LEÃO XIII, Encíclica Auspicato Concessum, de 17 de setembro de 1882: O espírito cristão traz consigo a submissão, por consciência, à autoridade legítima, e o respeito dos direitos de quem quer que seja; e esta disposição de ânimo é o meio mais eficaz para cercear, dessarte, toda desordem, as violências, as injustiças, as sedições, o ódio entre as diversas classes sociais, que são os principais móveis e, conjuntamente, as armas do socialismo".
AO CONTRÁRIO do que sucede em alguns Estados - especialmente no Paraná e Pará - no Rio Grande do Sul os sindicatos de trabalhadores rurais, com algumas exceções, não têm apoiado a agitação do clero esquerdista. Mesmo assim, a CPT e a Pastoral Operária estão organizando o movimento dos sem-terra e acalentando (o que equivale a dizer exacerbando e manipulando) o descontentamento de pequenos proprietários e trabalhadores rurais eventualmente prejudicados pela construção de barragens ao longo do rio Uruguai, ao norte do Estado.
Embora com dificuldades, a "esquerda católica" vai tentando também envolver nas malhas da agitação agrária e urbana o simpático e laborioso Rio Grande do Sul.
Provenientes dos municípios de Três Passos, Palmeira das Missões, Campo Novo, Miraguaí, Herval Seco, Braga e Redentora, 75 famílias (num total de 500 pessoas, sendo 300 mulheres e crianças) invadiram uma propriedade da Secretaria da Agricultura, atualmente utilizada como Estação Experimental, localizada a 12 quilômetros da cidade de Santo Augusto. Embora originários de municípios tão vários, os invasores chegaram todos ao amanhecer do dia 28 de agosto (não se revelaram os meios de locomoção), trazendo barracas plásticas para acampar.
Curiosamente, enquanto armavam acampamento no município de Santo Augusto, distante 480 quilômetros de Porto Alegre, os invasores já contavam com dois "embaixadores" na capital gaúcha, os quais deram conhecimento da invasão aos deputados da Assembleia Legislativa.
Darci Maschio e Adão Pretto, de Miraguaí, narraram como se organizou a operação: "A gente veio do interior na noite de anteontem [portanto, dia 27], antes da invasão, mas em todos os municípios da região ouvia-se a mesma conversa . .... Só se ouvia o papo de invadir a Estação. .... O pessoal tomou a decisão de invadir, e talvez repetir a Encruzilhada Natalino" ("ZH", 29-8-84). Seria ingênuo acreditar que um simples boato possa levar 500 pessoas de diferentes lugares, já apetrechadas com barracas e víveres, a afluírem para um mesmo local, concomitantemente.
Mas os "mensageiros" levantaram o véu do mistério. Antes de se dirigirem a Porto Alegre, a fim de noticiarem a invasão que ainda seria realizada, e da qual estavam informados através de "boatos", os dois "mensageiros" passaram, no dia 27 à noite, pela cidade de Frederico Westphalen, para "comunicar" à Igreja Católica a notícia da iminente invasão, segundo declararam. Por coincidência, a Pastoral da Diocese de Frederico Westphalen é das mais ativas na organização de protestos dos sem-terra. Por outro lado, Adão Pretto é membro do movimento dos sem-terra, sendo citado pela revista "SEDOC" (jul.-ago./84, col. 58) como um dos participantes do I Encontro Nacional dos Trabalhadores Sem-Terra, realizado sob a coordenação da CPT em Cascavel (PR), nos dias 20 a 22 de janeiro último.
No dia em que chegaram a Porto Alegre (28 de agosto, data da invasão), foi aprovada na Assembleia Legislativa gaúcha a constituição de uma comissão especial para estudar o problema dos sem-terra no Rio Grande do Sul. No dia anterior, 27 de agosto, o deputado Hilário Braun (PMDB) - posteriormente indicado como presidente da Comissão dos Sem-Terra - tinha se reunido com membros da CPT, ABRA, Fetag e lideranças sindicais de vários municípios, ocasião em que se definiram os objetivos da referida comissão. Portanto, a invasão em Santo Augusto veio dar à constituição da Comissão dos Sem-Terra (que funcionará durante 60 dias, podendo prolongar-se por outros 30) um caráter de urgência.
Tal comissão iniciou seus trabalhos logo na manhã do dia 29 de agosto. Na tarde desse mesmo dia, os deputados da Comissão dos Sem-Terra, os dois "mensageiros" dos invasores e outras pessoas não relacionadas dirigiram-se para Santo Augusto, a fim de visitar o acampamento.
