EMBORA À TESTA do próspero município de Xambioá (norte de Goiás), na outra margem do rio Araguaia, o prefeito José Everaldo Lopes de Barros está atento aos graves indícios de revolução social que se manifestam em São Geraldo:
"A igreja de São Geraldo - afirma - é usada para pregar a luta armada na invasão de fazendas. Trata-se para mim de uma base comunista. Ora, a doutrina católica verdadeira não ensina a invasão da propriedade alheia, e por isso creio que 80% dos moradores de São Geraldo do Araguaia não frequentam a igreja, envergonhados do que ali é ensinado".
E prossegue: "É um absurdo o que vem acontecendo: padres aproveitarem da simplicidade do lavrador e fazerem com que ele invada a propriedade alheia. Para mim, o invasor e o que insinua que se deve invadir são ladrões, que desrespeitam a propriedade legítima. Aqui só passa fome quem é preguiçoso, pois o rio está aí com fartura de peixes, e além disso o governo tem dado títulos de propriedade".
Eleito pelo distrito de São Geraldo do Araguaia para a Câmara Municipal do Xinguara, o vereador Amauri Moura Alexandre mostra-se muito contrariado com as invasões de terra, e afirma:
"Nossos pais, apesar de serem pobres, sempre nos mandavam à igreja para aprendermos o catecismo. Frequentei oito anos o seminário. Por isso, inclusive na minha campanha eleitoral, eu lembrei ao povo, que conheceu no passado verdadeiras padres, para que não se deixasse ludibriar por esses homens que se dizem padres aqui em São Geraldo do Araguaia. Sinto-me envergonhado da igreja de São Geraldo. Ela deixou de lado a religião católica e cuida do interesse de um partido que ainda não teve vez em nosso País".
Acrescentou: "Além dos padres franceses que aqui se envolveram em assassinatos nos conflitos de terra, uma coisa também me tem mantido afastado da igreja de São Geraldio. É a comportamento de vários de seus anteriores vigários, os quais mantinham amantes e acabaram por deixar a função sacerdotaI para se casarem".
O prefeito de Xambioá, José Everaldo Lopes de Barros (à esquerda) e o vereador de Xinquara, Amauri Moura Alexandre (à direita), concedem entrevista à nossa reportagem, vendo-se ao fundo o majestoso rio Araguaia.
Reportagem de Lúcio Pereira, fotos de Bruno Santarelli e texto final de Jackson Santos
A PAISAGEM é majestosa. O rio Araguaia, com dois quilômetros de largura, caudaloso e sereno, domina o ambiente. Elegantes e altivas palmeiras elevam-se sobre a vegetação ribeirinha, abanando seus ramos para o céu, um céu que os habitantes das grandes cidades considerariam imenso e belo.
A terra de São Geraldo - distrito do município de Xinguara, Pará - é fértil. Dir-se-ia dela o mesmo que consta na carta de Pero Vaz de Caminha: "A terra é dadivosa e boa, e em se plantando nela dá".
O conjunto do panorama tem, entretanto, qualquer coisa de langoroso e triste como a alma nacional.
É nesse cenário grandioso e bem brasileiro que a sinistra mão da revolução social tem procurado reiteradamente lançar as sementes malditas da revolta. Para D. Casaldáliga, o Araguaia
é conhecido como área de guerrilhas, invasões de posseiros, agitação da Igreja subversiva" (1).
Foi São Geraldo palco das guerrilhas de 1973-75, fracassadas devido à falta de apoio popular. Mais recentemente o incitamento dos tristemente célebres padres franceses - Aristides Camio e
Francisco Gouriou - levou alguns posseiros a praticar o assassinato, cometido à traição numa emboscada, o que determinou a prisão e condenação dos responsáveis.
Após a punição desse crime, a população local pôde respirar mais naturalmente, devido à ausência de padres progressistas no distrito. Mas diz o ditado que "alegria de pobre dura pouco". Enviado do Ceará por influência de D. Aloísio Lorscheider, o Pe. José Maria Cavalcante Costa retomou a atividade subversiva na região, sob a direção do Bispo local, o irlandês D. Patrick José Hanrahan.
O Pe. José Maria trouxe consigo um diácono, hoje já sacerdote, o Pe. Luciano Furtado Sampaio, e um sacristão. Fazem ponto na casa paroquial, que os progressistas consideram como uma espécie de relíquia, pelo fato de nela terem sido presos os dois padres franceses agitadores. Ali circulam livremente moças vestindo "shorts".
Ajudados pelo deputado federal por São Paulo, José Genoíno Neto, que frequentemente é visto no Araguaia, e contando com incentivo e apoio integral da CNBB, os padres progressistas da região esforçam-se em reaglutinar os elementos que a prisão dos Padres Camio e Gouriou haviam dispersado, e em atrair o maior número possível de novos aderentes para revolucionar a área.
