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LEÃO XIII, Encíclica Rerum Novarum, de 15 de maio de 1891: "A propriedade particular, já Nós o dissemos mais acima, é de direito natural para o homem: o exercício deste direito é coisa não só permitida, sobretudo a quem vive em sociedade, mas ainda absolutamente necessária (Santo Tomás, 11-11, q. 66, a. 2)".

PARÁ
DEMARCAÇÕES CONFUSAS, INVASÕES INSUFLADAS, CONFLITOS SANGRENTOS

O corpo do fazendeiro Honório Oliveira Corrêa, barbaramente assassinado por invasores de sua propriedade, permaneceu insepulto vários dias, sendo recolhido já em avançado estado de decomposição. Assim são tratadas as vítimas dessa guerra contra a propriedade privada.

A AGITAÇÃO comuno-progressista ameaça levar o Estado do Pará a uma convulsão social de consequências imprevisíveis. No sul do Estado, o enfrentamento entre proprietários e invasores de terras, estes "assessorados" pela CPT, está assumindo o aspecto de sangrenta luta, onde as emboscadas e as mortes se sucedem interminavelmente.

Ao norte, além de invasões com episódios sangrentos, prolonga-se um dos intrincados casos de conflitos fundiários: o da Gleba Cidapar, ou Garimpo do Galdino, como também é denominada a propriedade.

Localizada no município de Viseu, a Gleba Cidapar, de propriedade da Propará S/A, em sociedade com outras empresas, tornou-se palco de sangrento e confuso litígio.

1) O Governo do Estado contesta o direito que a empresa Propará S/A afirma ter sobre 387.355 hectares, e dispõe-se a reconhecer como propriedade particular apenas 108.900 hectares (cfr. "A PP", 17-8-84). Está tramitando na Justiça um processo para esclarecimento da questão;

2) Um pistoleiro alcunhado Quintino comanda uma quadrilha que atua nos municípios de Viseu e Ourém (mas principalmente nas terras da Gleba Cidapar, em Viseu), matando fazendeiros bem como funcionários da empresa Propará S/A que garimpam ouro na área. O objetivo de Quintino, que se apresenta como "defensor" dos posseiros - contando, inclusive, com apoio de alguns deles - seria o de expulsar da região a empresa Propará S/A e fazendeiros cujas terras foram também invadidas, favorecendo assim os "posseiros". Para atingir seu objetivo, está promovendo uma campanha de terror e assassinatos.

Membros do Governo instigam "posseiros"

A confusão reinante no Estado do Pará, e mesmo na área de conflito da Gleba Cidapar, é agravada por acusações, fundamentadas em fatos, de que pessoas com cargos no Governo estariam participando das agitações.

A juíza Maria Soares Palheta, da Comarca de São Miguel do Guamá, município próximo a Bragança e Viseu, em representação enviada ao desembargador Edgar Lassance Cunha, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, acusa

Benedito Monteiro, Procurador Geral do Estado, e João Carlos Batista, coordenador da Defensoria Pública, de estarem instigando "posseiros" a resistirem às ordens de despejo expedidas pelo Poder Judiciário. Após narrar que no município de Paragominas (ver no subtítulo correspondente) "posseiros" estavam resistindo a um despejo com armas na mão, e que estes a haviam insultado, afirma:

"Um dos aspectos gravíssimos desse problema é que, conforme declaração dos 'posseiros', quem os orienta nesse sentido, infundindo-lhes esse conceito a meu respeito, é seu advogado, Dr. João Carlos Batista, estando envolvido também o nome do Dr. Benedito Monteiro, Procurador Geral do Estado, como mandante dessas invasões, bem como ao declinarem ter o apoio do Senador Helio Gueiros.....

"Enfim, temos a Justiça impotente diante da força crescente da ilegalidade e a incúria das instituições jurídicas.

"Esse advogado, João Carlos Batista, não é de hoje que vem atacando a Justiça e seus membros, desmoralizando-os perante a opinião pública e incitando o povo a conseguir terra pela força, com o apoio velado do sr. Procurador Geral do Estado, como podemos constatar ao ouvir a gravação que acompanha este documento e que trata de discursos proferidos por esses dois profissionais do direito, em praça pública, no dia 11-12-83, na cidade de Paragominas" ("OL", 25-5-84).

Fatos como esse, e os que a seguir descreveremos sucintamente, estão contribuindo para estabelecer e generalizar o caos no Estado do Pará. Por outro lado, esse clima de anarquia e confronto de classes sociais, a generalizar-se, poderá eventualmente criar condições até mesmo para uma guerra civil. E esta não é uma hipótese exagerada, uma vez que o sangue já começa a correr em regiões mais conturbadas.

No Araguaia, início de novo tipo de guerrilha?

Palco de guerrilha comunista na década de 70, a região banhada pelo caudaloso rio Araguaia, no sul do Pará, continua sendo hoje em dia abalada por sangrentos conflitos. Após fracasso da guerrilha impulsionada pelo Partido Comunista, sobreveio a agitação rural promovida pela "esquerda católica". Tal conturbação, em consequência de suas proporções e gravidade, vai assumindo o aspecto de um tipo novo de guerrilha, em que invasores de terras lutam contra fazendeiros.

Agitação, morte e vingança

A história da agitação comuno-progressista no Araguaia apresenta episódios sangrentos, antigos e recentes.

