| Guariba | (continuação)
ser aprimorado. Então, a conscientização vai continuar".
E o secretário da CPT explica em que sentido o acordo de Jaboticabal tem que ser "aprimorado" e até onde irá a "conscientização":
"O que nós apoiamos é aquilo que o trabalhador reivindica. .... Se ele no momento chegar a reivindicar aquilo que a gente pensa - a reforma agrária - quer dizer, uma transformação total das relações do trabalho no campo, a modificação do [sistema] fundiário do País, a gente vai apoiá-lo. .... No fundo, realmente, a meta final que se pretende conquistar é a reforma agrária. Que, aliás, o trabalhador já está fazendo na prática".
O Pe. Braghetto não poderia deixar mais claro o objetivo da CPT em fomentar estas agitações. E explica ainda a razão, de sua estadia em Ivinhema (MS). Ele lá estava 'auxiliando" os invasores a fazer a Reforma Agrária, segundo os métodos da CPT. Em Ivinhema, invasão; em Guariba, revolta de trabalhadores.
Por outro lado, visto que a "conscientização" dos boias-frias de Guariba e regiões circunvizinhas vai continuar, que o acordo precisa ser "aprimorado", e que a "meia final" é a Reforma Agrária, a aparente tranquilidade reinante em algumas regiões do Brasil (e agora também em Guariba) durará até o momento em que os trabalhadores rurais sejam impelidos a reivindicar alguma nova "vantagem" idealizada pela CPT.
No terceiro dia de greve dos canavieiros de Guariba, os representantes da classe patronal e sindicalistas assinaram acordo na cidade de Jaboticabal, mediante o qual foram atendidas as reivindicações dos trabalhadores (apresentadas pelos líderes sindicalistas no dia anterior).
Em assembleia realizada na tarde desse dia, 17 de maio, os cortadores de cana (reunidos em número de dez mil, segundo alguns jornais, e de aproximadamente três mil, segundo outros) tomaram conhecimento das vantagens conquistadas através da revolta "espontânea".
Vitoriosa, a greve de Guariba - que já antes de seu término fora motivo de deflagração de muitas outras - seria apontada como exemplo aos movimentos contestatários. Em muitas cidades continuaram revoltas já iniciadas. Outras surgiram, como forma de pressionar proprietários de canaviais e usineiros a aceitarem o acordo de Jaboticabal, de momento considerado por todos como sendo a mais importante conquista do movimento trabalhista rural.
Essa euforia durará, certamente, até que a CPT e o Pe. Braghetto (que, ao discursar aos trabalhadores nesse dia, afirmou que "a luta continua") consigam convencer os trabalhadores, através da "conscientização", de que "o acordo tem que ser aprimorado". Evidentemente, tal aperfeiçoamento, como afirmou o secretário da CPT, só será alcançado quando a Reforma Agrária de cunho socialista e confiscatório ("uma transformação total das relações do trabalho no campo, a modificação do sistema fundiário do País"), pleiteada pela CNBB e CPT, estiver consumada.
Guariba não foi, portanto, palco de uma simples revolta de canavieiros. Foi centro de lançamento de novo estilo de luta de classes (onde tudo é atribuído à indignação popular), rumo à socialização do Brasil.
AS INVASÕES, greves e demais agitações vêm se sucedendo no Brasil há muitos anos. Contudo, após a invasão de terras em Ivinhema (MS) e a greve dos trabalhadores rurais de Guariba e Bebedouro (SP), observou-se um recrudescimento das agitações rurais e urbanas no País.
A cronologia que apresentaremos das greves ocorridas no curto espaço de 40 dias, torna-se indispensável para demonstrar como a agitação esteve a ponto de abalar as instituições no País.
Não visamos aqui, pois, considerar tais movimentos reivindicatórios do ponto de vista econômico. Trata-se, isto sim, de demonstrar que eles constituem o lançamento de um novo tipo de agitação, organizada em cadeia, com o objetivo de impressionar a opinião pública e levar as classes dirigentes a capitular, levadas pelo pânico, e renunciar aos seus próprios direitos.