D. Aloísio Lorscheider e mais dez Bispos compareceram à cerimônia de inauguração da igreja de Cristo Libertador.
Episódio importante dessa tarefa revolucionária foi o ato de inauguração da igreja "Cristo Libertador". A construção do templo e seu nome foram sugeridos por D. Casaldáliga (que não é o Bispo da diocese).
Externamente, o edifício não lembra uma igreja católica. Distingue-se das casas dos habitantes pelo fato de ser maior e de construção melhor e mais cara.
De estilo completamente alienígena, poderia estar situada na Noruega ou nos Balcãs. Só quando nos aproximamos da face exterior do templo - uma espécie de muro que serve de paravento - é que nela notamos desenhada, em azulejos, uma cruz amarela.
Em torno desta, quatro círculos encerram respectivamente os seguintes desenhos simbólicos: enxada, machado, chapéu de caboclo e dois punhos arrebentando cerca.
Esses quatro símbolos repetem-se dentro do edifício, gravados numa espécie de tronco de árvore cortado, que sustenta uma prancha que serve de altar.
Sacrário? Sim, há uma pequena caixa de madeira servindo para tal, colocada sobre um suporte em forma de pilão, encostado na parede do fundo, ao lado da porta da sacristia.
Atrás do altar, destaca-se um painel de autoria do Pe. Mário Aldighieri, secretário nacional da Comissão Pastoral da Terra - CPT. O painel, de cores claras, aparentemente ingênuas, representa uma figura aureolada, gigantesca e atlética, arrebentando com os pulsos uma cerca, vendo-se ao fundo o rio Araguaia. Sobre o peito da figura cruzam-se dois fachos de luz amarela, lembrando vagamente uma cruz. Eis a representação desconcertante do "Cristo Libertador".
Dois grupos de personagens ladeiam o "atleta". Num deles sobressai São João Batista, ridiculamente pintado, tendo um pano que lhe envolve os rins. A seu lado, D. Casaldáliga, índios, lavradores etc. No outro grupo aparece São Geraldo, padroeiro do lugar, com vestes clericais, ao lado do Pe. José Maria e do agente pastoral Gringo, morto algum tempo atrás num conflito.
Sob os pés da inadequada figura de Cristo - que o pintor procurou representar, segundo consta, com a fisionomia do Pe. Camio - um local representa o inferno, onde sobressaem as figuras do Ministro Delfim Neto, da deputada Ivete Vargas e do juiz que condenou os padres franceses agitadores.
Deixemos de lado o mau gosto e o ridículo do painel. O que importa notar é sua significação mais profunda: a intenção de glorificar a revolta contra o direito de propriedade e contra as autoridades. Parece ser uma representação, sem talento, dos maus versos de D. Casaldáliga: "Malditas sejam todas as cercas! Malditas todas as propriedades privadas. .... malditas sejam todas as leis" (2).
É, aliás, o próprio D. Casaldáliga quem comenta esse "Cristo Libertador", quando afirma estar ele "rompendo agora os arames do latifúndio e derrubando os poderosos do lucro, das armas e dos tribunais" (3). E o Bispo de S. Félix do Araguaia, representado no painel ao lado de santos, entre outras figuras, parece incluir-se entre os que são glorificados como santos, mediante as seguintes palavras: "A pintura novamente catequizando o povo e glorificando seus santos e estigmatizando seus perseguidores" (4).
Para a inauguração da igreja promoveu-se festança de dois dias, com teatro subversivo, passeatas, "slogans" e cartazes "concitando os fiéis à luta mesmo através das armas" (5). Durante a missa, celebrada no dia 18 de dezembro último, foi ordenado o diácono Luciano. O conjunto da festa comemorava o fato de os padres franceses terem saído da prisão.
O clero progressista apoiou decididamente as comemorações. Estiveram presentes um Cardeal, 13 Bispos e 50 padres, além de grande número de agentes pastorais. Quanto à população, permaneceu mais arredia a esse tipo de manifestação de cunho subversivo. Foi necessário promover a viagem de grande número de pessoas provenientes de outros
Um tronco de árvore serve de suporte para a mesa do altar da igreja de Cristo Libertador, em São Geraldo do Araguaia. Veem-se esculpidos no tronco: mãos, machado e enxada partem arame farpado, símbolo da propriedade privada rural.
D. Patrick Hanrahan, Bispo de Conceição do Araguaia, ronceIebra com os recém-libertos sacerdotes franceses, Pe. Aristides Camio e Francisco Gouriou, na igreja construída para comemorar sua libertação.
Atrás do altar, o desconcertante painel pintado pelo Pe. Mário Aldighieri, secretário nacional da CPT.