No dia 25 de maio de 1980, o Bispo de Marabá, D. Alano Pena, enviou uma carta ao General Manuel de Jesus e Silva, Comandante da 23ª Brigada de Infantaria de Selva, na qual relatava a tensão existente na região. Marcando bem sua "opção preferencial pelos oprimidos", para cuja "conscientização" contribui, depois de se referir ao que qualifica de desmandos dos grileiros, o Prelado perora: "Agora não dá mais para aguentar, sr. general. A paciência do povo se esgota. Que regime é esse nosso que só aciona com eficiência a solução dos problemas dos ricos?.... Que regime é este que assiste de braços cruzados ao esmagamento progressivo de centenas de pobres, só porque são pobres? .... Até quando, sr. general? Receio que esteja para estourar coisa bem desagradável por aí com muito sangue correndo e nós, que vamos fazer? A Igreja não pode sob pena de trair seu mestre, pedir a um povo torturado pela insegurança e ameaças constantes, que tenha paciência" ("Movimento", Belém (PA), 16-6-80, apud As CEBs... - C. D. T., p. 140).

Na realidade, o "alerta", ou ameaça, de D. Alano Pena era tardio. O sangue já havia começado acorrer. No início de 1980 foi assassinado por invasores de terras o fazendeiro Fernando Leitão Diniz, no município de Xinguara. Tempos depois, aparecia morto em Araguaína Raimundo Ferreira Lima, o Gringo, agente pastoral e candidato da oposição à presidência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Araguaia, suspeito de ser responsável pela morte do fazendeiro.

Esses episódios deram início à longa série de enfrentamentos, emboscadas e mortes de fazendeiros e invasores.

"Martírio" explorado pela propaganda

A morte do Gringo é até hoje explorada pelas esquerdas, "católicas" ou não, as quais procuram colher dividendos do trágico episódio, apresentando-o como fruto das "estruturas injustas". As manifestações de repúdio que então se seguiram à morte do agente pastoral foram encerradas no dia 8 de junho de 1980, com uma concentração político-religiosa em Conceição do Araguaia, sede da Diocese de D. Patrício Hanrahan. O ato foi promovido pelas CEBs e CPT da região, com apoio de 30 entidades, entre as quais a CNBB, a UNE e o CONTAG. Várias personalidades estiveram presentes: D. Albano Cavallin, Bispo-auxiliar de Curitiba, representando a CNBB; D. Celso Pereira de Almeida, Bispo de Porto Nacional (GO) e presidente da CPT na região de Araguaia-Tocantins; D. Alano Pena, Bispo de Marabá; os deputados Aurélio Perez (das CEBs de São Paulo); Lucival Barbalho, Roman Tito e Jader Barbalho (hoje Governador do Estado do Pará), bem como o advogado Paulo Fontelles de Lima (então assessor jurídico da CPT na região de Araguaia-Tocantins, e hoje deputado estadual).

Em 1981 os conflitos no Araguaia ganharam as manchetes dos grandes jornais, com a prisão dos padres franceses Aristides Camio e Francisco Gouriou. No dia 13 de agosto desse ano, ocorrera uma emboscada em que morreu o gerente de castanhal Luiz Antonio dos Santos e ficaram feridos quatro agentes da Polícia Federal e do GETAT - Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins. A emboscada foi armada por 13 "posseiros", incitados, segundo ficou depois apurado no processo, pelos sacerdotes franceses, que foram presos no dia 31 de agosto do mesmo ano.

A respeito desses atentados, o Pe. Ricardo Resende, coordenador da Pastoral da Diocese de Conceição do Araguaia, bem como da CPT da região de Araguaia-Tocantins, afirmou: "Nós ainda conseguimos impedir que os posseiros atirem nos soldados, mostrando que só irão prejudicar-se se resistirem à polícia", observando porém que "é impossível impedir que os posseiros e pistoleiros se matem. O ódio entre eles é muito grande" ("Isto É", São Paulo, 16-12-81, p. 53, apud "As CEBs... - C.D.T.", p. 141). Revela, portanto, que a CPT exerce influência sobre os mesmos, a ponto de recomendar-lhes que procedam com prudência em relação à polícia por uma questão apenas de conveniência.

Balanço de quatro anos de agitação

Recentemente, quando esteve depondo na CPI de assuntos fundiários da Assembleia Legislativa paraense (presidida pelo deputado Paulo Fontelles de Lima, ex-assessor jurídico da CPT e advogado de defesa dos padres franceses incriminados na emboscada), o Pe. Ricardo Resende revelou o balanço feito pela CPT - o único que a imprensa tem divulgado - a respeito das mortes na região do Araguaia: em 1980 morreram 4 "trabalhadores" e 12 "latifundiários"; 1981: 3 "trabalhadores" e 7 "latifundiários"; 1982: 7 "trabalhadores" e 5 "latifundiários"; 1983: 18 "trabalhadores" e 6 "latifundiários"; 1984, até 20 de agosto: 14 "trabalhadores" e 2 "latifundiários" ("DP", 22-8-84).

As palavras trabalhadores e latifundiários são utilizadas em termos de luta entre duas classes pelo Pe. Resende. Esse emprego dos dois vocábulos não distingue invasores de posseiros, nem fazendeiros de funcionários, ou, como afirmam genericamente, grileiros e pistoleiros.

O fato de o número de "posseiros" mortos aumentar, e o de fazendeiros e seus funcionários

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Na Gleba Cidapar, tranquilidade só na aparência. Nessa propriedade, localizada no município de Viseu, desenrola-se sangrento conflito fundiário.

A habitação é pobre, mas não faltam armas nem veículo para fugas apressadas. Casa de 'posseiro" no município de Xinguara (PA).

Canavietros em greve, apoiados por D Erwin Krautler, acamparam na Vila Pacal, no km 92 da rodovia Transamazônica. Na foto, máquinas depositam cana na porta da agência do Banco do Brasil.