Entretanto, já era tarde. O Governador Jair Soares, a pedido de seu Secretário da Agricultura, João Jardim, tinha ordenado a expulsão dos acampados.
O despejo se realizara no mesmo dia da invasão, 28 de agosto. O diário "Zero Hora", de 30-8-84, narra com detalhes o que se passou.
Logo pela manhã, a Delegacia de Polícia de Santo Augusto convocou 11 líderes dos invasores para prestarem depoimento. Somente dois compareceram. Às 17 horas e 30 minutos, um oficial da Polícia Militar informou aos invasores que tinha sido confirmada a ordem de despejo. Segundo um dos líderes dos invasores, Nelson Mello Luz, ao dar conhecimento da medida governamental, o oficial da PM foi expulso do acampamento pelas mulheres e crianças que, com a Bíblia em punho, entoavam cânticos religiosos. Estavam bem "conscien-tizadas"... e instruídas.
Por volta das 19 horas e 30 minutos, 200 soldados da PM, agentes das Polícias Civil e Federal e um funcionário da Secretaria da Agricultura entraram no acampamento, organizando o despejo.
Por volta das 21 horas, vários veículos chegaram ao local para transportar os invasores. À meia-noite, o último caminhão saiu do acampamento, levando invasores para a cidade de Frederico Westphaten.
O Governo do Rio Grande do Sul demonstrou ser mais organizado do que a vasta trama por trás dos invasores.
Alguns detalhes esclarecem o papel desempenhado por eclesiásticos na organização da invasão. Aproximadamente às 23 horas, Frei Artur Agostini ("assessor" do movimento dos sem-terra e pároco de Três Passos - de onde vieram invasores), tentou alcançar o acampamento para, segundo ele, "levar consolo aos colonos". Os policiais impediram-lhe a entrada.
Por outro lado, o último caminhão que partiu do acampamento em direção a Frederico Westphalen levou 13 famílias. Elas acamparam - desta vez sem invadir - no pátio do Seminário da Diocese local.
A participação de elementos do clero também foi apontada pelo Cel. Osvaldo Ferreira, comandante do 7º BPM de Três Passos, que acusou sacerdotes da região do Alto Uruguai de utilizarem camponeses para seus objetivos de agitação (cfr. "ZH", 30-8-84).
Além do acampamento no pátio do Seminário da Diocese de Frederico Westphalen, os invasores armaram um outro no local denominado Estrada da Fortaleza, em Erval Seco, num terreno de três hectares, cedido pelo vice-prefeito daquele município. Depois de instalados, começaram a receber assistência do Pe. Maurício Benetti, pároco de Erval Seco.
No dia 5 de setembro, uma comissão dos invasores foi recebida pelo Governador Jair Soares, apresentando pedido de terras "no Rio Grande do Sul", além de se queixar da violência física de que teriam sido vítimas durante o despejo. A comissão solicitou também ajuda material para manter o acampamento da Estrada da Fortaleza.
O chefe do Executivo gaúcho respondeu que "não há mais verbas para fazer reassentamento de colonos, neste ano". Acrescentando: "A que tínhamos, já gastamos com os agricultores que reassentamos". Quanto aos alimentos solicitados, esclareceu: "Já distribuímos todo o estoque de roupa e alimentação que tínhamos". Ainda alertou, com louvável firmeza: "E preservaremos a integridade da propriedade particular no Estado, que está sob nossa guarda. Qualquer nova invasão será reprimida pela Brigada Militar" ("ZH", 6-9-84).
Nessa cidade, pertencente à Grande Porto Alegre, um tipo de agitação está se tornando frequente: elementos do clero de esquerda aproveitam-se de conflitos já existentes para criar focos de tensão.
Uma área urbana, de 42 hectares, pertencente à empresa Nelpa (Negócios Imobiliários de Representação Ltda.), foi invadida há algum tempo por 90 famílias. Os proprietários tentaram na Justiça a reintegração da posse, mas o Tribunal de Alçada deu ganho de causa às famílias invasoras, no caso, consideradas posseiras.
