Eduardo Queiroz da Gama
Itaici 1980 - Bispos aprovam a proposta da Reforma Agrária de cunho socialista, consubstanciada no documento IPT - "Igreja e Problemas da Terra". Hoje em dia, Prelados que apoiaram esse documento não disfarçam seu contributo para criar o clima de agitação em zonas rurais e urbanas.
EM FACE DAS agitações rurais e urbanas que vão convulsionando o Brasil, "Catolicismo" tem apontado a participação do clero de esquerda na articulação e frequentemente na direção desses movimentos contestatários. Outro aspecto sempre salientado em nossa publicação é a artificialidade dessas agitações - por assim dizer cíclicas - que a "esquerda católica" vem promovendo no País.
Sobre uma e outra coisa faremos algumas observações antes de passarmos a descrever várias agitações recentemente ocorridas, algumas das quais têm prosseguimento até estes dias.
Há pouco mais de um ano, assistíamos a agitações nos grandes centros urbanos - principalmente São Paulo e Rio de Janeiro - onde "famintos" e "desempregados" depredavam e saqueavam lojas e supermercados. Esta mesma "fome" provocou inúmeros saques também no Nordeste, durante a recente seca que afligiu duramente a região.
Fome? Sim, afirmava-se. Inexplicavelmente, porém, os "famintos" começaram - na cidade de São Paulo - a saquear lojas de calçados e joalherias. Alertado o público, os agitadores, pilhados em contradição, passaram a atacar somente supermercados, após pequeno entreato, necessário para novo ensaio e para fazer esquecer sua gafe. Denunciada a presença de elementos do clero de esquerda, do PCB e de agitadores profissionais entre os saqueadores (cfr. "Catolicismo", n° 395, novembro/83), novamente amainou o vulcão que parecia conduzir o Brasil a uma convulsão social, a partir da revolta deflagrada nas grandes capitais.
Neste ano, a "fome" fez suas devastações principalmente na zona rural do País, onde vem crescendo - também orquestrado pelo clero de esquerda - um clamor exigindo a Reforma Agrária.
Estamos em face, portanto, de uma misteriosa "fome" itinerante. No início, os "famintos" se "saciaram" com objetos de joalheria; depois se apoderaram de alimentos, e agora clamam por Reforma Agrária.
Em 1980, a Assembleia Geral da CNBB aprovou o documento "Igreja e Problemas da Terra" - IPT, no qual reivindicava uma Reforma Agrária socialista e confiscatória, e propunha uma Reforma Urbana (cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, "Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária?"). Nada mais natural, pois, que esteja atualmente apoiando as agitações rurais e urbanas que convulsionam o País, e que constituem um meio de forçar a aplicação das referidas reformas. Também é explicável que a CNBB dê seu aval à atuação dos organismos eclesiásticos responsáveis por esses movimentos contestatários: a Comissão Pastoral da Terra - CPT (que atua no campo) e a Comissão Pastoral Operária - CPO (que age nas cidades).
No dia 1° de maio passado, os Bispos brasileiros reunidos em Itaici emitiram nota de solidariedade aos trabalhadores, o que seria muito simpático, não fosse a conotação de luta de classes. Na mensagem divulgada, após externarem seu apoio à organização sindical e às reivindicações salariais da classe operária, os Prelados voltaram a solicitar a Reforma Agrária, e declararam: "Aproveitamos a ocasião para manifestar nosso apreço, confiança e apoio a todos os movimentos pastorais que atuam junto aos trabalhadores do campo e da cidade" ("SEDOC", setembro/84, col. 190).
Como veremos adiante, a participação da CPT e da CPO nas várias agitações é notória. Entretanto, essas comissões timbram em aparecer apenas como fatores de "conscientização" e apoio, e não como organizadoras das agitações. Se isso fosse objetivo, a responsabilidade desses organismos no tocante às agitações já seria muito grande, pois a tal "conscientização" é a causa motriz de todos os movimentos contestatários.
Mas, na realidade, além da "conscientização", a CPT e a CPO exercem uma atividade constante, do começo ao fim, nas convulsões que vêm abalando nosso País.
Nos dias 20 a 22 de janeiro último, ocorreu o primeiro Encontro Nacional dos Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra. Realizou-se no Centro Diocesano de Informação, em Cascavel (PR), com a participação da CPT, CPO, CIMI, CUT, ABRA - Associação Brasileira de Reforma Agrária, representantes de sindicatos de trabalhadores rurais da Bahia, Espírito Santo, Goiás, Rondônia, Acre, Pará, Roraima e, evidentemente, do movimento dos sem-terra do Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
No relatório final do Encontro, é assim mencionado o relacionamento dos sem-terra com a CPT:
"1º - Pedir [à CPT] cursos de formação de lideranças e continuar um trabalho conjunto, pedindo assessorias e apoio nos momentos decisivos como: assembleias, audiências, ocupações e despejos" ("SEDOC", jul.-ago./84, col. 68).
Ou seja, além da "conscientização" e da formação das lideranças, a CPT acompanha o desenvolvimento da agitação do começo ao fim.
Trabalhos análogos executam a CPT, junto aos movimentos rurais, e a CPO nas associações de trabalhadores urbanos.
Por ocasião da invasão da Gleba Santa Idalina, em Ivinhema (MS), os jornais - sem se aterem à diversidade de rótulos - apresentaram a CPT e as CEBs como organizadoras da operação.