Por outro lado, fica evidente, pelo que já expusemos, que o operariado brasileiro está sendo objeto de manipulação efetuada por forças interessadas em incendiar o País através da luta de classes, para impor reformas de estrutura de cunho socialista.
Na impossibilidade de fazer a enumeração completa dos episódios, publicamos a relação das principais manifestações. Para facilitar a compreensão do roteiro, primeiro relacionaremos as agitações rurais e, a seguir, as urbanas.
IVINHEMA (MS) - 29-4-84 - Iniciada dois dias antes, foi consumada a invasão da Fazenda Santa Idalina.
GUARIBA (SP) - 15-5-84—Estourou a greve dos cortadores
de cana.
BEBEDOURO (SP) - 15-5-84 - A greve dos apanhadores de laranja começou no mesmo dia e com os mesmos métodos utilizados em Guariba. Piquetes colocaram-se nas saídas da cidade, tentando impedir a passagem dos caminhões rumo aos laranjais.
Embora na semana anterior já tivessem realizado passeata de protesto solicitando melhor remuneração, estes trabalhadores estavam menos organizados que os de Guariba, que contavam com o "apoio" do sindicato de Jaboticabal e com a "orientação" da CPT e do Pe. Braghetto. A greve estendeu-se até o dia 18,
sexta-feira, mas sem as cenas de violência e depredações ocorridas em Guariba. A polícia interveio desfazendo piquetes e pequenas manifestações, encontrando pouca resistência.
Em virtude do acordo assinado na noite de sexta-feira (18-5-84), mediante o qual era concedida melhor remuneração aos trabalhadores, a greve chegou a seu fim.
BARRETOS (SP) - 15-5-84 - A greve dos apanhadores de laranja transcorreu sem incidentes significativos. A técnica de piquetes foi utilizada pelos organizadores do movimento, que contaram com a inércia da polícia. Esta contentou-se apenas em observar a manifestação.
O prefeito da cidade, Uebe Rezeck, prometeu aos piqueteiros impedir ele mesmo a saída de caminhões levando trabalhadores para os laranjais, sob a condição de os grevistas não provocarem distúrbios na cidade. A prefeitura organizou também coleta de alimentos para auxiliar os trabalhadores em greve.
O movimento grevista terminou após a assinatura do acordo de Bebedouro, em 18-5-84.
ITABERÁ (SP) - 15-5-84 - Aproximadamente 450 pessoas invadiram a Fazenda Pirituba. O Bispo de Itapeva, D. Fernando Leyal e agentes da CPT visitaram os invasores.
SARANDI (RS) - 15-5-84 - Os colonos (21 famílias) que se encontravam acampados no aeroporto desta cidade desde o dia 19-4-84 (quinta-feira Santa), foram desalojados e retornaram a Nova Ronda Alta (gleba adquirida pela Diocese de Passo Fundo em fins do ano de 1981 para abrigar os colonos acampados na Encruzilhada Natalino).
Os colonos acamparam no aeroporto de Sarandi depois de recusarem terras oferecidas pelo governo estadual no município de Salto do Jacuí. Alegaram que as terras não são boas para o cultivo, o que foi desmentido pelo Secretário da Agricultura do Estado.
NOVO HORIZONTE (SP) - 16-5-84 - Inspirados no movimento de Guariba, os trabalhadores rurais iniciaram a greve para reivindicar a mudança do sistema de corte de cana.
ICÉM (SP) - 17-5-84 - Nesta cidade, próxima a São José do Rio Preto, cerca de 50 pessoas tentaram depredar e incendiar o prédio da Sabesp, utilizando picaretas e machados.
Os manifestantes - que foram dissuadidos pela polícia - estavam protestando contra o aumento das taxas de água.
MONTE ALTO (SP) - 18-5-84 - A greve dos canavieiros desta cidade - deflagrada para pressionar os empresários do local a aceitar os termos do acordo de Jaboticabal - seguiu, nos seus pormenores o esquema utilizado em Guariba.
Com efeito, o Pe. Braghetto esteve em Monte Alto, com o objetivo de "dar uma força para o sindicato, [pois] seu presidente se sentiu mal e precisou se retirar" (Debate na "Folha de S. Paulo", 7-6-84).