Entretanto, organizadas pelo irmão marista Antônio Cecchin, membro da CPT, por Frei Sérgio, pároco de Canoas, e dois vereadores daquela cidade, pertencentes ao PDT, 300 outras famílias continuaram invadindo a área, em sucessivas levas
O religioso Antônio Cecchin, apesar de ter a Justiça concedido o direito de posse às 90 primeiras famílias, não parece reconhecer, mesmo nesse caso, o direito de propriedade privada. O irmão marista está organizando a divisão da área ocupada e partilhada por 400 famílias. Exige que todo invasor, ao entrar na zona, assine um documento declarando reconhecer que o terreno não lhe pertence, e sim à Associação de Moradores. "Assim - declara - não haverá negociações individuais" ("ZH", 4-9-84).
Ou seja, o religioso deseja constituir uma propriedade coletiva. E para isso já está organizando até mesmo uma horta comunitária.
Evidentemente, se a Justiça brasileira pode, com base na lei positiva, conceder o título de propriedade a posseiros, não cabe a um religioso - ou a qualquer outra pessoa - arrogar-se o direito de dividir o que outros ganharam em processo.
Por outro lado, tudo leva a crer que as sucessivas invasões têm por objetivo dificultar a ação dos empresários, que estão tentando ainda a reintegração de posse, a expulsão dos primeiros ocupantes e dos subsequentes. Com esta tática, os religiosos pretendem tornar, pelas vias do fato consumado, a invasão irreversível.
Um dos sócios da empresa Nelpa, Air Bergenthal, procurou o Arcebispo de Porto Alegre, D. Cláudio Colling, solicitando-lhe providências contra as atitudes do Irmão Antônio Cecchin e de Frei Sérgio. O Prelado não esboçou nenhuma crítica à ação dos religiosos, indicando apenas ao empresário que procurasse os superiores de ambos...
Já D. Antonio Cheuiche, Bispo-auxiliar de Porto Alegre, esteve no terreno invadido, dando apoio aos invasores. Durante sua "visita pastoral", foi acompanhado pelo Irmão Cecchin.
Em junho deste ano, em Venâncio Aires, estourou acesa contenda entre o pároco local e a Pastoral Operária, de um lado, e lideranças trabalhistas, de outro.
O Pe. Antônio Bremm e a Irmã Delvina Pasquali, orientadora da Pastoral Operária, vêm insuflando os trabalhadores das fábricas de calçados - principal atividade industrial da cidade - e os trabalhadores rurais contra os proprietários.
O presidente da Associação dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçado, Gilberto Tavares da Silva, declarou que depois que se recusou a assumir a direção do comitê da CUT (Central Única dos Trabalhadores) em Venâncio Aires e a filiar-se ao PT, começou a sofrer pressões e perseguições da Pastoral Operária.
Elvino José Ferreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, também está descontente com as atitudes do Pe. Antônio Bremm: "Ele está atirando o pobre contra o rico, o empregado contra o empregador, o operário contra todos" ('ZH", 12-6-84). O líder sindicalista declarou ainda que em 1982, durante as eleições realizadas pelo sindicato dos trabalhadores rurais, o Pe. Antônio Bremm fez campanha aberta pela chapa de oposição, ligada à CUT, derrotada no pleito.
O prefeito de Venâncio Aires, Almedo Dettenborn, está igualmente preocupado com a atitude do sacerdote que "está colocando os empregados contra os patrões" ('2H", 12-6.84).
O Pe. Antônio Bremm conta com apoio superior para seu trabalho de agitação.
D. Alberto Etges, Bispo de Santa Cruz do Sul (Diocese à qual pertence Venâncio Aires), o Pe. Décio Weber, coordenador diocesano da Pastoral, o Pe. Bremm e a Irmã Pasquali publicaram na "Folha do Mate" uma nota explicativa do trabalho desenvolvido pela Pastoral Operária da Diocese, apresentando-o como inspirado na Encíclica Laborem Exercens. Na referida nota, os signatários afirmam que "os problemas da relação entre o trabalho e o capital não serão resolvidos pelo esvaziamento, mas pelo amadurecimento da consciência de classe" ("ZH", 12-6.84).
O sentido da afirmação é claro: existe um conflito entre o trabalho e o capital, que é preciso ser resolvido pelo "amadurecimento da consciência de classes". Ou seja, pela "conscientização" com vistas à luta de classes. É o que o Pe. Bremm e a Irmã Pasquali já estão promovendo.
O Governador Jair Soares recebe uma comissão de invasores de terras, que se encontram acampados em Erval Seco, e afirma que garantirá a integridade da propriedade privada.
D. Antonio Cheuíche, Bispo-auxiliar de Porto Alegre, visita terreno invadido em Canoas, acompanhado pelo irmão marista Antonio Cecchin (de boné).