D. Teodardo Leitz, Bispo de Dourados, protestou: "A acusação de que a Pastoral da Terra (CPT) teria planejado, organizado e até financiado a invasão, também não corresponde à verdade. No caso, deve-se distinguir entre 'Movimento dos Sem Terra' e a 'Pastoral da Terra' e ainda as Comunidades Eclesiais de Base . .... Quem planejou e organizou a ocupação da área da SOMECO foi o 'Movimento dos Sem Terra'" ("Renovação", julho/84, pp. 19-20).
Como já vimos, as lideranças do "Movimento dos Sem Terra" são formadas pela própria CPT. Em artigo sobre a invasão de lvinhema, João Carlos Oliveira, membro do Centro Diocesano de Informação de Lajes (SC), registrou: "A ideia de escrever esta meditação dentro do programa 'Novas Formas de ser Igreja', veio escutando (sic) as falas do Zé Preto, animador de Comunidade Eclesial de Base e membro da Comissão do Movimento dos Sem Terra que coordenou a ocupação de lvinhema" ("Poeira", mar.-jun./84, p. 27).
O "Movimento dos Sem Terra" da cidade de Três Passos (RS) - o qual é "assessorado" pelo Pe. Arthur Agostini - estabeleceu um conjunto de normas que se denominou "Lei do Movimento dos Sem Terra". Eis dois artigos significativos dessa "lei": "Artigo 7º - Nas comunidades onde já foram feitas reuniões, os agricultores sem-terra que não fizeram sua ficha deverão participar de três (3) reuniões seguidas no seu núcleo para então serem considerados participantes do movimento; Artigo 8º . Nas comunidades onde não foram feitas reuniões será marcado um prazo para que os Sem Terra façam sua ficha" ('SEDOC", jul.-ago./84, col. 74).
Ou seja, para pertencer ao "Movimento dos Sem Terra" é necessário participar de reuniões da comunidade - termo correntemente utilizado para designar as Comunidades Eclesiais de Base.
Portanto, a cuidadosa distinção de D. Teodardo Leitz torna-se necessária apenas para esconder a atuação da CPT e das CEBs. Assim como o "Movimento dos Sem Terra" é formado pelas CEBs rurais, o "Movimento de Bairro" e o "Movimento de Luta Contra o Desemprego" são constituídos por membros das CEBs urbanas. O primeiro é orientado pela CPT, e os dois últimos pela CPO.
Embora a ação da CPT e da CPO se exerça através dos movimentos anteriormente citados, elas vêm também travando, há tempos, por meio das CEBs, acirrada batalha para conquistar a direção de sindicatos de trabalhadores (cfr. "As CEBs...", pp. 217 a 221).
Em julho último, a Comissão Pastoral Operária esteve vivamente empenhada nas eleições de presidentes dos sindicatos dos metalúrgicos de São Paulo, São Bernardo do Campo (SP), São José dos Campos (SP), Campinas (SP) e Belo Horizonte. Com exceção do sindicato de São Paulo, os candidatos ligados à CUT e apoiados pela CPO conquistaram as presidências (cfr. "Catolicismo", n° 405, setembro/84).
Na zona rural, a CPT vem realizando trabalho análogo ao da CPO. Assim, as Leis do Movimento dos Sem Terra, de Três Passos (RS) determinam em seu artigo 9º: "Todo trabalhador sem-terra participante do movimento deverá, na medida do possível, associar-se no Sindicato dos Trabalhadores Rurais, pois o Sindicato é nosso órgão legal de luta" ("SEDOC", jul.-ago. de 84, col. 75).
No Encontro da "Pastoral da Terra" da Regional Sul 3 da CNBB, realizado em Santo Ângelo (RS) no dia 17 de maio último, a respeito do sindicalismo decidiu-se: "Os Sindicatos devem assumir seu papel conscientizador; a Igreja incentive a participação nos Sindicatos e luta pela Reforma Agrária". Ficou resolvido ainda incentivar a criação de "núcleos do PT em cada Comunidade" ("Renovação", setembro/84, p. 23).
No primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores Sem Terra em Cascavel, assim se tratou do problema sindical: "1º ) Os Sem-Terra devem continuar a caminhar juntos com os sindicatos autênticos.
2º ) Nos sindicatos dirigidos por pelegos [dirigentes que não pertencem às CEBs, fazer trabalho na base para mudar a diretoria" ("SEDOC", jul.-ago./84, col. 68).
As considerações que aqui vimos fazendo não importam numa tomada de posição global sobre o movimento sindical. Procuram elas apenas salientar em quão larga medida a "esquerda católica" tem procurado neles infiltrar-se para conduzi-los a metas por ela estabelecidas.
Para a CPT e a CPO, os sindicatos devem transformar-se em "cavalos de Troia" que podem atuar na legalidade, e os quais as CEBs devem utilizar nas agitações.
Fundada em agosto de 1983, a CUT - com apoio da CPT e CPO - vem tentando dominar o movimento sindical trabalhista do campo e da cidade. Seu presidente nacional, Jair Meneghelli, é também presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do
Pronunciamentos do clero progressista em favor de uma Reforma Agrária de cunho socialista vêm preparando há tempos o clima psicológico para as agitações que convulsionam o Pais
Na foto, círculo de estudos do IV Encontro intereclesial de CEBs, realizado em itaici, em abril de 1981. A motivação fundamentalmente religiosa das CEB5 lhes concede uma possibilidade de êxito que o comunismo não tem.
São Paulo, 1983. Agitadores roubam calçados de uma loja depredada. Pouco depois estariam invadindo supermercados...