Pela manhã, cerca de 200 trabalhadores fizeram piquetes na saída da cidade, impedindo a passagem de caminhões. Por volta das 7 horas, um grupo de 500 manifestantes dirigiu-se ao prédio da Sabesp. Após jogarem pedras e danificarem o edifício, os agitadores encaminharam-se para o mercado central, onde iniciaram um saque. Com a chegada da polícia, os saqueadores retiraram-se do local.
SERTÃOZINHO (SP) - 18-5-84 - O movimento grevista dessa cidade foi coordenado pelo deputado estadual Waldyr Trigo (PMDB).
Alguns piqueteiros tentaram impedir os trabalhos no interior da usina Santa Elisa, mas foram desmobilizados pela polícia.
SANTA ROSA DO VITERBO (SP) - 18-5-84 - Os cortadores de cana iniciaram uma greve após o meio-dia, a fim de exigir para si as vantagens do acordo de Jaboticabal.
SÃO JOAQUIM DA BARRA (SP) - 21-5-84 - Os piquetes organizados por cortadores de cana permaneceram todo o dia nas saídas da cidade, depois de terem impedido, no período da manhã, a saída de caminhões conduzindo trabalhadores rurais. Os comerciantes, temendo saques, cerraram as portas de seus estabelecimentos.
O movimento reivindicava as mesmas vantagens do acordo de Jaboticabal.
Dias depois, em 4-6-84, durante a assembleia Regional Sul-1 da CNBB em Itaici, o Pe. Jerônimo Francisco de Souza - da Pastoral Operária de Tupi Paulista (SP) - acusou os usineiros de São Joaquim da Barra de não estarem cumprindo o acordo de Jaboticabal.
GUAÍRA E PITANGUEIRAS (SP) - 21-5-84 - Os trabalha-
dores rurais ameaçaram iniciar greve caso o acordo de Jaboticabal não fosse posto em vigor na região.
A mesma ameaça foi proferida pelos cortadores de cana de Jaú, Barra Bonita, Dois Córregos e Macatuba, municípios paulistas.
SOROCABA (SP) - 21-5-84 - Neste dia e subsequentes, 50 famílias invadiram terras das fazendas Paiol, Araras e Serrinha, situadas entre as cidades de Itapetininga e Tatuí, na região de Sorocaba. Outras 80 famílias já estavam ocupando ilegalmente a área desde o mês de abril.
PIRACICABA, distrito de Tupi (SP) - 22-5-84 - Trabalhadores rurais entraram em greve e incendiaram uma tonelada de cana. Reivindicaram as vantagens do acordo de Jaboticabal.
JAU (SP) - 22-5-84 - Os canavieiros entraram em greve, exigindo dos usineiros a aplicação do acordo de Jaboticabal. Foram organizados piquetes para impedir a circulação de caminhões que transportavam cana para as usinas.
UBERABA (MG) - 22-5-84 - Uma centelha do incêndio ateado em Guariba inflamou os canaviais mineiros. As reivindicações eram as mesmas de Guariba. Também houve a formação de piquetes para impedir a saída de caminhões para a zona canavieira.
LIMEIRA (SP) - 28-5-84 - Com 8 horas de greve, os trabalhadores rurais pressionaram os usineiros a aceitarem o acordo de Jaboticabal.
CACOAL (RO) - 29-5-84 - Nesta cidade, situada a 480 km de Porto Velho, cerca de duas mil pessoas incendiaram o prédio da Prefeitura, depredaram e saquearam o escritório da Ceron S/A - Centrais Elétricas de Rondônia. A causa das manifestações teria sido o racionamento de energia elétrica e as altas taxas cobradas pela Ceron S/A. O governador do Estado, Jorge Teixeira, declarou que a agitação foi dirigida por pessoas ligadas à Igreja e ao PT ("O Globo", 31-5-84).
SÃO PAULO (SP) - 17-5-84 - Em assembleia realizada no dia anterior, onde só compareceram quatro mil pessoas, o sindicato dos motoristas de São Paulo decidiu deflagrar uma greve com o objetivo de paralisar os transportes coletivos na cidade. As reivindicações visavam obter maior remuneração e melhores condições de trabalho.
