranjais paulistas foram insufladas pelo espírito de revolta e dirigidas com técnicas aprimoradas, com vistas a alcançar objetivos previamente estabelecidos, opõe-se diametralmente à ideia geral que sobre elas apresentaram os meios de comunicação.
Com efeito, as recentes agitações no interior do mais rico Estado do Brasil foram apresentadas como explosões voluntárias da inconformidade dos trabalhadores, que desenvolveram seu movimento sem lideranças e método, com a intenção única de protestar e alcançar vantagens materiais e direitos imprescindíveis. As características seriam: espírito, o da fome; métodos, a espontaneidade; objetivos, melhores condições de vida e de trabalho. Tudo isto não poderia senão caracterizar uma revolta popular sem conotações ideológicas.
Como detectar, então, nas recentes agitações, o germe da guerrilha-show que ameaça o País? Para isto, torna-se indispensável descrever o ocorrido em Guariba, chamando especialmente a atenção do leitor para os episódios onde a revolta seguiu métodos semelhantes aos apontados no esquema que publicamos acima em destaque. Sempre que possível, indicaremos, após os subtítulos desta matéria, em que ponto do esquema encaixam-se as diversas fases da agitação.
Tomaremos a agitação de Guariba como exemplo, porque é lá que se percebe, com maior clareza, a execução desse novo estilo de atuação revolucionária.
Para tornar didática a exposição, interrompê-la-emos em alguns pontos mais significativos, inserindo comentários ou apresentando dados elucidativos.
O motivo que, segundo se noticiou, levou os trabalhadores rurais de Guariba a se revoltarem, foi uma mudança no sistema de corte de cana fornecida às usinas da região. Esta alteração havia sido implantada um ano antes pelos proprietários de canaviais e usineiros, provocando descontentamento entre os cortadores, pois dificultava-lhes o trabalho, diminuindo a produção diária e, consequentemente, a remuneração.
Apresentou-se ainda como causa secundária o aumento exorbitante das taxas de água (fornecida pela Sabesp - companhia estadual).
O Pe. José Domingos Braghetto, secretário da Comissão Pastoral da Terra no Estado de São Paulo, considerou esta segunda razão como "um pretexto". Assim, vejamos o que o Pe. Braghetto nos diz a respeito do trabalho desenvolvido pela CPT para modificar o sistema de corte da cana.
Em debate sobre os acontecimentos de Guariba, realizado no auditório da "Folha de S. Paulo", em 7-6-84, depois de discorrer sobre seu trabalho de reorganização dos sindicados de trabalhadores rurais, o secretário da CPT declara:
"Além disso a gente procurou na região, dentro dessa perspectiva de ajudar o pessoal, de acompanhar o homem do campo nas suas lutas, ajudar a conscientizar um pouco, levantar essa consciência crítica, levantar seus direitos trabalhistas, tão desconhecidos por eles próprios. A gente reunia periodicamente em Jaboticabal – em conjunto com o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Jaboticabal – estes boias-frias.
"E foi num desses encontros - que aconteceu no ano passado - promovido pela CPT em Ribeirão Preto, que se colocou então, pela primeira vez (no início da safra do ano passado), a questão que foi a gota d'água de todo o movimento: [o corte de cana pelo sistema] sete ruas.
"A CPT foi, assim, na região, praticamente a pioneira no sentido de fazer uma denúncia séria e grave, baseada nos depoimentos dos trabalhadores. [Através da] imprensa de Ribeirão Preto, denunciamos esse sistema que estava começando na região".
Mas depois, parecendo tentar desfazer a impressão de que esse trabalho pudesse ter ocasionado a greve, o secretário da CPT afirma: "Realmente, para mim foi uma surpresa o que aconteceu... Claro, a gente sabia que estava sempre num barril de pólvora. A greve a gente não achava possível. A gente não acreditava muito, como foi dito aqui, na organização dos trabalhadores. De repente, a coisa estoura".
Obra do acaso, insinua o Pe. Braghetto. Outra é a opinião do presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo (Fetaesp), Roberto Horiguti – insuspeito de parcialidade – que negou ter sido espontâneo o movimento. Suas razões para pensar assim: o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jaboticabal e Guariba, com a ajuda da CPT, combatia há um ano o novo sistema de corte de cana. E esse foi o motivo da insatisfação dos trabalhadores rurais ("Jornal do Brasil, 27-5-84).
2. (..) Reuniões preparatórias de "conscientizados"O trabalho de "conscientização", desenvolvido pela CPT na região, foi realizado em colaboração com o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Jaboticabal, conforme declarou o Pe. Braghetto. O presidente deste sindicato, Benedito Vieira Magalhães, apoiou o movimento desde o início, sem, entretanto, apresentar-se como dirigente deste.
Evidentemente, na raiz de uma explosão de descontentamento popular "voluntária", como a ocorrida em Guariba, não pode aparecer nenhuma reunião preparatória, pois lançaria dúvidas sobre a espontaneidade do movimento.
Assim, a reunião realizada em fins de abril último em Guariba, convocada pelo Sindicato de Jaboticabal, foi apresentada como sendo uma tentativa frustrada de deflagrar uma greve – mas não esta – entre os trabalhadores rurais. Nesta reunião esteve o Pe. Braghetto, "a convite do sindicato".
Vejamos as declarações do secretário da CPT:
"Era uma reunião em que o sindicato pretendia discutir a questão das sete ruas e, enfim, outras questões relativas ao boia-fria.
"Nessa reunião não foi tratada a deflagração de nenhuma greve. Foi falado em greve. Mas os próprios trabalhadores que estavam presentes estavam desacreditados, porque nessa reunião - à qual haviam sido convidados todos os trabalhadores de Guariba - havia uma média de 15 trabalhadores.
"Então não foi marcado para se deflagrar nenhuma greve. .... Saiu o assunto de greve. Mas constatou-se — e os próprios trabalhadores constataram - a impossibilidade da realização mais organizada de uma greve, no momento" (Debate na "Folha de S. Paulo", 7-6-84).
Ou seja, nessa reunião 'foi falado em greve" e "saiu o assunto de greve", mas "constatou-se .... a impossibilidade da realização mais organizada de uma greve".
Por coincidência, 20 dias depois arrebentou "espontaneamente" o movimento grevista, "sem líderes" e "sem orientação". Como o Pe. Braghetto declarou que "havia uma média de 15 trabalha-dores" nessa reunião, seria interessante sabermos o que fizeram esses 15 trabalhadores durante a manifestação e nos dias que a antecederam.
Por outro lado, no período de mais ou menos um ano durante o qual atuou para levar os boias-frias a protestarem contra o novo sistema de corte de cana, a CPT deve ter-se utilizado de agentes pastorais nesse trabalho, e deve ter conquistado a adesão de alguns trabalhadores mais "conscientizados".
Também seria interessante sabermos se os agentes pastorais da CPT se afastaram da região (o Pe. Braghetto viajou para Ivinhema - MS) e se os trabalhadores "conscientizados" mantiveram-se de braços cruzados durante o conflito.
Mas estas são perguntas só respondíveis pela própria CPT.
Lavrador reza diante de uma capela rural: cena que simboliza o espírito religioso do camponês brasileiro, refratário à subversão.
Capa do folheto "Como alei pode ajudar posseiros", editado pela CPT de Goiânia. Com publicações como essa, a CPT semeia o descontentamento e a revolta entre os trabalhadores do campo