Apesar de inúmeros piquetes espalhados pelas ruas e nos portões das garagens de ônibus, os grevistas não alcançaram seu intento. A polícia agiu com rapidez, dissolvendo piquetes e detendo depredadores de ônibus. Em assembleia realizada nesse mesmo dia, com a presença de 100 pessoas, os líderes sindicais encerraram a greve.
SÃO PAULO (SP) - 21-5-84 - Sessenta famílias invadiram terreno na Estrada de Parelheiros, próximo ao autódromo municipal de Interlagos, na periferia da cidade.
Os invasores receberam o apoio de uma advogada da Comissão de Direitos Humanos da Cúria Metropolitana, para se defenderem da ação de despejo movida pelo proprietário.
RIO DE JANEIRO (RJ) - 22-5-84 - O trânsito em algumas ruas centrais da cidade ficou congestionado durante cerca de 6 horas - das 12,30 às 18 horas. A paralisação foi provocada por 600 motoristas desempregados Eles reivindicavam emprego nas empresas de ônibus da cidade.
O congestionamento foi provocado por piquetes que interceptavam os ônibus e os atravessavam na rua, impedindo a passagem de outros veículos.
O Detran agiu com extrema lentidão, não providenciando esquema de emergência para o trânsito. A polícia demorou a dissolver os piquetes dos agitadores.
RIO DE JANEIRO (RJ) - 24-5-84 - No início da noite, pouco mais de 100 motoristas e cobradores desempregados armaram acampamento diante do Palácio da Guanabara para protestar contra o turno único (sistema onde o motorista trabalha ininterruptamente durante 15 horas).
Apenas cinco deles resistiram algumas horas. Pela madrugada do dia 25 foi levantado o acampamento, por iniciativa dos próprios manifestantes.
PORTO ALEGRE (ES) – 24-5-84 - Pouco antes das 4 horas da madrugada, 200 policiais da PM expulsaram os cinco desempregados que estavam acampados naquele momento na Praça da Matriz, próximo à Assembleia Legislativa. O acampamento, montado alguns dias antes, era constituído por cerca de 150 pessoas, para reivindicar emprego (dentro da sua própria profissão).
Na ocasião em que a Polícia Militar desarmou o acampamento, a maioria dos manifestantes encontrava-se abrigada da chuva
e dormia no saguão da Assembleia Legislativa.
S. BERNARDO DO CAMPO (SP) - 28-5-84 - Houve tentativa de invasão de um conjunto habitacional.
Dias depois, falando a respeito de invasões, D. Cláudio Hum-mes, Bispo de Santo André, declarou: "A igreja não participa desses movimentos. Após o fato consumado, porém, levamos a nossa solidariedade às famílias ocupantes" ("Folha de S. Paulo", 2-5-84).
RIO DE JANEIRO (RJ) - 31-5-84 - Em continuação à greve iniciada no dia 22, um grupo de 70 motoristas e cobradores desempregados voltou a paralisar, durante 4 horas (das 14 às 18 horas) o trânsito em sete ruas centrais da cidade. Mais de 70 ônibus interceptados formaram o bloqueio, depois que seus pneus foram esvaziados pelos piqueteiros.
A polícia, no início, assistiu à operação sem tomar providências. O comandante da primeira patrulha que chegou ao local teria declarado: "Quebrem, destruam tudo. Vamos ficar assistindo de camarote" ("Jornal do Brasil", 1-6-84).
NITERÓI (RJ) - 1-6-84 - Cerca de 50 motoristas desempregados tentaram paralisar o trânsito no centro da cidade, deitando-se na rua. A polícia rapidamente retirou os manifestantes, dissolvendo a greve.
VITÓRIA (ES) - 6-6-84 - Uma comissão dos desempregados que estavam acampados frente à Catedral, a pouca distância do Palácio Anchieta, visitou o governador do Estado, Gerson Camata, a fim de solicitar auxílio.
O vice-governador, José Moraes, declarou que "quem está à frente desse movimento não são desempregados" ("O Estado de São Paulo", 7-6-84).